A Pele do Espírito (versão antiga) escrita por uzubebel


Capítulo 31
Os que ficaram para trás


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente!
Sinto dizer que mais uma vez o capítulo não ficou muito longo, mas não foi por falta de inspiração. Na verdade, fiz um corte cirúrgico, pois muitas coisas estão prestes à acontecer e Lorena e Byakko estão prestes a passar por grandes provações, o que me faz imaginar que o próximo capítulo ficará muuuuito longo, ainda mais se estivesse somado à essas mil palavrinhas. Prefiro cortar agora a cortar no meio da ação/emoção. Maaaaaas prometo publicar o próximo capítulo logo. Nem acredito que a história já está acabando... Tudo acaba esse ano.
Muito obrigada à todos vocês que leêm e acompanham, amo todos vocês. E espero que gostem.
Beijos.



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Byakko começou a arrumar minhas coisas com cuidado, mas a falar freneticamente, como se o que ele fazia ou dizia fosse me distrair do meu pesadelo. Quando terminou, ele havia comentado mil frivolidades, e me estendia a bolsa com os tesouros que haviam me sobrado.

— Vamos? – Ele ofereceu ajuda para me levantar.

Segurei sua mão e com a outra apanhei minhas coisas.

— Vai ser uma longa subida – ele acrescentou. – Você está melhor?

— Sim – respondi apressadamente. – Só um pouco atordoada.

— Precisa descansar mais?

— Não – disse Um, levantando-se. – Acredite, não vai melhorar. À partir daqui as coisas só ficarçao mais confusas. Esse não é um lugar para os vivos,  muito menos para os humanos. E, para reestabelecer sua ordem, esse mundo vai tentar te repelir como puder. Não acredite no medo.

Foi só um pesadelo, admiti para mim mesma.

Começamos a subir. Os degraus escavados na estalagmite eram irregulares e estreitos. Eu nunca imaginei subir tanto, olhando apenas para baixo. Por outro lado, ter de caminhar com tanto cuidado limpou minha mente de minhas preocupações, e desatou o nó em meu estômago.

Se havia algo imensurável naquele lugar, não era a altura, era o tempo. Não havia céu, logo não víamos sol ou lua; poderia ser dia ou noite. Não era capaz de dizer quanto havíamos caminhado. Mas havia pequenas estruturas cristalinas que desabrochavam por toda a caverna, e que por algum motivo emitiam uma luz fraca e persistente, distribuídas pelas rochas escuras como estrelas.

Com algum tempo, minha noção de altura também não poderia estar mais confusa. Eu só tinha certeza de que não queria cair.

— Estamos quase chegando... – Byakko anunciou, fúnebre, depois de uma pequena pausa para recuperar o fôlego.

Agota, o castelo acima de nós quase nos eclipsava. Já estávamos na altura das estalactites que pendiam do teto e conseguíamos ver, no topo da escada, uma porta talhada na rocha, a entrada para o palácio de Yasuko. Dois archotes acesos a ladeavam e eu era quase capaz de sentir seu calor.

— Vamos continuar – ignorei a tremedeira nas pernas exaustas e tomei a dianteira.

Byakko arregalou seus olhos com surpresa e Um riu através de suas presas fechadas, empurrando-o para adiantar-se pelos degraus.

Em minutos eu estava lá, com o archote nas mãos. Diferente do que pensara à princípio, não havia uma porta ou trancas, mas apenas um arco esculpido, como uma garganta. Além dele, uma escada em espiral levava ao castelo, sem iluminação ou janelas em seu percurso. Levantei o fogo para ver melhor; não parecia ser uma grande subida.

Byakko me alcançou, tomando para si o segundo archote.

— É estreito demais – comentei, medindo a entrada com os olhos. – Um não vai conseguir passar.

Um rosnou.

— Você não se lembrava? – Indaguei-o.

— A entrada não era assim...

— Yasuko gosta de... redecorar – disse Byakko.

— Ele pode ter feito de propósito. Minha irmã... Eu prometi.

— Não há outra entrada? – Perguntei.

Byakko desviou o olhar e cruzou os braços.

— Byakko?

— Talvez...

— Talvez?

— Eu não gosto dessa opção.

— Mas existe uma opção.

— Nós teríamos que nos separar – ele disse.

Byakko voltara a focar em meus olhos.

— Eu não me importo de dar uma volta maior.

— Não se chega lá a pé, Lóris. Existe outra entrada, no alto da caverna. Não há escadas, não há passarelas. É a entrada pra quem pode simplesmente aparecer lá.

— Como os Espíritos – complementei.

Ele anuiu.

— Eu não posso levar você até lá, da mesma forma que não pude te trazer até aqui. Não sei se humanos podem viajar como eu viajo, mas sei que não vou correr o risco com você.

Coloquei meu archote de volta em seu lugar e andei até Byakko.

— Mas você pode levá-lo, não pode?

Suas sobrancelhas escorregaram para muito perto de seus olhos, escurecendo-os.

— Não vou deixar você para trás.

— Nós já nos separamos – retruquei. – Tâmi e Dois ficaram do Outro Lado para que pudéssemos passar por Taiga. Mas, se deixarmos Um aqui, perdemos ainda mais a força de nossos números. Não podemos deixar mais ninguém para trás.

Não havia outra expressão no rosto de Byakko além de uma relutância azeda que contorcera seus lábios com o sabor de minhas palavras. Em seguida, ele exalou um suspiro resignado, estendendo-me seu archote aceso, dizendo:

— Você vai precisar disso – tomei-o. – Mas me prometa que vai esperar eu voltar. Espere na escada em espiral, mas não entre sozinha. Prometa-me.

— Eu prometo – concordei.

Ele fitou meus olhos por um longo segundo antes de se convencer,

— Certo – foi até Um e depositou a mão em seu peito, sobre a sua marca. – Espero que funcione... – Sussurrou.

Névoa pálida cobria seus calcanhares e girava ao seu redor, cada vez mais rápido, cada vez mais alto. Então, quando Byakko e Um foram completamente cobertos, a névoa se dissipou e eles haviam desaparecido.

Me agarrei firmemente à minha bolsa e meus tesouros. Ergui o fogo acima de minha cabeça para iluminar o caminho. Passei meu tronco pelo arco de pedra e avancei,  subindo a escada devagar. As paredes me cercavam de ambos os lados, seria impossível subir com alguém ao meu lado, apenas em fila. Se tratava de uma entrada nada suntuoso para o que chamavam de “palácio”.

Na saída da escadaria também não havia porta, apenas um arco igual à entrada, iluminado por chamas bruxuleantes. Sentei-me quatro ou cinto degraus abaixo, fora das vistas de alguém que passasse. Estava com fome, e comi as duas últimas tiras de peixe salgado. Para a volta não sobrara nada mais que três maçãs, e eu esperava que bastasse. Afinal, descer a montanha tinha de ser mais fácil que subir, não é? Comi devagar, como se assim pudesse enganar meu estômago e fazer cada mordida render.

Quando terminei, tomei dois pequenos goles de água. Byakko ainda não aparecera, e eu começava a me inquietar. Muitas vezes olhei escada acima e escada abaixo, esperando vê-lo se aproximar. Não havia nada além da luz fraca e da quietude mórbida envenenando minha mente. E se Yasuko os tivesse encontrado?

Comecei a engatinhar pelos degraus, tentada a espiar através da saída. Deixara o archote apoiado contra a parede atrás de mim e então... ele se apagou. Escorregara, e o ruído do ferro quicando na rocha ecoou por todo o lugar. Meus olhos se acostumaram à escuridão antes do som deixar meus ouvidos. Eu mal respirava.

Então, de ouvidos apurados, captei um pranto baixo. Soluços agudos e intensos, e murmúrios ininteligíveis.

— Mamãe, papai...

 

— Eu posso fazer a dor parar.

 

— Byakko... – A voz chorava.


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