Setores de Sangue escrita por Carlos Junior


Capítulo 13
Capítulo 13: Número da Sorte




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Garbon entrou no elevador e selecionou o terceiro andar. Acabara de ser informado que Marshall requisitava sua presença, provavelmente estava cansado dos guardas que haviam sido mandados para vigiá-lo.

– Como vai a vida? - perguntou, ironicamente, uma mulher, adentrando o elevador rapidamente antes que ele se fechasse.

– Francy - disse Garbon, com desgosto. - Onde vai?

As portas se fecharam.

– Ao mesmo lugar que você, bobinho - as palavras que saíam da boca daquela mulher eram tão irônicas quanto seu sorriso. Ela fitou momentaneamente o painel que exibia os números dos andares a serem selecionados no elevador. - Que bom que já até apertou o botão para mim.

Ela era alta, quase da mesma altura que Garbon, e magra. Seus cabelos eram ondulados e castanhos, além de pouco volumosos. E seu rosto, bonito e aparentemente intelectual, era intimidador.

O tempo que passaram no interior daquele elevador fora extremamente curto, para a sorte de Garbon, que achava muito incômodo passar tempo ao lado de Francy. Eles caminharam, com passos curtos e pesados, até a grande porta de ferro, guardada por dois oficiais, e aguardaram o anúncio.

– Garbon e Francy estão aqui fora, senhor - disse um dos guardas, abrindo a porta para comunicar-se com Marshall.

– Deixe-os entrar - respondeu ele, do lado de dentro.

O guarda voltou se rosto para frente, e acenou. O outro fez o mesmo.

Garbon adentrou, com uma expressão séria, o salão iluminado apenas pela luz das chamas que saíam da lareira artificial, presente no fundo do aposento.

– O senhor chamou ela? - exprimiu Garbon.

– Boa noite, senhor presidente - cumprimentou Francy, transpassando elegância.

– Chamei - disse Marshall, levantando-se da poltrona, com dificuldade. De uma em uma hora, levantava-se para rondar o gabinete, decisão tomada devido ao cansaço de ficar sentado por muito tempo. - E boa noite, Francy.

– Por que? - perguntou Garbon, em tom um pouco ameaçador. Ele permanecia de pé, encarando o homem esguio que iniciara uma caminhada lenta em volta do salão.

– Espero que não esteja questionando minhas atitudes - Marshall seguia em direção à lareira artificial. - Você é uma das únicas pessoas em que confio aqui dentro. Assim como você, Francy.

Garbon franziu a testa.

– E é exatamente por isso que a chamei aqui - ele se virou para olhar para Francy. - Como pode saber, estamos passando por um sério problema de influência.

Francy sorriu.

– Está falando de quem eu penso que está falando? - indagou ela, em tom sínico.

Marshall confirmou com a cabeça.

De início estava confuso, mas ao interligar os elementos, Garbon entendeu tudo.

– O que está acontecendo? - Francy cruzou os braços.

– Recentemente notei o comportamento suspeito de alguns guardas - começou Marshall. - Pela gigantesca quantidade de câmeras a que tenho acesso na zona presidencial, pude perceber que há uma série de oficiais que estão se organizando em segredo, talvez planejando algo contra um de nossos membros. Talvez contra mim.

Ou talvez não passasse de paranóia, Garbon não poderia excluir aquela possibilidade.

Francy mantinha o sorriso no rosto enquanto escutava.

– E o senhor conseguiu identificar quem são os guardas? Podemos interrogá-los - sugeriu ela.

– Temo que o número é extremamente alto para que sejam interrogados - Marshall terminava sua volta pelo aposento com sucesso. - Por isso, desejo que sejam observados de perto - ele parou. - Pode fazer isso, Francy?

O sorriso no rosto da mulher desaparecera. A situação parecia mais séria agora que a quantidade de possíveis diligentes aumentara.

– Posso sim, senhor - ela fez que sim com a cabeça.

– Excelente - Marshall sorriu, e tornou sua atenção para a tela que ocupava praticamente toda a lateral de seu gabinete, segundo o objeto, estava quase na hora de ir embora. - Agora, se me dão licença, irei adiantar um pouco meu horário de saída - ele encaminhou-se para a porta de metal, clicou em um interruptor próximo a ela, que iniciara o processo de desligamento dos demais aparelhos eletrônicos que se encontravam lá dentro, e abriu, para que Garbon e Francy saíssem antes dele. - Ah, e Garbon, preciso que você me acompanhe.

Garbon, já do lado de fora, acenou com a cabeça.

– Já posso ir? - perguntou Francy, aguardando aprovação para ir em direção ao elevador.

Marshall certificou-se de que não havia mais nada a ser feito, deixou o gabinete, e trancou a porta de metal, afastando os dois guardas que se encontravam em seu perímetro.

– Vamos - ordenou ele, aguardando que os dois guardas tomassem a posição de frente, para que Garbon e Francy pudessem ir atrás. - Pois então, como eu ia dizendo, é necessário ter cuidado.

– Realmente - Francy olhou para ele.

Não poderiam dizer mais nada, apenas a simples presença daqueles dois oficiais ali já poderia oferecer algum risco.

》》》

Talvez estivesse exagerando. Informando a alguém o relacionamento secreto que possuía, Key estaria não só prejudicando Clarice, mas também sua posição como guarda oficial, o que mudava um pouco a visão da garota em relação àquela situação. Ela sabia que, caso alguém mais descobrisse, ele é quem seria penalizado.

– Me responda com sinceridade - pediu ela, ainda sentada no chão do quarto. - Você já disse a alguém alguma vez sobre nós dois?

A resposta demorou um pouco, mas veio:

– Não - revelou, do outro lado da porta. - Eu já disse, por que eu faria isso?

– Eu sei, eu sei - ela enxugou as lágrimas vestigiais que incomodavam seu rosto, e levantou. - Mas de que outra forma as pessoas descobririam? Tem certeza que nunca nem comentou sobre isso?

– Eu garanto que não - respondeu Key.

O silêncio profanou por alguns segundos.

– Eu acho que vou deixar você entrar - avisou ela, colocando a mão sobre a maçaneta.

– Finalmente - brincou ele.

– Eu apenas acho - ela também decidiu brincar. Não suportava ficar longe de Key, nem mesmo por uma pequena distância como aquela.

Clarice abriu a porta, e pôde ver quando o homem, em um movimento rápido, escondeu o celular no bolso. Ela franziu a testa.

– O que estava fazendo no celular? - indagou ela, em tom desconfiado.

– Jogando um joguinho que baixei recentemente - explicou ele, sorrindo. - É entediante ficar aqui dentro sozinho sem você.

Ela sorriu.

– Eu confio em você - e aproximou seu rosto do dele.

Então, ele a puxou para um longo e profundo beijo de reconciliação, reconciliação de uma briga que não significara coisa alguma.

Clarice reconhecia que aceitar que estava errada naquele momento fora um sinal de extrema fraqueza, mas não se importava, estava, novamente, confortável nos braços do rapaz que amava.

Mas então, de repente, escutaram um barulho vindo do lado de fora. Era, com toda a certeza, o pai de Clarice.

– Se afaste, se afaste - mandou ela, empurrando Key com as mãos em seu peito. - É ele.

Imediatamente, Key tomou sua posição, mantendo a coluna ereta e a cabeça erguida próximo à porta do quarto de Clarice. Era onde deveria estar desde o início.

E a porta se abriu, exibindo Marshall, e seu companheiro, Garbon.

– Como se comportou a minha garotinha? - perguntou ele.

– Muito bem, senhor - informou Key.

Clarice saiu de dentro do quarto, fingindo sonolência, como a de quem acabara de acordar, e esfregou os olhos.

– Pai? - indagou.

Marshall aproximou-se da garota, a abraçou, e lhe deu um beijo na testa.

– Boa noite, filha - desejou ele.

– Boa noite, pai - respondeu ela.

– Agora, você está dispensado - Marshall dirigiu-se à Key, mudando repentinamente, sua expressão facial.

Key consentiu com a cabeça, e deixou aqueles aposentos, sendo prestigiado, somente, por um sorriso de Clarice, o que fez Garbon sorrir ao perceber o que acabara de acontecer.

– É melhor ir para cama - sugeriu Marshall. - Papai e Garbon vão ter uma conversa bem séria no quarto.

Clarice odiava quando Marshall referia-se a si mesmo como "papai", parecia que ele estava conversando com uma garota de 6 anos, e não de 17, mas ainda sim, sorria e fazia parecer que estava tudo bem, quando na verdade não estava.

– Tudo bem - disse ela.

– Eu te amo - ele beijou sua testa novamente, e prosseguiu em direção ao seu quarto. - Vamos, Garbon.

– Estou indo - Garbon seguiu seus passos.

– Boa noite, Garbon - Clarice tentou ser educada.

– Boa noite - respondeu ele, de costas, já entrando no quarto de Marshall.

Clarice suspirou.

》》》

O locomotor seguia à toda velocidade, era um dos únicos veículos com permissão para fazer isso, já que seu sistema de segurança e o campo de força em torno o de sua estrutura afastava os outros carros e evitava acidentes.

– Eu estou ridículo, não estou? - perguntou Wilbur, virando o rosto para olhar para o assento ao lado, onde se encontrava Robert.

Robert sorriu.

– Está - respondeu ele, analisando o único olho visível de Wilbur na abertura da gola do vestido.

– As pessoas não questionam mais gostos hoje em dia - Wilbur fitou rapidamente a fileira de cadeiras atrás dele e a reação dos passageiros que o encaravam.

– É - Robert sorriu novamente.

Era a primeira vez que Wilbur via Robert sorrir daquela maneira, tão natural. Talvez finalmente estivesse convencido de que sua filha estava salva agora que estavam no caminho de algo, ou talvez estivesse se sentindo confortável ao lado de Wilbur. Como um amigo.

Ele também sorriu. Se Robert era seu amigo, era um dos únicos que havia feito naquele setor durante todos os anos que passara lá.

– Wilbur - Robert retornara o tom de voz sério que usava habitualmente. Era incrível como ele alternava tão facilmente seu estado de humor. - Estamos perto?

Wilbur imediatamente olhou para fora, pela janela. De fato, encontravam-se próximos do endereço indicado por Zack.

– Para falar a verdade, vamos descer na próxima parada - explicou ele. - O resto do percurso fazemos a pé

Robert acenou com a cabeça.

Então, aguardaram, durante minutos escutando apenas murmúrios das conversas dos outros passageiros, até a chegada ao próximo semicírculo.

– Aqui - informou Wilbur, levantando-se do assento, seguido por Robert.

Eles caminharam pelo corredor do veículo climatizado até o final, onde havia uma porta que se abriria assim que o locomotor parasse. E assim que isso aconteceu, eles desceram.

– Em que direção nós vamos agora? - indagou Robert.

– Esquerda.

》》》

A caminhonete de Eva aproximou-se do portão, que dava para a garagem, presente na parte frontal de seu edifício, o suficiente para que pudesse parar o carro e tornar para Mero.

– Pode descer agora - disse ela.

Levou um tempo para que ele pudesse assimilar o que havia sido dito. Esperava, francamente, que fosse subir e participar de mais discussões construtivas sobre o grupo, seus membros, e organizar especulações sobre o paradeiro de Cour.

– Ah - a princípio, ele parecia confuso. - Então... É. Me ligue se precisar de alguma coisa - sugeriu.

Eva pensou em dar à ele, naquele momento, uma resposta objetiva sobre o incômodo que comentários como aquele lhe causavam, mas achou melhor não agitar a noite ainda mais.

– Tudo bem - concordou ela, friamente, enquanto Mero fechava a porta, já fora do carro.

O portão se abriu, e ela acelerou, deixando o rapaz para trás.

Ele ficou ali, observando os faróis traseiros da caminhonete de Eva penetrarem a garagem escura enquanto o portão da frente se fechava novamente. Provavelmente nunca teria realmente uma chance com ela. Mas se ele não teria, outros também não iriam ter.

Já preparava-se para ir embora, quando escutou a conversa de dois homens que lhe chamaram atenção.

– O nome dela é Eva Rifles - disse um deles, caminhando em direção ao edifício.

Mero franziu a testa, enquanto os observava na tentativa de dizer alguma coisa na caixa sonora que estabelecia uma via de comunicação com o porteiro.

– Apartamento 502 - informou um deles à portaria, ao ler um pedaço de papel que encontrava-se em sua mão.

– Interfonarei para lá - respondeu o porteiro, através da caixa.

Quem era eles? Mero não resistiu, e foi chegando cada vez mais perto, moldando a expressão para parecer intimidante.

– E aí, o que querem com Eva? - perguntou ele, diretamente.

Ambos os homens voltaram-se para ele com descrença.

– Você a conhece? - um deles estava com uma peça de roupa roxa sobre a cabeça.

– Eu perguntei primeiro.

– Ah... Então tudo bem - consentiu o primeiro homem.

– Wilbur! - reprimiu o segundo, logo em seguida tornando sua atenção para Mero. - É... Na verdade, gostaríamos de falar diretamente com ela.

– Ela não está em casa - interveio o porteiro. - Acabei de falar com seu pai.

Aquela notícia fora, sem dúvida, decepcionante, depois de todo o esforço que tiveram. Porém, não era o fim do mundo, Wilbur ainda poderia arrumar alguma coisa.

– Fomos enviados por Zack - revelou ele.

Mero arregalou os olhos.

– Wilbur! - reprimiu o segundo homem, novamente.

– O que foi? - indagou Wilbur. - Ele pode nos ajudar - o rapaz indicou Mero com a cabeça.

E antes que qualquer um pudesse dizer mais alguma coisa, Mero exprimiu:

– Eu posso mesmo - e, pegando seu celular, discou uma série de números.

》》》

Eva seguia na direção do elevador, exausta, quando seu celular vibrou. Não era a hora perfeita para se receber uma ligação, mas não encontrava-se indisposta. Ela puxou o aparelho do bolso e visualizou o visor. Era Mero. E ainda nem haviam completado cinco minutos desde que o vira pela última vez.

Ela suspirou, e decidiu, apesar de tudo, atender.

– Alô - disse ela, desgastada.

– Você não vai acreditar em quem eu encontrei aqui logo depois que você entrou - começou ele, brevemente, com um leve ar de suspense.

Eva permaneceu na linha.

– Parece que Zack nos enviou dois homens - explicou Mero.

Ela sentiu seu corpo estremecer.

– O que? - encontrava-se incrédula.

Zack.


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