Setores de Sangue escrita por Carlos Junior


Capítulo 5
Capítulo 5: Sigilo




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Robert assistia às formas humanas que emergiam de ambos os lados da estrada de concreto com atenção. Seus rostos sujos de fuligem e os corpos cobertos por trapos velhos exibiam uma realidade lastimável, porém familiar.

— Está tudo bem? — Wilbur seguia acompanhando seus passos.

— Quem são eles? — indagou Robert, indicando para os seres que se contorciam na calçada com a cabeça.

Wilbur encarou os homens e mulheres que juntavam-se ao redor das chamas no interior de um tambor de ferro, com pesar, e respondeu:

– Os Mustards.

Robert suspirou. Era triste encontrar pessoas como a criança que já fora um dia.

— Suponho que Mayla Dodgers é a filha que você perdeu — disse Wilbur, na tentativa de suavizar a tensão no ar.

Robert virou o rosto. Realmente não queria falar sobre aquilo, ou qualquer outra coisa que envolvesse seu passado.

— Por que o Setor 7 ficou em um prédio tão longe do centro? — ele desviou o rumo da conversa.

– Porque só existem hotéis na periferia do Setor. Aqui.

– Hotéis? — a palavra não significava nada para Robert.

– São edifícios que recebem dinheiro para abrigar pessoas — explicou Wilbur.

– E por que não abrigam os Mustards?

– Porque eles recebem dinheiro dos que são abrigados, e os Mustards não têm quase nada.

– Entendo. — Conscentiu Robert. Não parecia justo. — Então hotéis não são muito necessários.

– Foi por esse tipo pensamento que se tornaram tão raros hoje em dia. — Wilbur coçou a nuca. — Em nosso país existem apenas dois. O nosso é o mais sofisticado. — Ele sorriu.

Antes que Robert pudesse pensar em algo para responder, sentiu algo fincar na parte de trás de sua coxa.

– Droga! - grunhiu ele.

Ele tentou mover as pernas para equilibrar-se antes de cair, mas fora inútil, não conseguia mais controlar seu corpo.

– Robert? — Wilbur correu até ele para ajudá-lo a levantar. Puxou-o para cima, mas seu corpo mole o arrastava de volta para o chão.

– Não se mexa. — Ordenou uma voz.

Wilbur ergueu a cabeça e deparou-se com um homem loiro, com leves pinceladas negras sobre o rosto, apontando uma arma para ele.

– Quem é você? — perguntou Wilbur.

Quem sou eu? — o homem curvou o rosto. — Realmente não sabe quem sou eu?

– Não.

Ele aproximou-se de Wilbur e examinou Robert, que finalmente estava conseguindo abrir e fechar os olhos, imóvel, deitado no chão.

– É. — Disse ele, baixando a arma. - Não devem mesmo estar atrás de mim.

– Por que estaríamos atrás de você? — Wilbur fitou o homem por um momento, antes de voltar sua atenção para o corpo caído à sua frente. — Eu não posso voltar com ele desse jeito. — Estava desesperado. — Ele... pode ser preso e eu, demitido.

Preso? Robert não conseguia se mover, mas seu cérebro ainda funcionava corretamente. Wilbur nunca mencionara a possibilidade de ele ser preso.

– Ele é um fugitivo? — perguntou o homem.

– Digamos que sim. — Respondeu Wilbur.

– Vamos levá-lo para dentro então.

O homem referia-se ao velho prédio atrás dele. Parecia um bom lugar para se esconder. Por enquanto.

– Tudo bem. — Não havia outra opção. Wilbur levantou o braço direito de Robert e o colocou em volta de seu pescoço, enquanto o homem fazia o mesmo com o esquerdo, e o ergueu.

– Meu nome é Zack. — Revelou o homem.

– Wilbur.

》》》

Eva estudava os passos de Mero enquanto desciam o corredor estreito, era fácil perder-se ali.

– Eu estou preocupado — murmurou ele, sem olhar para trás.

– Com o que? — a voz da mulher soou firme.

A sequência de corredores que haviam seguido para chegar até ali lembrava Eva do palácio presidencial. Esquerda, direita, direita, esquerda, direita. Aquelas foram as direções seguidas pelos guardas que a arrastaram durante o percurso do terceiro andar até o homem que controlava seu país.

Mero empurrou a porta de metal fosco no fim do corredor, permitindo que leves feixes de luz clareassem seu rosto, e encarou Eva por um instante.

– Com você.

– Isso não é necessário.

Ela não desejava mais preocupações, muito menos de Mero, então agiu de maneira natural. Entrou na sala, certificou-se de que o corredor permanecia vazio atrás dela, e fechou a porta, cautelosamente. Aquele era um lugar secreto, assim como o grupo que escondia-se ali.

– Estamos bem. — Anunciou Mero.

Mas os olhares curiosos estavam todos voltados para Eva, era dela de quem esperavam alguma coisa.

– Eles já conseguiram alguma pista do paradeiro de Zack? — perguntou uma mulher.

– Provavelmente não. — Respondeu Eva, com seriedade.

E você, alguma? — perguntou outra pessoa.

– Também não. — Eva manteve o tom sério. — Mas sei como encontrá-lo.

– Como? - um robusto e musculoso homem de traços fortes e pele escura acomodou-se no banco de metal posicionado ao lado de Mero, cruzando os braços.

Eva respirou fundo.

– A primeira coisa que Zack deve ter feito foi contatar Cordon. — Disse ela, gesticulando com os braços. - Se eles conseguirem se comunicar, sei que Cordon dará boas dicas de como se esconder.

– E como vamos encontrá-lo? — perguntou novamente o homem.

– Basta imaginar o que Cordon iria recomendar. — Explicou ela, de maneira clara. — Como um bom esconderijo, o Mustard.

– Então você está sugerindo que o procuremos lá? — perguntou alguém, franzindo a testa.

– Exato. — Eva limpou a garganta. — Porém, apenas um de nós irá procurá-lo. Não podemos correr o risco de sermos perseguidos, já que acabaram de colocar uma escuta em mim e nada os impede de fazer coisa pior.

Alguns dos presentes assustaram-se com a notícia, como se a segurança do grupo estivesse ameaçada.

– E esse um de nós irá trazê-lo também? — a luz refletia as extremidades escuras da pele do homem que outrora desejara arrancar de Eva sua estratégia.

– Ninguém irá trazê-lo, Martin. — Respondeu Eva. — Nós vamos estabelecer uma forma de comunicação entre nós.

Ela caminhou até a mesa de ferro, posicionada no centro da sala, e apontou para dois objetos em sua superfície.

– Alguém daqui irá levar um desses walk-talks para ele. Ficaremos com o outro. Não podemos levar algo mais tecnológico ou correremos o risco de sermos rastreados, já que precisaríamos da rede.

– Tudo bem. — Consentiu Martin. — Pode ser eu.

– Ou eu. — Ofereceu-se mais alguém.

Eu irei selecionar. — Eva examinou os rostos de cada um com rapidez e identificou uma mulher ruiva de pele clara e sardenta. — Hulla. Ela é ágil e silenciosa. Perfeita para isso.

Hulla assentiu com a cabeça.

》》》

– Quanto tempo vai demorar para ele voltar ao normal? — perguntou Wilbur.

– Alguns minutos. — respondeu Zack. — Ele vai recuperar os sentidos aos poucos.

Robert encontrava-se deitado sobre uma pilha de jornais em uma posição desconfortável. Não conseguia tirar da cabeça o grupo de pessoas que visualizou na entrada do edifício enquanto Wilbur e Zack o carregavam, pareciam tão miseráveis quanto ele.

– Por que o rosto pintado? — indagou Wilbur.

Zack levou a mão até a testa, onde sentiu o líquido viscoso que a cobria.

– Para diferenciar o meu rosto da imagem dos telões. Assim eles não me reconhecem.

– Os Mustards?

– Sim.

Wilbur virou o rosto. Se a imagem de Zack encontrava-se nos telões, tratava-se de um procurado, o que poderia acarretar em graves problemas para ele.

– O que ele fez? - perguntou Zack, com os olhos fixos em Robert.

– Como assim? – Wilbur franziu a testa.

– Para se tornar um fugitivo.

Wilbur não sabia ao certo como reagir. Não era seguro revelar quaisquer informações para aquele homem. E se estivesse na presença de um assassino? Na presença de, pelo menos, mais um.

– Ele matou dois guardas a caminho daqui. - Respondeu, rapidamente, na tentativa de intimidá-lo.

– Dois guardas? - Zack demonstrou espanto. - Por que?

– Minha filha... - a voz de Robert soou esganiçada. Alguns de seus sentidos haviam retornado.

Zack e Wilbur observaram-no com atenção.

– Fiz aquilo para protegê-la - prosseguiu ele, com dificuldade.

– E... onde ela está agora? - perguntou Zack, quebrando o silêncio que pairou no ar por alguns segundos.

Robert encarou o teto acinzentado. Estava confuso. Seu corpo permanecia imóvel, mas a liberdade da fala o saciava.

– Eu... não sei. - Seu maior desejo era gritar, para que todos pudessem escutar sua angústia, mas tudo o que fez foi fechar os olhos, e adormecer, ignorando os problemas que lhe foram apresentados aquela manhã.

》》》

– Acorde - Robert arrepiou-se ao sentir o sacolejar do corpo. Estava conseguindo se mover novamente.

Ele abriu os olhos.

– Wilbur? - sua visão embaçada permitiu identificar a área calva na cabeça do rapaz. - Que horas são? - perguntou, levantando-se rapidamente.

– Está de tarde. - Respondeu uma figura rígida no canto da sala. Zack.

– E temos que voltar. — Disse Wilbur.

– Robert - Zack caminhou em sua direção. - Tenho um favor a pedir.

Era estranho escutar seu nome sair da boca de alguém para quem não havia se apresentado.

– O que é? - Robert ergueu o tronco, mantendo as pernas esticadas.

– Vocês passaram a manhã aqui, e... – os olhos de Zack encontraram os de Wilbur. – Wilbur me explicou cada detalhe da sua situação.

Cada detalhe? Wilbur saberia tanto assim?

– O mínimo que posso fazer depois do que lhe causei é ajudar com a busca pela sua filha. — Zack acomodou-se ao lado de Robert. — E para te ajudar, eu preciso que você me escute. — Ele respirou fundo. — É provável que ela tenha sido raptada.

– Raptada? — perguntou Robert, de maneira ríspida. Wilbur deveria ter revelado detalhes suficientes para que Zack chegasse àquela conclusão.

– E o caso dela não é o primeiro. — Ele fez outro intervalo, como se a seguir viesse uma revelação. - Levaram o meu filho de mim também.

Robert arregalou os olhos. Zack possuía um filho?

– Quem o levou? — indagou Robert.

– Isso continua sendo um mistério para mim, mas eu acredito que tenham sido enviados do presidente.

– O presidente?

A ideia lhe parecia absurda.

– Não ele em si, mas homens à mando dele. Sua filha também estava infectada, não estava?

De repente, não parecia mais tão absurda. Mayla, de fato, estava infectada.

– O que a infecção tem a ver com isso? - Robert soava incrédulo, mas, no fundo, temia que aquilo fosse verdade.

– Eu não sei. — Zack soltou as palavras com fervor.

– Minha mulher... Ela também estava infectada. - Disse Robert, baixando a cabeça. A dor de pensar em Myrian ameaçava consumí-lo outra vez. — E não houve rapto.

– Acontece apenas com crianças.

Zack limpou a garganta, e continuou:

– Eu queria que soubesse que passei a maior parte da vida assistindo pessoas cobrirem o rastro umas das outras. E tenho que admitir, eu mesmo já fiz parte disso. — Ele se levantou, obrigando-se a caminhar de um lado para o outro. — O número nacional de crianças desaparecidas registrado por nós, monitores, é reduzido constantemente em nossos computadores, e nenhuma delas, até hoje, foi encontrada. Isso continua acontecendo porque ninguém se importa de verdade com isso. — Sua expressão mudou, tornando-se séria. — E quem se importou, agora está morto.

Wilbur encontrava-se sentado ao lado de Robert, com as pernas cruzadas. Estava disposto a escutar tudo o que Zack tinha a dizer, não por necessidade, mas curiosidade. Aquela era apenas mais uma informação que guardaria em sua mente.

– Eu estou dando à você algo em que acreditar. — Zack parou de andar e permaneceu de costas, fitando a parede de concreto em sua frente. - Algo que você talvez não tivesse antes.

– Então... – Robert baixou a cabeça. As coisas permaneciam embaralhadas.

– Diga. – Encorajou Zack.

– Por que você não está procurando por ele? Seu filho? – Robert cerrou os punhos.

Por mais que desejasse acreditar que o que Zack dizia estava errado, o medo da certeza impedia Robert de tomar qualquer partido naquela loucura.

– Eu procuro. Porém não posso me dedicar nisso agora, tenho que me concentrar em fugir daqui. Em sobreviver. Quero estar vivo quando finalmente rever meu Thomas.

O coração de Robert batia depressa. Era muito para absorver.

– E é aí que vem o favor. — Zack girou os pés no chão e virou-se para ele. —Preciso que você encontre Eva.


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