The Cruel Beauty escrita por Tsu Keehl


Capítulo 44
Capítulo 44


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal!
É...dessa vez eu demorei muito para atualizar a fanfic. Acho que nessa altura do campeonato nem adianta mais eu tentar pedir desculpas porque eu realmente acabei deixando a realmente de lado em prol de outras prioridades e também em prol da minha história original (que em um lapso de criatividade comecei a trabalhar desde mês passado). Além do que já faz um bom tempo que não tenho mais a empolgação para escrever esta história como tinha antes. Mas reitero aqui o que eu disse nas outras vezes: não irei suspender a história do Cruello, tampouco escrever qualquer coisa só pra finalizar. Então, mesmo que demore pra atualizar (agora que a fic está em reta final) quero continuar fazendo um bom trabalho em cada capítulo, mesmo que demore.
Por isso, agradeço imensamente á todos que continuam acompanhando esta história e podem ficar tranquilos que sempre estarei fazendo o melhor possível para entregar novos capítulos com a mesma qualidade que todos os outros!
Boa leitura!



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 Capítulo 44

 

~*~

  
   Cruello retornou á cela com um semblante péssimo. Assim que ele entrou e o policial trancou a mesma, o delegado se aproximou.
— Espero que esse período detido lhe ensine um pouco de humildade e cumprimento da lei, senhor Devil.
— Vai se danar!
   O delegado suspirou.
— Eu poderia indiciá-lo por desacato á autoridade, somando na sua ficha que já consta tentativa de suborno, agressão a um oficial, infrações de trânsito, perturbação da paz, depredação de patrimônio público e privado, arruaça e incitação de desordem e...
— EI! Metade disso aí é coisa de dez anos atrás!
— O que é registrado em sua ficha criminal nunca é apagado.

  Cruello lançou um olhar assassino para o delegado mas respirou fundo e não disse nada. Ele olhou para Igraine, que cruzou os braços contra o peito e sustentou o olhar. Por um momento ele pareceu querer se aproximar, mas Scarlet o puxou pelo braço.
— E aí, conseguiu ajuda?! Quem você chamou?
  Igraine queria saber o que ambos conversavam em voz baixa, mas Alfred ficou na sua frente e ela não pôde sequer tentar fazer uma leitura labial. Olhou para o lado, se deparando com seus pais sentados no chão junto de Javier e próximos de Merridus, muito focados em conversar sobre alguma coisa mirabolante que seus pais haviam feito em suas infindáveis viagens integralistas pelo mundo selvagem.

— ...bom, agora só precisamos esperar.
— Eu tenho minhas dúvidas quanto ao fato de que ele vai realmente nos ajudar! – bufou Scarlet cruzando os braços.
— ...temos o mesmo sangue correndo em nossas veias, ainda que em pequena quantidade e a minha linhagem seja mais nobre.
— Olha sei não hein...o cara não vai muito com a sua cara e nem com a cara do Hans.
— ..ele vai vir. Eu sei disso.
— Mas você falou diretamente com ele?
  O silêncio de Cruello fez Scarlet se enfurecer.
— Eu sabia! Vamos acabar ficando presos aqui! Alfred,trate de usar a ligação que você tem direito, liga pros seus pais e os mande vir tirar a gente daqui usando o dinheiro desse embuste do Cruello que nos colocou aqui!
— Eu não coloquei a gente aqui! Foi você quem atirou um sapato na cara do policial!
— Mas não fui eu que tentou suborná-los depois!
—  Só para fator de constatação...- Alfred se aproximou. – Eu já liguei pra mansão e meus pais não estavam lá, na certa estavam no culto da igreja. O delegado não vai me deixar telefonar de novo. Mas a Scarlet ainda tem uma ligação, não?
— Eu usei minha ligação.
— Pra quem você ligou? – Cruello a encarou com ambas mãos na cintura e a sobrancelha erguida.
  Scarlet parecia meio constrangida, mas respirou fundo e falou.

— Eu liguei para o SPA Char e fiz uma reserva para nós amanhã.
  Cruello se virou para ela, incrédulo.
— COMO ASSIM?!
— Não levanta a voz pra mim! Eu estava pensando na prioridade assim que sairmos da delegacia! Precisaremos de um banho, de um ofurô, de uma massagem, de uma alimentação balanceada, de uma aula de yoga enfim...o pacote completo!
  Cruello precisava concordar com aquilo. Após sair daquele lugar tudo o que queria fazer era poder se limpar física e psicologicamente. Só tinha um pequeno problema...
— Mas por quê no Spa Char?! – Cruello rosnou. – Você sabe tudo o que me aconteceu lá da última vez!
— Relaxa! A doida da Charlene passou o ponto, sumiu do mapa depois dela tentar se aproveitar de você e ser desmascarada ao vivo. O local está sob nova direção agora.
— Bom se for assim...tirando aquela maluca da Charlene, os profissionais ali são bons e o ambiente é relaxante. – ele suspirou. – Que seja. Um dia de reclusão no Spa após hoje vai ser ótimo para depois ter que encarar as possíveis notícias dos portais de celebridade com as fofocas de Patrick.

    Cruello olhou desinteressado ao redor e então seus olhos se encontraram com os de Igraine. Com um suspiro, ele decidiu se aproximar e ao perceber, ela abraçou a si mesma, fingindo estar interessada no que seus pais e Merridus conversavam sentados no chão.
— Ficar emburrada comigo não vai adiantar em nada, Igraine.
— ...não estou emburrada. Estou indignada!
— Indignada?! Logo você sairá daqui, eu sou Cruello Devil, já dei um jeito na situação e agora é só esperar!
  Ele falara aquilo de forma arrogante mas parecia não estar tão confiante assim.
   Igraine o mediu desconfiada, nunca nos meses em que estava com Cruello o vira daquela forma. Estava irritada, claro, mas a curiosidade a tomou e não deixou de alfinetar o jovem.
—... as pessoas que mais se importam com você estão aqui dentro... quem mais vai fazer isso, Cruello?
— ...eu tenho os meus contatos.
—  E se ele não vier?
   Scarlet se aproximara, parecendo apreensiva.
— Ele vai.
— Você mesmo disse que não conseguiu falar com ele e deixou recado com o assessor! Se ficarmos aqui por muitas horas, a mídia vai descobrir que estamos presos e estaremos em todos os portais de notícias e links de postagens do facebook! Patrick Star pode até mesmo fazer um vídeo sobre isso porque ele conseguiu se safar na nossa frente e sabe que estamos aqui!
— Não me deixa nervoso, Scarlet!
— Ele? - Igraine voltou-se para Scarlett - Quem é “Ele”?
— Uma pessoa aí. Fim de papo!
— Me explica isso direito!
— Não há o quê explicar! – Cruello resmungou, não gostando dessa imposição da garota.
— É o primo dele.
— CALA A BOCA, HANS! Não era para você estar dormindo?!
   Hans estava debruçado na grade.
— Eu estava. Mas fazem tanto barulho que é impossível.
—...primo?

    Igraine murmurou pensativa e encarou Cruello. Era visível o desconforto dele sobre aquela situação. Todos esses meses juntos e ela percebia que não sabia praticamente nada sobre sua vida, seu passado e principalmente, seus familiares. Aquilo a chateou. 
— ONDE ESTÁ A MINHA NETA?!
  Igraine sentiu como se a sua alma saísse de seu corpo ao ouvir aquelas palavras a ecoarem na delegacia. E para seu completo terror, no corredor surgiu seu avô Roger, andando com a ajuda de uma bengala e mais atrás, sua avó Anita andando de braços dados com Nanny. Atrás deles, vinha o delegado.
— IGRAINE! – Roger se aproximou da cela. – Minha querida, o que aconteceu?!
— Vovô...eu...eu...
— EXPLIQUE TUDO!
  Igraine tremia de vergonha e as lágrimas vinham-lhe aos olhos.

— Pai! Você veio nos resgatar!
  Braum se aproximou da cela sorridente mas a carranca de Roger o fez não arriscar estender os braços.
— Eu vim resgatar a minha neta!  Você é o pai dela e a meteu nisso?! O que estavam fazendo? Protestando na rua?! Não seria a primeira vez! Se você e Amber querem fazer isso, nada os impede mas não levem Igraine para o mesmo caminho!
— Vovô, vovó...como vocês estão aqui? Como souberam... – ela então notou Nanny. – Ah não...
— Quando Nanny nos ligou contando o que havia acontecido, ficamos desesperados! – Anita falou. - Tinhámos que vir, não poderíamos deixá-la...num lugar desses!
— Como vocês chegaram aqui? É longe, perigoso e...
— Um de nossos caseiros, o Antony, nos trouxe até aqui.
— Oh e como ele está? E os filhos dele?
— Estão bem e...
— Não fuja do assunto, Igraine! – Roger se aproximou, apoiando-se na bengala. – Como veio parar nesse lugar?! APOSTO QUE FOI COISA DESSE MALDITO DEVIL!

— Não vem querendo me crucificar, não! – Cruello se aproximou da cela. – Saiba que foi esse seu filho e a sua cunhada que começaram toda a confusão!
— Acalme-se, por favor! – Anita tentou conter os ânimos exaltados de todos. – Viemos aqui para saber o que aconteceu e fazer algo a respeito! Roger, se acalme! Cuidado com a sua pressão!
— Minha pressão está ótima! Eu quero saber como minha net foi parar nesse lugar! Vamos Igraine, diga!
— Acalme-se, senhor. – o delegado se aproximou. – Por favor, queira me acompanhar atré minha sala para conversarmos...
— Eu quero que solte a minha neta! Trouxe até meu cartão para pagar a fiança..eles aceitam cartão aqui? Vocês aceitam cartão? É débito!
— Roger, calma. Vamos resolver isso. – Anita soava apaziguadora mas era evidente que também estava aflita. -  Iremos conversar com o delegado e tirar Igraine, meu filho e minha nora...
— Nós não iremos sair daqui.
— ...o quê? – Anita piscou, aturdida.
— Pai, mãe! Vocês querem ficar presos?!
— Querer, não queremos. – falou Braum.
— Já estivemos presos uma dezena de vezes enquanto lutávamos por causas corretas e também durante o protesto contra o uso da carne de cães na Coréia... – contou Amber.
— Que quase nos levou a corte marcial de lá!
— Sim! Mas não podemos ir e deixar para trás nossos companheiros de luta pela igualdade e justiça!

  Amber segurou a mão de Braum e a mão de Javier enquanto Braum segurou a mão da esposa e a mão de Merridus na outra cela.
— O destino uniu novamente nossas almas. Esse encontro certamente foi predestinado e devemos nos manter unidos para os desafios que virão! – entoou Amber.
— Se eles não saírem conosco, não sairemos!
 – Ninguém solta a mão de ninguém!
  Aquilo já era demais. Cruello revirou os olhos. Só faltava agora eles começarem a protestar.
Se bem que, ver aquele velhote surtar até que seria um espetáculo divertido.
  Entretanto, logo o delegado tratou de se manifestar.

— Acalmem-se! Chega de balbúrdia na minha delegacia! Nunca que me deparei com um grupo tão barraqueiro como vocês e...
— Barraqueiro?! – Cruello ralhou. – Você ainda não viu o barraco que eu sou capaz de fazer!
— Tenho certeza que minha neta está aqui pro sua causa! Eu sabia, eu sabia! Sabia que a Igraine se envolver com um maldito Devil iria manchar a vida dela! Minha neta nunca teve qualquer mácula social e desde que começou a namorar com você, ela já foi exposta na mídia, tendo que aguentar sua péssima índole e manias, ser perseguida pela maluca da sua sócia e agora ela foi até mesmo detida pela polícia!
— Se ela tá comigo é porque ela quis e gosta!
— Eu juro que vou desfazer o trabalho de magia negra que você fez para minha neta cair de amores por você! Ela tá iludida!
— Vovô, também não é assim! Eu sou um ser pensante!
— Um ser que acha que é pensante! Porquê se tivesse discernimento suficiente não estaria enrabichada com um Devil por mais que ele pareça um homem bonito, porque desde criança te contamos sobre a Cruella Devil!
—  Vô, o Cruello é o Cruello...ele não é a tia avó dele!
— Tem o mesmo sangue, os mesmos trejeitos, a mesma soberba...foi até criado por ela! Cavaco nunca voa longe do pau!
— Já chega, Roger! – Anita o segurou pelo braço. – Vamos resolver isso com calma junto do delegado, ficar brigando aqui não ajudará em nada!

   Quando o delegado conseguiu conduzir Roger e Anita para sua sala a fim de que os idosos conversassem e se acalmassem, Igraine encarou Nanny desolada e a mulher se aproximou da grade, aflita.
—  Nanny, por quê você ligou para os meus avós?!
— Eu vi você sendo levada junto com seus pais, seu namorado e os amigos dele dentro de viaturas, queria que eu fizesse o quê? Fiquei desesperada! E para quem mais eu iria ligar?
— Para Yumie, Alfred, não sei! Mas meus avós, não! Eles são idosos e vieram até aqui e me viram e...
— Seus amigos não teriam condições de pagarem a fiança para você e seus pais! E eu também não tenho esse dinheiro!

  Igraine quase pensou em dizer que não precisaria soltar seus pais, mas isso soaria crueldade demais da parte dela e ela própria detestou ter tido tal pensamento. Só faltava essa. O tempo de convivência com Cruello estava começando a aze-la pensar como ele.
— Que seja, agora já foi...
— Eu...eu vou lá na sala ficar com seus avós. Já volto!

~*~

 
   Assim que Nanny sumiu no corredor, Igraine encostou as costas na grade, passando a mão no rosto, exausta e triste. E o fato de Cruello estar se aproximando não lhe causou uma sensação mínima de conforto, pelo contrário.
— O que você quer?
— Não precisa ficar tão arredia comigo! Foi só uma detenção, logo tudo vai ser resolvido.
— Do jeito que você fala é como se já tivesse passado por isso.
— Sim. Na época dos rolês. – ele riu, provocador. – Eu tenho um legado na cena underground.
— Detido por perturbação da paz e tentativa de suborno?
— Também. Mas principalmente por incitação de desordem, depredação de patrimônio público e privado, briga generalizada e arruaça.
    Igraine o encarou chocada.

— Mas como Cruello Devil, é a primeira vez. E isso é um absurdo porque hoje sou uma pessoa da alta sociedade e não há o menor sentido em me deterem!
— Não tenho interesse de suas aventuras anárquicas da sua época punk. “ Não agora, pelo menos.” Eu não sabia que você tinha um primo.
— É, uma cruz que eu e ele carregamos mas tem lá suas vantagens.  Tem muita coisa sobre mim que você não sabe.
— Talvez porque você não faça a mínima questão de me contar.
— ...sim.
— E você diz isso assim, na maior naturalidade?! Eu não tenho importância nenhuma para você?
— ..por quê todo esse drama? Claro que tem.
— Se tivesse me contaria sobre seu passado, sua família! Você já sabe tudo da minha!
— É que não é algo que precisamos falar sobre! É coisa do passado, não tem importância.
— Como não tem importância, Cruello? Nem pra compreender que trauma você teve pra usar esse nome artístico em vez de seu verdadeiro nome você me contou!
— Eu não tenho trauma algum que me levou a adotar meu nome artístico!
— Ah não, era só o que faltava. – resmungou Scarlet. – Agora vocês vão começar a discutir a relação aqui, na frente de todo mundo. Sério?
— ...isso pelo menos nós não fazemos. – Merridus deu um sorriso para a morena.
— Isso porque não temos e nem teremos mais nenhum tipo de relação!

     Javier se levantou do círculo de conversa que tinha com os pais de Igraine e se aproximou.
— Desculpe, eu acabei ouvindo a conversa. Mas...acho que desentendimentos não são bons no momento atual. Acho que ambos lados tem razão e estão ambos alterados. Melhor conversarem sobre isso em oura oportunidade, não?

  “Que raios de candango intrometido e impertinente é esse cara!”

   Cruello suspirou e se afastou, levando a mão na cabeça e repetindo para si mesmo que não iria se estressar mais ainda senão teria uma enxaqueca. E o silêncio finalmente reinou no local.
   Cerca de meia hora se passou quando finalmente os detidos ouviram passos se aproximando e o delegado surgiu acompanhando por um oficial.

— Muito bem, quem é Igraine?
— ...s-sou eu, senhor...
— Está liberada, sua fiança foi paga pelos seus avós. – ele apontou para as pessoas sentadas no chão. – E vocês também.
— A justiça divina se fez! – exclamou Braum – Estamos livres! Nada é mais importante para um homem do que a sua liberdade!
— E para uma mulher também!
— Claro, querida! Vamos Javier, Merridus...levantem-se!
— ...eu também?!
— Claro, meu amigo! Aqui entramos juntos e sairemos juntos!

  O delegado deu passagem para que todos saíssem. Igraine seria a primeira, mas seus pais tomaram a frente e saíram na frente. Pelo menos Javier teve a educação de permitir que a garota saísse primeiro. Quando Cruello tencionou sair, o delegado o deteve.
— Você não, celebridade. Você fica.
— ...o quê?
— Sua fiança não foi paga. Pode ir sossegando aí com seus amigos.
— Velho morfético! Nem para me pagar uma mísera fiança! Igraine, avise seu avô que vai ter volta!
   Enquanto esperava o delegado abrir a outra cela e tirar Merridus, Igraine encarou Cruello, que se aproximou da grade.
— Não vai se despedir de mim, raposinha?

     Não deveria. Sabia que não deveria. Então por quê estava se aproximando e cobrindo a boca dele com um beijo? E por quê um beijo tão intenso e apaixonado ainda por cima? Mas logo teve que se afastar quando o delegado bateu com as chaves na grande, fazendo ecoar o som estridente do metal.
— Aqui não é lugar para essas coisas. Siga-me, senhorita. Seus avós a esperam na recepção para irem embora.
  Cruello e Igraine trocaram um último olhar e ele ficou observando a garota e seus longos cabelos castanhos acobreados que ele tanto apreciava, se afastarem até sumirem na curva do corredor.

— Nossa, ainda bem que aqueles ativistas chatos foram embora, finalmente o silêncio! – exclamou Hans na outra cela antes de voltar a dormir.
— Espero mesmo que seu contato nos tire daqui logo. – rosnou Scarlet. – Meu cabelo já está coçando por ficar nesse lugar horroroso!
— Eu acho que vai demorar. – resmungou Alfred. – E eu tô com tanta fome que quando sairmos daqui, vou comer igual um mendigo!

  Cruello sentou-se no banco de pedra da cela, cruzando braços e pernas. Sua cabeça fervilhava de pensamentos raivosos de indignação mas ao mesmo tempo sabia que só lhe restava esperar.
  E torcia para que Ele não fizesse pouco caso e acatasse ao pedido para resgatá-lo.

~*~

  
   O garoto estava sozinho em uma das grandes salas da mansão Devil.
  Chovia do lado de fora. Uma fina e fria garoa que já continuava há dois dias. Era como se, desde o ocorrido, não parasse de chover. Era apenas uma coincidência, pois tempos nublados e chuvosos eram típicos de Londres. Mas mesmo assim, aquilo parecia tornar tudo pior.
  Os machucados e arranhões doíam e incomodavam mas sabia que essa dor logo passaria. Diferente da outra, a dor da perda.
  Olhou para o grande relógio em um dos cantos, emanando de seu pêndulo um tic-tac monótono. Não gostava muito daquela mansão. Era enorme, sombria e repleta de coisas velhas.

“ É aqui que irá morar a partir de agora, senhor.”

   Não queria. Queria continuar vivendo na casa que sempre morara, indo na escola que sempre ia, vivendo a vida que sempre vivia. Mas era apenas uma criança, como bem sabia e todos agora faziam questão de lembrá-lo.
  Sabia que teria de sair dali para acompanhar o último cortejo do funeral, mas não queria. Bastava tê-los visto nos caixões.
  Esfregou os olhos para conter as lágrima. Não podia chorar, já chorara demais. Não poderia demonstrar fraqueza ou os outros se aproveitariam disso. Aquela sua tia fora bem clara ao dizer aquilo. Por isso permitiu que ele ficasse um tempo ali para se recuperar, mas logo teria de sair e encarar a realidade.
  Palavras duras mas verdadeiras. Um Devil precisava ser forte.

  A porta da sala foi aberta e dela surgiu um garoto, mais ou menos da sua idade e tamanho.  Havia quem dissesse que ambos eram muito parecidos, fosse pelos traços, pelos olhos ou pelo formato do rosto, mas ele achava que estavam todos loucos. Não se achava parecido com aquele chato.
  O “chato” se aproximou, vestido um terno preto como ele, o que deixava os dois com a aparência de pequenos adultos. Sentou ao seu lado no sofá e ambos ficaram em silêncio por um tempo.

— O que você quer?
— ...estou aqui só porque me pediram pra vir.
— Eu sei que tenho que ir lá. Não preciso que me lembrem disso!
  Ficaram em silêncio, ouvindo a chuva.
— Chovia quando foi com você?
— Nevava.
  Tornaram a ficar em silêncio.
— Não tem problema chorar sabe, Christian? Eu também chorei...ainda choro ás vezes.
— Minha tia disse que um Devil não deve chorar na frente dos outros. Não gosto dela. Mas vou ter que viver nesse lugar...com ela.
— Ela é assustadoramente feia. E mandona. – o outro se virou. – Acredita que ela já estava dando ordens pra mim?! Eu sou da realeza, isso é absurdo!
— ...você veio aqui por que ela mandou?
  Silêncio constrangedor.

— Ela consegue mandar em todo mundo. – murmurou o pequeno Devil. – Mas não precisava vir aqui, você não é obrigado.
— ...eu quis vir.
— Por quê?
— ...sei lá.
  As duas crianças ficaram em silêncio. A chuva começou a ficar mais fraca.
— Acho que eu tenho de ir.
— Eu trouxe um guarda-chuva. – o outro coçou a orelha. - Podemos ir juntos pra lá.
  Christian suspirou.
— Por quê tá fazendo isso, Alexsander? Um Devil não precisa do consolo de quem não é um Devil...
— Não sou um Devil...mas sou seu primo. A gente é meio família.
— E daí?
— ...quando precisar, você conta comigo. E quando eu precisar, conto com você.
— Isso é uma promessa?
— ...sei lá.
  Novamente o silêncio.
— ...parou de chover. Não vou precisar do guarda-chuva. – Christian se levantou. – Mas ...vamos para lá juntos. É melhor do que ir sozinho.
— ...tá.

~*~

  
   Cruello abriu os olhos e demorou alguns segundos para se acostumar e lembrar de onde estava. Então viu as grades da cela e todo seu corpo doer.
   Era inacreditável.
  Fazia mais de dez anos que não acordava em uma cela após arruaças que cometia nos tempos de rolê. Recostou-se na parede, esfregando os olhos. Sabia que se fosse se mexer, todo seu corpo doeria.
  Olhou para o lado, onde Scarlet e Alfred dormiam sentados um de costas para o outro a fim de se apoiarem. Na outra cela, Hans dormia de barriga pra cima, todo largado em cima do banco de pedra. Ouviu som de passos e o delegado surgiu, do outro lado das barras de ferro, ambas mãos na cintura e parecendo emburrado.
  Um sorriso tremeu nos lábios de Cruello e ele se levantou, sentindo as costas latejarem. Iria precisar passar em uma massagista assim que saísse daquela porcaria. E de um banho.

— Estou liberado junto com meus amigos, não é mesmo delegado?
  O homem grunhiu e isso fez Cruello se aproximar.
— Vamos lá, abra a cela. Não vai deixar de cumprir ordens da realeza, não é mesmo?
  O homem puxou o molho de chaves e colocou uma na fechadura.
— Ei! Alfred, Scarlet! – chamou ele cutucando os dois com o pé. – Levantem, hora de ir pra casa.
— ...se você encostar o pé em mim de novo, juro que enfio meu sapato dentro do seu buraco onde o sol não bate.
— Bom dia pra você também, Scarlet. Levante-se, vamos embora.
  Ela se levantou de imediato, fazendo Alfred resmungar quando perdeu o apoio das costas.
— Eu disse que ele iria nos ajudar. – Cruello deu um sorriso cínico.
— Eu só quero sair daqui, ir para o SPA... “e depois pensar em como surrar o Merridus.”
— Tiveram sorte que o contato de vocês é alguém que possui não apenas condições financeiras como influência. Mas espero que a noite na prisão os tenha conscientizado de que...
— Claro. Eu tenho os melhores contatos. – Cruello riu, debochado. – Agora devolvam meus pertences e deixem-me passar!

  Assim que abriu a cela, Cruello passou de peito estufado, seguido por Scarlet e Alfred. Hans foi por último, não sem antes dar um tapinha cínico nas costas do delegado.
—  É...algumas pessoas nunca vão mesmo aprender.

~*~

 
   O dia ainda estava amanhecendo quando os quatro saíram da delegacia. Alfred ajudava Hans a caminhar.
— Cadê nossa carona? – Scarlet segurava seus sapatos de salto nas mãos, cansada demais para usá-los. – Não me diga que vamos ter que ligar para...
— PSIU! Aqui!
  Eles viram um homem alto de terno e óculos escuros parecendo um agente da CIA acenando para eles discretamente na entrada de uma rua atrás da delegacia. Mesmo desconfiados, os quatros foram na direção e, ao entrarem na rua se depararam com uma grande caminhonete, que Cruello reconheceu de imediato.
  Entraram.

— Por quê não nos buscou na porta?!
— Eu tiro você e seus amigos da cadeia e é assim que você diz obrigado?!
  Cruello sentara-se no banco ao lado do rapaz loiro e elegante de óculos escuros. Os Demais haviam se sentado nos bancos traseiros enquanto o homem que parecia um agente, permanecia do lado de fora do veículo, atento a movimentação na rua.
  Mas o rapaz diante deles tinha a mesma idade e o mesmo tipo físico de Cruello. Elegantemente vestido em um terno azul escuro, possuía cabelos loiros cortados em um estilo moderno e bem modelados com gel, olhos azul-safira e um rosto, no mínimo, angelical.

— Ganharia um obrigado se tivesse vindo mais cedo. EU DORMI NUMA CELA! Eu sou Cruello Devil!
— Ora, por quê está tão indignado?! Não é a primeira vez que você dorme dentro de uma cela, combinava muito com o finado “Devs”!
— Há quer se gabar porque você nunca dormiu numa cela, é? Antes dormir em uma cela a dormir em um...
— Não abre a boca sobre isso!
— Ei, vocês podem parar com isso?! – ralhou Scarlet. – Arkin, muito obrigada por ter nos tirado de lá.
— Não fiz de graça. Terão que me pagar.
— O quê?! – Cruello se virou indignado. – Como você pode nos cobrar isso?! Você tem dinheiro! Ou será que as joias da coroa estão desvalorizadas e o desvio de verba não está funcionando?!
— Você me respeite! Eu sou uma pessoa da realeza! E sou seu primo!
— Por isso mesmo sendo primo é família e família tem que se ajudar!
— Quando eu pedi para você confeccionar aquele traje para minha coroação você me COBROU!  - ele jogou os cabelos loiros para trás, do mesmo modo que Cruello costumava fazer com seus próprios cabelos. - E você não é nem um pouco necessitado financeiramente! Me poupe, Cruello! Já fiz muito mais vindo até aqui para pagar a fiança de cada um de vocês, correndo o risco de ser flagrado por alguma câmera de caçadores de fofocas de celebridades!

 “Sério que ele tem a mesma paranoia que o chefe com isso? Deve ser de família...”— Alfred guardou a dúvida para si.

— Quero um ressarcimento!
— Está bem, está bem! – Cruello cruzou os braços. – Eu vou transferir o dinheiro para a sua conta...mas eu vou pagar o meu, o resto de vocês que paguem o de vocês!
— Nossa, Cruello...como você pode... – Hans ainda falava com a voz meio embargada. – Somos seus amigos, seus parceiros, seus cúmplices... – ele se virou para o loiro. – E você Arkin. Em prol de nossos tempos de rolê...
— Não comece com seu vasto arsenal de argumentos! Usei sua habilidade argumentativa para enrolar o júri e convencer o juiz nas suas audiências! Seu advogado do diabo!
— Sou mesmo!
  Hans e Cruello riram, batendo na mão um do outro em sinal de parceria. Arkin balançou a cabeça em descrença.
— Os anos passam e vocês dois não mudam! – ralhou Arkin. – Puta merda...vamos logo embora daqui antes que alguém nos veja.

~*~

 
   Foi com um alívio imenso que Igraine sentiu quando jogou-se finalmente em sua cama. Após um demorado banho para tirar toda aquela sensação de prisioneira e uma refeição, tudo o que ela queria era descansar e se desligar da experiência que havia tido. Dormiu feito uma pedra mas, ao acordar, foi bombardeada por um extensivo sermão de seus avós sobre o que havia acontecido e por mais que ela tentasse explicar, só era manda se calar e ter que ouvir e ouvir. E ouvir.
  Amava seus avós incondicionalmente mas em momentos como aquele, entendia porque seu pai aceitara tão rapidamente a forma de viver a vida da mãe, de correrem livres pelo mundo. Não que quisesse ser como eles, jamais.
  Ouviu um barulho vindo da rua e se levantou, espiando pela janela, mas era apenas o vizinho saindo com o carro da garagem. Um pouco mais á frente de sua casa, o carro de Cruello continuava ali.

  Era evidente que ele não iria vir buscar o veículo logo cedo. Pelo que ouvira da conversa dele com Scarlet, de lá iriam para um SPA...em um ponto, seu avô tinha razão. Cruello era um tremendo narcisista e o bem-estar dele vinha em primeiro lugar.
  Mas também....era de se entender. Em partes. Se ele aparecesse agora, teria de enfrentar a fúria de Roger e era bem capaz de levar uma bengalada na cabeça.
  Rolou na cama e sentiu que algo subia na mesma. Era Golias, que vinha se aninhar perto de  si.

— Tá carente, bebê? – Igraine o colocou no colo. – Isso não é comum em você. Ontem foi um dia e tanto né? Hein, me diga...o que você acha do Cruello? Furacão parece gostar dele, a DoisTons tem ressalvas e o Mimo não está nem aí...
  O pequeno Chiuhauhua se agitou nos braços dela, como se quisesse dar uma sarrada no ar. Ela riu.
— Bom, eu gosto do Cruello...gosto muito mas...a verdade é que sei muito pouco sobre ele. E o que realmente sei sobre a vida dele eu descobri por informações na internet. Porque, de convivência, só fiquei sabendo das manias, opiniões, pegada... – ela riu. – Mas isso, no fim, é muito raso...e ontem...ontem eu senti que não sei praticamente nada sobre quem ele realmente é!

     Igraine colocou Golias na cama e, ainda deitada, olhou na direção da janela.
— Eu demorei meses para perceber que ele era o Devs. Eu também sou uma tapada mas...além disso, pouco sei da época de Cruello como punk. E sei muito menos sobre a vida dele no passado. Só se que ele é sobrinho da Cruella Devil, que foi criado por ela e se tornou seu herdeiro. Mas não sei mais NADA. Nada sobre a família Devil: as informações que achei na internet são poucas e Cruello nunca quer falar nada. Por quê?
  Cessou o monólogo em um misto de tristeza e raiva. Queria saber o motivo, mas ele sempre fugia do assunto e na verdade nunca havia uma brecha o suficiente para ela tentar forçá-lo a se abrir.
— Ah mas eu vou fazer você me contar!
  Se levantou, decidida. Foi no armário e tratou de se vestir afinal, tinha um trabalho a fazer  antes, mas depois iria deixar o receio de lado e encostar Cruello Devil na parede. Ah, ia!

~*~


— Nossa, me sinto muito mais pleno agora!
  Cruello recostou-se no banco do passageiro, verificando a tela do celular. No volante, Arkin dirigia.
— Se eu fosse você, tentaria evitar as redes sociais.
— Tá tranquilo. Até agora não há qualquer menção sobre a minha detenção na delegacia.  E se não há algo sobre mim, obviamente que não haverá algo sobre você. E qualquer coisa, Hans já vai estar a postos para tentar ameaçar de processo quem espalhar qualquer coisa.
— Mas você disse que Patrick Star foi detido junto com você. E ele não teme qualquer ameaça de processo porque tem advogado particular...assim como você. Aliás, se pararmos para pensar, vocês dois são mais parecidos do que parecem.
   Cruello encarou o primo com  perplexidade.

— Não há nada semelhante entre eu e Patrick Star!
— Vocês dois são famosinhos, gostam de visibilidade, adoram fazer barraco, se acham os melhores em tudo que fazem, possuem vasta rede de contatos, conseguem ser insuportáveis enfim..eu poderia ficar aqui fazendo uma longa lista...
— É melhor você calar a tua boca, isso sim.
— Só calo porque o GPS acabou de avisar que chegamos....é aqui mesmo?
  Arkin estacionou sua Ferrari quase em frente á casa de Igraine.
— É sim. Meu Lamborghini ali.
— Parece um bairro bem tranquilo. Casinha pequena, mas tem um certo charme. Mas me diga...como está seu relacionamento com essa tal Yvaine...
— É Igraine.
— Certo, Igraine. Ela é a neta do casal que sua tia teve uma encrenca das grandes,vocês se conheceram um dia na adolescência, aí se reencontraram...muito enredo de comédia romântica.
— Melhor enredo de comédia romântica do que enredo de conto de fadas clichê.
  Arkin encarou o primo sério e Cruello retribuiu o olhar.

— Você avisou para ela que viria aqui?
— Não! Mas ela sabe que vou acabar vindo porque meu carro está aqui!
  Ambos desceram, não sem antes Arkin colocar um boné e óculos escuros.
— Por quê está se disfarçando?
—  Eu sou da realeza, não posso ser flagrando perambulando a esmo pelas ruas de um outro país!
— Você não precisa descer.
— Eu gostaria de ver e conversar melhor com sua namorada.
— Com qual intuito?!
   Antes que Arkin respondesse, a porta da casa de Igraine e Nanny surgiu, segurando uma cesta para se colocar compras. Ao ver os dois, a mulher se empertigou, surpresa.

— Desculpa assustá-la, senhora...
—  Ora, não me assustou. – ela mediu o loiro de cima abaixo. – É que...não é normal me deparar aqui na rua com dois homens pomposos assim.
— Eu sou mais pomposo do que ele, obviamente. – Cruello deu um risinho.
— ...não sou capaz de opinar. – Nanny balançou a cabeça. - Se o senhor veio falar com a Igraine,  devo dizer que ela não está.
— O quê? Por quê Igraine não quer falar comigo? Ela ainda está brava com o acontecido na delegacia? Aquilo já está no passado!
— Oh, não. É que, diferente do senhor, ela é uma pessoa comum, funcionária assalariada e tem que cumprir a jornada de trabalho.
— Hãn...e isso significa que...
— Ora, que ela está na ONG! Se quiser, o senhor pode até esperar dentro da casa mas eu realmente não iria sugerir isso porque o senhor Roger ainda está aqui e há os pais da Igraine também...
— Está certo, obrigado por avisar.
— ..o que pretende fazer?
  Cruello suspirou. A opção mais tentadora e certa era pegar seu carro e ir para casa. Isso evitaria muitos problemas. Mas havia algo que precisava fazer.

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Notas finais do capítulo

E enfim terminei esse capítulo!
E como ele demorou pra surgir e eu poder atualizar a fic!
Quero agradecer a minha perseverança em conseguir tirar ideia sabe-se onde para conseguir fazer este capítulo e também á Vanessa Hime por ter me ajudado em algumas partes.
Não está sendo fácil continuar essa fanfic por conta da criatividade baixa que estou tendo para ela mesmo tendo já em mente as linhas gerais dos acontecimentos futuros, a verdade é que cada capítulo é sempre uma surpresa para mim. E isso se faz presente diversas vezes e nesse capítulo não foi exceção. A presença e participação do personagem Alexsander Arkin era algo que a Hime sempre sugeria para mim e por conta de um outro projeto de fanfic nosso (em hiato). Eu não sabia se o colocaria mesmo na história nessa curta participação mas a oportunidade de Cruello ser livrado da cadeia por alguém me fez ver que ele poderia ser inserido. De certa forma, ele acabou se tornando uma pequena ponte para finalmente começar a explorar um pouco do passado do Cruello que, se tudo der certo, pretendo abordar no próximo capítulo (ou no seguinte, ainda não sei XD .
Enfim, não vou me estender demais por aqui. Obrigada á todos que continuam acompanhando essa história, prometo continuar fazendo o meu melhor. Não desistam de mim!



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