No fim da última aula do dia eu apressei-me em direção à saída. Já tinha recebido minha cota de bocas foleiras por hoje. Desci a escadaria e o carro de Tobias pára mesmo em frente. O vidro baixa-se e ele debruça-se para o mesmo.

– Tris, entra. Vou levar-te a casa. – Ele diz.

– Não é preciso, eu vou com as meninas - Respondo.

– Beatrice, eu vou levar-te a casa de Caleb – Ele confessa.

– Nem pensar. Não tenho o mínimo interesse em colocar os pés lá novamente. – Recuso.

Tobias bufa e sai do carro para me encontrar cara a cara. Eu recuo um passo, com medo que ele se lembre de me levar à força.

– Sê compreensiva. Ele só quer falar contigo e depois se ainda o desejares podes voltar para a casa de Marlene. – Ele fala com voz suave.

– Não quero falar com ele – Me mantenho firme.

– Não queres saber o que ele tem a dizer?

– Não.

– Nem se ele explicar o porque de tudo isso? De sua fuga? De porquê Eric queria tanto você?

Ele chamou minha atenção. Ele sabia que eu queria saber tudo isso. Tento me decidir.

– Não é um truque? – Arqueio a sobrancelha.

– Não Tris. Seu irmão só quer o seu bem.

Dou um suspiro e entro no seu carro. Ele dá a volta, entra e inicia a marcha. O silêncio apoderou-se do espaço. Eu estava perdida nos meus pensamentos, agitada.

– Porque vocês vivem todos com meu irmão? – Interrogo. Ele dá um meio sorriso.

– Difícil explicar sem saberes a história toda. – Ele manteve sua atenção na estrada. Percebi que ele não daria as respostas que eu queria então me afundei no banco.

Em pouco tempo estávamos na casa. Mas dessa vez eu pude conhecer o caminho. Mesmo que ainda não fosse capaz de voltar sozinha se necessário. Ele estacionou dentro da garagem. Lá estava o carro de Uriah e duas SUVs pretas. Muito ao estilo policial, pensei.

Entramos na sala e encontrámos Will, Molly e a outra garota que ainda não sabia o nome. Eles me encararam o que me deixou meio desconfortável. Caleb apareceu seguido de Uriah.

– Tris, você veio – Caleb parecia surpreso por Tobias me ter convencido a vir.

– É, eu estou aqui – Apontei.

– Venha comigo ao escritório por favor. – Olhei indecisa para Tobias e ele me incentivou a ir em frente.

Ele me levou por corredores até abrir uma porta e ceder-me a entrada. Entrei e fiquei olhando o espaço até que ele me falou para ficar à vontade. Sentei-me no sofá na parede mais afastada. Caleb se encostou na secretária olhando para seus pés. Nenhum de nós estava confortável.

– Porque você fugiu? – Soltei por fim.

– Esse é o ponto. Eu sabia demais. – Ele disse.

– Sabia de mais? – Eu fiquei confusa.

– Lembra quando… Quando papai morreu? Ele estava fazendo umas pesquisas perigosas.

– Que tipo de pesquisas? – Questionei ainda bastante desorientada.

– Genética. Papai estava fazendo experimentos de genética. Era isso que ele estava fazendo nas férias. E eu tinha descoberto e queria entrar no negócio. O pai me deixou entrar mas com relutância. Ninguém podia saber de nada.

– Por que não?

– Ele estava tentando criar super humanos, Tris. – Ele viu meu olhar assustado. – Ouvir melhor, ver melhor, reflexos melhores. Era uma fórmula para as forças militares. Mas a notícia foi ouvida no local errado. Outros descobriram e fizeram de tudo para encontrar o pai e tomar a fórmula para si.

Eu demorei uns momentos a processar. Meu pai estava estudando algo e sendo caçado por isso. Foi essa a causa do assassinato.

– Então quando mataram papai, eles encontraram a fórmula – Deduzi baixinho. – Se já têm o que querem, porque Eric ainda andava atrás de nós?

– Eles não encontraram a fórmula.

– Como assim? – Exigi.

Ele bagunceou o cabelo visivelmente nervoso.

–Porque não havia formula para eles encontrarem – Ele suspirou. – Você lembra que fomos de férias para a campina? Você e Uriah entraram no laboratório à minha procura. Você bebeu um líquido similar a suco de morango. Você bebeu a fórmula.

Eu arregalei os olhos em choque. Eu não sabia o que dizer. Eu não estava à espera desse rumo de conversa.

– Desculpe desapontar mas eu não me sinto minimamente diferente. Continua exatamente igual – Atiro as palavras.

– Sim – Ele coçou o queixo pensativamente. – Isso realmente curioso. Porem nos outros notaram-se diferenças.

– Outros? Outros beberam?

– Eu percebi que eles logo viriam atrás de mim também – Ele continuou, ignorando minha pergunta – O jeito era fugir e deixar vocês duas a salvo. Mas antes da fuga, eu retirei uma amostra de seu sangue enquanto dormia.

– Para continuar a pesquisa do papai? – Caleb assentiu.

– Através da amostra eu recriei a fórmula e eu mesmo bebi – Confessou – E ao contrário de você eu tive resultados. Mas não os que esperávamos.

– O quê? Porquê? – Eu queria saber mais.

– Do que você se lembra de quando você veio para cá ferida? – Ele me respondeu com outra pergunta.

– Não muito. Só me lembro de explodir em uma dor aterrorizante e depois tudo isso desaparecer…

Caleb assentiu, esperando que eu continuasse, mas isso era realmente tudo o que me lembrava. Repasso tudo na minha cabeça até quando Tobias me levou para casa. Então, se fez luz na minha cabeça.

– Você me curou! Quer dizer, eu fui esfaqueada e nem uma cicatriz tem. – Em casa de Mar, fiquei surpresa quando havia tirado as bandagens e não tinha ferida alguma. – Mas me lembro de quando acordei ainda me doía!

– É, eu coloquei muita energia nos seus ferimentos internos. Daí que seus cortes não curaram tão rapidamente. – Esclareceu. Apesar de isto soar tudo estranho assenti.

– Mas eu ontem meio que tive um acidente. E o grande arranhão que eu tinha desapareceu também…

– Ainda tinha energia suficiente em você para curar, possivelmente. – O silêncio alastrou – Eu não abandonei você Tris. Por um tempo eu fiquei por perto, vigiando vocês.

– Mas depois veio para Chicago. – Apontei.

– Sim, mas mantive um olho em você. Eu sempre sabia o que você fazia, o que estava tramando.

– Como é que… A VOZ! – Gritei – Era você? Eu pensava que estava ficando louca.

– Era minha namorada para falar a verdade.

– C-como isso é possível? – Eu cada vez ficava mais atónita.

– A fórmula. – Contou Caleb.

– Mas você não disse que a fórmula era apenas para melhorar reflexos e essas coisas? – Arfei.

– Não tivemos o resultado desejado.

– Existem mais como vocês dois? – Perguntei a medo.

– Todos nessa casa. – Eu tombei para trás no sofá.

– Todos? – Ele confirmou – São todos curandeiros e telepáticos?

– Não desse jeito? – Eu enruguei a testa atordoada. Ele suspirou. – A fórmula parece desenvolver de diferente forma consoante o hospedeiro.

– Excepto em mim que não desenvolve de forma alguma – Murmurei.

Ele nada falou. Cada vez mais e mais, o que meu irmão me contava parecia bastante surreal. Por outro lado eu havia tido as provas. Eu as tinha visto e as tinha sentido. Eu suspirei cansada. Como se não bastasse eles serem anormais, ainda eram perseguidos. Como eles conseguiam manter a postura de adolescente típico enquanto iam na escola? Eles eram muito novos para enfrentar algo como isso.

– Caleb? Porque você lhes deu a beber a fórmula?

– Eu salvei cada um deles da morte. Eu não consigo curar tudo. Mas a fórmula sim. Eles sobreviveram e a consequência foi essa. Ser diferente. Eles se habituaram com isso.

– Uriah quase morreu? – Engasguei, momentaneamente me sentindo estupida por ser uma idiota com ele.

– Não. Ele se juntou de livre vontade. Vingar o pai eu acho. – Meu irmão deu de ombros.

– E você deixou? – Rugi. Me levantei, andando de um lado para o outro.

Ele encolheu de novo os ombros. Bem, eu sei que Uriah pode ser bem insistente quando quer mas Caleb devia tê-lo mantido fora disto.

– Tris, eu gostava que você vivesse aqui connosco. – Ele olhou para o chão. – Eu esperei nunca precisar mas eu meio que sempre deixei um quarto para você. Sempre que me mudei, eu decorava um quarto para você.

– Caleb… - Senti lágrimas pinicar. – Eu fico.