Setores de Sangue escrita por Carlos Junior
Zack deixou o quarto abafado cuidadosamente. Ao seu redor, mustards dormiam silenciosamente, espalhados ao longo do largo corredor em que se encontrava, com fuligem nos rostos e agarrados a peças de instrumentos mecanizados provavelmente deixadas ali durante a construção do prédio. Cobriam-se com trapos velhos e sujos, possivelmente inapropriados para passar aquela noite fria e relativamente agradável.
Como não estava interessado em chamar a atenção de nenhuma daquelas pessoas, Zack seguiu em frente, respirando fundo e passando por cima de alguns corpos trêmulos que encontravam-se em seu caminho. Quando chegou até a porta de incêndio da escada, suspirou aliviado, e ao empurrá-la, encontrou mais alguns indivíduos utilizando o lugar como residência. Muitos, inclusive, aquecendo suas mãos nas chamas presentes no interior de vasilhas de ferro e alumínio.
Zack estava nervoso, não era habituado com aquele tipo de situação. Talvez possuísse o conhecimento necessário para se livrar daquilo com facilidade, mas não possuía experiência, e a agonia que sentia era o suficiente para perturbar seu cérebro impedí-lo de continuar.
Força, desejou ele à si mesmo.
Zack respirou fundo novamente, e desceu as escadas de maneira natural, como se pertencesse à classe social de pessoas que se organizavam naquele local, independente do uniforme azul e branco que trajava.
– Ei, você! - chamou alguém, atrás dele.
Zack congelou.
– Tem comida? - perguntou a pessoa, percebendo a parada brusca do homem à sua frente.
– Não - respondeu Zack, a insegurança perceptível em seu tom de voz. Ele olhou para trás de relance e vislumbrou a imagem de uma mulher. Ela trajava um terno cinza rasgado, provavelmente encontrado no lixo ou fornecido por algum benfeitor, e estava cercada por cerca de três ou quatro crianças crianças, todas tão imundas quanto ela.
– Calma - disse ela, acariciando os cabelos de um garotinho que se enroscava em seu colo, parecia possuir no máximo três anos. - Vou conseguir alguma coisa pra você.
Alguma coisa naquela manifestação pareceu mexer com Zack.
– Eu... - começou ele, atraindo a atenção da mulher de imediato. - Posso ver se consigo alguma coisa, lá fora, estou saindo agora.
Então recebeu um sorriso singelo da mulher, e através da luz do fogo que dançava em um objeto a sua frente, parecia que seus olhos estavam prestes a lagrimar.
Ele tornou sua visão novamente para os degraus, sua visão dificultada devido à falta de luz, e prosseguiu. O que era antes uma tentativa de fuga, repentinamente havia se tornado em uma demonstração de pena.
》》》
– Sentem se - Eva indicou para o sofá no canto da sala com a cabeça enquanto Mero saía do caminho, temendo qualquer movimento inesperado dos homens.
Robert caminhou, lentamente, seguido de Wilbur, em direção ao objeto.
– Você já pode abaixar a arma - disse ele.
– E o que me garante que você não vai avançar quando não estiver sob nenhuma ameaça? Nada. E nem apele para a confiança porque você é o menos confiável aqui. - Eva virou o rosto para Wilbur. - Também não estou dizendo que confio em você.
Enquanto isso, Mero sorria, admirando a situação.
– Nossa, vocês estão tornando tudo mais difícil - observou Wilbur, sorrindo ligeiramente.
– O que vocês têm a ver com Zack? - perguntou Eva, rispidamente, ainda com a arma apontada para eles.
A resposta demorou alguns segundos.
– Ele sugeriu que eu me juntasse ao grupo - respondeu Robert, de maneira indiferente. Esperava que as coisas fluíssem de maneira mais direta, não estava disposto a perder tempo.
– Ao grupo? - Eva encarou Mero rapidamente. - Vocês não fazem idéia do que estão falando.
– Ele quem sugeriu - retrucou Robert.
– Com que propósito? - Eva parecia se tornar cada vez mais agressiva.
– Olha, deixa eu explicar as coisas direitinho... - Wilbur tentou iniciar um momento de calma. Mas não teve sucesso.
– Minha filha foi raptada - interrompeu Robert, com os olhos fixos em Eva. - E ele disse que vocês me ajudariam a encontrá-la.
– Obrigado Robert - disse Wilbur, sarcasticamente, devido à explicação que fora impedido de dar.
– Nós não somos um grupo de resgate - Eva se inclinou para frente.
– Vocês são um grupo do que, então? - Wilbur arregalou os olhos, temia a resposta.
– Ele me pediu para ajudar com o resgate do Thomas enquanto vocês poderiam me ajudar com o resgate da minha filha - Robert sabia que usar o nome do filho de Eva durante a conversa com certeza mexeria com ela de alguma forma.
O silêncio pairou no ar por milésimos.
– Ele contou sobre Thomas? - ela balbuciou um pouco para trás.
– Poderiam me responder? - indagou Wilbur, irritado por ter sido ignorado.
– Hoje são vocês quem vão nos dar respostas - Eva olhou violentamente para ele.
– Eu recebi uma carta - começou Robert, na tentativa de utilizar todos os instrumentos disponíveis ao seu redor para convencer a mulher a sua frente. Mas antes que ele pudesse terminar, foi interrompido.
– Uma carta? - aquilo parecia familiar para Eva, que agora encontrava-se com os olhos arregalados.
Robert concordou com a cabeça.
– Sim.
– O que havia na carta? - indagou Eva, suas mãos visivelmente trêmulas. - O que estava escrito? - corrigiu.
Robert pousou as palmas das mãos sobre o sofá.
– A criança está em boas mãos - revelou ele.
Eva permitiu que apenas a mão direita suportasse o revólver que segurava enquanto a esquerda se dirigia até a boca. Reconheceu aquela frase, havia recebido o mesmo instrumento há sete meses, com a mesma mensagem.
A expressão no rosto da mulher transparecia preocupação, o que indicava com absoluta certeza que o assunto tratado a sensibilizara. E também que Robert adquirira algum crédito.
– Ér... - a mulher se recompôs, momentos públicos de fraqueza como aquele não poderiam durar mais que alguns segundos. - E você? O que te traz aqui? - Eva tornou Wilbur o alvo principal da mira.
– Ah. Eu? - Wilbur não fazia idéia do que responder. Talvez porque realmente não soubesse a resposta, tudo o que fizera até então fora por Robert, fora por conclusões.
– Ele está comigo - disse Robert. - Foi meu guia, me ajudou a chegar até aqui.
Eva relaxou os músculos, parecia convencida a deixá-los permanecer ali, sem demonstrar qualquer indício de que sentia-se insatisfeita com o que acabara de ser fornecido. Ainda não confiava nos homens que ali se encontravam, mas também não possuía descrença de que o dito por Robert era verdadeiro. A fragilidade e delicadeza da situação a abalava.
– Venham - emitiu ela, fazendo um sinal para o corredor.
A expressão no rosto de Mero alterou-se vagarosamente, não achava que aquele momento acabaria tão rápido. No entanto, não tirou o sorriso do rosto, deveria se mostrar satisfeito com o ocorrido, a decisão de Eva seria a sua decisão, pelo menos aparentemente.
Os dois homens se movimentaram lentamente, do sofá até a boca do corredor, onde fitaram a tênue profundidade e a quantidade de portas - cinco - relacionadas ao número de quartos.
– Sigam em frente, terceira porta à direita - informou Eva.
Robert acenou com a cabeça, e prosseguiu.
》》》
Clarice carregou a água com as palmas das mãos coladas uma a outra, e as jogou em seu rosto. A torneira ainda expelia o líquido com velocidade, e o som provocado na superfície de mármore a distraía de seu sufoco.
Ela poderia ter aceitado o que Key havia dito e compartilhado mais um momento de afeição após o desentendimento, mas não acreditava completamente no amante. Apesar do pouco número de pessoas que conhecia, se impressionava constantemente com a quantidade em quem poderia confiar, e as que confiava. Key era uma delas.
Uma parte da garota desejava acreditar inteiramente em Key, considerando que tudo o que ele dissera era verdade, e outra pessoa havia descoberto o relacionamento secreto do casal e agora os estava chantageando. Mas sua intuição dizia que havia alguma coisa errada.
De repente, o bipe soou novamente, indicando uma nova notificação em seu computador.
Clarice respirou fundo, temia que fosse outro comentário. Ela desligou a torneira, enxugou o rosto, e foi para o quarto. E, para a sua surpresa, seu temor estava certo.
Que tal se nós conversarmos um pouco?
Ela sentiu a repulsa tomar diretamente conta de seu corpo. O autor anônimo do comentário agora desejava estabelecer um contato maior com Clarice, e isso era igualmente preocupante. E assustador.
Clarice puxou o teclado para perto, respirou fundo, adquirindo coragem, e respondeu.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!