Respiro fundo e me sento na cama para poder olhar o relógio. Passa das duas horas da madrugada. É natal. Eu não consigo dormir, só pensar. Discutir com os meus pais não adiantou. Meu pai disse que minha mãe e ele podem finalmente conseguir empregos fixos, e passar mais tempo comigo. Que eu estudarei em uma boa escola, farei novos amigos, que não preciso me preocupar com a Melissa ou com o Jake porque podemos nos comunicar pela internet, e que posso visitá-los umas duas vezes ao ano, assim como eles podem fazer o mesmo.

Não me parece uma boa ideia. É idiotice. Mordo o lábio inferior ao pensar em estar em outro país, enquanto o Jake está aqui. Penso em nós dois nos falando por Skype um dia por semana, e ele desligando depois de dez minutos por causa de um “barulho estranho”. Aliás, ainda não sei o que foi aquele barulho. Fecho os olhos. Eu deveria estar dormindo.

Estive em Miami poucas vezes. É um lugar bonito, com praias bonitas e com custo de vida alto. Eu deveria estar dormindo, repreendo a mim mesma novamente. Enfim, caio no sono. Eu sonho com uma despedida triste, um avião decolando e muitas lágrimas.

* * *

É quase meio dia quando me levanto da cama. É estranho ser tão tarde e meus pais não terem me acordado ainda. Talvez eles estejam me dando uma folga para ver se aceito a ideia de morar em Miami mais facilmente. Hunf. Após levantar escovo meus dentes, coloco uma roupa que não é um pijama e ligo para a Melissa. Ela não atende. Como é dia de natal, com certeza a Mel tem coisas importantes para fazer, então não me incomodo tanto assim. Mas acabo ligando para o Jake, porque preciso falar com alguém. Ele sim atende, quase que de imediato.

– Oi... – murmuro, tentando manter minha voz firme. – Eu sinto sua falta.

– Eu também, All. Tenho uma surpresa para você. – posso ouvir seu sorriso enquanto diz a última frase. – Acho que você vai gostar. Mal posso esperar para te ver. Será que vai ser só no próximo ano? Não aguento tanto tempo.

– Se você é mesmo tão impaciente, provavelmente as notícias que tenho são ainda piores do que eu imaginava. Aguente firme, Jake.

– Ah, poxa vida... Aconteceu alguma coisa?

– Sabe, eu estou fisicamente bem. – o tranquilizo – Mas é que... Os meus pais. Eles querem se mudar para Miami. E eu não tenho 18 anos muito menos mais que isso. Então, é. Tipo, eu acho que vou me mudar para a Flórida.

O dragão ocidental não responde. Acho que ele sabe que a Flórida fica a muitos quilômetros de distância. Um nó se forma em minha garganta.

– Eu não quero que você vá. – ele sussurra, depois do que parecem horas. – Eu gosto de você aqui. Mas eu entendo. Entendo que você deve ir, e entendo se você for.

– Obrigada. Não há muito que eu possa fazer. - admito, suspirando em seguida. – Isso é ruim, cara.

– É. – o Jake também suspira.. - Sabe, a surpresa que preparei... Parece besteira agora.

– Com certeza não é besteira. Eu tenho algo para você também. – falo, me referindo a camisa que comprei. Agora a frase “tenho uma namorada linda” me garantirá segurança enquanto eu estiver longe. Desde que ele a use quando for sair, todas as garotas metidas se manterão distantes. Eu espero.

– O que é?

– Ué, se você não vai me falar sobre a surpresa, eu não te falo sobre o presente.

– Você é definitivamente uma garota complicada, Alice.

– E é por isso que todo mundo me ama. – respondo. Essa frase me faz me lembrar da Melissa.

– Eu preciso fazer algumas coisas.

– Já? – pergunto baixinho. Não quero dizer tchau.

– Desliga você. – o Jake fala, e eu me sinto boba, e estranhamente alegre. Está tudo dando errado e eu estou feliz. É o que amor faz, eu acho. É maluquice.

– Não, desliga você.

– Se você desligar primeiro eu te dou um beijo.

– E você vai mandar ele por correio? – provoco. – Hoje não conta como dia útil.

– Eu mando pelo sedex. Afinal, mandou, chegou.

– Ai meus duendes, Jake! Isso é brega demais. Eu vou desligar. Beijos.

– Beijos.

Aperto o botão vermelho e a ligação é encerrada. Eu gosto tanto do Jake que até poderia fazer um sanduíche para ele. Estou ficando mesmo apegada.

* * *

Tenho momentos difíceis antes do tão esperado dia 31 de dezembro. Minha mãe não me deixa mais sair de casa. Admito que ela está tendo muito trabalho em inventar desculpas quando peço alguma coisa. Tipo, eu digo “mãe, eu preciso ver a Melissa”, e ela responde “você não pode, você tem que arrumar seu quarto”. Então eu arrumo meu quarto e peço a mesma coisa, aí ela responde “não, você não pode, você tem que fazer o dever de casa”. Obviamente eu estou de férias, só que obviamente ela também não se importa com esse fato.

Mas, porém, contudo, entretanto, finalmente chega o último dia do ano, e eu me sinto livre. Passaremos o réveillon na praia, com o Ja-ke. E a família dele também, é claro. Acho que vai ser divertido, apesar de que estou nervosa. Não o vejo faz mais de 2 semanas!

Vou usar branco. É tradicional e elegante. Acho que farei um penteado também, mas não consigo decidir qual. Eu fico bonita de qualquer jeito.

Pego o vestido tomara-que-não-caia em meu armário e o analiso mais uma vez. Ele é absolutamente perfeito. Talvez não perfeito o suficiente, porque estou prestes a ver o amor da minha vida, mas é o que temos para hoje. Vou usar sapatilhas azuis em meus pés, e um pouco de maquiagem. Só mais algumas horas. Só mais algumas horas e eu vou pular as sete ondinhas.

Tomo um banho, me arrumo, e encontro meus pais no andar de baixo. Entramos no carro e nos dirigimos para a casa de praia da família do Jake.

A casa é realmente legal, e foi legal o dragão ocidental ter nos convidado para passar a virada de ano lá. Eu desço do carro no mesmo instante que ele para. O Jake acena para mim e um sorriso se forma em meu rosto. Ele está a apenas alguns passos. Nem parece real.

Abraço meu namorado. Foi um abraço longo, quente e carinhoso. Depois abraço seus pais e o resto do pessoal.

– Oi – o Jake sussurra em meu ouvido, enquanto nos encaminhamos à entrada da casa.

– Oi. – eu falo. – Bom te ver.

– Eu sei. Mal posso esperar para ficarmos sozinhos.

– Humm. Isso soa bem. – murmuro, rindo. O jake está segurando minha mão, e de vez em quando ele a acaricia com seu polegar. Faz cócegas, mas é bom.

– Eu sei. Temos que nos despedir.

– Isso não é uma despedida. – reclamo – Eu só vou em fevereiro para Miami. Temos muito tempo.

– É... Bem, eu tenho uma surpresa para você, lembra?

– Ah, claro! Está aqui? – pergunto, entusiasmada. – Oh, espere, eu esqueci o presente que ia te dar.

– Não tem problema. – ele dá de ombros. Já estamos dentro da sua casa, que é espaçosa e muito bem decorada. – Ei, pai, eu vou mostrar o lugar para a Alice.

O pai do Jake diz que tudo bem. O Jake me leva até uma porta de madeira branca. Ele abre a porta e entramos em um quarto. Então, eu vejo um monstro. Ele é gordo, horrível e tem pelos dourados. Seus olhos são verdes, arregalados. Eu grito e me afasto. O monstro se aproxima de mim e eu pulo.

– Jake, tira isso daqui!

– O que? O Jeremias?

Ele deu um nome para o monstro? Sério?

– Jake, por favor... – peço, choramingando – Ele vai me pegar!

O dragão ocidental se aproxima do monstro e o segura em seus braços, fazendo carinho na sua cabeça.

– Você tem medo de gatos? – ele pergunta, em tom de deboche.

– Eu não tenho medo. Eu sou apenas esperta suficiente para saber que eles são perigosos e cruéis.

– Essa era a surpresa. Eu imagino que você não gostou. O Jeremias é um gato muito comportado, mas ele também é barulhento de vez em quando...

– O Jeremias é um monstro! – exclamo.

Eu não gosto mesmo de gatos.