Setores de Sangue escrita por Carlos Junior


Capítulo 15
Capítulo 15: Sua Realidade




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Zack deixou o quarto abafado cuidadosamente. Ao seu redor, mustards dormiam silenciosamente, espalhados ao longo do largo corredor em que se encontrava, com fuligem nos rostos e agarrados a peças de instrumentos mecanizados provavelmente deixadas ali durante a construção do prédio. Cobriam-se com trapos velhos e sujos, possivelmente inapropriados para passar aquela noite fria e relativamente agradável.

Como não estava interessado em chamar a atenção de nenhuma daquelas pessoas, Zack seguiu em frente, respirando fundo e passando por cima de alguns corpos trêmulos que encontravam-se em seu caminho. Quando chegou até a porta de incêndio da escada, suspirou aliviado, e ao empurrá-la, encontrou mais alguns indivíduos utilizando o lugar como residência. Muitos, inclusive, aquecendo suas mãos nas chamas presentes no interior de vasilhas de ferro e alumínio.

Zack estava nervoso, não era habituado com aquele tipo de situação. Talvez possuísse o conhecimento necessário para se livrar daquilo com facilidade, mas não possuía experiência, e a agonia que sentia era o suficiente para perturbar seu cérebro impedí-lo de continuar.

Força, desejou ele à si mesmo.

Zack respirou fundo novamente, e desceu as escadas de maneira natural, como se pertencesse à classe social de pessoas que se organizavam naquele local, independente do uniforme azul e branco que trajava.

– Ei, você! - chamou alguém, atrás dele.

Zack congelou.

– Tem comida? - perguntou a pessoa, percebendo a parada brusca do homem à sua frente.

– Não - respondeu Zack, a insegurança perceptível em seu tom de voz. Ele olhou para trás de relance e vislumbrou a imagem de uma mulher. Ela trajava um terno cinza rasgado, provavelmente encontrado no lixo ou fornecido por algum benfeitor, e estava cercada por cerca de três ou quatro crianças crianças, todas tão imundas quanto ela.

– Calma - disse ela, acariciando os cabelos de um garotinho que se enroscava em seu colo, parecia possuir no máximo três anos. - Vou conseguir alguma coisa pra você.

Alguma coisa naquela manifestação pareceu mexer com Zack.

– Eu... - começou ele, atraindo a atenção da mulher de imediato. - Posso ver se consigo alguma coisa, lá fora, estou saindo agora.

Então recebeu um sorriso singelo da mulher, e através da luz do fogo que dançava em um objeto a sua frente, parecia que seus olhos estavam prestes a lagrimar.

Ele tornou sua visão novamente para os degraus, sua visão dificultada devido à falta de luz, e prosseguiu. O que era antes uma tentativa de fuga, repentinamente havia se tornado em uma demonstração de pena.

》》》

– Sentem se - Eva indicou para o sofá no canto da sala com a cabeça enquanto Mero saía do caminho, temendo qualquer movimento inesperado dos homens.

Robert caminhou, lentamente, seguido de Wilbur, em direção ao objeto.

– Você já pode abaixar a arma - disse ele.

– E o que me garante que você não vai avançar quando não estiver sob nenhuma ameaça? Nada. E nem apele para a confiança porque você é o menos confiável aqui. - Eva virou o rosto para Wilbur. - Também não estou dizendo que confio em você.

Enquanto isso, Mero sorria, admirando a situação.

– Nossa, vocês estão tornando tudo mais difícil - observou Wilbur, sorrindo ligeiramente.

– O que vocês têm a ver com Zack? - perguntou Eva, rispidamente, ainda com a arma apontada para eles.

A resposta demorou alguns segundos.

– Ele sugeriu que eu me juntasse ao grupo - respondeu Robert, de maneira indiferente. Esperava que as coisas fluíssem de maneira mais direta, não estava disposto a perder tempo.

– Ao grupo? - Eva encarou Mero rapidamente. - Vocês não fazem idéia do que estão falando.

– Ele quem sugeriu - retrucou Robert.

– Com que propósito? - Eva parecia se tornar cada vez mais agressiva.

– Olha, deixa eu explicar as coisas direitinho... - Wilbur tentou iniciar um momento de calma. Mas não teve sucesso.

– Minha filha foi raptada - interrompeu Robert, com os olhos fixos em Eva. - E ele disse que vocês me ajudariam a encontrá-la.

– Obrigado Robert - disse Wilbur, sarcasticamente, devido à explicação que fora impedido de dar.

– Nós não somos um grupo de resgate - Eva se inclinou para frente.

– Vocês são um grupo do que, então? - Wilbur arregalou os olhos, temia a resposta.

– Ele me pediu para ajudar com o resgate do Thomas enquanto vocês poderiam me ajudar com o resgate da minha filha - Robert sabia que usar o nome do filho de Eva durante a conversa com certeza mexeria com ela de alguma forma.

O silêncio pairou no ar por milésimos.

– Ele contou sobre Thomas? - ela balbuciou um pouco para trás.

– Poderiam me responder? - indagou Wilbur, irritado por ter sido ignorado.

– Hoje são vocês quem vão nos dar respostas - Eva olhou violentamente para ele.

– Eu recebi uma carta - começou Robert, na tentativa de utilizar todos os instrumentos disponíveis ao seu redor para convencer a mulher a sua frente. Mas antes que ele pudesse terminar, foi interrompido.

– Uma carta? - aquilo parecia familiar para Eva, que agora encontrava-se com os olhos arregalados.

Robert concordou com a cabeça.

– Sim.

– O que havia na carta? - indagou Eva, suas mãos visivelmente trêmulas. - O que estava escrito? - corrigiu.

Robert pousou as palmas das mãos sobre o sofá.

– A criança está em boas mãos - revelou ele.

Eva permitiu que apenas a mão direita suportasse o revólver que segurava enquanto a esquerda se dirigia até a boca. Reconheceu aquela frase, havia recebido o mesmo instrumento há sete meses, com a mesma mensagem.

A expressão no rosto da mulher transparecia preocupação, o que indicava com absoluta certeza que o assunto tratado a sensibilizara. E também que Robert adquirira algum crédito.

– Ér... - a mulher se recompôs, momentos públicos de fraqueza como aquele não poderiam durar mais que alguns segundos. - E você? O que te traz aqui? - Eva tornou Wilbur o alvo principal da mira.

– Ah. Eu? - Wilbur não fazia idéia do que responder. Talvez porque realmente não soubesse a resposta, tudo o que fizera até então fora por Robert, fora por conclusões.

– Ele está comigo - disse Robert. - Foi meu guia, me ajudou a chegar até aqui.

Eva relaxou os músculos, parecia convencida a deixá-los permanecer ali, sem demonstrar qualquer indício de que sentia-se insatisfeita com o que acabara de ser fornecido. Ainda não confiava nos homens que ali se encontravam, mas também não possuía descrença de que o dito por Robert era verdadeiro. A fragilidade e delicadeza da situação a abalava.

– Venham - emitiu ela, fazendo um sinal para o corredor.

A expressão no rosto de Mero alterou-se vagarosamente, não achava que aquele momento acabaria tão rápido. No entanto, não tirou o sorriso do rosto, deveria se mostrar satisfeito com o ocorrido, a decisão de Eva seria a sua decisão, pelo menos aparentemente.

Os dois homens se movimentaram lentamente, do sofá até a boca do corredor, onde fitaram a tênue profundidade e a quantidade de portas - cinco - relacionadas ao número de quartos.

– Sigam em frente, terceira porta à direita - informou Eva.

Robert acenou com a cabeça, e prosseguiu.

》》》

Clarice carregou a água com as palmas das mãos coladas uma a outra, e as jogou em seu rosto. A torneira ainda expelia o líquido com velocidade, e o som provocado na superfície de mármore a distraía de seu sufoco.

Ela poderia ter aceitado o que Key havia dito e compartilhado mais um momento de afeição após o desentendimento, mas não acreditava completamente no amante. Apesar do pouco número de pessoas que conhecia, se impressionava constantemente com a quantidade em quem poderia confiar, e as que confiava. Key era uma delas.

Uma parte da garota desejava acreditar inteiramente em Key, considerando que tudo o que ele dissera era verdade, e outra pessoa havia descoberto o relacionamento secreto do casal e agora os estava chantageando. Mas sua intuição dizia que havia alguma coisa errada.

De repente, o bipe soou novamente, indicando uma nova notificação em seu computador.

Clarice respirou fundo, temia que fosse outro comentário. Ela desligou a torneira, enxugou o rosto, e foi para o quarto. E, para a sua surpresa, seu temor estava certo.

Que tal se nós conversarmos um pouco?

Ela sentiu a repulsa tomar diretamente conta de seu corpo. O autor anônimo do comentário agora desejava estabelecer um contato maior com Clarice, e isso era igualmente preocupante. E assustador.

Clarice puxou o teclado para perto, respirou fundo, adquirindo coragem, e respondeu.


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