A Pele do Espírito (versão antiga) escrita por uzubebel


Capítulo 4
Histórias de Fantasmas


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente. Tenho andado com a cabeça meio cheia então, pra extravasar, resolvi postar um novo capítulo um pouquinho adiantada. É curtinho mas logo posto mais pra compensar. Espero que gostem.



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Dizem que o solstício de inverno é uma data funesta. Não dá pra pensar menos da noite mais longa do ano. As pessoas têm medo do escuro; eu não.

Eu tenho medo da luz.

Mesmo quando eu não conseguia me lembrar, quando minha memória ainda era uma caixinha trancada por outrem, acender uma pequena vela bastava para me enervar. É pior ter cicatrizes quando você não sabe como se machucou.

Mas o solstício não é apenas um dia maldito, é o dia em que relembramos nossos mortos. O dia em que, dizem, o véu entre o mundo físico e o espiritual fica tão diáfano, que os mortos vêm visitar seus vivos. E nós nos preparamos para recebê-los. Cozinhamos e lhes oferecemos um banquete, música, dança, orações... É assim que fazemos nosso festival de solstício de inverno.

– Não entendo... – divaguei.

– O quê? – Ed perguntou, pescando um caramelo da minha bolsa.

– Porque Dorothea agiu... daquele jeito.

– Ninguém gosta daquele lugar, Lóris. Os adultos contam histórias...

Era assim que Ed me chamava: Lóris. O apelido era o nome de um país distante onde os habitantes costumavam ter olhos e cabelos negros como os meus. E, por outro lado, também significa chama. Perfeito para a garota que não morreu queimada.

– Você devia perguntar ao meu irmão, porque ele adora repeti-las – Ed continuou – e vive dizendo que elas ficam ainda melhores no solstício.

Ed tinha três irmãos: dois mais velhos e uma irmã caçula. Natalie era apenas um bebê, a princesinha da casa. Tito tinha quinze, e achava ter anos demais para se misturar conosco, crianças. Já Donnie tinha dezenove anos e era um cara legal, aberto, que não se importava com isso. Na verdade, vivia nos acobertando e livrando de problemas.

– Você entrou naquele templo? – Donnie perguntou, sua voz alcançando um timbre agudo e incrédulo.

– Eu... é – confessei.

Ele não era o tipo de pessoa que me repreenderia, mas o que disse me surpreendeu mais:

– Legal! – ele sorriu – Quem te desafiou?

– Desafiar?

– É, eu nunca contei? Foi o que aconteceu comigo, quando era um pouco mais velho que vocês. Me desafiaram a entrar no templo e pegar algo para provar. Mas, se tivesse oito anos, acho que jamais teria entrado.

– E você pegou? – Alice perguntou ansiosa.

Donnie meteu a mão no bolso e retirou uma pequena pedra alva, que cabia escondida na palma da sua mão fechada. Quando abriu os dedos, vi que sua superfície brilhante não era apenas polida, mas esculpida delicadamente. Parecia um gato, pelo formato de sua cabeça, mas tinha duas caudas...

– É um pequeno ídolo de pedra – explicou -, e representa um espírito. Vejam esse pequeno cordão – passou-o pela cabeça até o pescoço. – Esse devia ser o amuleto de alguém, e ficou perdido naquele templo abandonado por séculos. Talvez como oferenda, ou esperando a benção do espírito que lá habita.

– Habita? – repeti – Tipo, agora?

– Ah, é o que eu acho. Sabe, um templo é o lar de um espírito no mundo físico. Não que precisem disso para existir no nosso plano, do mesmo modo que você não precisa de verdade de uma casa para viver, mas melhor ter, não é? E, tendo um lar, você será sempre ligado a ele; laços de amor ou de ódio, mas laços, sobretudo, emocionais... Diferente de um espírito.

– Diferente como? – Ed se remexeu.

– Diferente porque um espírito e seu templo são ligados por magia... Intimamente, como corpo e alma. Quando um templo é oferecido a um espírito, há inúmeros rituais para uni-los, se o espírito aceitar.

– E o que aconteceria se um espírito precisasse abandonar seu templo?

– Haveria mais rituais, mas para separá-los – Donnie respondeu. – E não acho que isso tenha acontecido com aquele templo da Praia Velha.


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