I Miss You escrita por mandyoca


Capítulo 1
Capítulo 1




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  Era uma nova cidade. Era uma nova vida.

 

  Era o meu primeiro dia de aula.

 

  No momento em que coloquei o pé na escola grande e particular, pude ter certeza de que eu não fazia ideia de no que eu estava me metendo, sinceramente. Eu sentia que todos me olhavam – apesar de que não eram todos, pois isso foi apenas uma impressão minha – como se um holofote estivesse brilhando em mim, e flashes de câmeras estivessem disparando em meu rosto sem piedade. Eu não era dessas que normalmente se deixam levar pelas aparências e tudo mais, só que essa é uma boa hora para exclamar: “Jesus! Essa gente deve ser tão rica, e tão mimada... Eu não suportarei um único dia nessa bodega.” Mas como eu vou fugir? Já estou aqui, e um bocado de gente está me olhando diretamente. Até parece que o mundo deve ser tão injusto, com os olhos me fuzilando de forma inteiramente incontrolável como se eu fosse cega e não pudesse contribuí-los.

 

  Mas, por favor, estar sozinha numa escola enorme e lotada parece tão estranho para mim quanto para qualquer um. Isso é triste. Não conhecer ninguém. Acho que só sabe quem muda de colégio constantemente, o que deve ser ruim – pelo menos eu acharia horrível trocar de amigos toda vez, embora eu nunca tivesse tido muitos.

 

  Porém, há coisas boas nisso tudo. Poxa vida, quem nunca brigou sério com alguém e faria qualquer coisa para jamais olhar na cara dessa pessoa de novo? Bom, eu já. A menina era tão má só porque era mais velha que eu, sabe. Ela descobriu que eu estava num daqueles relacionamentos de alguém de (oito aos, porque oito foi a idade que me apaixonei) dez anos, da qual eu estava apaixonada por um garoto estranho, mas bonitinho – todas as garotas achavam isso - da minha sala que falava pouquíssimo comigo – e que hoje eu já nem lembro seu nome –, mas que era o mesmo que ela estava afim. Então ela me deu um soco no olho e um arranhão nas costas. Abriu um machucado e o sangue jorrou. A cicatriz eu tenho até hoje, bem no canto esquerdo das minhas costas. E o meu olho, bom, ele ficou roxo por muito, muito, muito tempo. Eu usei óculos escuros para tentar acalmar minha visão embaçada, e também para que parassem de rir na minha cara por um tempo. O garoto saiu da escola duas semanas depois, e o roxo nem tinha saído, só para você ter uma ideia. Eu diria que nesses dezessete anos de vida eu sofri bastante por causa de briguinhas passageiras, ou até mesmo brigonas violentas, de tapa. Eu ganhei poucas, por assim dizer. Nunca fui a favor de bater nos outros e fazer com que sintam dor como uma garota masculinizada e sem coração.

 

  Tudo bem. Voltando à minha quase tortura, eu percebi que tinha chegado cedo – vinte minutos antes de o sinal bater – e, por assim vendo, já estava cheio e estaria ainda mais quando o horário estiver correto.

 

  Eu vi um garoto sozinho, longe de grupos e pensei: “Talvez eu não seja a única novata azarada nesse mundo de feras com olhares estonteantes. Talvez ele seja um aluno novo com certa timidez, que, como eu, não se relaciona com os que te encaram.” Mas eu não liguei. Ele usava um blusão largo e preto. Quem sabe largo demais para seu corpo, ou então ele é bem... forte. Sua calça jeans mostrava o jeito mais desleixado, que, contudo mostrava que ele não era um riquinho metido. Esse estilo combinava com seu cabelo espetado para cima com um pouco de gel. Um cabelo não muito curto, mas também nem um pouco cumprido. E eu estava o olhando - mais um par de olhos para a sua pressão, apesar de ver que escassas pessoas o encaravam como faziam comigo – e ele levantou a cabeça para a minha direção enquanto guardava alguma coisa em sua mochila, que se encontrava encostada em suas pernas. Isso fez com que eu abaixasse meus olhos imediatamente, fitando o chão cinza escuro, sem arranjar capacidade para ver as pessoas em volta de mim.

 

  Acho que escolhi o dia errado para usar meus all stars verde limão. E eles nem tiraram a atenção da minha blusa verde – não limão, mas de uma cor bem viva – que tinha apenas uma manga, o que fazia com que o outro braço ficasse absolutamente descoberto. A estampa de melancia com brilhinhos vermelhos não ajudou muita coisa. Todo mundo continuava a me olhar, com um olhar nojento que diziam, pelo menos em minha mente: “Esquisitinha pobretona à vista!” E isso me deixava tão mal. De verdade.

 

  Tomei coragem para levantar os meus olhos escuros e olhar em volta. Nenhum sinal do cara que eu pensara ser novato. Mas isso também não me afetou. Eu não o conhecia, e se eu me sentisse dessa forma, seria injusto com o grupinho de três loiras que passaram com umas saias meio curtas, diga-se de passagem, e blusas decotadas. Certo, elas desapareceram também. Mas puxa, a escola era enorme, deviam ter pelo menos cinquenta corredores largos e cumpridos, cheios de armários pretos e depressivos correndo pelas paredes cinza como o piso.

 

  Como eu estava encostada em um dos armários, um do canto, levei um susto ao ver que o sinal tocou. Olhei para cima e vi que o alarme estava bem acima de mim. Eu esperava que ninguém tivesse visto isso, por isso abaixei e peguei a minha mala, colocando-a no ombro e retirando de um pequeno bolso um papelzinho rasgado com os horários das minhas aulas. Respirei fundo ao ver a sala que marcava no meu pequeno rascunho – que eu logo passaria para a minha agenda – e entrei, observando atentamente o local para saber se as pessoas aparentavam ser da mesma idade que eu.

 

  O professor não havia chegado, e eu dei alguns passos hesitantes para a direção da última carteira à direita, a que ficava próxima à janela. Os alunos entravam com rapidez e sentavam em suas mesas depois de dizerem: “Nossa, que saudade!” e “Como essas férias foram longas!” Eu avistei o grupo das três loiras entrarem calorosamente pela porta numa fila vertical que depois formaram um simples triângulo. Era como se o tempo tivesse parado. Todas as garotas viraram os rostos maquiados para elas como se holofotes ainda maiores do que o meu estivessem pairando por suas cabeças. Os garotos fizeram isso segundos depois, com curiosidade para ver o que as meninas estavam apreciando.

 

  E para quebrar o clima, entrou aquele cara que eu vira encostado em uma parede, com as cordinhas de seu blusão balançando e batendo contra o seu peito. A distância fez com que eu percebesse que a roupa não era larga. Era o que dava para reparar: seu corpo estava visivelmente em forma.

 

  Mas eu olhei através dos vidros ao meu lado. Eu não queria perder a cabeça porque um cara me deu uma olhadinha quando eu estava quase babando ao olhar para ele. Certo, talvez eu tenha exagerado, pois tenho certeza de que deixei a boca fechada o tempo todo, vendo com delicadeza cada parte de sua estrutura física.

 

  O dia estava lindo – o tipo de dia ensolarado de verão, em que as nuvens foram deixadas de lado por pelo menos um único dia. A praça ao lado da escola – onde eram feitos os intervalos, por assim dizer, recreios – tinham apenas idosos alegrinhos caminhando em casais entre algumas árvores. Eu observava uns adultos sentando para descansar nas sombras delas, que eram bem espaçosas e grossas.

 

  Virei a cara de volta para a sala e não pude deixar de ver que o garoto que me chamara a atenção me olhava. Mas ele também não desviou o olhar. Ele estava sentado na última carteira, só que do lado da parede, e não da janela, como eu. Olhei para frente, estranhando um pouco, e encontrando um cabelo bem crespo e encaracolado, num tom definitivamente escuro, mas que não chegava a ser preto, na primeira carteira. As outras ainda estavam vazias. “Nem um pouco pontuais.”, pensei. “Atrasados dez minutos.”

 

  E só então apareceu o professor. Um careca de óculos e suéter, com um sorriso bobo no rosto e rugas perto dos olhos. Colocou uma pasta preta em sua mesa que estava à esquerda, no meu ponto de vista. Ele olhou diretamente para mim, como se já soubesse que eu estaria sentada exatamente aqui. A conversa da sala não diminuiu, o que acontecia na minha outra escola assim que o professor chegava na porta e lançava um olhar duro para os alunos bagunceiros. Ele se inclinou para mim, ainda sorrindo.

 

  - Você deve ser Kristal Steven. – disse ele com um tom doce e receptivo. Sua voz já me fez sentir melhor. Sabe, uma sensação de que eu estava sendo bem recebida. Ninguém me falou um simples “oi”... até agora. – Eu sou o professor Martim, dou aulas de geografia. Eu disponho um tempo livre depois das aulas, e sempre fico meia hora a mais na sala dos professores para responder às perguntas dos alunos. Alguns professores fazem isso também, como a Connie, que dá aulas de inglês, e também o Benoit, que dá aulas de geometria. Pode ir lá sempre que quiser, não sendo uma sexta-feira, nem uma quarta-feira.

 

  Num segundo ele voltou à postura normal e andou pacientemente até a frente da sala, abrindo um mapa que ele prendeu em um prego em cima da lousa, e começou sua aula. Minha primeira aula, na minha primeira mudança de escola, no meu primeiro dia. O assunto era chatinho, mas alguns alunos pronunciavam com umas vozes fraquinhas algumas piadinhas legais, o que fazia até mesmo o próprio professor dar risada.

 

  Perguntei-me se aquele garoto que me encarava também fazia esse tipo de animação. Pelo que parecia, não. Ninguém falava com ele, e Martim também não foi até ele, o que me fez perder a teoria de que ele possivelmente era um novato. Como estão indo as coisas, jamais ouvirei a voz dele. E eu nem sei por que isso está me interessando.

 

  - Oi, eu sou a professora Akemi, dou aulas de história. Você é a novata, Kristal Steven. Você estava sendo aguardada, sabia? Sua avó falou muito de você para mim. – ela abriu um sorriso que fez seus olhos puxadinhos parecerem ainda menores enquanto me cumprimentava. Akemi é um nome japonês, se não me engano. Ela tinha cabelinho curto e preto, na altura do queixo. Não usava maquiagem, mas não deixei de perceber o perfume floral que ela usava em uma quantidade exagerada, digamos assim, porque eu acho que continuei a sentir o cheiro até quando ela andava de um lado para o outro, explicando coisas do passado do nosso país e blábláblá.

 

  Eu fiz com que meu olhar vagasse para uma das loiras daquele grupinho de possíveis antipáticas. Ela tirou discretamente um espelhinho de bolso e começou a retocar a base no queixo. De repente, ela subiu o espelho para os olhos e percebi que ela me pegou a encarando, quando professora Akemi gritou com uma voz aguda:

 

  - Yolanda, fazendo a maquiagem na sala de aula outra vez? É o quarto aviso. Mais um que eu lhe pego, você será mandada diretamente para o diretor, porque a coordenadora já não pode fazer nada com relação à sua incompetência! – andou até ela, tomando com raiva a base e o espelho de Yolanda. Yolanda parece combinar bastante com ela, é um belo nome. Seu cabelo loiro e esvoaçante, certamente é agradável tê-lo. Eu nunca reclamei do meu, esculachando-o e dizendo o quando ele é horrível. Ah, eu tenho coisas mais interessantes para fazer do que ficar na frente do espelho observando os pontos altos e baixos do que já está grudado na minha cabeça, e nasceu assim. Só que nem todos pensam dessa forma, sempre reclamando e reclamando. Se não gosta, corta tudo e joga fora. Ou doe para uma loja onde façam perucas. Ou venda. Sei lá.

 

  - Professora Akemi, você quer que meus pais te coloquem para fora desse maldito colégio mais uma vez? Então por que você não deixa para lá essa coisa da base, do espelho e da diretoria? Está na cara que você tem alguma coisa contra mim, e não contra a maquiagem. Meus pais podem te mandar para a rua, você está entendendo? – ameaçou Yolanda, de forma absolutamente cruel e descarada. Eu não gostei de ouvir isso. Ela queria que o poder caísse aos pés dela mesma só por causa dos pais? Sim, ela é uma mimada toda equivocada e metida.

 

  A professora lançou um olhar inocente para Yolanda e colocou a base, juntamente com o espelho, em sua mesa.

 

  - Veremos. – a ouvi sussurrar num tom amargo e raivoso. Quando tocou o sinal, tomei outro susto, mesmo o alarme estando bem longe de mim, lá perto da porta. Eu fui guardar o caderno na minha mochila para substituí-lo por outro, mas vi uma movimentação embaixo da minha cadeira.

 

  Fui olhar novamente, e o bichinho marrom e nojento avançou uns passos rápidos para frente com todas aquelas patinhas asquerosas. Era uma barata grande e nojenta (ao quadrado). Ela andou mais, se enfiando embaixo da cadeira da frente, agora ocupada por um “comediante da sala”, que fazia umas piadinhas engraçadas e outras bem de mau gosto. O inseto esquisito e nojento (ao cubo) chegou mais perto do pé do garoto.

 

  Eu nunca tive medo de barata. Mas eu tinha algo contra elas. Quero dizer, por quantos esgotos elas já se aventuraram? Por quantos lixões elas já se arrastaram? Horrível só de pensar. Se eu fosse a Yolanda, provavelmente, ou uma daquelas outras duas loiras, eu teria saído correndo aos berros de lá. Levantei a cabeça e vi “aquele garoto” me olhando de novo. Agora sim eu sairia correndo gritando de onde eu estava.

 

  Uma professora alta e loira tomou o lugar da Akemi. Ela, como os professores anteriores, andou até mim com tamanha sutileza e harmonia, sibilando numa voz firme e fininha as palavras simples de cumprimento.

 

  - Bom dia, Kristal Steven. – De perto, pude ver seus olhos azuis escuros, uma cor próxima do azul hortência. Eu amo essa cor, é a minha preferida de azul. Mas se eu puder escolher entre outras cores, acho que a minha cor favorita seria vermelha. Talvez. Eu sou volúvel de vez em quando, o que faz com que eu mude rapidamente a minha opinião sobre certa coisa, dependendo do fato. Se for para mudar uma primeira impressão, a pessoa precisaria se esforçar um bocado para me convencer a mudar de ideia. – Eu sou a professora Connie, e irei te acompanhar nas aulas de inglês. Suponho que o professor Martim tenha lhe dito que ficamos todos os dias após as aulas, meia hora a mais juntamente com o professor Benoit. Ele sempre fica com as saudações mais interessantes por causa disso! Ele leva crédito pelo nosso esforço. Bem, estou brincando, de certa forma. Qualquer coisa, é só me chamar.

 

  - Obrigada. – murmurei. Eu acho que ela foi a primeira pessoa que me deu chance de responder aos cumprimentos antes de sair e me deixar lá, pensando no que ele havia dito, e o que eu diria depois. Eu meio que não acho certo ver que alguém está lhe recebendo super bem, mas você o deixa partir sem dizer nem “oi”. Deve ter sido a primeira vez que eu falei alguma coisa nessa escola. A primeira vez que minha voz saiu aqui dentro. E essa palavra vencedora foi um simples e inútil “obrigada”, que saiu de forma abafada por causa da tamanha timidez. Certo, eu não quero lembrar cada detalhe do que eu estou fazendo, como “pé direito, pé esquerdo”. Qual foi o primeiro pé que eu entrei hoje na escola? Sei lá, um dos dois que eu tenho e não se discute mais isso.

 

  O sorriso dessa professora era indispensável. Tão branco e tão aberto... Eu não podia simplesmente virar o rosto para um sorriso de comercial de pasta de dente. Era muito admirável, e Connie é mesmo linda. Tem o quê? Uns vinte e três anos? Bem, acho que sua beleza causou um silêncio mortal na sala, onde nenhum ruído se lançava pelos ares, a não ser a fala da professora. Até que o garoto comediante da minha frente deu um pulo da carteira e correu para longe de lá, num quase grito:

 

  - Barata! – apontou para debaixo de sua carteira, e as outras duas pessoas que estavam em sua frente pularam, fazendo com que os que estavam em seus lados também o fizessem. E assim, nesse lado da sala, quase todo mundo estava de pé, enquanto eu continuava no meu estado normal. Eles me olharam como se eu fosse uma estranha ridícula que nem sabia o que estava fazendo ali. E quer saber? Eu não sabia mesmo.

 

  Porque desde que mamãe disse que não me queria mais, me mandou direto para a casa de minha avó, mãe do papai, Marie Rubens Steven, que é nesse fim de mundo super estranho onde nem sei o que acontece, pois só estou aqui há pouquíssimo tempo. Nem um dia! E todo mundo já deve estar dizendo e pensando: “Menina esquisita, menina aparecida, menina isso, menina aquilo!” Devia ser lindo vagar pelas suas cabeças ocas. Ironicamente.

 

  - Acalmem-se! – pediu a professora Connie, que se aproximava com um potinho de plástico. – Ora, não vamos desperdiçar uma oportunidade dessas. Eu vou colocar esse bichinho aqui dentro, coisa que eu não faço normalmente, claro, e vou dá-lo para a professora de biologia, a Stela, nada mais justo. Por isso, vocês não precisam sair correndo de um animalzinho inofensivo como uma barata. – O pote deslizou pelo chão, e a barata, numa tentativa de fuga daquela tampa enorme que a perseguia, simplesmente entrou no pote e de lá não encontrou saída. Connie tampou o vasilhame, e algumas pessoas gritaram: “YYYYYURGH!”, de nojo. – Por que vocês não seguem o exemplo de Kristal Steven? – apontou para mim. – Ela ficou imóvel enquanto vocês se moviam feito formiguinhas assustadas para o outro lado da sala.

 

  - Ér... – mordi o canto da boca, sem fala. – Eu não tinha a visto, mas quando olhei não foi de um impulso tão grande porque ele havia alertado antes. – menti. – E então eu soube o que era e... não saí correndo. – forcei um sorriso enquanto desviava os olhos das pessoas que me estranhavam ainda mais. – É que, sabe, é só um bichinho. Ele tem mais medo que você, do que você dele. Seria como se você encontrasse um bando de gigantes na sua frente e não tivesse por onde escapar. É só usar a empatia.

 

  - Empatia com uma barata. – Yolanda falou com desgosto. – Eu nunca conheci ninguém que tivesse empatia com um inseto tão... terrível. Você é o quê? Aquele tipo de menina estranha que ama moscas, e aranhas, e lesmas, e tudo isso? Ah, por favor, como isso é repugnante. Você devia agir como qualquer um. Saia correndo, gritando, porque é isso o que as pessoas costumam fazer quando veem uma barata.

 

  - Eu não admiro esses bichos. – informei. – Apenas não os mato porque eles têm uma vida como a nossa, e essas vidas não são para acabar assim, com uma chinelada e pronto, acabou. Eu jamais gostei de baratas e, sim, elas são nojentas, mas isso não é motivo para você temer. Aliás, existem coisas mais perigosas do que uma barata, como o próprio ser humano. Ele sim pode te matar tão silenciosamente quanto um veneno que se espalha pelas veias bem devagar. É dele que devemos ter medo, uma reação tão comum, e por motivos idiotas.

 

  Professora Connie admirou minha força de vontade ao responder a acusação de Yolanda, que automaticamente deu uns passos para trás para poder conversar com as outras duas loiras que a esperavam de braços cruzados. Elas me olharam tão feio que eu acho até que poderia ser lançada no chão e estremecer de dor só por causa disso. E isso não costuma ser muito admirável, diga-se de passagem.

 

  O sinal do recreio me deu mais um susto para a frenética contagem sem graça. Ele era diferente do sinal do meu outro colégio, então suponho que eu estivesse apenas me acostumando com a ideia de ser nova no local e tudo mais. E eu tomaria sustos por um bom tempo, infelizmente.

 

  Todos começaram a sair da sala com pressa, o que me fez me tocar de que era um recreio. Eu fiquei na sala por último, e a professora Connie pediu para que eu não me importasse com Yolanda porque ela é sempre discordante com os alunos novos do gênero feminino, e se é um aluno novo, garoto, ela dá em cima como se estivesse desesperada por um relacionamento. Ela saiu da sala e eu olhei para trás, e foi certamente a coisa errada a fazer. Aquele cara estava lá também, numa presença obscura e muda, apenas analisando sua caneta preta, que acabava se camuflando no blusão.

 

  Eu devia ter perguntado: “Você não vai?” Mas eu sei que isso daria errado, porque ele está meio que me deixando sem ar. Por isso, sem opções, saí da sala, seguindo umas pessoas que eu encontrei, apenas para descobrir onde era o corredor certo para entrar. Finalmente, um corredor longo e largo indicava uma porta aberta com uma luz exuberante que quase chegava a cegar. Andei sem pressa para o local, e me deparei com o parque que eu vira pela janela da sala de aula do segundo andar.

 

  Eu sentei na sombra de uma árvore com folhas extremamente verdes, talvez as mais verdes que eu já vi. E quem sabe isso foi uma homenagem a minha roupa “cheguei”? Uma garota pode sonhar, afinal, porque se todos olham para mim porque eu sou novata, reparam na minha roupa e logo percebem que a árvore chega a combinar comigo. Poxa, numa vida não é uma roupa que te faz uma pessoa grande, e sim os atos humildes.

 

  E eu não faço ideia porque eu estou falando isso. Talvez intuição. Alguém deve estar falando pacas que eu pareço uma árvore. E isso não é nadinha legal, se você quer mesmo saber. Apesar de que árvores são chamadas de pulmões do planeta, e tal. Mesmo estando errado, porque são as algas, não estou certa?

 

  Mas eu continuo sozinha e sem ter o que fazer. Por isso, levantei delicadamente, largando a minha sombrinha tão boa, e entrei na porta que exibia a imagem da garotinha rosa, que mostra ser o banheiro feminino.


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