Por Você escrita por Andye


Capítulo 3
Pode Cuidar de Mim




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Hermione estava bem mais tranquila agora que todas aquelas pessoas haviam saído do quarto e ela teve mais facilidade para fazer aquilo que realmente precisava: cuidar de seu paciente.

Intercalou o horário da manhã com Ronald e mais três pacientes internos. Um garotinho de seis anos, um adolescente de treze e uma senhora de quarenta e dois. Todos estavam relativamente bem, se poderia se dizer assim, com exceção do garoto que estava passando por quimio e tinha perdido os cabelos. Ele estava triste com isso.

Neste momento, ela era observada profundamente por aqueles significativos pares de olhos azuis. Encontrou os olhos dele e sentiu a face esquentar um pouco antes de sorrir em silêncio, fazendo com que ele fizesse o mesmo.

Ela estava apenas verificando sua pressão e temperatura, e enquanto o termômetro estava sob sua axila, Hermione confirmava a pulsação.

– É engraçado ter uma médica tão nova cuidando de mim - ele comentou em meio a um sorriso bobo e divertido.

– Por quê? - ela o olhou rapidamente, voltando os olhos em seguida para o aparelho.

– Não sei... - falou pensativo - Acho que nunca tive uma médica tão bonita cuidando de mim. - ela enrubesceu.

– Obrigada, Ronald, mas não sou tão bonita assim.

– Claro que é - ele afirmou categoricamente enquanto ela anotava algumas coisas em sua ficha - E, por favor, me chame de Rony. Não gosto muito do meu nome.

– E por que não? - ela o olhou.

– Não sei - sorriu abertamente – Apenas não gosto.

– É um nome muito bonito, e combina com você.

– Hum... - ele sorriu maroto - Devo acreditar que acabou de dizer que sou bonito?

Ela sorriu altamente envergonhada. O sorriso dele estava lhe deixando desconcertada e ela não entendia ao certo porquê. Moveu a cabeça brevemente enquanto voltava a anotar alguma coisa e o observou.

– Como tem se sentido hoje? - perguntou extremamente profissional.

– Um pouco cansado, mas isso é normal, não é? - ele era simples em suas palavras, mas não desviava o olhar.

– Sim. É sim. - ela desviou os olhos se sentindo intimidada - Tem sentido alguma anormalidade?

– Não. Quer dizer... Tenho sentido umas palpitações no peito desde de manhã... - ela o observou um pouco mais preocupada.

– Certo, vamos ver isto.

Hermione se levantou e foi até a mesa próxima da cama onde ele estava deitado. Pegou um estetoscópio em uma das mãos e se voltou para ele, colocando novamente a ficha e a caneta em cima da cama. Ela o fitou envergonhada, nunca havia se sentido assim com um paciente, mas ele a deixava claramente desconcertada.

– Eu preciso... - indicou uma fenda na bata que ele usava com o dedo.

– Claro - ele sorriu para ela.

Hermione colocou o aparelho em volta do pescoço, ajustando nos ouvidos em seguida e se aproximou um pouco mais de Rony. Ele a olhava sem desviar e ela estava encabulada. Com o dedo indicador, tocou de leve o tecido e afastou um pouco, liberando o peito do garoto para ela.

Ela observou que ele era relativamente forte, ou pelo menos tinha ossos largos, embora estivesse um pouco magro. Havia sardas ali também e ela retirou os pensamentos da cabeça, coisas que ela nem mesmo deveria observar enquanto, delicadamente, tocava o peito do rapaz com o aparelho. Sentiu uma leve retensão.

– Frio - ele sorriu e ela sorriu de volta enquanto tentava encontrar alguma anormalidade em seu batimento cardíaco.

– Aparentemente, não há nada demais, mas vou solicitar alguns exames, tudo bem?

– Claro. Como você quiser Dra. Granger.

– Pode me chamar de Hermione - falou e se repreendeu instantaneamente, mas não voltou atrás - Ou Mione. Como preferir. - ele sorriu largamente.

Novamente ela sentiu o peso que aquela nomeação trazia. Nunca havia se sentido assim antes, nem mesmo com os outros pacientes que estava tratando. Soava ainda mais estranho quando era pronunciado por Ronald.

Seguiu até a mesa novamente, lavou as mãos na pia ao lado e em seguida colocou as luvas de borracha. Preparou uma seringa e se sentiu ainda mais entranha.

– Vou coletar um pouco de sangue, tudo bem? - perguntou aflita, mas sorria. Ele apenas assentiu com a cabeça.

Ela sentou ao seu lado mais uma vez e o olhou nos olhos, desta vez, mais fixamente. O que os olhos dele lhe queriam dizer, ela não sabia o que, mas eles falavam no silêncio profundo e azulado.

Prendeu seu braço com delicadeza, em seguida procurou sua veia, que não estava tão exposta como deveria. Teve medo de talvez lhe machucar ao retirar o sangue, mas precisava para alguns exames rotineiros. Percebeu como os braços e pulsos dele estavam marcados por outras tantas furadas que tinha recebido.

Ficou em silêncio enquanto observava ele fechar forte a mão. Estava tão acostumado com aquilo, ela percebeu, e tentou ser o mais delicada possível daquela vez.

– Está tão concentrada, Hermione - ele brincou enquanto o êmbolo da seringa subia. Ela sorriu.

– Não quero machucar você. - falou simplesmente e, concentrada, não viu que ele sorriu.

– Por que resolveu ser médica, Mione? - ele perguntou como se fossem amigos há anos. Se sentiu mais íntima dele, aliás.

– Hum... - ela o olhou e ponderou se deveria responder enquanto organizava o material - Porque quando era criança, aos nove, mais precisamente, perdi a minha avó. A leucemia era uma doença um tanto desconhecida na época, sem muito tratamento, e eu prometi que ajudaria outras pessoas pela minha avó.

– Que bonito. - ele argumentou - E já ajudou muita gente?

– Diretamente, como está sendo com você, não.

– Entendo... Eu queria fazer engenharia - falou saudoso - Mas a doença não deixou.

– Você é jovem, Rony, e terá muito tempo para fazer o que bem quiser.

– Queria ter esta confiança que você tem - e pela primeira vez naquela manhã, Hermione viu uma sombra de tristeza - Eu não espero muito, sabe?

– Mas deveria. - falou convicta - Tenho certeza que seu tratamento vai dar certo.

– Eu já devia ter melhora pela quantidade de tratamentos que fiz, mas meu sangue não deixa e uma medula compatível é quase impossível.

– Mas você não deve perder as esperanças...

– Não perco - sorriu novamente - E agora tenho mais um motivo para acordar todas as manhãs.

– Você é bem peculiar - ela falou e sabia que já deveria ter ido embora.

– Entenderei isto como um elogio - ela sorriu abertamente para ele - Sabe, voltei a sentir as palpitações do peito.

– Sério? - ela se adiantou novamente para os aparelhos.

– Não. Não se preocupe - ele a tocou na mão, lhe fazendo parar.

– Claro que preciso me preocupar. Você está se queixando de dores e...

Ela se interrompeu, pois ele a olhava sorrindo enquanto negava o que ela dizia com um leve movimento da cabeça.

– Eu não disse que estava doendo - ele explicou ainda com a mão sobre a dela - Disse que o peito está palpitando, e eu já sei o porquê.

– E então? - perguntou preocupada.

– Meu peito palpita cada vez que você sorri pra mim.

Hermione ficou estática por um breve momento absorvendo as palavras e não conseguiu conter o sorriso em meio aquele galanteio. O ruivo estava flertando na cara larga e ela estava envergonhada. Fixou os olhos na ficha dele, como se, de repente, tivesse encontrado algo muito interessante e que antes não estava lá.

– Estou te deixando sem graça, não é? - perguntou brincalhão.

– Imagina - ela sorria sem graça, contradizendo as palavras.

– Me desculpa - ele ainda sorria, mas estava intimidado - Foi tanto tempo pelos hospitais... Perdi partes importantes da minha vida e ver tanta gente mais velha que eu não ajuda muito. Me encantei com você desce que entrou por aquela porta, mas não vou mais te incomodar desta forma.

– Não incomoda - interrompeu mordendo a língua por ser tão afoita - Não se preocupe. - tentou corrigir e ele sorriu.

Sim, ele sorriu e ela gostou. Não deveria gostar porque aquilo era antiético. Ele era seu paciente e como tal deveria tratá-lo e não permitir que ele flertasse com ela assim tão explicitamente no primeiro dia que o conhecera; não que em outros dias ela fosse achar menos errado. Já havia terminado com ele há vários minutos e deveria ter ido embora. Balançou a cabeça com discrição ouvindo ele prosseguir.

– Posso te pedir uma coisa? - o tom era firme.

– Claro. Se eu puder fazer algo por você.

– Se eu melhorar... - ela queria dizer que ele melhoraria, mas continuou ouvindo - Você sai comigo?

– Como é? - ela sorriu arqueando as sobrancelhas muito mais impressionada com a sua própria surpresa que com a ousadia dele.

– Não entenda mal, mas eu nunca... tive um encontro. Provavelmente, quando eu melhorar vou poder sair, mas sei que enquanto não tiver um doador, terei de voltar sempre, isso se não morrer de uma vez...

– Não fale assim, Rony - interrompeu e ele refez a justificativa.

– Certo. Nunca saí, de fato, com ninguém. Na escola as garotas sempre tinham pena de mim, não entendiam realmente o que acontecia comigo e quando se aproximavam, era só pra falar asneiras ou porque meu irmão pedia por uma caridade.

– Estar ao seu lado não é uma caridade, Rony, não pense assim.

– A verdade é que eu sei que você entende o que se passa comigo, e pode até sentir pena de mim se quiser, mas eu queria muito ter um encontro um dia, e se fosse com você, seria muito bom.

– Acho que passei uma quantidade muito grande de antibióticos pra você – ela sorria.

– Então... acho que isso é um não. - ele não parecia triste nem ofendido, mas a olhava.

– Quando você receber alta, você estará tão feliz em sair daqui e não precisar mais voltar que nem mesmo vai se lembrar de que eu existo – ela falou brincalhona.

– Sim, eu estarei imensamente feliz em não precisar voltar aqui - ele a observou - mas dificilmente esquecerei a cor de seus olhos.


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