Setores de Sangue escrita por Carlos Junior


Capítulo 11
Capítulo 11: Alturas de Reflexão




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Wilbur ainda chegou a abrir a boca, mas não estava disposto a dizer nada, acabara de reconhecer a longevidade do que acabara de exprimir. Envolver a família era uma coisa delicada. Sabia disso mais do que ninguém.

Ele balançou a cabeça, demonstrando arrependimento.

— Robert... — começou. — Robert, eu...

Entretanto, algo maior exigiu a sua atenção. A atenção de todos.

No outdoor, instalado do outro lado da rua, o rosto de Wilbur substituíra o antigo destaque do telão para ser, junto a letras vermelhas e graúdas formando a palavra procurado, oficialmente taxado mais um criminoso.

Era, antes de tudo, tarde demais.

Enquanto a maioria das pessoas na calçada admirava a nova imagem do outdoor e realizava comentários sobre ele, Robert apenas baixou a cabeça.

— Então não vamos mesmo poder usar armas? — perguntou ele, em tom de ironia, para Wilbur, que escondia o rosto no colete e fingia normalidade próximo à escuridão de um beco ao lado.

Wilbur não respondeu, virou para o outro lado e iniciou uma caminhada sem rumo em direção à penumbra do interior do beco.

Robert ignorou o ato e permaneceu onde estava, mesmo sabendo que seu rosto apareceria no telão nos próximos minutos para acompanhar o de Wilbur.

— Eu já vi esse rosto antes — comentou uma senhora, ajeitando os óculos sobre a face para vislumbrar melhor a imagem no outdoor. Provavelmente ela o havia enxergado naquela área momentos atrás e não recordava-se.

Robert tornou sua atenção para o telão. Ter o rosto exibido naquele objeto era o suficiente para persuadir todos os indivíduos que baseiam seus pensamentos em informações reveladas pelo governo, o que podia ser um grande problema. E se o governo manipulasse as informações e decidisse revelar uma mentira? Foi o que aconteceu com seu pai.

Mas, aquela não era hora para pensar nele. Era hora de decidir se estava do lado de Wilbur ou do seu próprio lado.

Wilbur o havia tratado com desrespeito, não concordou com nenhuma de suas ações até então, mesmo após ter sido o responsável pela morte de um vigilante, era sensível, e fizera um comentário grotesco a respeito de sua família. Alguém assim não merecia qualquer apoio.

Porém, Wilbur nunca havia saído de seu lado. E houve uma série de oportunidades.

Para alguém que conhecera no período de um dia, Wilbur até que era um cara legal.

Ele encarou o telão por mais alguns segundos, buscando se convencer de que seu rosto já não apareceria mais, e andejou rumo ao beco.

》》》

Clarice permaneceu estática, encarando a tela do computador. Ainda não conseguia acreditar no que via; pelo que constava no comentário, alguém mais sabia de seu relacionamento secreto com Key. Mas de que forma saberiam? Só havia uma maneira.

— Você contou a alguém sobre nós dois? — perguntou ela, recusando olhar para trás e deparar-se com o rosto do oficial.

— O quê? — Key saltou da cama, prontamente. — Não — ele aproximou-se da garota. — Claro que não. Por que eu contaria?

Clarice baixou a cabeça, permitindo que lágrimas de desespero enchessem sua face. Estava perdida. Aquele era somente o início de uma grande tempestade que afetaria sua liberdade já limitada.

Key posicionou sua mão esquerda sobre o ombro de Clarice, buscando, de alguma forma, acalentá-la; mas pela maneira que reagiu, afastando-se instantaneamente de seu toque, ela não queria seu suporte naquele momento.

— Por favor... — pediu Clarice, com a voz trêmula. — Me deixe sozinha.

Key pretendia dizer alguma coisa, porém, provavelmente não soaria da maneira adequada, então apenas fez que sim com a cabeça. Ele baixou o braço lentamente, juntou partes de seu uniforme que encontravam-se no chão, e caminhou em direção à porta, parando apenas para observar Clarice pela última vez antes de dirigir-se à sala de estar.

— Eu espero que você não esteja mesmo achando que fui eu — disse Key.

Clarice esperou o oficial deixar o aposento para fechar a porta. O conforto, e qualquer segurança que havia sentido esvaíra-se minutos atrás, não restando mais nada em que se proteger.


》》》

— Obrigado — agradeceu Marshall, finalizando uma ligação que havia iniciado momentos antes. Aquela havia sido uma conversa produtiva, onde ambos os envolvidos haviam chegado a um resultado plausível em relação às soluções para os problemas nacionais.

Alguém deu três leves toques na porta, emitindo um leve rangido no metal que a compunha.

— Pode entrar — anunciou.

Os dois guardas, que Marshall havia ordenado que esperassem do lado de fora, empurraram as portas, exibindo a senhora de grisalhos cabelos ruivos que viera para servi-lo o jantar.

— Kay — disse Marshall, sério, analisando os passos silenciosos da mulher que se aproximava com uma bandeja nas mãos.

Kay retirou um longo lenço branco da lateral da bandeja e cobriu o colo do presidente, antes de pousar a bandeja sobre ele. Nela, havia uma pequena jarra e um copo de cristal, além de três pratinhos de porcelana contendo, cada um, aperitivos diferentes: salada de batatas, iscas de filé, e fatias de queijo cobertas por um molho de cheiro verde.

A senhora aguardou um momento, como se esperasse por algum agradecimento. Seu sorriso humilde e ingênuo indicava que estava satisfeita com o resultado de seu trabalho. Mas nada recebeu.

— Retire-se — mandou Marshall.

Kay estremeceu, e, rapidamente, seguiu até a porta.

— Só mais uma coisa! — exclamou Marshall, interrompendo a caminhada de Kay. — Avise que o tempo livre de Garbon acabou e que ele deve voltar para cá imediatamente.

A senhora concordou com a cabeça.

— E leve este aparelho com você — o presidente puxou o celular, de cima da mesinha de vidro no centro do gabinete, e entregou à mulher. — Ah, também diga que eu exijo a presença de Francy em meus aposentos o mais breve possível.

Kay consentiu, e dirigiu-se até a saída.

Marshall assistiu seus passos ligeiros como se estivesse assistindo à um espetáculo, o temor que Kay sentia dele o revigorava todas as vezes que a encontrava. Era uma sensação indescritível. Sentir que estava no comando, que ninguém poderia assumir seu posto ou manter o controle como ele. Sentir-se o único com habilidade para tal cargo.

Ele era um tirano, mas um tirano consciente, que abusava de seus submissos em prol de seus próprios desejos. E sentia-se extremamente satisfeito com isso. Já governava há cinco anos, desde que fora eleito pelo Conselho do Primeiro Continente, também conhecido como Continente Americano, e não encontrara problema algum em sua forma de governar. Até agora.

Grupos rebeldes estavam se formando no Primeiro Setor, e passando adiante ideias revolucionárias. Sua sorte era o fato de o contato entre civis de diferentes setores ser praticamente impossível, já que as únicas ligações entre eles, os trens, serviam para o transporte de mercadorias, ou, se fosse necessário, a transferência de indivíduos por motivos como trabalho, a necessidade de mão de obra em outros setores, ou emergências territoriais.

Seu sistema político não era perfeito, Marshall possuía plena noção disso. Mas os organizadores de tais grupos rebeldes do Primeiro Setor estavam dispostos a destruir tudo o que estava em seus domínios, desde seu título até seus inúmeros confortos. Aquela era uma atitude egoísta, porém racional. Eles precisavam ser detidos, antes que uma guerra civil se alastrasse e acabasse se tornando a principal responsável pela decadência do país.


》》》

Wilbur reduzia a velocidade dos passos conforme chegava ao final do beco, onde o breu comunicava a ele que não havia mais para onde fugir.

— Wilbur! — Robert correu até ele.

— E sabe por que tudo isso? — Wilbur virou para ele, enxergando apenas parcela de seu rosto, imerso na escuridão. — Porque eu queria ajudar no seu plano maluco! Eu não sei, eu vi o que você estava passando, sua mulher, sua filha... — Wilbur falava rápido demais, enquanto Robert, com os olhos arregalados, encarava, surpreso, aquela tentativa desesperada de desabafo. Ele precisava daquilo. — E, além do mais, eu não vi você demonstrar qualquer sentimento em relação à isso, não vi você chorar, gritar, nem mesmo me agradecer por eu ter aceitado entrar em um tiroteio só porque você não queria esperar passar uma hora por causa da sua filha. Onde estão seus sentimentos? Guardados em um baú?

Aquela havia sido a melhor solução para acalmar os nervos de Wilbur. Deixá-lo falar.

— Se sentindo melhor? — perguntou Robert.

Wilbur acenou com a cabeça, arfando.

— Ótimo.

》》》

Eva encontrava-se extremamente focada na direção, algo mais para fugir de assuntos com Nero, sentado ao seu lado, do que para visar o próprio controle e segurança do veículo.

— Você está muito bonita hoje — elogiou ele, na tentativa de romper o silêncio.

— Mero, estou dirigindo. Sem conversas — interrompeu Eva, sem tirar os olhos da pista.

Mero suspirou. Era óbvio que Eva estava fugindo dele. Mas por qual motivo?

Será que desconfiava de alguma coisa?

— Quando vai ser o próximo encontro do grupo? — perguntou ele, como quem não queria nada.

Eva demorou alguns segundos, mas finalmente respondeu:

— Depois de amanhã.

— É mesmo — confirmou Mero. — E quando você vai falar com os líderes dos outros grupos do Setor?

— Mero! — intercedeu ela. — Sem conversas.

O carro de Eva já contornava o quarteirão do edifício de Cour, quando o homem apareceu, atravessando a rua com um ar de seriedade. Aquilo era suspeito. Para onde ele iria aquela hora da noite?

Eva pisou no freio, e semicerrou os olhos.

— Fique em silêncio — disse ela para Mero, aguardando que Cour chegasse à calçada do outro lado para que pudesse prosseguir, com a velocidade reduzida.

— Por que? — Mero não havia entendido o que estava acontecendo realmente.

Eva pressionou um botão à sua esquerda, que possibilitou que ela fechasse todas as janelas do carro, e respondeu:

— Nós vamos seguí-lo.


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