Effie mal havia chegado de um exaustivo dia de trabalho quando viu Haymitch olhando satisfeito para uma coleção de garrafas de bebida espalhadas por toda a cozinha.

- O que é isso? – ela perguntou, assustada.

- Finalmente chegou! – Haymitch não ficava tão feliz há muito tempo.

- Chegou o que?Por que essas garrafas estão espalhadas pela cozinha?

- O trem com as bebidas!Finalmente eu posso parar de cuidar daqueles malditos gansos! – Haymitch abriu uma garrafa de vodca e bebeu metade do conteúdo num gole só.

- Eu...eu achei que você tinha parado – ela disse,ainda sem acreditar.

Haymitch soltou uma longa gargalhada.

- É,vai sonhando – ele pegou mais três garrafas de vodca e foi para o seu lugar preferido da casa(uma sala nos fundos da residência).

Effie encarava a coleção de bebidas alcoólicas,boquiaberta. Ela se mudara para a casa de Haymitch há um mês,depois que descobrira que a sua casa na Capital fora destruída pelos bombardeios, e desde então,passara a conviver com Haymitch e a se adaptar ao Distrito 12. Suas perucas e maquiagem e roupas extravagantes deram lugar ao seu próprio cabelo loiro natural e à maquiagem leve e roupas mais apropriadas ao distrito. Uma carta de recomendação de Plutarch Heavensbee a fez garantir um emprego na nova prefeitura e, aos poucos, ela se acostumava com um ambiente tão diferente da Capital.

Effie segurou uma das garrafas e olhou o rótulo.Era aguardente,a preferida de Haymitch. Ela suspirou. As memórias de Haymitch caindo em cima do seu próprio vômito ainda estavam frescas na sua mente. E ele tinha melhorado tanto da sua estadia no Distrito 13 para cá...tinha até começado a criar gansos. Tudo isso iria por água abaixo com todas essas garrafas.

Não,pensou Effie,não posso deixar isso acontecer de novo. Effie entornou a garrafa de aguardente na pia até todo o conteúdo da garrafa ter ido para o ralo. O cheiro forte de álcool dominou o ambiente.Ela pegou mais duas garrafas e entornou as duas na pia de uma vez só.

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Haymitch olhou para a garrafa,agora vazia,em sua mão. A bebida tinha sido a sua melhor amiga durante todos esses anos. Quando estava bêbado,ele podia parar de pensar nos corpos sem vida dos tributos na arena ou no fato de que toda a sua família tinha sido morta por Snow.

Haymitch expirou lentamente,se levantou da poltrona e foi buscar mais garrafas. Com a presença de Effie,a casa tinha se tornado um lar limpo e aconchegante,bem diferente dos tempos em que era um ambiente imundo repleto de vômito,roupas sujas e garrafas vazias espalhadas por todo o lugar.

O ex-mentor flagrou Effie na cozinha,vendo a mesma jogando todo o conteúdo de um conhaque na pia. Temeroso,ele olhou em volta. Havia várias garrafas vazias em cima da mesa e uma ou duas sobreviventes ao lado da pia,aonde Effie estava.

- O QUE VOCÊ FEZ?! – ele berrou e Effie deu um pulo,finalmente notando a sua presença.

- Joguei tudo fora – ela disse cautelosamente e pôs a garrafa de conhaque junto com as outras.

- POR QUE?!POR QUE VOCÊ FEZ ISSO? – Haymitch praticamente se jogou em cima da mesa aonde o seu estoque,que ele havia suado para conseguir,estava agrupado.

- Cuidado! – Effie deu um pulo pra trás quando Haymitch derruba a primeira garrafa.Cacos de vidro se espalham no chão. – Isso é pro seu próprio bem,Haymitch. Eu não posso mais aguentar ver você bebendo e acabando com a sua vida!

- O que você tem a ver com isso?O que você tem a ver com a minha vida? – Pergunta Haymitch,apertando a madeira da mesa com força para se impedir de agir com qualquer movimento brusco contra Effie.

- Tudo. Eu sou sua amiga e me importo com você. Já me cansei de te ver desmaiando em cima do próprio vômito durante os Jogos e não posso deixar isso se repetir.

- Eu te deixo ficar na minha casa. – Haymitch se vira para ela com os olhos brilhando com a fúria. – Eu te deixo mudar a minha casa. Eu deixo você se meter no modo de como eu me visto e até em como eu me alimento,mas não deixo você se meter com as minhas bebidas.

Effie cruza os braços diante do corpo, se sentindo culpada pelo o que fez, mas não arrependida.Já fazia um mês que ela morava debaixo do mesmo teto que ele. A experiência tem sido desafiante e perturbadora, porque não havia um dia sequer que ele e Effie não paravam de brigar, mas o rancor das brigas não durava mais que um dia e eles voltavam a se falar como se nada houvesse acontecido. Isso é, até um deles começar uma briga de novo.

- Haymitch – ela disse pausadamente. – Eu entendo o motivo do seu alcoolismo, juro que entendo. Mas eu não posso admitir que você jogue a sua vida fora por causa disso. Todos nós temos que seguir em frente, mesmo depois de tudo o que passamos.

- Essa é a minha maneira de seguir em frente, porra! – Haymitch empurrou várias garrafas no chão, fazendo as mesmas se quebrarem. Effie pulou para trás,com medo de se cortar com o vidro. – Se é pra você ficar se metendo aonde não é chamada, é melhor você ir embora,entendeu? Não quero você aqui.

Effie o encara,respirando fundo.

- Eu só quero o melhor para você – ela diz com uma voz controlada. – Mas se quiser que eu vá embora, tudo bem. Boa sorte com as suas garrafas.

O rosto dela estava lívido e calmo. Só quando ela jogou uma das poucas garrafas cheias no chão que Haymitch percebeu o quanto ela estava furiosa. O ex-mentor viu Effie saindo da cozinha e pegou as últimas duas garrafas vazias. Era difícil que os armazéns do distrito ainda tivessem um pouco de bebida alcoólica, pois Haymitch tinha se certificado de comprar o máximo de garrafas possíveis. Ele teria que esperar o próximo trem chegar para conseguir mais álcool,ou seja, daqui a um mês. Um mês sem beber e se esquecer do mundo. Um mês sendo atormentado por lembranças da arena.

Haymitch abriu outra garrafa de vodca e bebeu um terço do conteúdo. Effie não estava falando sério quando disse que ia embora, ele se tranquilizou. Ela já tinha uma vida estável aqui,não iria embora assim de uma hora para outra. Era isso que o reconfortava.

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Haymitch acordou com a cara afundada em uma das almofadas no sofá. Ele esfregou a mão no rosto para afastar o sono e bocejou. A ressaca latejava em sua cabeça. Precisava de uma pílula para a dor.

O ex-mentor se arrastou do sofá e subiu as escadas. Entrou no banheiro e olhou a sua figura descabelada e sonolenta no espelho. Abriu o armário de remédios, mas não encontrou a pílula que queria.

- Effie, onde você botou o remédio pra dor de cabeça?! – Ele gritou. Esperou alguns segundos e não obteve resposta. Haymitch encarou o seu reflexo se sentindo estúpido. É claro que não ela não responderia, devia estar no trabalho a essa hora da tarde.

Haymitch achou as pílulas e engoliu várias de uma só vez. Ainda estava com sono, de modo que foi para o seu próprio quarto e se jogou na cama. O único remédio que funcionava para curar a ressaca, em sua opinião, era beber mais ainda. E então ele se lembrou de que não havia mais bebidas, Effie tinha jogado todas fora.

O ex-mentor pôs um travesseiro em cima da cabeça e bufou. Ele sabia que Effie estava certa, que ele deveria parar de beber, mas Haymitch não conseguia se desfazer das bebidas. Ele não tinha mais um propósito na vida, agora que os Jogos definitivamente acabaram, e a única coisa que sabia fazer de melhor era beber.

- Haymitch? – Alguém dissera.

- O que você quer,Katniss? – Haymitch apertou ainda mais o travesseiro contra a sua cabeça.

- Eu vim te acordar, já que a Effie não vai mais fazer isso por mim...

- Do que você tá falando? – Haymitch tirou o travesseiro da cabeça e olhou para Katniss, com medo da resposta da Garota em Chamas.

- A Effie não te contou que vai voltar pra Capital?

- Voltar pra Capital? – Haymitch se sentou na cama rapidamente.

- Sim, ela não te contou? Ela saiu com duas malas enormes hoje cedo. – Katniss estava bem confusa, mas Haymitch não se importou, pois foi direto para o quarto de Effie.

O cômodo estava arrumado como sempre, o que não era de se estranhar. Então Haymitch lembrou que era domingo e Effie tinha o costume de dormir até tarde nesses dias.

- Merda! – Haymitch deu um tapa no batente da porta. – Pra onde ela foi? – Perguntou para uma confusa Katniss parado no corredor.

- Deve estar na estação agora...Ei!Pra aonde você vai?

- Vou atrás dela, queridinha – Haymitch desceu as escadas rapidamente,ignorando a sua ressaca, pegou um casaco jogado em cima do sofá,abriu a porta e saiu.

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Effie estava sentada em um banco de madeira, olhando para o bilhete em sua mão. A estação de trem estava relativamente vazia, então ela podia ficar no seu canto chorando em paz. Não queria voltar para a Capital, não queria mesmo, mas era preciso. Seu lugar não era no Distrito 12 e nem nunca tinha sido. Ela quem tinha se iludido achando que Haymitch mudaria um dia, que ele passaria a notá-la de outra forma...

O trem havia chegado. Ela enxugou as lágrimas e se levantou, andando até o vagão mais próximo. Até que alguém entrou em sua frente e esbarrou nela, derrubando todo o conteúdo do nécessaire que carregava no braço.

- Droga! Por que não olha pra onde... – suas palavras ficaram no ar, pois Haymitch estava bem na frente dela. Instintivamente, ela se abaixou para catar todos os seus produtos de beleza dispersados no chão e botar de volta na mala. Haymitch fez o mesmo. – Não preciso de sua ajuda – murmurou. Mas Haymitch continuou a catar tudo, sem falar nada. Effie se levantou quando não sobrou mais nada no chão. – Bom, adeus.

- Você não quer ir embora – Haymitch disse por fim. Effie cruzou os braços.

- Não sou bem-vinda aqui.

- Quem disse? – Ele levantou uma das sobrancelhas.

- Você mesmo! – Effie praticamente gritou, perdendo a paciência.

- E quem disse que eu estava falando sério?

- Pare de me responder com perguntas.

- E você pare de fugir de mim.

- Não estou fugindo de você e nem de ninguém. Estou saindo desse Distrito porque eu quero.

- Ah mesmo? – Haymitch diz, debochado. – E voltar para a Capital, o lugar que você mais odeia? Largar o seu emprego, seus amigos, seus vitoriosos, sua casa porque você quer?

- A casa não é minha, a casa é sua. Como você mesmo frisou ontem.

- Não, a casa é nossa.

- Jura? Então eu ouvi errado. Porque você mesmo disse que a casa era sua.

- Olha – Haymitch trincou os dentes – não importa o que eu falei, está bem? Eu quero que você fique.

- Ah, agora você quer que eu fique? Sinceramente, desisto de entender você.

- Effie, você não está me entendendo? Eu não quero que você vá!

Effie respirou fundo e engoliu em seco.

- Esse não é o meu lugar – ela olhou para os próprios sapatos, as botas pretas bem engraxadas. Mesmo que tenha abandonado toda a moda de uma cidadã da Capital, Effie gostava de se vestir bem.

- O seu lugar é aqui comigo – Haymitch pôs as mãos em seus ombros. – Se você ir embora, quem mais vai me perturbar por deixar a toalha molhada em cima do sofá?

Effie deixou uma risada baixa escapar e olhou para ele. Haymitch sorria.

- Desculpe – ele disse. – Eu sou um babaca às vezes.

- Às vezes?

- Tudo bem, na maior parte do tempo – ambos sorriram. – Fique. Por favor. O seu lugar não é na Capital, é comigo.

- Me dê um motivo bom o suficiente. – Haymitch puxou-a para si e colou os seus lábios nos dela. Effie permitiu que a língua dele deslizasse para a sua boca, aprofundando o beijo.

- Esse é um motivo bom o suficiente? – Haymitch sorriu quando se afastou, segurando a cabeça dela com as mãos.

- Dá pro gasto – Effie o puxou para perto novamente e o beijou de novo.

- Promete que nunca mais vai partir sem mim novamente? – Perguntou Haymitch quando se afastou novamente.

- Prometo – ela assentiu e voltou a beijá-lo.