Give Me Love escrita por Bia


Capítulo 1
Lembranças de Azul e Leonardo


Notas iniciais do capítulo

Oláaa! Bem-vindos à minha primeira tentativa de fazer uma one-shot shounen-ai *U* Presente suuuper atrasado para a Sofia, desculpa a demora, hihihihi *inocente* Sofia, então, cara, é assim: eu estava pensando em fazer algo yaoi, mas, cara, que experiência eu tenho? Nenhuma! Então eu decidi começar pelo básico do básico, o shounen. Tá suuuper fofinho *e altamente gay, só avisando aquie* Então espero que você me dê sugestões, já que você e a Lívia (Beijos para a Lívia, diga-se de passagem) são duas mestras na arte do yaoi augoajgieagoeajgie
E você aí, que está lendo e que não é a Sofia (wat), é completamente bem-vindo aqui. Espero que você leia e goste!
Boa Leitura!



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Eu não sei você, mas eu acho extremamente desagradável ser trancafiado dentro de um armário por várias horas com a pessoa que se quer praticar o ato do coito.

Não sei se é só um palpite besta, mas acho que nenhum ser humano com cérebro gostaria de estar nessa situação.

Ainda mais quando a pessoa que se gosta é um homem. E você também.

Antes que mais minhocas de indagação nasçam, cresçam e tenham filhos dentro de sua cabeça, vamos começar pelo começo, é claro.

E lá estava eu, em uma típica manhã de terça-feira entediante, correndo como uma lebre para não chegar atrasado na aula. A avenida estava - como previsto - movimentada, cheia de empresários sérios vestidos à rigor e com um olhar de puro estresse no rosto, consequência de um trabalho contínuo, pesado, com pessoas irritantes ao seu redor. Eles falavam ao telefone, empurrando as pessoas para poderem recuperar sua área de conforto.

Cheguei à margem da travessia de pedestres junto com várias pessoas, apertando a mochila no ombro e tendo um vislumbre completo daquela linda silhueta dos raios de sol refletindo em plena seis e meia da manhã nos espelhos dos prédios das empresas, iluminando todo aquele mar de estresse, rexona, carros e pessoas estranhas que é a Grande São Paulo.

Após um carro prata passar pelas listras da travessia, a faixa que ia para a esquerda ficou momentaneamente deserta. Eu iria atravessar naquele momento, sem esperar o sinal verde (completamente insensato), quando percebi que quase todas as pessoas que estavam ocupando o mesmo quilômetro quadrado de oxigênio que eu teve a mesmíssima ideia.

Fui carregado como um filhote de lobo por aquela alcateia para o outro lado da avenida. Não os culpo; eu era o lobo mais fraco dali. A lei do mais forte sempre prevalecerá, certo? E eu, como um simples Ômega indefeso e que tem como únicos aliados sua inteligência e um bom joelho, é alvo de vários lobos malvados e sem grana.

Sempre foi assim e sempre será.

Comecei a correr de novo, dessa vez menos apressado, já que percebi que vários outros alunos que já tinha visto andavam mais sossegadamente que eu, como se o fato de chegarem atrasados não importasse.

Dei um olhar meio estranho ao monitor da entrada, que retribuiu com um mais bizarro ainda. Segui pelo pátio inteiro, deslizando por alguns instantes pelo liso chão de cimento vermelho daquela escola, aproveitando aqueles segundos da adrenalina mais ridícula e divertida do universo, tentando - em vão - não esbarrar nos outros estudantes que passavam pelo corredor como formiguinhas.

Cheguei até o meu armário enquanto observava, dali, do outro lado do corredor, Matt e seus companheiros babacas. Sério, aqueles caras do time de basquete eram uns verdadeiros manés, as garotas tinham razão. Além de se acharem por serem musculosos e altos (e com o cérebro do tamanho de uma ervilha, diga-se de passagem; poucos eram bonitinhos e espertos ali), eram uns verdadeiros tarados e tapados por acharem que as meninas gostavam daquele tipo de tratamento.

Na realidade eles eram uns malditos de uns solitários burros, que para passar seu tempo, se enchiam de coisas frívolas porque eram idiotas demais para fazer algo que se preste; além de malhar um só braço a maior parte do tempo, se é que você me entende.

E, por favor, estava na cara que Matt os odiava. Bem, não literalmente na cara, já que aquele garoto tinha a mesma quantidade de expressões que uma cabra morrendo. Mas eu sabia que ele os odiava. Eu passei anos demais da minha vida stalkeando-o para saber que tipo de coisa ele gosta.

E, não, eu não me mudei para agradá-lo (nunca conseguiria, mesmo se tentasse; não sou do tipo iludido e sei que ele gosta de uma laranja, não de uma banana). Porém, dar uma sabidinha aqui e acolá não faz mal a ninguém, certo?

Matt sempre tinha os mesmos frios, quase vazios e lindíssimos olhos verdes, que caídos e quase sempre iguais, me encantaram de um jeito que nunca havia acontecido antes. Eu percebi que era gay no dia em que não aconteceu absolutamente nada quando vi as revistas do meu pai. Sério, nada. Nem uma animadinha. E, quando percebi que os garotos ficavam extremamente sensuais suados após um jogo duro de basquete, tive certeza.

Me cutucaram dolorosamente nas costelas, acordando-me de meus devaneios sobre troncos suados e sensuais. Não é muito bom “ficar moscando” enquanto pensa coisas pervertidas. Você pode ficar rindo como um otário e assustar as pessoas. Pisquei algumas vezes e me virei para ver quem me cutucava.

Era Christine, como o esperado. Santo Deus, quem eu esperava? Colton Haynes me chamando casualmente para um jantar à luz de velas? Nem em suas mais profundas fantasias, Eduardo, poupe-se.

Christine era uma cabeça mais baixa que eu. Seus cabelos eram louros tingidos, quase brancos. Ela tinha um enorme par de seios (ela se orgulhava muito deles, chamando-os de “Pérola Um e Pérola Dois”) e uma personalidade nada amigável. A garota apontou ameaçadora para mim antes que eu a cumprimentasse.

- Você, Eduardo, é um grande bundão, covarde, morde fronha, uma gazela medrosa.- Ela gostava bastante de adjetivos, como podemos perceber.

- Ótima maneira de se cumprimentar alguém - falei, assentindo - vejo que não acordou muito bem, certo? É o “Pérola Um” que fez travessuras de novo? - Fiz aspas no ar ao citar aquele nome ridículo para uma mama.

Ela rangeu os dentes.

- Não, covarde, o Pérola Um está em ótimo estado; sem C.A. - Ela afirmou, dando uma piscadela. Christine me deu uma ombrada, mudando radicalmente de assunto - quando vai dizer seus sentimentos em relação ao Matt, hein?

Ergui uma sobrancelha.

- Hoje. - Ergui a palma da minha mão - está vendo? Está no primeiro tópico daquele famoso livro chamado: “Como arruinar sua vida em poucas páginas”. Os jovens o leem muito, sabe?

Ela revirou os olhos, não achando graça alguma.

- Boboca. Você pode realmente arruinar sua vida, mas não será taxado pelo resto dela como o covarde que nunca tentou.

Fechei meu armário quando peguei tudo o que devia ser pego.

- E que nunca pensou em tentar. Você esqueceu desse - complementei, observando enquanto aquele ser de olhos frios passava com seu grupinho pelo corredor, chamando atenção sem ao menos abrir sua boca. - Ele é, tipo, o oposto de mim, Christine. A começar pelo lindo fato de que: ele é hétero. - Enfatizei essa última parte com força.

Comecei a andar, apertando meu livro contra o peito. A garota me seguiu, jogando os braços para cima.

- Tá, e daí? Nunca leu um yaoi manga?

Virei o pescoço para trás, para encará-la.

- Você já?

Sim, eu joguei sujo.

Ela abriu e fechou a boca, os olhos mel piscando descompassadamente.

- Isso… Hum… - Toda vez que tentava dizer algo, saía embolado, fazendo gestos para tentar abafar a gafe.

Dei um risinho de sua simplicidade.

- Quem é a covarde agora? - Cutuquei, levantando e abaixando as sobrancelhas várias vezes, em um gesto de vitória.

Ela bufou.

- A maioria dos nekos não são assim, sabia?

Claro que não são; eu sou umneko à parte.

***

A primeira aula foi como de costume: um pé no saco. Alunos caíam de sono conforme a mesmíssima explicação chata sobre indígenas e suas plantações de mandioca preenchia a sala, fazendo o clima ficar sereno demais e perfeito para uma soneca. Coloquei minha touca e me recostei à cadeira; não é como se alguém me notasse, de qualquer forma. Coloquei meus fones de ouvido disfarçadamente e mexi no meu celular que estava no bolso da blusa.

Como eu sentava no fundo, a professora nunca me reparava. Uma das minhas músicas preferidas começou a tocar, e eu logo me desliguei daquela sala de aula. Estava tocando Ed Sheeran.

E, sim, eu gosto de Ed Sheeran. Sério, a voz dele é muito sensual.

Provavelmente isso denuncia que eu sou gay, mas tudo bem, todos já sabem dessa parte na história. Passei a mão no meu cabelo ensebado, olhando ao meu redor no refrão de Kiss me; cutuquei o meu alargador de leve e tirei-o de dentro do meu lóbulo com habilidade. Eu gostava de fazer isso quando estava distraído.

Movi meus lábios, sem produzir som algum em: i was made to keep your body warm, e sacudi levemente a cabeça, inebriado com a música, batucando vez ou outra o lápis na mesa no ritmo. Todos estavam dormindo para prestar alguma atenção em alguém como eu. Christine sentava duas carteiras na minha frente, e eu podia ver dali seu braço pendendo da carteira, completamente imóvel. Ela estava praticamente morta, aparentemente dormindo como uma pedra.

Os outros alunos não estavam lá muito diferentes. Os lábios da professora se moviam vagamente para mim. A única coisa que eu ouvia era a voz daquele Weasley enrustido. Coloquei de novo meu alargador enquanto observava a mão branca da Christine se mover de passagem.

Provavelmente só eu estava vendo. Prestei mais atenção, tirando discretamente um dos fones para tentar decifrar o que ela estava tentando dizer.

Christine sinalizou “dois” com os dedos (provavelmente se referindo à segunda aula); depois apontou para ela mesma. Passados alguns segundos, ela fez um “positivo” com a mão.

Naquele momento, eu deveria ter percebido que eu não me daria bem; mas, como eu era um tremendo de um babaca que não sacava nada, simplesmente concordei em meus pensamentos de encontrá-la mais tarde.

Como o previsto, Christine me chamou na segunda aula. Eu não sabia do que se tratava, então decidi saciar minha curiosidade perguntando-a. Mas ela se recusou a dizer. Simplesmente disse que havia preparado uma coisa para mim. Sério, eu havia ficado muito curioso.

Christine me pegou pela mão e me puxou para fora da sala antes mesmo de o nosso professor chegar. Tentei impedi-la, dizendo que fazer aquilo era coisa de marginais, não de estudantes competentes como nós. Ela retrucou, dizendo que não éramos (de longe, diga-se de passagem) estudantes competentes, e sim semi-marginais.

Quando percebi que ela não iria parar, puxei-a pelo pulso com força na direção contrária.

- Para, sério. Eu não quero ter faltas desnecessárias e não quero minha mãe aqui na escola gritando comigo. Já sou gay. Tenho problemas naturais demais. Ou você tem o prazer de fazer eu me ferrar mais um pouquinho?

Christine me olhou seriamente, os olhos faiscando de uma maneira perigosa - não vinha coisas boas quando acontecia isso.

- Olha aqui, seu pivete - ela empurrou o dedo indicador no meu peito. - Sou três meses mais velha que você, então exijo respeito. E, francamente, eu estou matando uma aula por você, então seja educado e agradeça, sério. Agora calado.

Ela me pegou pela mão novamente e começou a me puxar pelos corredores casualmente. Eu não sei o que era mais bizarro: o fato de que não havia ninguém nos corredores para nos punir por matarmos aula, ou o fato de que eu estava pressentindo que uma merda muito grande iria acontecer.

- Por que não há pessoas nos corredores? - Perguntei a ela, erguendo uma sobrancelha.

Christine deu de ombros com indiferença.

- O pessoal está ocupado demais com as baboseiras da preparação da quadra para os jogos de verão de basquete, blá, blá, blá, Whiskas Sachê. Então a maioria do pessoal, inclusive os jogadores, é formalmente exigida ali para ajudar com tudo aquilo.

Meu cérebro rodou por alguns instantes, processando com delicadeza toda aquela informação.

- Você vai me assediar? - Perguntei novamente, cético. - Christine, você não faz meu tipo; sabe disso muito bem, não sabe?

A loira parou de andar e se virou para me encarar, um olhar de pura incredulidade estampado em seu semblante.

- Brincadeirinha - admiti, dando um sorriso falso para aliviar a tensão.

Christine não disse nada enquanto me puxava. Eu não sei para onde estávamos indo, e tinha certeza que não era para uma boa causa. Eu sabia que se eu simplesmente a ignorasse, ela ficaria com o ego ferido e, francamente, uma garota com um ego baleado é mais perigoso que leões famintos.

Chegamos na parte da escola onde a maioria dos alunos não frequentavam: a parte onde as tias da limpeza ficavam; geralmente ali havia várias mesas redondas, onde papeavam e fofocavam sobre suas vidinhas. Só que não havia ninguém ali hoje. Apenas mesas vazias, uma porta (que eu julguei ser uma dispensa) e várias janelas baixas, fazendo os raios de sol entrarem de maneira graciosa pela sala.

Olhei para a moça ao meu lado, tentando entender o sentido de tudo aquilo.

- Por que raios você me trouxe até aqui? É uma festa surpresa?

Ela riu da minha cara.

- Não. Mas você acertou na surpresa. - Christine apontou para aquela porta - porém, tem algo que você tem que pegar ali dentro para que possamos começar.

Olhei para ela, desconfiado.

- Por quê? O que tem ali dentro?

Ela sorriu, travessa.

- Sur-pre-sa. - Ela disse pausadamente, apontando com um gesto exagerado para a porta. - Agora vá lá e pegue, certo?

Estralei a língua, sentindo-me subitamente ameaçado com o que poderia ter ali atrás. Talvez, sei lá, um palhaço assassino tentando devorar meu cérebro? Cheguei perto da porta e olhei para os lados. Não havia ninguém ali, de qualquer forma.

Peguei a maçaneta prateada e a girei, já esperando o pior (eu conhecia a Christine, sério, ela é malévola quando quer). E eu não queria - de longe - que aquela garota estivesse com rancor de mim. Provavelmente eu seria mutilado.

Empurrei a porta com a ponta dos dedos, espremendo minhas sobrancelhas contra meus olhos. E foi aí que uma coisa muito bizarra aconteceu. Antes mesmo que eu desse um único suspiro, mãozinhas gélidas me empurraram com tamanha força para ali dentro que eu fui obrigado a simplesmente concordar com a queda iminente de cara com o concreto.

E, bem, eu meio que recebi uma segunda surpresa em menos de trinta segundos. Me seguraram, para ser mais exato. Por baixos dos braços. Meus joelhos encostaram no chão, e eu pisquei várias vezes, ainda em choque. Me levantei e me livrei daquelas mãos rapidamente, assustado. Ergui o rosto para encarar a pessoa (que, não sei como (sinto cheiro de Christine) fora parar ali dentro daquele armário) e talvez agradecê-la, enquanto batia na minha blusa de moletom para limpá-la, quando percebi um detalhe: a pessoa era duas cabeças mais alta que eu.

Fui levantando a cabeça, sentindo-me cada vez mais surpreso. E, quando eu parei naqueles olhos gélidos e inesperadamente surpresos, senti meu coração inchar de tamanha vergonha. Matt estava ali, sendo lindo de perto, com a feição mais mudada que eu já tinha visto.

Antes que eu parasse de olhá-lo como um boboca babão, ouvi a porta atrás de nós bater com força e violência, e logo depois uma chave girando algumas vezes na fechadura.

Eu e Matt estávamos trancados dentro de um armário.

Tentei processar aquela informação, mas estava meio impossível; ele cheirava tão bem que me deixava meio inebriado. Então, eu resolvi deixar minha língua falar por ela mesma, sem ter que pensar muito antes.

- H-Hey… - Talvez isso fosse um cumprimento? - eu gosto do Batman e tenho… Uma tartaruga.

Ah, péssima ideia.

Acho que é aqui onde o “flashback” termina. Provavelmente entendem minha situação de desespero crônico, contínuo e catastrófico. E, poxa, ele era paciente. Tão paciente que me agoniava.

Em nenhum momento ele deu chilique ou se queixou de ser trancafiado com o maluco da tartaruga. Apenas perguntou casualmente “qual é a da maluca loira?”, sentando-se no chão perto de uma prateleira cheia de potes com grãos. Ri de uma maneira idiota e expliquei que ele havia acertado na parte do “maluca”.

Me sentei ao lado dele (em uma distância de dois palmos, não queria que ele me achasse mais esquisito ainda) e agarrei minhas pernas, olhando para a luz forte que brilhava acima de nós.

- Christine ainda está emocionalmente abalada - falei, apertando meus joelhos por conta da vergonha. - Ela anda ansiosa demais, sempre apressada, sabe?

- Por quê? - Ele perguntou, a voz firme e rouca, olhando para baixo.

- Ela… - Não sabia como dizer aquilo então acabei modificando um pouco a verdade - acabou de sair de um C.A, então… - Dei de ombros - é dureza não ter sequelas algumas, como aconteceu no caso dela. Mas a ansiedade e o receio de se ter de novo ainda é presente. Eu particularmente não seria tão forte como ela foi… Como uma heroína dos quadrinhos, será?

- O.k… - Ele disse, assentindo. Depois olhou para mim - quer dizer que ela é maluca porque acabou de se livrar de um câncer, entendi. Mas eu queria saber o porquê dela nos trancar em um armário.

Aaah, Matt, Matt, o que será que você faria se soubesse que eu estava querendo seu corpo nu naquele instante?

Dei de ombros, tentando disfarçar meus pensamentos libidinosos.

- Não faço ideia. Quer bala?

***

Eu queria, tipo, muito mesmo, não ter ficado em um silêncio mortal. Mas ficamos, infelizmente. E eu, apenas mais um cidadão tímido no mundo, não fazia ideia de como acabar com isso. Eu sabia que Matt tinha me achado um verdadeiro pé no saco, então fiquei em uma balança: falar ou não falar com ele?

O.k., pensei, agarrando meus joelhos, ele me acha um incômodo, então é melhor eu ficar na minha até a Christine voltar. Mas e se ele estiver entediado e começar a conversar comigo? E se ele quisesse virar meu amigo ou simplesmente gostasse de mim? Não, não, larga de ser trouxa. Você sempre soube da realidade, então pare de sonhar.

Acho que tem algumas coisas que a gente sonha que são boas demais para se tornarem uma realidade absoluta.

Como beijar o Colton Haynes, por exemplo.

Virei devagar a minha cabeça para encarar aquele rosto bonito. Matt estava com a cabeça encostada na estante, os olhos fechados. Provavelmente viajava e tentava pensar em uma alternativa melhor que arrombar a porta. Ou ele estava tentando simplesmente se concentrar para não socar a minha cara na parede (acho essa opção a mais plausível).

Me levantei de repente, completamente impaciente, sentindo que explodiria em mil pedaços confusos se continuasse preso com ele por mais alguns segundos. Sério, eu não sei porque o ser humano é tão babaca.

Os sentimentos estragam tudo. Eu estava ofegante, tentando arrancar a maçaneta da porta com toda a força que eu tinha - o que correspondia a nada, diga-se de passagem. Empurrei meu pé contra aquela tábua gigante e compensei meu peso na maçaneta, puxando-a. Deus, eu precisava sair dali!

Matt provavelmente notou o meu desespero, pois disse, calmo:

- Eu realmente sou uma companhia detestável, eu sei. Dizem que é agonizante ficar perto de mim por muito tempo - ele deu de ombros, indiferente, os olhos verdes frios. - Pelo visto tua opinião é igual à deles, certo?

Larguei a maçaneta, cético. O que ele estava dizendo, céus? Eu gostava daquele garoto há mais tempo que eu podia me lembrar. Arqueei as sobrancelhas, pronto para argumentar com um ótimo ponto.

- O que você está dizendo? Você é perfeito! - Praticamente gritei, apontando para ele. - Os outros que são babacas demais que não percebem isso, o.k.?!

Não, espera.

Alguém me fala que eu não disse isso. Isso não tá acontecendo. Meu Deus, como eu sou idiota.

Matt ergueu uma sobrancelha, e, lá no fundo, eu pude ver uma mescla de susto com surpresa. Agora sim ele me achava o maluco da tartaruga.

- Hum… - Ele fez, olhando para a minha blusa - obrigado… Eu acho. - Vi seus olhos se mexerem minimamente para os lados, como se ele, em seu subconsciente, estivesse dizendo “wat”.

Tudo o que eu fazia para tentar melhorar a situação só causava o efeito contrário. Eu realmente era um show de horrores. Começando pela minha aparência, porque vamos combinar: quem, na face da Terra, se interessaria por mim? Um jovem magricela com um alargador, roupas baratas porque é pobre e, além de tudo, é gay. O meu futuro é muito óbvio: vou ficar sozinho, sofrendo preconceito pelo resto da vida, convivendo com vinte gatos.

Ah, novo drama: eu não posso ter gatos. Aqueles malditos pelos congestionam os meus pulmões. E, bem, eu amo gatos.

Deus, por que será que tudo o que gostamos sempre têm que causar algum tipo de problema para nós mesmos? Eu odeio isso na vida.

Então uma pergunta me veio à mente.

- H-hey… - Tentei, olhando para ele de esguelha - você não está nem um pouco preocupado com a nossa situação?

Ele batucou os dedos no seu joelho, a cabeça meio inclinada.

- Hum, sinceramente? Não. Provavelmente estão me procurando, então tudo bem. - Ele apontou para mim - nós dois sairemos daqui vivos... Eduardo.

Na mesma hora que ele disse o meu nome, senti meu coração inchar. Um rubor subiu-me a espinha, e eu senti minhas bochechas se acalorarem. Minhas mãos tremeram um pouco enquanto eu segurava de novo a maçaneta.

E eu só senti isso tudo por um detalhe que eu não pude deixar de perceber: eu, em nenhum momento em que estávamos aqui dentro, lhe disse meu nome.

Então, ele sabia. Matt sabia o meu nome.

***

Alguém, pelo amor de Deus, me lembre de agradecer a Christine com um iate e uma viagem à Paris.

Aquelas duas horas foram as mais felizes de toda a minha vida. Matt e eu conversamos sobre nossas vidas privadas; descobri que até mesmo uma pessoa tão séria como ele poderia abrir sorrisos. E, Santo Cristo, que sorriso!

E sabe qual foi a melhor parte? Ele sorriu por minha causa. O garoto achou extremamente bizarro e divertido o jeito com que eu terminava as minhas falas, sempre jogando uma pergunta no final. Eu simplesmente não podia evitar essa minha mania descompassada e ridícula.

Puxei isso da minha irmã mais velha e estou influenciando a mais nova.

Ele havia me contado que ultimamente estava pegando a mania de seu irmão mais novo (ele se chamava Gustavo; o garoto não me disse isso, mas eu sei porque há muitos anos descobri stalkeando-o) de ler HQs. O que foi muito bom, já que eu sou um nerd enrustido.

- Eu também gosto - falei, esticando minhas pernas. - O meu preferido é o Deadpool, com certeza.

Ele arqueou uma sobrancelha.

- Não conheço esse.

Pus-me a explicá-lo que Deadpool era um mercenário, anti-herói, extremamente sarcástico e com um nível de humor negro elevado às alturas.

- É, em outras palavras, um filho da mãe - resumi, dando de ombros depois.

- Estranho - Matt concluiu, olhando para uma das prateleiras, provavelmente sentindo-se impaciente. - Ah, se ao menos tivéssemos um celular para ligar para os garotos e pedir que eles venham até aqui… - Ele olhou para mim - você não tem, certo?

Era como se minha respiração tivesse simplesmente desistido de acontecer. Eu tinha, com toda a certeza, um celular no meu bolso direito. Mas… Aquilo estava tão bom, e… Ah, Deus, como eu era egoísta!

Estava simplesmente obrigando a pessoa que eu gostava a ficar comigo por um simples motivo idiota: eu não iria, nunca mais, ter outra oportunidade como aquela. Eu não queria que ele fosse embora. Eu não queria ficar novamente com medo de tentar.

E, francamente, se eu dissesse a ele que eu o amava, Matheus iria me evitar pelo resto do ano letivo; talvez me menosprezar e começar a me odiar. E eu não queria isso. Seria ótimo se podessemos ser amigos; só amigos, assim, para o resto da vida. Eu iria me contentar com apenas isso. Só o fato de estar ao lado dele já é bom o suficiente para mim.

Amar é uma droga.

- Hum… - Falei, olhando para cima - não tenho nenhum, desculpe. Acho que deixei meu celular lá na minha sala, guardado na mochila… Aula de português, sabe como é, né?

Ele sorriu de novo.

- Você fez outra vez.

Fiquei confuso.

- Fiz o quê?

Ele deu uma risadinha, que saiu como uma risada de criança.

- Olha lá, de novo.

Pisquei, sem entender bulhufas.

- Eu não entendi. Do que você está falando?

Matt encolheu os ombros e fechou os olhos, rindo como se nunca tivesse rido na vida. Senti que todos os meus ossos, órgãos e músculos estivessem derretendo devargazinho sob o efeito daquela voz rouca rindo por minha causa.

Ele colocou a mão na minha cabeça.

- Você é engraçado. Gosto muito disso nas pessoas.

E me empurrou por ali, fazendo-me quase tombar para o lado, sem forças. Ele era, sem dúvidas, uma ótima pessoa quando o conhecia direito. Meio desconfiado, mas uma ótima pessoa. Matheus, de repente, bateu os olhos no meu barbante vermelho enrolado no pulso esquerdo.

- Você tem uma memória fraca?

- Tenho - falei, rindo, olhando para a pulseira. - Eu, por exemplo, sempre me esqueço de buscar minha irmã na escola às seis e meia. Isso aqui me ajuda, sério. E, bem, eu também acho bem estiloso. Você tem alguma?

Matt ficou quieto por alguns segundos, observando o nada. Depois de alguns instantes ele arregaçou a manga de sua blusa, expondo uma pulseira igual a minha, só que laranja. Matheus sorriu de novo.

- Olha só, que coincidência. Eu sou péssimo para me lembrar que eu tenho, às sete horas, estudar para caramba para conseguir passar no meu curso, então… - Ele balançou o braço, mostrando a pulseira.

Ah, sim, ele fazia cursinho extra-curricular de engenharia; eu já sabia. Tateei o bolso esquerdo da minha blusa. Lá eu sempre tinha mais algum barbante, para dar para alguém conhecido. Dessas vez o fio era azul.

- Aqui - ofereci, mostrando a ele. - Amarre-o no outro pulso depois. Aí vão ser duas pessoas tentando te lembrar disso, certo?

Eu, definitivamente, queria que ele se desse bem na vida. Não é como se eu desejasse o mal para a pessoa que eu gosto, certo?

Ele pegou o fio e observou-o com atenção por um tempo. Matt olhou para mim, sincero.

- Muito obrigado.

Fico imaginando se ele realmente iria me evitar se eu contasse como eu me sinto.

***

Se passou mais uma hora, e nós dois ali dentro daquele maldito armazém sujo e cheio de comida enlatada. Matheus, alto do jeito que era, começou a fuçar nos potes que haviam nas prateleiras. Ora ele pegava um em especial e ria, ora ele se perguntava o que raios era aquilo com mais uma expressão inédita.

Não aguentei minha própria língua, e, sentindo-me íntimo o suficiente para dizer, perguntei:

- Você não é lá muito expressivo, é?

Ele olhou para mim, uma garrafa laranja em mãos.

- É, eu não sou muito. Dizem que eu sou meio difícil de se ler. Mas isso varia de pessoa para pessoa, eu acho. Faz parte da personalidade de cada um.

Assenti, concordando plenamente.

- Verdade. Mas eu não sei se eu sou uma pessoa fácil de se ler. Sou?

- Sim, é - ele disse, abrindo um sorriso. Matt se aproximou de mim e cutucou a minha testa - quando você fica confuso, uma ruga de expressão se forma bem aqui. Isso meio que denuncia se você está entendendo ou não.

Fiquei surpreso; essa nem eu sabia.

- Sério? - Perguntei, passando a mão instintivamente na minha testa.

- Uhum - ele assentiu, botando a garrafa no lugar. - Ah, eu estou ficando impaciente. Será que eles irão mesmo me procurar? Aqui está um tédio.

Pensei por um instante. Isso só podia ser obra daquela loira malévola e estrategista. Ela provavelmente eliminou possíveis obstáculos, fazendo uma armadilha perfeita para mim. Eu fui fisgado como um peixinho.

Christine queria - me obrigava, praticamente - que eu me confessasse a ele. E, analisando mais a situação, Matt não parecia ser do tipo que me evitaria. Ele provavelmente só iria ficar com cara de taxo, cético, e me evitar por um tempo.

Se eu der sorte, é claro.

Um nervosismo me invadiu quando eu pensei nessa possibilidade; a possibilidade de realmente me confessar. Momento mais perfeito não há, tenho certeza.

Mexi na minha calça, sentindo minha mão suar. Eu iria fazer isso.

Definitivamente, eu iria fazer isso.

Agora.

Me levantei de repente, causando uma pequena olhadela surpresa da parte dele, e esfreguei as minhas mãos.

- E-E-Ei, Matheus… - Comecei, extremamente nervoso - você é bom em relacionamentos?

Ele se virou para mim, os olhos verdes cintilando sob a luz da lâmpada.

- Sinceramente? - Ele riu - nem um pouco! Geralmente as garotas só se interessam pela minha aparência, blá, blá, blá… Mas, depois de alguns minutos de conversa, elas me acham chato e eu as acho mais chatas ainda. Poucas são boas de lábia, mas aí, ou elas são lésbicas ou me acham um “ótimo amigo”. - Ele deu de ombros - não é todo mundo que tem sorte no amor, certo?

Olhei fixamente para ele.

- Você já tentou com um homem antes?

Percebi que ele tinha arregalado um pouco os olhos.

- Desculpe?

Neste momento, eu dei um passo à frente, decidido a explicar o porquê daquilo. E foi aí que tudo foi por água abaixo. Meu celular, que até então estava quietinho no meu bolso, fez uma manobra de pole dance bem doida e simplesmente escorregou do meu bolso, caindo no chão com um baque surdo.

Todos os meus músculos congelaram, e eu fiquei encarando o fone pendendo do meu bolso, ali, praticamente gritando: O EDUARDO MENTIU, EU TAVA AQUI O TEMPO INTEIRO, TROUXA!

Matt ergueu uma sobrancelha, parecendo curioso. Ele se aproximou de mim e pegou o celular do chão enquanto eu inspirava fundo, cético do que havia acontecido.

Tchau oportunidades!

Tchau, Eduardo, se ferra aí; beijos!

Ele se ergueu observando o aparelho; depois ele olhou para mim, os olhos verdes faiscando com uma raiva controlada.

- Você disse que tinha deixado seu telefone na sala de aula.

Ah, Deus, como a voz dele estava áspera.

- E-Eu sei, mas… - Comecei, afobado, enfiando os fones dentro do meu bolso de uma maneira desordenada - eu… Eu… Eu não queria ligar para eles.

- Por quê? - Ele perguntou, sério de novo, me devolvendo o aparelho com brutalidade. - Por capricho? Por que gosta de ficar trancafiado com um homem dentro de um armário por horas? É por isso?!

Olhei fixamente para ele, sentindo que tudo o que havíamos conversado, e talvez criado, iria para o ralo com o que eu iria fazer naquele instante.

- E se eu disser que sim? - Falei, piscando.

Matt recuou com a cabeça, espantado. Mas antes que ele me desse um soco na cara ou me xingasse de qualquer coisa, fiquei na ponta dos meus pés e coloquei minha mão direita em seu ombro. Ele ficou me encarando, a boca meio torta, o olhar de puro ceticismo.

- Matheus, eu gosto de você. Sempre gostei. - Me confessei, e depois fechei meus olhos.

Por instinto, encostei meus lábios nos dele sem muita força, apertando seu ombro e me esforçando para ficar na ponta dos pés por mais algum tempo. Eu havia fechado meus olhos para não ter que ver a expressão que ele estava fazendo. De nojo, eu aposto.

No mesmo instante em que estávamos ali, ouvi vozes dentro daquele salão vazio; vozes masculinas, graves, roucas, chamando Matt sem parar. Parei de beijá-lo quando percebi que as vozes dos garotos disseram que Matheus poderia estar do outro lado da porta. Ainda de olhos fechados, pude imaginar o quão chocado ele estava.

A porta se abriu com um estrondo alto depois de alguns segundos. Aquilo poderia ser uma coisa boa se acontecesse há cinco minutos: liberdade e talvez uma amizade com o garoto que eu gostava. Mas, não. Aquele seria o fim catastrófico do meu quase-relacionamento.

E, engraçado: tudo acabou com um beijo.

Abri meus olhos para encarar todos os garotos do time de basquete, que, aflitos, me encaravam com surpresa. Provavelmente pensavam o que diabos eu fazia com Matt dentro de um armário. Passei por eles dando ombradas sem dó, indo em direção ao corredor, o meu corpo pesado sendo sustentados pelos meus pés, que pareciam flutuar no chão de cimento.

***

And it's been a while but I still feel the same (E faz algum tempo, mas eu ainda sinto o mesmo)

Maybe I should let you go (Talvez eu deveria deixar você ir)”

Eu amo essa música, e essa parte em especial. Amo porque eu me identifico. Geralmente é assim mesmo. As pessoas sempre gostam de coisas úteis; coisas que façam elas se identificarem. Ninguém gosta de coisas diferentes demais do que elas acham certo.

Fui para casa, sem ânimo para tentar aguentar a última aula, enquanto meus pensamentos vagavam para o nada. Quando eu liguei meu celular, percebi que havia várias mensagens de Christine. Seis, no total.

“Agora eu percebi uma coisa: eu fiz merda, não fiz? vc tá bravo cmg, né? me responde se puder.”

Essa foi às oito e vinte e seis, logo após eu entrar no armazém. Ela estava se sentindo culpada. A outra foi às oito e meia.

“Eduardo, aconteceu alguma coisa? ME RESPONDE, FLW. eu n quero ir aí para abrir a porta, ficaria chato dms. desculpa. amo vc, tá? Me responde.”

A outra foi logo em seguida.

“Espera… vcs se beijaram? tão se pegando agr? vcs tão transnd? É por isso q vc n responde, né? espero q s.”

Eu ri na rua, sozinho, lendo aquele texto extremamente incoerente. Continuei, rolando a pasta de mensagens.

A outra havia sido uma hora depois.

“To na aula de port. eu quero ir aí, mas to resistindo. espero que sla, vcs estejam se dando bem. espero tmb q vc n tenha falado da tartaruga chamada Leonardo pra ele, né, plis.”

Eu havia falado da tartaruga Leonardo para ele. Erro meu, eu sei. Mas, poxa vida, Matt deu risada quando eu disse.

A quinta foi quinze minutos depois.

“Pq será q eu to prevendo o pior? me diz q vc Eduardo n caiu de cabeça no concreto e morreu, e é o Matt que tá lendo isso, pensando seriamente em chamar a ambulância mas tá rindo das msg. to ficando desesperada, então vlw por me responder.”

E a última havia sido há alguns minutos.

“OS MINO TÃO CHEGANDO AÍ. eu tentei impedir, mas cara, vc já viu o tamanho daqueles braços? no, thanks, fica para a próxima msm, quando eu tiver uma gangue. me diz q vc tá bem e q deu td certo com o Matt. e que vc n tá morto.”

Comecei a digitar na rua, olhando fixamente para o meu celular.

“Christine, eu não to muito bem. E, n, nada feito com o Matt. Ah, eu beijei ele e isso foi a causa dele, provavelmente, estar sentindo nojo de mim. E eu n estou enviando isso do além. To indo pra casa agora.

PS.: eu falei da tartaruga para ele. acho que é por isso que deu tudo errado. N to bravo com vc, relax.”

Enviei a mensagem e voltei a prestar atenção na música, caminhando lentamente em direção à avenida. Mais empresários, mais lobos engravatados, mais vida entediante. Só que toda essa vida entediante tinha agora uma nova perceptiva para mim.

Essa vida entediante tinha agora uma boa dose de realidade.

O que era bem triste, para ser franco. Eu gostava de viver na fantasia porque ela era governada pelas minhas regras.

Olhei para cima, completamente cansado daquela merda de céu cinza, poluído e triste, bem típico de Sampa. Apertei minha mochila nas costas (eu havia dado uma passadinha na sala e ido embora enquanto o pessoal estava na aula de Educação Física) e me esquivei de algumas pessoas que passavam, apressadas e concentradas em sua vida monótona.

Atravessei a avenida (fui arrastado, não mentiremos) e estava quase na rua do meu prédio quando me pegaram violentamente pelo pulso, causando-me dor. Dei um berro, pensando que era um ladrão, e me virei, pronto para dar uma joelhada na pessoa. Eu queria também chamar atenção do pessoal no meu redor, caso ele realmente tentasse me roubar.

Girei o meu corpo e meti-lhe uma joelhada bem no estômago, a única manobra de luta que eu conseguia fazer sem ter meus próprios ossos quebrados, rachados ou danificados. E em parte eu consegui fazer isso com sucesso porque, no fundo, eu estava com raiva. E foi aí que eu recebi uma pequena surpresa.

Era Matheus quem estava curvado, as duas mãos pressionando a barriga. Ele tentava dizer alguma coisa, mas as únicas coisas que saiam de sua boca eram grunhidos de dor e lamentações, talvez xingamentos e nomes divinos envolvidos. O garoto sentou-se na calçada, ali, na avenida, apertando a barriga.

- Ótimo joelho - ele concluiu, se curvando para frente.

As pessoas passavam por nós e nos olhavam, curiosos para saber o que raios um garoto fraco, magricela e com uma baita cara de bunda estava fazendo ganhando de um garoto forte e alto como Matheus.

O garoto sinalizou para que eu esperasse um pouco antes de correr. Olhei em volta, sentindo-me mais envergonhado impossível. E isso só provava que eu era um maldito uke boboca, masoquista e que merecia levar uns tapas na cara, como a maioria dos ukes.

Eu deveria sair correndo e esquecê-lo. Acabar com o meu curto relacionamento para evitar mais sofrimento. Isso era o sensato a se fazer, não era?

Matt olhou para mim depois de um tempo, os olhos verdes intensos, sua mão agora repousada no joelho.

- Hey.

- P-por que você está aqui? - Perguntei, recuando.

Ele deu um suspiro e arregaçou a manga de sua blusa. O barbante que eu havia lhe dado estava ali, orgulhosamente disposto.

- Sabe, Eduardo, há duas coisas na minha vida que eu não consigo me enjoar. O basquete e a música. Diferente das pessoas, essas coisas me entendem. - Ele apontou vagamente para mim - e é aí que você entra. Sim, eu fiquei meio chocado ao descobrir que um cara gosta de mim, mas, poxa, Eduardo, nós dois temos tantas coisas em comum que eu não vou conseguir listá-las aqui. - Matt se levantou com dificuldade, e se aproximou dois passos de mim. - Eu estou disposto a tentar.

Isso não estava acontecendo. Alguém me dê um tapa na cara, por favor. Não poderia ser real.

Matheus era um homem hétero, e, francamente, só no mundo dos sonhos isso era real.

- Você está brincando - crispei os lábios. - Acha engraçado brincar com os sentimentos dos outros?

- Eu falo sério - ele ponderou do outro lado. - Eu estou… Disposto a tentar com você, talvez. Nós temos mais coisas em comum do que pensamos, certo?

- O.k., até podemos ter várias coisas em comum, mas temos uma única que acaba estragando todas as outras! Você consegue entender? - Dei um tapinha no ombro dele. - É revoltante, tá?

Matt olhou fixamente para mim. Depois ele abaixou o olhar, talvez pensando seriamente no que estava fazendo. Matheus começou a desamarrar o barbante que eu havia lhe dado, a expressão vazia no rosto, como de costume. Quando desamarrou-o, olhou para mim.

- Me dê seu pulso direito.

Olhei, relutante para ele.

- Para quê?

- Só me dê. - Ele disse, sério.

Estiquei, hesitante, meu braço em sua direção. Matt arregaçou as mangas da minha blusa e expôs o meu pulso branco como gesso, nu, sem sinais de qualquer barbante. Ele começou a amarrar o fio ali, não se importando com os olhares esquisitos das pessoas em nossa volta.

- Aqui. - Ele disse, soltando meu pulso.

Observei aquele trabalho recém feito.

- Por que você está me dando isso?

- Para que... Você possa se lembrar, absolutamente todos os dias, que eu posso me apaixonar por você, como qualquer outra pessoa. E quando essa ideia ficar fixa na sua mente, você pode arrebentá-lo. Não estou lhe dando a certeza que isso vá mesmo acontecer, mas quero que você crie novamente esperanças, o.k.? Eu não vou te odiar nem um pouco se você fizer isso.

Comecei a piscar, sem palavras para expressar o quão eu estava chocado. Meus punhos começaram a tremer. Matt havia me dado uma chance. Ele havia me dado uma chance, completamente ciente de que eu gostava dele.

Olhei para baixo, para aquela linha fina enroscada no meu pulso. Os seres humanos são realmente idiotas. Coisas tão pequenas como um barbante pode realmente representar coisas gigantescas, como um sentimento. Matt apertou a minha mão. Olhei para ele, surpreso com aquele toque repentino.

- Lembre-se também, Eduardo, de escolher um nome melhor que Leonardo para uma tartaruga, o.k.?

E começou a rir. Sabe, não deu para resistir. Comecei a rir também, completamente envergonhado, ali no meio da avenida, cercado por lobos.

- Mas “Leonardo” é um nome cool para tartarugas - rebati, enfiando as mãos no bolso.

- Não, é batido - ele retrucou, erguendo uma sobrancelha. - Assim como todos os nomes das Tartarugas Ninjas. Nunca use-os.

Girei os calcanhares.

- Mas é bonitinho.

Ele segurou a alça da mochila com força enquanto andava um pouco.

- Hum, não acho. Se bem que eu gosto mais de cachorros, então…

- Você tem um cachorro? - Perguntei.

Mas eu já sabia a resposta; novamente, eu sempre o stalkeei. Matt tinha um labrador infernal que gostava de comer carne. Eu o odiava com todas as forças, sério. Na realidade, eu odiava todos os cachorros.

- Tenho - ele respondeu, parecendo inesperadamente orgulhoso. - Quer vê-lo?

A primeira coisa que me veio à mente foi: claro que não, não sou louco! Mas aí eu analisei com mais cuidado aquela situação, repensando; o meu segundo pensamento foi, sem dúvidas: que ó-ti-ma oportunidade!

- Claro. - Respondi - gosto muito de cachorros também.

Ele sorriu, parecendo satisfeito com essa resposta, e começou a andar. Acompanhei-o, sentindo a enorme vontade de segurar sua mão. Mas, como estávamos em público, decidi guardar isso para mim mesmo.

“No, I just wanna hold ya”; eu te entendo, Ed, eu te entendo perfeitamente.

Mas, no final, eu sentia como se tudo estivesse bem. E, francamente, “A esperança gera em nossos corações expectativas reais quando tudo parece irreal”*, certo?

Acho que não faz mal nenhum sonhar um pouco.

Fim.

Ps.: acho que vou ter que arrebentar o barbante.


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Notas finais do capítulo

Então, né... ~vergonha
Eu não sei se as pessoas gostaram do final e tals, mas tinha que ser algo direto, porque é uma one-shot, e não uma short-fic, então.. Espero que não tenha ficado algo corrido demais. Eu achei que ficou super catito. HUASUHSAHUSAUHSAHUSA Podem me bater, sei lá, mas me deem suas opiniões, por favor!
Sofia, espero meeeeesmo que você tenha gostado, e eu estou super nervosa, hahahahaha! Sejam legais com a tia, tá? ;--; Porque, se o resultado for bom, preparem-se porque eu postarei mais dessas brisas, hehe!
Beijos e queijos; nos vemos na próxima!
PS.: Leonardo é sim um ótimo nome para tartarugas, tá? ÇAÇ