A Natureza das Ondas escrita por Enki


Capítulo 3
Capítulo 03 - Faço alguns amigos


Notas iniciais do capítulo

Vocábulos de Navegação:
— Bombordo, Lado esquerdo de uma embarcação;
— Estibordo, Lado direito de uma embarcação;
— Proa, frente de uma embarcação;
— Popa, lado traseiro de uma embarcação;
— Convés, superfície superior e aberta do navio;
— Timão, controle de direção do navio.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/499710/chapter/3

Cinco anos se passaram desde meu encontro com a deusa Luna e tal qual ela dissera os eventos seguintes se confirmaram. Naquela noite, Cora me levou de volta para o meu barco. Despedimo-nos e pensei que nunca mais a veria outra vez. Eu cresci um pouco desde então. Cheguei a subir algumas patentes na marinha até virar o imediato de meu capitão no nosso navio. Aquela foi uma boa época. O novo povo estava conquistando espaço no mercado marítimo e nós muitas vezes éramos convocados em missões de guarda dos barcos mercantes. Por outro lado, o expansionismo obrigou os comerciantes a navegarem por rotas mais inseguras e estávamos sempre lotados de trabalho. Houveram ataques de monstros que tivemos de enfrentar e, sinceramente, esses eram os piores casos. Lembro das vezes que nos deparamos com as serpentes do mar, os tubarões gigantes megalodons. Até mesmo uma enorme e bem, bem feia lagosta encontramos.

Era terrível, muitos morriam ou sofriam sérios acidentes durante os ataques e poucos conseguiam durar até o fim de uma viagem, muito menos várias viagens. Eu e o capitão ficamos afeiçoados, acho que pelo fato de eu durar mais do que os outros e, assim, conviver mais empo com ele. Verdade seja dita, nós gostávamos dessa vida. Víamos o perigo mais como um desafio a ser superado do que algo a se temer. E quando as viagens terminavam, bebíamos nas tavernas dos portos da cidade rindo dos monstros que matamos.

Em um desses casos, estávamos voltando de viagem quando o vigia gritou do alto do mastro.

“Rochedo a frente!!!”

Eu estavas conversando com o senhor Dale, nosso mais novo navegador desde o início do mês. Ele me encarou assustado e pude imaginar o que estava pensando. Já havíamos tomado aquela rota várias vezes e era certo que nunca houvera uma única pedra naquela parte da viagem. Muito menos um rochedo.

Corremos para o mirante onde o Capitão Cooper já se encontrava.

“Estamos indo rápido demais, vamos bater.” Ele me falou prestes a correr de volta para o timão.

Eu já sabia o que devia fazer também. Peguei o sino do navio e o entreguei a Dale. Em seguida gritei para a tripulação:

“Homens! Recolher as velas!!” Corri para as cordas do mastro central. “Rápido, rápido! Preciso desses trapos presos em quarenta segundos, se vocês quiserem ter o que comer amanhã!”

Desamarrava uma das cordas quando cinco outros marujos se juntaram a mim. Para quem nunca viu, um nó de marinheiro é uma das amarras mais firmes e seguras que se pode fazer com uma corda. Por outro lado, também é uma das mais demoradas de se desfazer. Pelo menos a maioria de nós tinha prática e já não mais demorava para isso. Desfiz o nó automaticamente enquanto gritava:

“Recolham todas menos a vela frontal.”

Não podíamos recolher todas pois o controle do timão não seria muito eficaz se dependêssemos apenas das correntes marítimas, isso seria quase o mesmo que ficar à deriva. A vela frontal era a menor delas, o que diminuía substancialmente a ação do vento sobre nós, diminuindo bastante a nossa velocidade assim, e ao mesmo tempo mantínhamos um avanço suficiente para que o controle do timão superasse as correntes das águas.

Em dez minutos estávamos com o barco totalmente desviado para bombordo, contornando o obstáculo. Eu e o capitão nos dirigimos a estibordo para ver melhor o que era aquilo do nosso lado, agora que já não havia mais preocupações. O capitão pegou sua luneta e como eu nunca tinha comprado uma, subi em uma das redes do mastro para ter uma visão melhor. Cooper chegou a conclusão antes de mim que nós dois e o navegador já esperávamos, aquilo realmente não era um rochedo. O que não esperávamos era ser os destroços de outra caravela.

Colby Kennell, nosso vigia, se aproximou descendo a rede.

“Devemos sair daqui o mais depressa possível.” Ele afirmou.

“Por que?”

“A coisa que os atacou ainda pode estar aqui. Foi recente, dá pra ver que a maior parte dos destroços ainda não afundaram.”

Esqueci de dizer que Kennell era um tanto medroso, por isso dava um ótimo vigia. Sempre estava atento esperando ver alguma criatura horrenda seguindo em nossa direção por causa de seu medo e assim sempre via com antecedência qualquer coisa que se aproximasse de nós. Às vezes era irritante ele querendo nos convencer a fugir de tudo, mas era uma boa pessoa.

“Não sabemos o que aconteceu ainda e pode haver sobreviventes. Precisamos mandar um bote pata lá. ”

“Está louco? Você sabe que eles não bateram em um rochedo, o que acha que aconteceu para um barco ter se estraçalhado todo então? É óbvio que foi uma dessas feras aquáticas. Precisamos sair daqui o quanto antes!”

“Bom, só o capitão pode decidir o que faremos, então volte para o mirante, Colby, que não posso mudar a cabeça de Cooper. O que ele decidir, estará decidido.”

“Ah sim, você pode. Ele dá atenção ao que você fala. Quem mais tem chances de convencer ele a não fazer besteira é você.”

“Você fala como se já soubesse o que ele vai fazer.”

“Estou aqui a pouco menos tempo que você, meu caro, mas a tempo suficiente pra saber que você e o Capitão são doidos. Não arrisque a tripulação por suas vontades banais de adrenalina.”

Fitei-o severamente e ele recuou arrependido das palavras que escolheu. Repeti com uma voz ainda calma:

“Volte para o seu posto e fique atento.”

Ele o fez e eu desci ao encontro de Cooper.

“Quais as ordens, Capitão?” Perguntei ao me aproximar embora já previsse o que ele falaria.

“Reúna cinco homens e desça um bote, Imediato. Procure por sobreviventes mas não demore muito. Quanto antes retornar, melhor. As águas estão estranhamente calmas para um naufrágio.”

Em seguida ele saiu gritado para que ancorassem o barco. Alguns minutos depois eu já estava junto com mais cinco tripulantes se aproximando dos destroços. Era um tanto medonho ver a embarcação toda arruinada. O silêncio pós devastação lembrava muito o que se encontra em um campo de batalha após uma guerra, apesar de não tão gritante e pesado. Naquela época eu ainda não conhecia esse silêncio para comparar, mas hoje sei que se parecem. Apenas o som da madeira rangendo e a água, mas nada vivo pode-se ouvir nesses lugares. Subi no que um dia foi o convés da popa do navio e caminhei procurando a entrada para os compartimentos. Havia uma tábua bloqueando a entrada, mas nada tão grande que eu não pudesse retirar sozinho. Desci e encontrei tudo escuro. Peguei uma lanterna que estava pendurada na parede, ascendi e segui para o quarto do capitão. A porta estava fechada, mas quando abri encontrei duas moças recolhidas no canto da sala. Achei que estavam mortas, mas quando me aproximei, as vi tremendo. A mais alta percebeu a luz da lanterna e se virou para mim aliviada.

“Moças? Vocês estão bem?” Indaguei.

“Estamos salvas!” A mais alta falou. A outra então me olhou também.

“O que aconteceu aqui no barco de vocês?”

“Foi horrível!” A outra começou. Os cabelos ruivos despenteados e molhados sobre o rosto. “Aquela coisa... nós nem a vimos chegar.”

“Está tudo bem irmã.” A mais alta consolou. “Vamos ficar bem agora.”

“Vamos sair daqui. Contem-me sua história no caminho para o nosso navio. Vocês conseguem andar?”

Elas se levantaram e me abraçaram. Fiquei sem saber exatamente o que fazer. Dirigimo-nos de volta para o convés e eu resolvi puxar conversa para distraí-las e acalmar-lhes o coração:

“Então. O que duas moças faziam em um navio? Quem são vocês?”

“Eu sou Alice.” Falou a ruiva mais baixa após uma curiosa troca de olhares com a irmã. “E essa é a minha irmã, Amy. Nós éramos...”

Uma distante batida de um gongo a interrompeu.

“Não...” Praguejei.

Corri para cima e as duas me seguiram. Quando saímos de dentro do navio, deparei-me com Dale Clark, nosso navegador, correndo pelo convés de nosso barco enquanto tocava o alarme que eu havia entregado em suas mãos. Ele fugia de longos tentáculos, mais grossos que as vigas dos mastros e tão grandes que se projetava a volta de todo o nossa embarcação.

“Ah, ele voltou!!” A mais velha exclamou. Surpreendentemente sorria. “Eu estava mesmo querendo ter uma revanche!”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Sem previsão para próxima postagem. Obrigado a todos que leram e quem puder, por favor, comentem. Nada é mais incentivador do que um retorno de nossos leitores. Obrigado mais uma vez e fiquem bem.