– Katniss

– Senhorita Everdeen? - A voz um tanto estridente, porém calma da minha "terapeuta", Doutora Alma Coin, ecoou em meus ouvidos.
Alma, como preferia ser chamada, tinha a aparência jovem de uns 35 anos, apesar da maquiagem exagerada e o terninho que usava, corpo bonito e parecia bem de vida ao ver suas jóias que pareciam caríssimas. Colocava os óculos apenas para ler a prancheta que anotava constantemente e ficava o tempo todo sorrindo para mim.
A fitei por um instante, o suficiente para me tocar de que ela havia falado comigo.
– Perdão? - Falei, um tanto envergonhada por meu comportamento.
Ela apenas sorriu docemente - Eu perguntei como passou a semana?

Parei para refletir. Hoje era sexta feira, realmente faziam duas semanas que meu pai havia falecido. Ainda era difícil aceitar isso...
Depois de sua morte, passei uma semana em casa quase sozinha. Minha mãe ficou internada um dia depois, logo após desmaiar na cozinha de casa. Ela havia tomado muitos remédios controlados e ficou em uma clínica especializada em depressão. Blaine a visitava constantemente. Era o mais equilibrado entre nos, porém só chegava de noite em casa. Ben e eu não estávamos completamente sãos. Passamos cerca de quatro dias deitados na cama, dormindo e vendo TV no quarto dele. Não levantamos para comer ou qualquer outra coisa que não fosse necessidades. Não sentíamos fome, não queríamos sair e nem mesmo conversar, nem por telefone.
Delly me ligou e mandou milhares de mensagens, Madge me ligou algumas vezes e Cato havia me ligado a cada segundo da semana. Por incrível que pareça Peeta me ligou, uma vez apenas, mas ligou. Depois da maneira que o tratei, pensei que nao ligaria ou sequer olharia para a minha cara. Apesar disso, não atendi a ninguém.
Ben não viu a namorada ou os amigos, aliás desligou o celular assim que chegamos em casa e me chamou pra dormir no quarto dele, e assim que deitamos não levantamos mais.
Blaine deixava dois pratos com comida todas as noites no criado, mas não comemos.
Um belo dia, ele se deitou conosco.
– Vocês tem que levantar... - Ele suspirou com uma voz meio rouca.
– Vou sair pra correr hoje. - Ben afirmou e se levantou - Vem comigo Kat.
– Não quero - Falei quase sem voz.
– Não perguntei.
– Eu já disse que não quero. Quero ficar na cama. - eu disse com a voz chorosa.
– Kat, papai não vai voltar... Não adianta ficar aí largada.
– Blaine eu não quero ir entendeu? Eu vou ficar na cama até quando eu quiser! Ainda não superei a morte do papai! - Falei já brava
– Katniss eu não vim compartilhar o luto! Vim por que você não pode mais ficar na cama entendeu? Sai daí! - Ele falou quase gritando.
– Era meu pai Blaine! Como não quer que eu não fique largada? Acabei de ficar órfã de pai! Ele era tudo pra mim Blaine! E ele simplesmente decidiu se matar por não querer continuar com o tratamento! - Gritei ajoelhada na cama, chorando aos prantos
– E eu Katniss? Ele era meu pai também! Eu também fiquei órfão de pai, e eu o amava mais do que tudo nessa vida! Ele foi meu pai antes de ser seu! Quando ele sofreu o acidente eu fui o primeiro a ve-lo, eu passei noites acordado com ele reclamando de dor, eu que cuidei da mamãe no início, eu também a sinto saudades dele Katniss! - meu irmão chorava, berrava a altos pulmões e tinha o rosto vermelho - E eu não quero perder a minha irmã também! Mamãe está em depressão. Ela passa todas as horas em que não está dopada, olhando para o nada falando que o papai vai buscá-la a qualquer momento. - Blaine se ajoelhou se entregando ao choro - Kat eu não consigo fazer tudo... Não tenho mais forças pra cuidar de todo mundo. Levanta por favor... Faz algo. Vai a aula, corre com Ben, come algo, vive. Se não vai fazer por você, faça por mim. - Ele segurou minhas mãos chorando.
Eu não conseguia falar nada. Eu estava sendo egoísta e agora via isso. Ele não era só meu pai, era pai de três e marido. Ainda não tinha a menor vontade de fazer nada, mas faria pelo Blaine.
Fiquei no chão com ele e o abraçei, como se ele me desse forças e eu desse forças a ele.
– Me desculpa... - Eu falei ainda chorando.
Blaine não falou nada, apenas beijou o topo da minha cabeça e me ajudou a levantar - Só se cuida por favor.
Ele me abraçou e Ben tocou meu ombro.
– Vem comigo correr
Eu assenti e fui colocar uma roupa.
Devido a alguns dias sem comer, algumas das minhas roupas de ginástica estavam um pouco frouxas. Quando me olhei no espelho, pude ver as bolsas quase roxas debaixo dos meus olhos, e eu parecia estar mais magra. Ben também aparentava certa magreza, mas não tanto quanto eu.
Coloquei uma blusa larga e uma calça preta qualquer, e fui com ele correr.
Pela falta de comida, não conseguimos correr tanto. Em menos de meio quilômetro já estávamos exaustos.
– Acho melhor voltarmos e comer algo. Amanhã vamos correr ao menos um quilômetro.
– Okay - Falei arfando.
Depois daquele dia, nossa alimentação começou a melhorar. Comemos mais frutas e verduras, menos besteiras e bebemos muito suco, e todos os dias corremos um quilômetro a mais do que o dia seguinte.

O resto daquela semana foi assim, Blaine ia trabalhar de manhã, de tarde ele ficava com nossa mãe e de noite vinha para casa. Ben trabalhava de manhã, corríamos a tarde toda, até sentirmos que nossas pernas iam cair e de noite ficávamos todos juntos. Eu limpava a casa durante a parte da manhã e fazia comida para nos três, mas sabia que precisava ir à aula.
Um dia, Blaine chegou em casa dizendo que marcou terapia para todos nós, e hoje estou aqui na terapia com alguém que só sei o nome.

– Acho que foi boa. - Falei dando de ombros.
– Certeza? - Ela ergueu a sombrancelha bem feita
– Sim. - Falei sabendo que não era verdade.
– Okay Katniss. - Sorriu - Até semana que vem.
– Até.
Ela fez questão de me dar um abraço e dois beijinhos na bochecha. Não entendo como os terapeutas querem sempre ter intimidade cedo de mais, mas okay.
Ben me esperava do lado de fora para irmos correr, sentado em uma das cadeiras super confortáveis de lá.
– Quer um sorvete antes de irmos? - ele ofereceu.
– Aceito.

No carro, ele me deu o meu telefone, carregado e ligado, me mostrando algumas ligações perdidas e mensagens não lidas.
– Seus amigos estavam me ligando. Fala com eles.
Eu, sabendo que as meninas estavam preocupadas, decidi responder logo suas mensagens, falando que eu estava bem e que não precisavam se preocupar, mas obviamente me ligariam de qualquer forma.
Do nada meu celular vibra e na tela a foto de Cato é estampada, resolvi atender afinal ele estava no hospital da última vez que falei com ele.
– Oi loirão! - Falei tentando fazer a minha melhor voz.
– Kat! Ainda bem? Como está?
– Estou bem! - Obviamente que não estava, mas eu me esforçava pelos meus irmãos - E você?
– Bem. Estou com os pontos no braço, confeccionou, mas agora já está tudo bem. Vou tirar amanhã. Quer vir comigo?
– Ah... - Parei um minuto para pensar - Tudo bem. Que horas?
– Ótimo. Vou sair de casa umas 14h. Não se atrase. Depois te levo pra lanchar.
– Okay. Cato to com meu irmão agora, depois te ligo pode ser?
– Pode sim! Até de noite. Bejo.
– Beijo.
Desliguei confusa e acabei pensando alto - De noite?
– Peeta foi lá em casa esses dias. Você estava no banho, depois de correr. - Ben disse repentinamente.
– O que ele queria? - Perguntei assustada, mas tentando mostrar certo desdém.
Ben riu - Ele queria me chamar pra sair sabe - Falou irônico
– Tão engraçado você... É sério.
– Ele queria saber como você estava. Eu falei que ele podia passar lá em casa hoje a noite. Cato, Madge e Delly também querem te ver. Eu disse a todos que poderiam ir lá hoje.
– Ben!
– Não reclame. Eu vou receber minha namorada hoje também, junto com uns amigos. Vamos fazer um churrasco lá no quintal e Blaine vai dormir na casa da namorada dele.
– Okay...
Paramos na sorveteria e eu já fui pegando um pote grande. Hoje eu precisaria de todo o sorvete do mundo.
Ben gargalhou ao me ver colocando duas bolas de cada sorvete no pote - Você vai me falir assim.
Eu apenas fiz uma careta para ele e ri. Ele me devia essa.