A Pele do Espírito (versão antiga) escrita por uzubebel


Capítulo 29
A água que lava as memórias [HIATUS]


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente. Como muitos já devem ter percebido através do título, a história vai entrar em hiatus por enquanto, a partir desse capítulo. Mas por quê? Porque, como quem acompanha a história deve estar ciente, eu estou fazendo meu trabalho de conclusão de curso e este será o semestre final, e terei muito o que fazer. Mas não se preocupem, eu não vou sumir, será apenas uma pausa até eu apresentar meu trabalho no final do ano, e finalmente ter alguma paz interior. Também não vou parar de escrever, pretendo continuar escrevendo mesmo sem poder publicá-la por enquanto e também gostaria de fazer algumas revisões. Mas em breve estarei de volta. Espero que essa notícia não lhes tire a vontade de continuar a ler, por isso achei justo esclarecer tudo logo, e não nas notas finais. Por favor, não se esqueçam de mim, porque não vou me esquecer de vocês.
Espero que gostem do capítulo e voltem em breve para ler o resto.
Beijos.



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Pensei em enxugar suas lágrimas, mas cheguei à conclusão de que não tinha esse direito. Tolo!, recriminei-me. Jamais imaginara que Lóris traria suas coisas até aqui, tão longe. Chegara a  pensar que ela deixaria seus tesouros seguros na caverna, e traria apenas roupas, cobertores e comidas, e nem pensara em lhe explicar como era a passagem. Eu estava acostumado a assistir as almas perderem coisas preciosas durante a travessia, como os laços com aqueles que eles amavam e que haviam ficado para trás, mas não sabia que a jornada tiraria algo de Lorena também. Mas, se existe um lugar que te transforma, é a Morte.

Comecei a recolher seus pertences jogados no chão, enquanto ela fitava as águas turvas, e estendi o que podia ser salvo sobre as costas de Um para que secasse. A última coisa foi Damien, que coloquei entre as escápulas da estátua. Nesse momento, Lorena já me observava e se aproximou para ajeitar as patas da pelúcia, deixando-a como se repousasse.

— Por quê está tão vazio – Ela perguntou. – Só há nós aqui... Onde estão todos os falecidos?

— Não é esse o lugar deles. Digo... Essa aqui é apenas uma antessala. Uma guarita onde Yasuko vigia quem entra e quem sai. Mais especificamente aqueles que tentam fugir... – Sentei-me apoiando as costas no corpo maciço de Um. – Os mortos ficam do lado de fora da caverna, como você também vive no mundo do lado de fora, do Outro Lado. Há muito mais do que apenas isso no Mundo Espiritual, esta é apenas a ombreira.

— Então vamos sair?

— Não. O pedaço de sua alma não está lá, com os outros. Está aqui mesmo.

— Onde?

Olhei para cima e Lorena me espelhou. Ela focou as enormes estalactites que se penduravam no teto, cheias de orifícios escavados à imagem de janelas, de onde escapava um leve brilho. Ela virou um pouco a cabeça, como se imaginasse tudo de ponta cabeça, cada um dos cones sendo uma torre de um grande castelo construído pela própria natureza. Ou, pelo menos, à sua imagem, pois tudo ali era moldado pelo pensamento e pela magia.

— Está na fortaleza de meu irmão...

Ela estava confusa.

Pus a mão sobre a nuca, pensando no que eu poderia dizer. A verdade era que Yasuko queria que eu fosse até ele, estava me desafiando ou estava louco de curiosidade pela minha nova condição, minha mortalidade. E agora ele nos atraía até lá. De alguma forma, ele soubera. Ah, as coisas que ele diria...

— Eu não sei – suspirei.

Lorena não se convenceu, mas se lembrou logo algo muito mais importante.

— Mas... E sua irmã? – Ela perguntou à Um, preocupada que assim não pudéssemos ajudar.

— Ela também nunca esteve com os outros. Acredite, teria sido muito mais fácil se esse fosse o caso... – Ele respondeu, melancólico.

— Por quê...?

— Lóris, você se lembra do que eu contei... a aposta entre Isméria e meu irmão? – Comecei a explicar quando vi Um sentir dificuldade em procurar as palavras certas.

— A que destruiu a cidade – ela concluiu, provando que se lembrava.

— Isméria apostou que Yasuko se apaixonaria. E mais ainda seu plano sempre foi que ele se tornasse mortal e abandonasse o Mundo Espiritual como consequência. Então, meu irmão perdeu a aposta, mesmo que no fim não tenha caído...

— Ele se apaixonou.

— Sim, ele se envolveu com uma humana – enfatizou a palavra com algum cuidado, como se achasse ela mais apropriada por algum motivo.

— E depois a matou. Quando percebeu o que achava que sentia e no que se tornaria, ele matou nossa irmã... – Cuspiu Um. – Não, não era amor... Como poderia...

— Era sua irmã...? A garota?

Um assentiu, pesaroso.

— Ela gostava dele... Minha irmã... – Confessou. – Mas quando Yasuko percebeu que ia se tornar mortal também, ele enlouqueceu. E a culpou. Ele a matou pra impedir a transição, e nem assim ela está livre... Minha irmã é prisioneira em seu palácio desde então, já que em sua cabeça ela ainda é dele. Em sua cabeça, a única maneira de eles estarem juntos era essa, com ela morta e sua alma acorrentada em seu salão...

— Um... – Eu o chamei, agora que ele se levantara e elevara a voz com rancor. – Você precisa se acalmar.

— Me desculpe.

Peguei a pelúcia de Lorena que caíra no chão depois de Um ter se erguido de súbito, e ela o tomou mesmo ainda úmido. Olhava-o intensamente, pensando em algo, vendo algo que apenas seus olhos eram capazes, e então se virou para Um. Ela pôs sua mão sobre os ombros da estátua e disse:

— Nós vamos ajuda-la, tá bom? Vamos salvar sua irmã. É uma promessa.

Logo em seguida, ela levou a mão ao peito, como se sentisse algo estranho.

A pedra amarrada ao meu pescoço se aqueceu como uma pequena brasa, de repente. Segurei-a através da roupa para me certificar de que não imaginara a sensação e, tão inesperadamente quanto o calor viera, ele se arrefeceu.

— Nós precisamos descansar antes – Byakko interrompeu meus devaneios. – E comer alguma coisa também. Vai ser uma subida cansativa até o castelo.

Ele apontava degraus estreitos esculpidos em uma espiral ao redor da única estalactite que encontrava o chão, subindo até uma espécie de portal na altura do que seria o castelo de Yasuko. Provavelmente era a entrada. Seria uma subida íngreme para todos nós, mas ainda pior para Um que agora era o maior dos três. E a escada subia pelo menos 100 metros até o castelo. Parecíamos estar dentro de uma montanha completamente oca, como a outra, só que esta não tinha uma cratera no topo.

Sentamos todos e eu vasculhei a bolsa atrás de alguma comida. As bolachas haviam derretido na água e as descartei, mesmo sendo a maior parte da comida que eu trouxera. A carne tivera todo seu sal lavado, mas ainda era possível comê-la, mesmo que não fosse agradável engoli-la molhada, e restavam duas maçãs. Dei uma para Byakko e comi a outra, economizando a charque. Se sobrevivêssemos, precisaríamos de algo para comer na volta. Pelo menos água tínhamos bastante, cortesia de Tâmi ainda no outro lado, e agora estava agradecida por isso depois de conhecer a cor da única água que eu vira por aqui.

Byakko deu apenas uma mordida em sua maçã, completamente em silêncio. Às vezes, eu o pegava encarando nosso destino, acima de nossas cabeças, com muito pesar e alguma amargura. A cada passo que dávamos em direção a seu irmão, sua expressão parecia se tornar mais sombria, e agora estávamos em seu quintal e bateríamos à sua porta. Tudo o que eu sabia sobre Yasuko girava em minha mente. Eu me lembrava do que Byakko contara dele e de como suas ações haviam resultado no massacre de milhares de vidas, e na época eu chegara a pensar que ele apenas não sabia que seria assim, que tudo aconteceria. Na verdade, ele certamente não se imaginava perdendo a aposta. Sem dúvida era alguém orgulhoso e confiante. Mas agora Um contara de sua irmã, e que ele fora seu assassino. Era muito diferente de não ter consciência das consequências de suas próprias ações, isso podia ser perdoado... Podia? Byakko claramente achava que não. Nesse caso, o sangue estava em suas mãos. Começava a me ocorrer que Yasuko poderia ser, na verdade, alguém cruel... Mas cruel como? Como Isméria? Não..., afastei essa ideia de minha mente. Byakko se comporta de modo totalmente diferente quando se trata dela, do que quando fala de Yasuko. Mas não seria porque são família? Com Isméria é como se ele sempre esperasse o pior dela, mas quando ele fala do irmão é apenas...

Apenas?

Enquanto isso, Um fitava o lago ao nosso redor como se esperasse conjurar Dois das águas. Ele não queria falhar e, mais importante, não queria falhar sozinho... Que peso seria seu irmão ter se sacrificado para lhe dar uma chance, e ele desperdiça-la.

O silêncio de todos, inclusive o meu, era insuportável.

Decidi tentar outra vez fazer a chama em minhas mãos, como Um e Dois haviam me ensinado. Eu ainda estava completamente ensopada, mas, pelo bem ou pelo mal, não parecia haver sequer uma corrente de vento naquele lugar. Byakko também estava molhado, as roupas grudadas em seu corpo e a capa jogada sobre Um para secar ao lado das cobertas, mas ele não aparentava qualquer incômodo. Não que ele fosse se incomodar caso não estivesse com a cabeça em outro lugar, no palácio muito acima de nossas cabeças, já que o frio nunca lhe causava desconforto, e talvez a humidade também não. Ele não se preocupara em tirar sequer os sapatos.

Desviei os olhos de sua silhueta e voltei a me concentrar em minhas próprias mãos. Repassei em minha mente todas as palavras dos irmãos e me concentrei. Mas nada ocorreu além de a pedra se aquecer entre meus dedos, como antes. E, no entanto, eu não me sentia mais forte ou mais capaz de acender sequer uma fagulha, apesar de que a pedra deveria me ajudar. Quanto mais quente ela ficava, mais eu pensava que talvez ela estivesse tentando, talvez não fosse culpa da gema, mas minha. Um passara a me observar, e agora me encarava com um olhar analítico. Quando eu parei o que estava fazendo e devolvi seu olhar, ele disse:

— A magia por vezes pode ser complexa...

— Mas você disse que acender uma chama era simples.

— Mas não disse que era fácil. Não para todos...

Joguei as mãos para o ar, demonstrando minha confusão, e a pedra voltou a se aninhar em meu pescoço.

— Não estou entendendo mais nada.

— Você pode não se lembrar, mas eu suspeito que uma parte de você tenha medo do fogo... A parte que viu o incêndio na sua casa, que se lembra, e que viemos buscar. A magia tem tudo a ver com a sua mente. Talvez esse trauma nunca te permita acender uma chama...

— Então não sou capaz de fazer magia?

— Você é. Só não vai conseguir com fogo.

Seria lógico eu ter perguntado o que fazer então, mas eu estava decepcionada demais para seguir alguma lógica. Apenas larguei meu corpo sobre o chão rochoso da ilha, com uma mão sobre o rosto e a outra segurando a pedra azulada sobre meu peito. Sua temperatura oscilou novamente, como se tentasse me consolar. Chega, disse-lhe mentalmente, você pode parar agora, não viu que eu não consigo?. Comecei a me castigar com o pensamento de que seria inútil quando chegássemos lá em cima. De repente, todo o cansaço da travessia se abateu sobre mim agora que não havia mais uma gota de adrenalina em minhas veias. Minhas roupas ainda estavam húmidas e assim que secássemos teríamos mais um pedaço da jornada adiante, talvez a pior parte. Eu devia ter tempo o suficiente pra um cochilo, só cinco minutos. Fechei meus olhos e caí no sono, naquela que provavelmente seria minha última chance de descansar.


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Notas finais do capítulo

Será um longo cochilo, mas sempre despertamos...



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