A Herdeira de Hécate escrita por Rocker


Capítulo 34
Capítulo 33 - Not Now


Notas iniciais do capítulo

Amanhã eu estou indo viajar pra praia, e não vai ser como em Brasília, que eu teria um computador disponível. Vou voltar dia 13, terça-feira, e só aí vou poder postar ;)



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A Herdeira de Hécate

Please stay until I'm gone
I'm here hold on to me I'm right here
Waiting and take
My one last breath, and don't forget
That I will be right here
Waiting

Capítulo 33 - Not Now (blink-182)

– Nunca mais! - resmungou Travis, no segundo em que descemos do ônibus na periferia de Harrisburg.

Revirei os olhos. - Deixa de ser tão reclamão, Stoll.

– Não tenho culpa! - ele reclamou novamente. - O cara não podia ao menos nos levar até um lugar mais próximo, não?!

Paige deu um tapa na cabeça dele - o que eu, particularmente, estava prestes a fazer.

– Cale a boca, ladrão inútil, não tenho que aturar a sua voz vinte e cinco horas por dia.

– Não seriam vinte e quatro? - perguntou Nico, um pouco confuso, enquanto ajeitava a alça de sua mochila no ombro.

– Não, ele faz hora extra pra ser irritante. - disse Paige, sorrindo cinicamente.

Revirei os olhos novamente.

– Por quê não podemos simplesmente começar a andar de uma vez? - sugeri, já começando a me cansar daquela briga constante deles.

– Precisamos ao menos de uma direção, já que vamos ter que andar por um tempo. - disse Travis.

– É, mas para onde? - perguntou Nico, a ninguém especialmente.

Mas então surgiu uma ideia em minha mente.

Tirei a mochila de meu ombro e a apoiei no chão asfaltado sob o olhar atento e curioso dos meus companheiros de missão. Abri-a e enfiei meu braço pela abertura, à prova de qualquer pedaço solto de papel. Demorei um pouco para encontrar, já que aquela mochila era expansionista até demais. Assim que consegui encontrar, tirei-o e o estendi no chão à minha frente para checar se estava limpo.

Felizmente estava.

– O que pretende fazer? - perguntou Paige.

Sorri-lhe misteriosamente, mas não lhe respondi. Peguei a varinha que estava guardada em minha bota e apontei para o papel à minha frente.

Nuttig geworden, een volledige kaart Toon mij.– eu disse, em alto e bom som, esperando que o feitiço realmente funcionasse.

Segundos depois constatamos que havia, sim, funcionado. O papel, antes branco, começou a formar pequenas pintinhas negras sobre sua superfície. As pintinhas foram se alargando até o ponto que viraram linhas. Linhas finas que se alargavam e escorriam pelo branco do papel, juntando-se a outras e outras, para logo em seguida tomar um caminho diferente para se juntarem a outras afluentes. Até que outras pintinhas se formaram. Umas maiores que outras, mas nenhuma dessas se transformou em linhas longas. Apenas algumas, mas essas formaram palavras. E, depois de toda aquela magia, um mapa completo de metade dos Estados Unidos estava formado à nossa frente.

– Uau. - comentou Travis, maravilhado ao ver o mapa recém-feito, assim como Paige e Nico.

– Faço o que posso. - eu disse convencidamente, assoprando a ponta da varinha para dar efeito.

Ah, mas eu estava no meu direito de me achar um pouco, poxa!

– Tudo bem. E onde estamos? - perguntou Nico, agachando-se ao meu lado.

Eu soube a resposta instantaneamente.

– Bem aqui. - respondi, apontando para um ponto levemente isolado no mapa e cercado por uma floresta.

– Bom saber que essas árvores aqui do lado são de uma floresta imensa. - disse Paige, talvez um pouco exageradamente, apontando para as árvores no nosso lado do acostamento.

– E parece que vamos ter que cruzá-la para chegar à próxima cidade. - comentou Travis, apontando para a localização de Hagerstown, no outro lado da mancha verde no mapa.

– Por quê não podemos simplesmente ir até o centro de Harrisburg atrás de um ônibus? - perguntou Paige.

– Porque, de acordo com o motorista do ônibus que acabamos de sair, o mesmo engarrafamento que está impedindo de entrar, na cidade, está impedindo de sair. - eu respondi, fechando o mapa e o guardando em segurança dentro da minha mochila.

Nico se levantou e me estendeu a mão para me ajudar. Aceitei, sorrindo, e ele me içou para cima. Não soltou minha mão, pelo contrário. Entrelaçou nossos dedos, o que abriu ainda mais o sorriso em meus lábios.

– Argh! - gemeu Paige em desgosto. - Droga, só para nos dar mais trabalho!

– Para de reclamar e vamos começar a andar. - eu disse, andando até a orla da floresta e puxando Nico comigo. Paige e Travis logo nos seguiram.

Andamos e andamos. Não sabia por quanto tempo andamos, exatamente, mas eu sabia que era bastante. Eu tentava usar algumas das técnicas de relaxadamente corporal que eu havia aprendido. Tentava controlar a respiração e deixá-la ritmada com meus passos, para evitar qualquer tipo de fadiga muscular abdominal e cansaço desnecessário. Não era o melhor jeito para se caminhar na floresta, que tinha o chão completamente irregular, mas ao menos ajudou a espantar algumas das dificuldades. Nico andava logo ao meu lado, em ritmo um pouco mais regular que o meu e me segurando sempre que eu tropeçava em algum galho sobressalente.

Não paramos muitas vezes para comer. Preferimos comer algumas barrinhas de cereal enquanto caminhávamos, mas a cada meia hora andada, parávamos durante dez minutos para recuperar o fôlego e as forças para continuar a jornada. Por incrível que pareça, Paige e Travis quase não trocaram farpas. Acho que estavam mais preocupados em reter a água que a saliva desperdiçaria. Era até melhor, ao menos assim eu não me preocuparia em mandá-los calar a boca a cada segundo. Tentei me concentrar em deixar o ritmo da minha respiração regular.

Inspira, passo, expira, passo, inspira, passo, expira, passo.

Um ritmo constante.

Era melhor me concentrar nisso do que deixar meus pensamentos vagarem para a missão em que nos encontrávamos e os possíveis monstros que ainda viriam. Vencemos os Cavalos de Diómedes, mas quantos mais ainda enfrentaríamos? Quais dos vários seres mitológicos teríamos que matar para conseguir sobreviver e finalizar mais uma etapa da missão? E se eu não conseguisse levar Nico, Paige e Travis a salvos de volta para o Acampamento? Já me falaram que nem sempre alguém voltava inteiro das missões, e mortes nas missões eram mais frequentes do que missões distribuídas.

E havia Nico.

Eu sabia que ele gostava de mim, ele mesmo havia admitido. Mas e daí? Será que ele gostava tanto de mim quanto eu gostava dele? Era difícil pensar nisso, até porque minha linha raciocínio sempre levava até um ponto que eu não queria entrar. Ao menos não agora. E depois que a missão acabasse e nós dois sobrevivêssemos? Como ficaríamos? Continuaríamos ficando para sempre? Ou até um de nós dois arranjarmos outra pessoa? Ele levaria mais adiante? Ou acabaríamos com o que tínhamos?

Eram tantas perguntas, e quando me dei conta de que meus pensamentos me levavam justamente para a parte obscura da minha mente, eu balancei a cabeça, tentando evitar continuar na mesma linha de raciocínio. Com essa distração, acabei tropeçando em uma raiz sobressalente e só não fui de cara ao chão porque senti duas mãos fortes me segurando pela cintura.

– Você está bem? - perguntou Nico, tão próximo ao meu ouvido que eu me arrepiei instantaneamente.

– S-sim, obrigada. - respondi, corando levemente.

Levantei os olhos para o céu, e vi ao longe o alaranjado que indicava o início do crepúsculo.

– Está quase anoitecendo. - eu disse. - E não parece que andamos muito.

– Temos que arranjar um bom local para acampar. - sugeriu Travis.

– Finalmente você fala alguma coisa que presta. - resmungou Paige.

– Olha aqui, Willians, eu não falei nada com você, então vê se não enche! - urrou Travis, apontando o dedo na cara de Paige.

Adiantei-me até eles, pretendendo evitar uma terceira guerra mundial.

– Okay, okay, já chega, né! - eu disse, colocando-me entre os dois.

– Posso ver o mapa, Anjo? - perguntou Nico, aproximando-se de onde estávamos.

Eu nada respondi, apenas tirei a mochila do meu ombro e peguei o mapa dali de dentro. Abri-o e o estendi à minha frente para que todos pudessem ver.

– Aqui. - disse Nico, apontando uma linha azul no mapa. - Há um rio aqui perto, podemos montar acampamento lá perto.

– Boa ideia. - eu disse, fechando o mapa e o guardando novamente. - Melhor nos apressarmos antes que fique completamente escuro.

Paige e Travis não se opuseram.

Mudamos levemente de direção, já que andávamos em direção paralela ao rio. Andamos mais um pouco, ainda em silêncio, e não demoramos para enxergar o brilho dos últimos raios de sol na superfície da água logo à nossa frente.

– Graças aos deuses! - comemorou Paige, correndo à nossa frente por entre as árvores.

Apressamo-nos a acompanhá-la, mas quando a alcançamos, percebi que algo estava errado.

Ela não mais corria. Olhava fixamente para um ponto além, parecendo hipnotizada, enquanto se aproximava da margem do rio. Olhei para além dela, seguindo seu olhar, e vi uma mulher na outra margem. Mas não uma mulher qualquer. Da cintura para baixo ela tinha uma cauda de peixe; dos pulsos aos cotovelos, a pele era coberta por escamas levemente esverdeadas. Apesar da feiura do corpo, seu rosto era belo. Talvez dos mais belos que eu já havia visto. O cabelo ruivo, um pouco mais opaco que o meu, cobria seus seios, e os olhos completamente negros apenas dava um charme um pouco assustador para ela, mas fora isso que me deu o indício real de que quem ela era.

Uma sirene.

Uma música longínqua se fazia ouvir, mas não pareceu fazer efeito em mim. Olhei para os garotos, desesperados por ajuda, mas eles também pareciam enfeitiçados. Respirei fundo, enquanto pegava a varinha na bota e apontava para Nico.

Viehättävä lyhyt, kuulokkeet syntyy. - eu disse, em claro e bom som.

Logo dois fones foram materializados no ouvido de Nico, tapando a entrada da canção da sirene. Ele piscou os olhos, levemente confuso, e olhou em meus olhos. Eu balancei a cabeça e indiquei com um sinal de dedos para que ficassem onde estava. Ele não me escutava, mas assentiu, indicando que entendera. Virei-me para Travis, prestes a repetir o feitiço nele, até que o vi balançando a cabeça e piscando repetidas vezes, como se afastasse o efeito que a sirene tinha sobre si.

Arregalei os olhos, assustada. Travis correu até a margem, completamente alheio à canção da sirene, e entrou na água. Um pouco desesperado e desengonçado, ele chegou até Paige, que já estava na metade do caminho até a sirene. Pegou-a no ombro e voltou até nós. Ao longe, a sirene continuava tentando chamar por Paige, que se debatia nos braços de Travis, socando suas costas.

– Ele conseguiu afastar o feitiço da sirene?! - perguntei, um pouco assustada, a mim mesma.

A sirene, inconformada, abriu a boca e rosnou, deixando à mostra seus dentes afiados de tubarão. Pulou nas águas e sumiu em suas profundezas.

– Vamos sair daqui. - disse Travis, um pouco exasperado.

Assenti e aproximei-me de Nico para tirar seus fones.

– Acamparemos na floresta mesmo. - eu disse, antes de seguirmos por entre as árvores para o mais longe do rio que conseguíssemos chegar até o anoitecer.


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Notas finais do capítulo

* "Útil torne-se, um mapa completo mostre-me", em holandês.
* "Encanto suma, fones surja", em finlandês.