– Nunca pensei que teria que fazer um elogio fúnebre para alguém. – O rapaz, escondido atrás de uma grande árvore, podia ouvir a garota falando para todos ali. – Principalmente um elogio fúnebre para Isaac, ou, como todos o conhecem, Chapeleiro Maluco. Como podem ver, não está chovendo, como nos filmes, mas o sol está brilhando. Fico me perguntando se isso quer dizer alguma coisa.

Olhou para o céu e percebeu como o dia estava estupidamente bonito e feliz. Ridículo.

– Isaac não vai virar uma rua, uma estrela ou qualquer outra coisa que fazem para homenagear pessoas importantes. Mas eu sei que ele foi importante.

Apesar de triste, Alice estava linda naquele vestido preto. Óculos escuros cobriam seus belos olhos castanhos e um batom vermelho chamativo enfeitava seus lábios.

– Chapeleiro foi o meu refúgio durante esses nove meses que passamos juntos. Pode ser que eu não saiba metade de sua vida, mas sei que ele vai deixar uma marca em mim que eu nunca poderei tirar. – Ela fungou, respirou fundo e continuou. – Eu passei com ele seu último dia. Eu não sabia que era seu último dia, mas penso que ele sabia perfeitamente. Nós dormimos abraçados, mas ele não acordou.

Ela pegou um lenço e secou as lágrimas por baixo das lentes.

– Isaac não descobriu um planeta novo. Isaac não pisou na lua. Isaac não era famoso ou conhecido. Isaac não descobriu um elemento novo na tabela periódica ou alguma doença nova. Mas, eu posso apostar, se as pessoas conhecessem um pouco mais de nosso querido Chapeleiro Maluco, o mundo certamente seria um lugar melhor. No seu último dia, quase não falamos nada, apenas nos abraçamos e dormimos. E eu tenho certeza absoluta que aqueles minutos que apenas nos olhamos nos olhos disseram tudo que precisávamos dizer.

Alice falou sobre Isaac por mais dez minutos, destacando o quanto ele era sensacional, e tudo que Guilherme podia fazer era apertar o metal do revólver no seu bolso. Queria tirar a arma de lá e acertar balas na cabeça de cada um, pegar Alice pelo braço e tirá-la de lá. Ela não devia estar falando de Isaac.

– Bem, por fim, só posso dizer que eu fui a garota mais feliz do mundo por namorar e casar com Isaac. Ele foi a melhor coisa que aconteceu comigo, e eu nunca deixarei de amá-lo.

Ela casou com ele?

Ela nunca deixará de amá-lo?

Ela nunca vai me amar?

Só percebeu que lágrimas caíam de seus olhos quando sentiu o gosto salgado na boca. Alice simplesmente não podia ter dito aquilo.

Queria atirar em Alice, matá-la na frente de todos por ser mentirosa.

Ele a amava, Alice amava Isaac.

Mas ela me beijou.

Mas Alice dormiu e casou com Isaac.

Alice é mentirosa.

Tirou o revólver do bolso, batendo o cano em sua cabeça. Como pôde ser tão idiota? Alice nunca o amou, mas estava cego. Cego por ela.

Correu do cemitério, querendo fugir dali e das palavras mentirosas de Alice. Seu cérebro doía como se tivesse levando punhaladas. Foi até o carro, girou a chave e acelerou.

Punhalada, dor. Acelerar. Punhalada, dor. Acelerar. Punhalada, dor. Acelerar.

Alice é mentirosa.

Ela nunca vai me amar?

Punhalada, dor. Acelerar.

Parou o carro perto de um beco escuro e entrou nele, a arma na mão. Um cachorro que estava revirando o lixo correu. Algumas pessoas que passavam por ali nem pararam para ver o que Guilherme estava fazendo. Sentou-se no chão, encostando as costas na parede.

Alice é mentirosa.

Mas ela me beijou.

Ela nunca vai me amar?

Alice é mentirosa.

Posicionou a arma grudada à orelha, fechou os olhos, sentindo o gosto salgado das lágrimas.

Eu amo Alice.

Então, ouviu-se um tiro na rua.

Horas depois, a policia encontrou o corpo de um jovem de dezenove anos com uma bala alojada no crânio. Suicídio com arma de fogo.