Setores de Sangue escrita por Carlos Junior


Capítulo 10
Capítulo 10: Interrupções Inesperadas




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Gritos e murmúrios isolaram o bar, enquanto seu corpo, ensanguentado, escorregava pela cadeira que outrora usara como encosto.

— Ele se matou? — perguntou uma das garçonetes, trêmula, atrás do balcão de bebidas.

— Parece que sim — respondeu um rapaz.

Mas suas mãos começaram a se mover, e em seguida, seu tronco. Aquilo não era normal. Algo estava acontecendo.

— Não está morto! — exclamou alguém da multidão, liderando a euforia que se formou em seguida.

Assim, o caos predominou. E enquanto um limitado número de pessoas atravessava a minúscula porta de saída do bar em desespero, o homem, que aparentemente havia se matado, erguia-se do chão.

— Socorro! — gritou uma jovem, empurrando a multidão na expectativa de acelerar o processo de saída e garantir sua sobrevivência. Porém, estava próxima demais do centro do salão, onde o ser encontrava-se de pé, curvado e ensanguentado, observando a movimentação violenta com a expressão de um predador, o que aumentava qualquer risco que a garota estivesse correndo.

— Não deixe que ele toque em vocês! — ordenou um dos garçons, saindo de trás do balcão com uma cadeira de metal nas mãos, provavelmente para atingir o sujeito, que ainda nem sequer desenvolvera qualquer ação. — Este homem está infectado!

O garçom aproximou-se lentamente, posicionou o pé direito para trás e levantou a cadeira, sinalizando que iria atacar. Se acertasse a cabeça do infectado, poderia comprometer suas funções cerebrais e impedir que o homem continuasse de pé. Era sua única chance.

Ele investiu.

Mas, para sua surpresa, o homem interceptou o progresso da cadeira com uma força descomunal, impedindo que ela o atingisse. Ele agarrou a haste de metal e virou o rosto para o garçom.

Não havia saída.

O infectado avançou sobre o garçom, derrubando-o no chão e fincando os dentes em seu peito, na busca por carne.

O resultado foi um show de sangue e gritos, intensificando o tumulto que desejava sair do bar.

— Alguém me ajude! — gritou a jovem mais uma vez, tropeçando nos próprios pés.

A infecção finalmente havia chegado no interior do primeiro Setor. E nada parecia ser capaz de detê-la. Nada.

》》》

Robert seguiu Wilbur por alguns quarteirões até que, por fim, encontraram o semicírculo, uma pequena cabine de vidro climatizada utilizada como ponto de espera para locomotores, veículos de baixa densidade designados com função semelhante a de um trem, porém funcionando no interior do Setor.

— Não vamos entrar lá — Robert recuou, olhando fixamente para o número de pessoas que ocupavam a cabine.

Wilbur apenas tornou o rosto para ele, na busca por uma explicação.

— As armas — sussurrou Robert, em resposta. — Eles podem perceber.

Wilbur encarou o chão por alguns segundos, e então concordou com a cabeça.

— Você tem razão — disse ele, desanimado. — De qualquer forma, para que elas vão servir daqui em diante?

Robert abriu a boca, mas não parecia haver uma resposta convincente o suficiente para aquela pergunta.

— Para... — começou ele. — Eu não sei.

Wilbur acenou com a cabeça.

— Interessante — ironizou.

— Elas podem servir para alguma coisa no futuro — argumentou Robert, evitando transpassar agressividade em seu tom de voz.

A expressão de Wilbur permanecia estável enquanto se comunicava.

— Tudo o que temos que fazer é encontrar uma mulher — disse ele, calmamente. — E não existe razão nenhuma para nos nos metermos em mais confusões inúteis.

Robert se calou. Estava claro que o comentário que acabara de receber fora referência ao ato impulsivo e impaciente que ele tomara minutos atrás, onde, apesar do grande prejuízo que causara, ainda se considerava correto. Não podia desperdiçar tempo, o grande inimigo do futuro de Mayla, pois quanto mais ele passasse, menores as chances de encontrar sua garotinha viva.

— Nós dois sabemos que não precisamos de armas para sobreviver. Não queremos chamar atenção. Mas, mesmo assim... — Wilbur apenas tocou a superfície de seu colete esverdeado para verificar a posição do revólver que escondia sob ele. — Não estou sugerindo que as joguemos fora.

Robert não entendia em que ponto Wilbur queria chegar com toda aquela discussão já que não havia sugerido nenhuma mudança, porém, resolveu não prolongá-la. Pelo menos continuariam com as armas.

》》》

Eva caminhou lentamente até seu carro, estacionado sobre uma placa de metal em um dos andares de seu edifício, e posicionou sua mão sobre o veículo, que, em questão de segundos, reconheceu sua impressão digital e destravou as portas.

— Eva? — chamou Mero, abrindo uma das portas do carro.

— O que é? — Eva sentia-se desconfortável todas as vezes que Mero iniciava uma conversa. Às vezes ficava claro suas intenções.

— Como vai seu casamento? — perguntou ele, sentando no banco do carona.

Eva franziu a testa.

— Por que esse interesse? — aquele assunto a desagradava profundamente.

Mero inclinou-se para o lado.

— Eu já disse, eu me importo com você — ele sorriu.

— E eu também já disse, não é necessário — interrompeu ela, dando a partida no carro.

》》》

O quarto encontrava-se abafado, quente. Algo que de forma alguma incomodava Clarice, pelo contrário, intensificava suas sensações, suas emoções. Seus sentimentos. Era como se fosse a primeira vez. A primeira vez que beijou Key, e a primeira vez que sentiu proteção em toda sua vida.

De repente, um pequeno som, emitido pelos altos falantes conectados em seu computador, interrompeu a fúria com que agarrava o corpo de Key. Deveria ser alguma coisa importante.

— Espera — pediu Clarice, afastando os lábios de Key dos seus. — Eu tenho que dar uma olhada.

— Tudo bem. Só quero que você saiba que é incrível a facilidade com que você me troca por esse computador — brincou Key.

— Engraçadinho — Clarice sorriu, saltando da cama.

Aquele som havia sido programado para alertar sobre quaisquer tipos de informação, desde notícias oficiais do Setor até notificações das contas pessoais de Clarice.

Você recebeu um comentário em seu web site.

Clarice franziu a testa. Nunca havia recebido um comentário em seu blog antes. Talvez porque realizasse postagens em anônimo e não desejasse que ninguém, oficialmente, lesse o que escrevia.

— O que foi? — perguntou Key, avaliando a expressão preocupada de Clarice.

— Eu... recebi um comentário — respondeu a garota, com os olhos fixos no monitor.

— Ah é? E diz o que? — Key ajeitava-se na cama, procurando por um ponto de conforto.

— Diz... — Clarice hesitou, mas clicou duas vezes sobre a notificação, exibindo o comentário.

Não.

Não podia ser.

Ela não podia acreditar.

— Diz o que? — repetiu Key.

Como?

O autor do comentário encontrava-se em anônimo. Mas parecia saber demais.

Era impossível.

E se seu pai descobrisse que você esconde um oficial na cama?

》》》

Marshall tamborilava a mesa de vidro em sua frente com impaciência. Sentia-se extremamente desconfortável.

Garbon estava fora, e na tentativa de substituí-lo, temporariamente, optou pela estadia de dois oficiais no interior de seu gabinete. Algo do qual se arrependera profundamente.

Talvez ele fosse o verdadeiro culpado por ter permitido a saída de Garbon.

— Você está bem, senhor presidente? — perguntou um oficiais presentes na sala.

Marshall apenas confirmou com a cabeça, mesmo que estivesse claro que não estava. Mal via a hora de deixar o gabinete e descer para os seus aposentos pessoais.

Mas, para sua sorte, o celular, fino e transparente, presente sobre a mesa de vidro, começou a vibrar. Alguém estava ligando.

Ele puxou o aparelho, aceitou a ligação, e o posicionou em sua orelha direita.

— Boa noite — saudou.

— Boa noite — respondeu alguém, do outro lado da linha.
Aquela voz. Marshall a reconhecera de imediato.

— Aguarde um segundo — ele pousou o celular sobre o colo, e, em seguida, dirigiu sua atenção para os guardas. — Esperem lá fora.

Os oficiais se entre olharam, e, com desgosto, atravessaram as portas de metal.

— Pode prosseguir agora — disse Marshall, pegando o telefone novamente.

— Pois bem, senhor... — continuou a pessoa do outro lado da linha. — Temos uma emergência

— Uma emergência? Que tipo de emergência? — sussurrou ele, desconfiando que sua conversa pudesse ser escutada do lado de fora.

— Robert Dodgers. Ele fugiu de Mustard.

— Como?! — Marshall elevou o tom de voz. Tratava-se de uma notícia desesperadora. — E vocês deixaram isso acontecer?!

Não houve resposta.

Marshall respirou fundo, tentando manter a calma, e indagou:

— Onde, por acaso, estava o supervisor dele quando isso aconteceu?

— C-com ele, senhor — informou a linha.

Marshall levou a mão à testa. Acabara de ficar furioso.

— Estou cercado de incompetentes! — exclamou, finalizando a chamada.

Já estava cansado do indeterminado número de indivíduos que não mostravam aptidão para o cargo que exerciam. Aquilo era triste, insatisfatório, e, além de tudo, não era culpa sua, já que de modo algum contribuía para a idiotice da população.

— Eu mesmo vou ter que cuidar disso — ele balançou a cabeça, e discou mais uma série de números na superfície do celular.

》》》

— Wilbur — chamou Robert. — Estamos esperando esse locomotor à meia hora. Meia hora. Não podemos perder mais tempo.

— Pelo menos não vamos atirar em mais ninguém por causa do tempo — disse Wilbur, sarcasticamente, ainda de cabeça baixa.

Robert franziu a testa. Wilbur acabara de respondê-lo de maneira ofensiva.

— Você está me provocando? — indagou ele.

— Estou falando a verdade — Wilbur finalmente ergueu a cabeça para olhar nos olhos de Robert. — Você faz ideia do quão impulsiva sua atitude foi?

— Faço — respondeu Robert, rapidamente, na defensiva. — Eu realmente faço. Mas não tente falar como se entendesse alguma coisa, porque você não entende!

— Eu aposto que entendo mais do que você, que prefere matar todo mundo do que esperar a porcaria de uma hora passar!

— Nesse período minha filha já poderia ter sido morta!

— Eu fico surpreso que ela ainda esteja viva, com um pai como você!

Robert cerrou os punhos. Não sabia ao certo se era por que Wilbur falara de sua família ou por que, sinceramente, concordava com ele. A única certeza que possuía, era que desejava socar o rosto do rapaz com todas as suas forças e deixá-lo inconsciente.

Aquele, definitivamente, era um ponto em que Wilbur jamais deveria ter tocado.

— Nunca mais... fale da minha família... — avisou Robert, com a voz trêmula de irritação.

Wilbur ainda chegou a abrir a boca, mas não estava disposto a dizer nada, acabara de reconhecer a longevidade do que acabara de exprimir. Envolver a família era uma coisa delicada. Sabia disso mais do que ninguém.

Ele balançou a cabeça, demonstrando arrependimento.

— Robert... — começou. — Robert, eu...

Entretanto, algo maior exigiu a sua atenção. A atenção de todos.

No outdoor, instalado do outro lado da rua, o rosto de Wilbur substituíra o antigo destaque do telão para ser, junto a letras vermelhas e graúdas formando a palavra procurado, oficialmente taxado mais um criminoso.

Era, antes de tudo, tarde demais.


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