Os dias se passavam mais rápido agora, e finalmente todos voltaram a respirar aliviados. Hermione não via a hora de falar com Rony. Estava tão ansiosa que não cabia em si.

A Faculdade ficara sabendo de toda a situação que a envolvera nas últimas semanas e a Dra. Fals conseguiu ajudar a garota impedindo que ela perdesse o semestre e pudesse cursar novamente no próximo.

Estava do lado de fora da sala dele. Harry fazia exames de praxe e ela aguardava para entrar.

Rony estava meio irritado, não era para menos. Duas semanas deitado em uma cama saindo apenas para suas necessidades básicas o deixava desgostoso. Ao menos sorria quando ela aparecia.

Estavam satisfeitos porque não havia sido apresentado nenhum grau de rejeição em relação à medula. Rony também estava apreensivo porque em uma semana recomeçaria a quimioterapia.

Já havia perdido a maior parte do cabelo naquelas duas semanas devido a grande quantidade de medicamento e algumas sessões de radioterapia¹. Decidiu no dia anterior ao início das sessões raspar de vez a cabeça e sentia-se melhor assim, sem ver os tufos de cabelo espalhados pelo travesseiro.

Sim, ele estava realmente ranzinza, mas ela tinha certeza que tudo aquilo acabaria e que eles poderiam, finalmente, viver em paz, que ela concluiria seu curso, ajudaria muitas outras pessoas e o veria feliz trabalhando em sua área de engenharia, que tanto gostava.

Hermione entrou no quarto assim que Harry saiu.

– Oi, meu amor.

– Oi Mione – ela parou um pouco distante – Nenhum beijo?

– Você sabe que não pode – ela falou sem muita convicção.

– Essa é a pior parte – bufou revirando os olhos e jogando as costas com pesar sobre os travesseiros.

– Eu sei, mas eu estou aqui com você. Todos estamos.

– Obrigado.

– Não agradeça.

– Sabia que você fica linda até com essa máscara? - falou em seu famoso tom galanteador sobre a máscara que lhe cobria nariz e boca.

– E não há nada que te faça perder seus galanteios – sorriu para ele, e mesmo sob a máscara, ele viu as bochechas dela corarem.

– Nunca perderei nada do que te deixe feliz.

– E eu te amo por isto, sabia? Por você ser assim, como você é.

– Te amo muito também. E agora, mais do que nunca, você está dentro de mim – ele falou e ela ficou novamente levemente corada.

– Você é um bobo.

– Bobo por você e nunca vou poder agradecer tudo o que me fez e tem feito por mim.

– Não precisa agradecer.

– Você faz parte de mim, Hermione.

– E você de mim.

– Eu te amo muito.

– Eu te amo muito também - Hermione acariciou o rosto do namorado com a mão enluvada e mesmo assim Rony foi capaz de sentir a quentura que só Hermione era capaz de provocar em seu coração.

– Obrigado. - ela sorriu.

– Como se sente?

– Bem, na medida do possível. O cunhado não te passou minha ficha?

– Não – ela riu – Também não perguntei nada ao Harry.

– Mas deveria. Ele conta tudo sobre a minha vida a toda a minha família – o tom era carregado – Parece que está tentando impressionar meus pais, sei lá, ficar bem-visto diante da minha mãe depois de tudo o que passamos.

– Ron – ela ria da revolta do namorado – Não seja tão mal, nem tão dramático.

– Não é drama, Mione. É a verdade. Não tem nada que ele faça aqui comigo e não vá correndo contar para a mamãe. Parece que não percebeu que ele já conquistou a todos e não precisa se esforçar mais pra isso.

– Conquistou a todos? - Hermione arqueou as sobrancelhas de forma divertida.

– Sim.

– Inclusive o cunhado carrancudo que é seu paciente preferido.

– Não sei – o ruivo respondeu com um ar brincalhão.

– Ah, Ron. Deixe de ser chato. Eles estão bem e estão tão felizes. A Gina parece andar nas nuvens.

– Eu sabia que eles iam terminar juntos – Rony falou sorrindo - E a Gina sempre anda nas nuvens, Hermione.

– Como você é chato - ela sorriu novamente.

– Só espero que ele não passe dos limites com minha irmã, eu não permitiria.

– Ron...

– Isso mesmo, Mione. Onde já se viu? Você sabe o que eles faziam enquanto esperavam que eu voltasse do seu apartamento? - Hermione corou furiosamente lembrando do que eles mesmos faziam em seu apartamento.

– Imagino que não faziam nada que nós mesmos não faríamos.

– Exato.

– E qual o problema?

– Ah... Sei lá! É estranho imaginar minha irmã fazendo esse tipo de coisa. Ela é só uma adolescente boba e apaixonada e o Harry... – a voz zangou-se – Ele pode simplesmente está se aproveitando dela.

– A Gina pode ser muita coisa – Hermione sorria do ciúme do namorado – Menos uma boba.

– Eu sei – concordou emburrado.

– E então?

– Não sei. Acho que é dor de cotovelo porque eles podem namorar e eu não.

– Meu amor... Falta pouco tempo agora, por favor, vamos com calma fazendo tudo conforme devemos para que não precise voltar aqui nunca mais – ele a olhou com um olhar pesaroso, concordando silenciosamente com ela - E onde está a Gina?

– Saiu com a mamãe.

– Seu pai?

– Na empresa.

– O Gui?

– Foi visitar a noiva.

– Certo...

Hermione aproximou-se mais dele, um pouco tímida, com os olhos fitando as mãos cruzadas na frente de seu corpo. Os olhos pareciam vagos, envergonhados, talvez. Ela sentou-se ao seu lado, sobre o colchão e o olhou vagamente.

– O que você tem?

– Nada, por que?

– Começou a perguntar por todo mundo.

– Só queria saber.

– Hmm... Ta estranha...

– Você acha? - ela riu sem graça.

– Sim... - a avaliou – Quer me contar alguma coisa?

– Não. Não tem nada demais.

– Hermione...

– Hmm?

– Desde quando mentimos um para o outro?

– Não estou mentindo.

– Tudo bem, vou perguntar novamente: Quer me dizer alguma coisa?

– Não. - ele arqueou a sobrancelha observando a namorada - Quer dizer, na verdade, tem sim.

– Pode dizer então – ele se ajeitou sobre a cama e ela parecia embaraçada - Sou todo ouvidos, já que não posso fazer mais nada com você de todo jeito.

– Você não tem jeito mesmo – sorriu um pouco mais desajeitada.

– Você que me deixa assim.

– E você me deixa sem jeito.

– Pois não fique e me diga o que quer falar. Estou curioso. Não tem muitas novidades por aqui.

– Consegui a dispensa do curso por mais um ano.

– Por mais um ano? - perguntou espantado - Mas Hermione, vai adiar o curso por mais um ano?

– Sim. Foi necessário – ela não o encarava diretamente.

– Algum problema comigo? Com meu caso? Com o transplante?

– Não, não é nada demais - ela estava avermelhada.

– Por que decidiu adiar a conclusão do curso? Você vai se atrasar muito.

– É que eu quero ficar com você nesse tempo. Te acompanhar.

– Hermione - ele se moveu sobre o travesseiro - Já conversamos sobre isso e você sabe muito bem que não precisa. Minha mãe já retirou todas as denúncias que fez a Faculdade e ao Conselho. Nem entendi ainda porque não voltou a estudar.

– É que...

– É que nada. Não vou permitir que adie o seu sonho de se formar por minha causa. E além do mais, você pode muito bem me acompanhar de casa. Não vai trancar o curso novamente, não senhora.

– Mas eu já falei com a Dra. Fals. Ela já assinou o termo - ela falou de uma vez e Rony arregalou os olhos.

– Eu não acredito - falou baixo- O que seus pais falaram sobre isso?

– Minha mãe me apoiou. Ainda não contei ao papai e a meus irmãos.

– Sua mãe concordou? - continuou incrédulo - Droga! Venci o câncer, mas vou ser morto por seu pai. Hermione, você não pode.

– Não é questão de poder, Rony, é questão de necessidade. Eu vou trancar o curso por mais um ano, é o melhor a fazer.

– Não por minha causa. É porque você quer.

– Sim, é porque eu quero.

O clima ficou um pouco pesado entre os dois. Rony ponderou em seus pensamentos se essa era a primeira discussão deles como um casal e não controlou o impulso rindo silenciosamente enquanto observava Hermione calada concentrada na movimentação de seus dedos enluvados sobre o colo. O semblante dela estava carregado. Ele se preocupou.

– Hermione? - chamou tocando o rosto da morena.

– Hmm? - ela não o olhou e ele forçou um pouco o queixo dela para que o encarasse. Ela parecia distante.

– Me desculpe, tudo bem? Não acho que seja o melhor a fazer, mas se é o que quer, tudo bem. Não tem problema. E vai ser ótimo te ter comigo de todo jeito.

– Obrigada. - ela respondeu ainda distante.

– Meu amor... - Rony tentou novamente percebendo que as coisas não eram tão simples como pareciam.

– Hmm...

– O que está acontecendo? De verdade.

Ela suspirou profundamente movendo o tronco com o movimento e segurando as mãos com força, olhou fixamente nos olhos de Rony. O rapaz sentiu o corpo ficar tenso com a intensidade daquele olhar.

– Bem... É sobre o dia do transplante – ela ficou séria e ele se preocupou instantaneamente.

– O que houve? Descobriu alguma coisa? A Dra. Fals e o Harry não me falaram nada demais.

– Não, não tem nada a ver com a Dra. Fals ou com o Harry. Na verdade, eu não sei se a Dra. Fals te falou, mas eu tive uma complicação durante a transfusão.

– Fiquei sabendo por alto – ele estava ficando preocupado. Uma das sobrancelhas quase sem pelos arqueou ainda mais.

– Ron – respirou fundo – Eu tive uma crise anêmica severa e foi por isso que passei aqueles dias internada recebendo sangue. Na verdade, ainda estou me medicando.

– Hermione... Seja objetiva, por favor. Está me deixando preocupado.

– Não precisa se preocupar - falou rapidamente - Não é nada de grave, mas acabei descobrindo algo realmente importante durante a transfusão e eu preciso que você saiba antes de qualquer outra pessoa.

Ron sentiu uma pontada forte no peito. A ansiedade o rodeou. A forma tensa como Hermione se portava o deixava intimidado e ele realmente temeu o que ela poderia dizer em seguida.

Aguardou alguns breves instantes nos quais ela permaneceu em silêncio, os dedos se contorcendo freneticamente sobre o seu colo, não o olhando nos olhos. O ruivo se viu angustiado e quebrou aquele silêncio irritante.

– Vai terminar nosso namoro agora? Se apaixonou pelo anestesista?

– Não, claro que não. Nem pense essas coisas...

– Então recebeu uma bolsa de estudos em outro país e vai precisar ir embora?

– Não, Ron.

– Não me diga que a mamãe está importunando você novamente? - ele falou exasperado.

– Ron...

– Vai ser presa? Está sendo perseguida por alguma organização secreta? Você é algum tipo de agente disfarçada e...

– Ron - ela o interrompeu pondo um dedo sobre seus lábios - Não é nada disso.

– E então? O que é tão importante que eu preciso saber?

– Eu não sei como te dizer – ela parecia aflita - Deixe eu me concentrar, tudo bem?

– Hermione, por favor – ele sentou-se e a olhou nos olhos.

– Rony, eu tive a crise anêmica durante a transfusão porque não poderia ter te doado sangue como fiz.

– E por que não poderia?

– Porque... Bom! – ela suspirou e falou de uma única vez – Porque eu estou grávida.