Setores de Sangue escrita por Carlos Junior


Capítulo 6
Capítulo 6: Apenas Uma Possibilidade




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/492907/chapter/6

— E é aí que vem o favor. — Zack girou os pés no chão e virou-se para ele. — Preciso que você encontre Eva.

Por mais que Robert rejeitasse cogitar a possibilidade do rapto de sua filha, era inevitável, para ele, imaginar Mayla, assustada, acorrentada a uma velha cadeira de metal, implorando pela vida para desconhecidos.

Ele balançou a cabeça, buscando afastar o pensamento.

— E depois? - perguntou, tentando manter a voz estável.

Zack exibiu um sorriso torto.

— Junte-se ao grupo. — O loiro aproximou seu rosto de Robert. — Eva o incluirá no plano.

Robert permaneceu com os olhos fixos em Zack, até que recebesse mais alguma informação:

— O grande plano de trazer nossas crianças de volta.

O leve som de conversas invadiam a pequena e abafada sala de concreto pela única entrada do local, um vão na parede onde deveria haver uma porta. As vozes não cansavam, talvez porque os homens e mulheres que dirigiam a palavra uns aos outros do lado de fora não possuíssem mais nada a fazer. Mustards. Aquele pensamento era mais um dos que conturbavam a mente de Robert, não que ele fosse um homem distraído, mas indeciso, confuso. Inseguro. Mayla havia desaparecido, e, infelizmente não havia como culpar qualquer pessoa sem a certeza do que realmente acontecera. Não poderia se arriscar por apenas uma possibilidade. Ou talvez pudesse.

— Desculpem a intromissão - pronunciou-se Wilbur, limpando a lente dos óculos com a bainha do colete esverdeado. -, mas trazer crianças desaparecidas de volta é o único objetivo deste grupo?

— O que está sugerindo, Wilbur? — Zack permaneceu com o sorriso nos lábios.

— Você me entendeu... — Wilbur respondeu com outro sorriso.

— Nosso grupo não é revolucionário, se é o que quer dizer. — Declarou Zack.

Wilbur lançou-lhe um olhar desconfiado, mas assentiu com a cabeça, indicando que compreendera.

— Então... — começou Robert, ignorando o debate anterior. — Zack. Me diga como encontrá-la. Essa mulher.

O sorriso de Zack aumentou de tamanho.

— Vai procurá-la?

— Talvez. — Respondeu Robert.

》》》

Cordon caminhava de um lado para o outro, a cabeça baixa analisando cuidadosamente as placas de metal azuladas do quartel policial. Estava pensativo. Acabara de ser excluído do esquadrão responsável pela guarda do portão principal, a única maneira de entrar e sair do Setor 1 sem a utilização do trem. E a última esperança para Zack.

— O que você tem, Cordon? — pergutou Scadrish, o único outro policial, além de Cordon, presente no quartel policial durante aquele horário. Os outros encontravam-se, provavelmente, fora a trabalho.

Scadrish era o responsável pela segurança do gigantesco quartel, que contava com um grande número de quartos e salas altamente sofisticadas. Ele era o único que possuía o molho de chaves para todos os aposentos do lugar.

Cordon levantou o rosto para encará-lo.

— Por que eu teria alguma coisa?

— Me responda você. — Desafiou Scadrish.

Alguém bateu na porta, forçando Scadrish a levantar-se da poltrona negra em que se encontrava para abrí-la.

— Cordon está aí? — perguntou Garbon, adentrando com passos largos o escuro e silencioso hall do quartel.

Garbon caminhou até o centro do salão e, finalmente, encontrou o olhar surpreso e assustado de Cordon, que recuou alguns passos.

— O que está fazendo aqui? - perguntou Cordon, adquirindo uma expressão séria na tentativa de parecer mais forte. — Não acho que vá ser lucrativo para você deixar Marshall sozinho para vir me provocar mais uma vez.

— Marshall? Ele nunca fica sozinho. — Respondeu Garbon, rispidamente. — Além disso, nunca mais o chame pelo nome novamente.

— Por que? — Cordon contraiu os lábios. — O que vai fazer comigo?

Garbon respirou fundo.

— Eu não vim aqui para brigar — disse ele.

Scadrish havia acabado de acomodar-se na poltrona novamente, os ouvidos atentos na discussão.

— Isso é novidade. — Ironizou Cordon.

— Eu vim oferecer a você uma nova chance. — Explicou Garbon.

Cordon arregalou os olhos.

— E só o que precisa fazer é escolher de que lado você quer lutar. — Prosseguiu Garbon.

— De que lado eu quero lutar? — repetiu Cordon, baixando o tom de voz.

Lutar. Garbon havia dito aquilo considerando a possibilidade de uma guerra civil. E se, para ele, aquele era o momento de escolher lados, talvez soubesse que a guerra não demoraria a acontecer.

— Se eu fosse você, escolheria o lado mais forte. — Sugeriu Garbon.

— E se... E se eu não escolher?

— Se for assim... — Garbon desviou o olhar. — Você vai acabar morto e não haverá mais nada que eu possa fazer.

Cordon respirou fundo. Aquela decisão era mais complexa do que realmente parecia. Em um dos lados, havia seu irmão. Sua única família. E no outro, havia a verdade. Havia a justiça.

— Eu... estou com você. — Respondeu ele depois de um tempo, fazendo parecer que pensara bastante.

Garbon exibiu um pequeno sorriso, e deixou o hall.

— Ele sabe que você está mentindo. — Alertou Scadrish, inclinando a poltrona para trás.

Cordon balançou a cabeça negativamente.

— Não estou mentindo.

》》》

— Como já devem ter percebido... — começou Eva, de pé ao lado da mesa de metal. — Não temos todos conosco esta tarde. O que significa que não poderei revelar o plano a qualquer um de vocês até nosso próximo encontro, onde espero vê-los em maior quantidade.

Murmúrios de frustação e decepção ecoaram ao longo da saleta de estar, ocupada por apenas alguns móveis, como um sofá, uma mesa e cerca de onze bancos de metal. O fato de aquele ser um local inapropriado para um grupo revolucionário simplesmente facilitava as coisas para os membros, já que ninguém suspeitaria que estariam se reunindo em apartamentos, e não em depósitos ou prédios abandonados.

— Cour, agradeço imensamente por emprestar seu apartamento para nós — disse Eva, sorrindo para um dos rapazes acomodados no sofá de couro, que acenou com a cabeça. — É de extrema importância cada atualização que faço a vocês. — Ela juntou as mãos, e ergueu o rosto. — No entanto, estamos chegando ao fim, o que indica já ser necessário definir o local do nosso próximo encontro. Alguma sugestão?

O discurso de Eva concluía a reunião, como sempre o fazia de dois em dois dias. Aquela era a frequência segura em que se encontravam, independente do horário, que alterava constantemente.

— Que tal meu apartamento? — perguntou Peter, acomodado no sofá ao lado de Cour e seu filho, Hunk. — Minha mulher não vai se importar. — Ele riu, tocando o braço de Hunk. — Não mesmo.

— Tudo bem. Peço somente que me envie a confirmação até amanhã — respondeu Eva. — Sabe como me contatar.

Eva examinou o ambiente uma última vez.

— Então... parece que estamos encerrados. — Anunciou ela. — Apenas lembrem-se do procedimento, três por vez no intervalo de cinco minutos.

Aquelas palavras foram suficientes para que alguns dos indivídios presentes se levantassem, um por um, e dirigissem a palavra a Eva em busca de mais explicações ou caminhassem ao longo do cômodo, sem propósito.

— Não revelarei o plano hoje para não ter que contá-lo duas vezes e acabar fixando as coisas em suas cabeças — respondeu Eva, em sua defesa, para as inúmeras perguntas que a cercavam sobre o misterioso plano.

— Então não quer que saibamos o plano? — indagou Martin, levantando o tom de voz. — Que sentido tem isso?

— Eu quero que saibam o plano, mas o suficiente para o que vamos fazer. Sem horários e pouca precisão. — Eva distanciava-se da porta cada vez mais, afastando as pessoas que a seguiam das três que desejavam deixar o lugar. — Não posso deixar de considerar a presença de um traidor por aqui.

Os membros, então, passaram a entreolhar-se, procurando por alguma reação ou qualquer sinal suspeito que pudesse denunciar um traidor.

— Não é necessário que se preocupem com isso ainda. Garanto que vamos encontrá-lo. — Eva sorriu, e olhou para Mero, ainda acomodado no banco de metal, que retribuiu o sorriso.

》》》

Robert empurrou a porta de incêndio que levava às escadas laterais do prédio com o cotovelo, e passou a descer os degraus ásperos de cimento com passos curtos e rápidos, mantendo os punhos cerrados.

— Qual é o plano, Wilbur? — perguntou ele para Wilbur, que o seguia a apenas um metro de distância.

— Voltar para o hotel — respondeu Wilbur, esforçando-se para continuar acompanhando o ritmo de Robert. — Não podemos nos meter em encrenca. Você sabe o risco que estamos correndo.

— Sei — consentiu Robert. — Mas, sinceramente, eu não dou a mínima.

Wilbur contraiu os lábios. Aquela atitude havia sido desrespeitosa.

O compartimento das escadas laterais encontrava-se em completa escuridão, obrigando Robert e Wilbur a prestar atenção em cada passo que davam, para que evitassem pisos em falso.

— Depois que voltarmos ao hotel, podemos pensar em um plano para ir atrás de Eva — disse Wilbur, procurando manter a calma.

— Você quer vir comigo? — perguntou Robert, surpreso.

Wilbur não respondeu. E, enfim, chegaram ao andar térreo.

》》》

Ao adentrarem o hotel, atravessaram o saguão, lotado de hóspedes impacientes, até a recepção. Teriam que registrar o horário de chegada assim como, antes de ir para as ruas ao lado de Robert, Wilbur registrara o horário de saída. Aquele era o trabalho de um supervisor.

— Pode ir para o seu quarto, encontro você daqui a alguns minutos — Wilbur pousou a mão sobre o balcão da recepção.

Robert encarou Wilbur por alguns segundos e, então, caminhou em direção aos elevadores.

A recepcionista digitou freneticamente com os olhos fixos no monitor de seu computador, que encontrava-se de costas para Wilbur e, provavelmente, escondia informações importantes a respeito de Robert.

— Horário registrado. — Informou a recepcionista.

— Obrigado. — Agradeceu Wilbur, e já estava se preparando para ir embora, quando foi interrompido.

— Tem mais uma coisa — a recepcionista abaixou-se para pegar alguma coisa sob a superfície de apoio do monitor. — Ele recebeu uma carta.

A recepcionista entregou o envelope a Wilbur, que o examinou em suas mãos e encontrou o espaço de remetente vazio.

— Sem remetente? — Wilbur olhou de relance para a recepcionista, que conservava uma expressão séria.

— Sim. — Disse ela.

》》》

Robert tirou o cartão de identificação do bolso com a mão direita e o pressionou contra a maquineta para que a porta do quarto abrisse instantaneamente. Não sentia vontade de descansar, ou ao menos ficar parado, tinha que encontrar Mayla, de qualquer forma.

Ele suspirou, e abriu a mão esquerda, exibindo uma folha de papel amassado com um endereço que poderia lhe dar respostas. Zack havia escrito aquilo.

Robert sentou-se na cama, deixando o papel de lado, e suspirou novamente.

— O que eu faço agora, Myrian? — perguntou, para nada além do breu.

Por mais que Robert desejasse, não conseguia mais chorar para prestar qualquer sentimento a Myrian. Não sentia como se sua esposa estivesse morta, apenas distante. Como sua filha. Mas era diferente, ele não entendia como, apenas era.

— Robert. — Disse Wilbur, adentrando o quarto e ligando o interruptor.

Robert ergueu a cabeça e enxergou o envelope branco na mão estendida de Wilbur.

— O que é isso? — Robert arregalou os olhos.

— Para você. Sem remetente. Provavelmente da prefeitura. — Wilbur entregou a carta para Robert, que hesitou em descolar a parte superior do envelope e coferir seu interior.

— O que diz? — indagou Wilbur.

Robert puxou a folha de papel dobrado de dentro do envelope e, rapidamente, revelou seu conteúdo.

A criança está em boas mãos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!