Always With Me escrita por Menta


Capítulo 24
Sad Eyed Lady Of The Lowlands


Notas iniciais do capítulo

Boa noite, queridas leitoras!
Venho dedicar este capítulo a minha linda amiga Lune Noire, como forma de lhe presentear - mais uma vez -, pelo seu aniversário que passou, no dia 2 de setembro! Parabéns para ela, galeraaa! Espero que goste do capítulo dedicado somente a você!
Como eu falei antes, este capítulo é bem mais "wow". É GRANDE PRA CACILDA, mas não tem marasmo, somente altas tretas e revelações! Temos a apresentação de um personagem novo, momentos chocantes, detalhes sobre a família de Grace e... Finalmente Cora revela a sua amiga que agora namora Regulus um segredo! Altas fofocas, gentem!
Agradeço as leitoras Lena18, Lune Noire, Arrriba, duda fap e LaurenPS que são assíduas nos comentários! ^^ Espero que as fantasminhas sintam-se animadas para comentar! Como eu disse antes, eu não mordo, nem rosno! Quem faz isso é o Sirius! Eu sou fofa e delicada como uma fada celta, ahahahahahhaha!
Lunezita, aviso que lá embaixo me permiti usar uma das renderizações LINDAS que você fez! Agradeço muito, você arrasa!
Com isso, que a magia flua em todas vocês! Aguardo comentários! =D
Muitos beijos e boa leitura!



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Durante o final de semana, Cordelia recepcionou os bruxos celtas irlandeses junto à sua família, um total de dezessete membros do Clã Kavanaugh, que vinham de Donegal, no norte de “Éire”, como era conhecido o país, pelos celtas. Promoveram algumas festividades em sua homenagem, como banquetes, danças, e juntos entoaram canções antigas de seu povo.

O Clã irlandês que visitava o castelo de Lia era basicamente composto por algumas senhoras idosas, tendo em vista a forte herança matriarcal que havia na cultura celta, e algumas crianças do sexo masculino, entre a idade de Mairéad e Bairbre. As duas passaram os dois dias de sábado e domingo brincando até a exaustão com seus companheiros, enquanto Cordelia evitava que a mãe pudesse reprimi-las por seu comportamento peralta, dizendo-lhes que uma verdadeira dama não se portaria dessa forma. Deu a liberdade que queria ter tido, quando mais nova, para suas irmãs.

Ao ver as duas meninas morenas brincando e rindo com tanto entusiasmo e euforia, não foi possível evitar a lembrança vaga de quando era muito nova, por volta dos seus cinco anos de idade, e costumava aproveitar o verão na companhia de crianças bruxas anglo-saxônicas. Nesta época, seu pai ainda era vivo, e mantinha Guinevere e as tradições celtas sob rédeas curtas, escondidas do conhecimento público de outros bruxos de seu círculo social. Foi apenas depois de seu falecimento que sua mãe sentiu-se livre o suficiente para realmente celebrar seus costumes com Lia e suas irmãs.

Quando ainda era forçada quase todos os dias a fingir ser parte desta elite puro-sangue, na sua primeira infância, Cordelia aproximou-se de Regulus e... Sirius Black. Os irmãos Black eram sua companhia recorrente nesses tempos, embora ela não tivesse lembranças muito claras, por ser muito nova, e por esta época ter sido uma das mais difíceis de sua vida. Sua mãe fingia que estava tudo bem, enquanto seu pai intensificava mais e mais os abusos emocionais e físicos contra ela.

Talvez como uma forma de proteção, Lia reprimiu boa parte das memórias desses tempos, a maioria envoltas em muita angústia e sofrimento. Destes momentos de lúdica diversão infantil, só sabia que se divertia muito na companhia dos Black, e volta e meia lembrava-se de flashes de brincadeiras que compartilharam. Regulus, por provavelmente não ter considerado estes tempos de sua vida um período negro para si, tinha mais lembranças, e algumas vezes sorria e contava algum acontecimento da infância para Cordelia, que só assim era capaz de rememorá-lo.

Assim, Lia passou o sábado ajudando a mãe na recepção dos convidados irlandeses. Ofereceu-lhes as melhores cervejas, sabendo que era a bebida típica do país, e alguns, educados, quiseram provar a receita especial de sidra que Cordelia e sua mãe sabiam preparar. Dentre eles, Carroll, o patriarca da família, um senhor idoso, alto, de cabelos longos e muito brancos, de corpo estreito de ossatura que parecia frágil, mas que demonstrou muito vigor, durante passeios pelos terrenos do castelo. Foi guiado juntamente de alguns outros membros da família visitante pela mãe de Lia, e provou ter uma resistência física própria dos bruxos celtas. Estes eram famosos por sua longevidade e resiliência, especialmente quando em contato com a natureza.

Pela manhã de domingo, Lia decidiu adentrar a floresta ao redor do castelo para colher algumas flores raras e enfeitar as tendas celtas que montaram ao longo do lago, aproveitando o clima agradável da primavera. Vestiu-se com um vestido longo, um tanto transparente e de uma cor rosa clara, que lembrava a tonalidade das pétalas de uma margarida rosada.

Já pensando no dia seguinte, Cordelia MacLearie agradeceu internamente ao destino por não ter tido de lidar com maiores dificuldades durante sua visita familiar do feriado. Sua mãe tivera o condão de chamar os Kavanaugh, uma família que Cordelia conhecera durante suas viagens aos castelos dos Clãs irlandeses amigos dos Gilios, país de onde era originário seu sangue celta.

Herdeiros de uma linhagem druida respeitadíssima dentro de seu povo, os Kavanaugh eram bruxos irlandeses que, apesar do pouco ouro que dispunham, esbanjavam talento em suas brilhantes capacidades mágicas. Grandes curandeiros da Irlanda vinham desta família, dentre eles um rapaz chamado Fingal, que tinha agora vinte anos, pelas contas de Lia.

Formara-se há três anos na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, estudando na casa corvinal, e atualmente trabalhava em um hospital bruxo irlandês para doenças e acidentes mágicos. Seu talento para as atividades curativas era reconhecido desde o colégio, tendo uma habilidade inata para preparar feitiços e encantamentos de cura a partir da mistura de ervas e outros elementos naturais, dom estimulado desde cedo pelas tradições celtas.

Além disso, era famoso em Hogwarts por levar consigo uma harpa irlandesa, símbolo de seu próprio país, e tocar o instrumento com maestria, chamando a atenção de parte da ala feminina da escola. Cordelia se lembrava de, durante seu primeiro e segundo ano, vislumbrar variados grupos de alunos cercando Fingal e admirando seu talento musical. A menina tinha apenas doze anos de idade, quando, em suas férias de verão na Irlanda, ficara fascinada com a imagem do rapaz, com cabelos de um tom loiro arruivado e olhos azuis como as raras hortênsias desta tonalidade. Fora do convívio da escola, era mais simpático as pessoas mais novas que conhecia.

Cordelia MacLearie perdera a conta de quantas vezes se vira entorpecida pelas lindas e delicadas melodias que o rapaz era capaz de dedilhar na harpa, durante o verão que passara em seu castelo. Contara o incidente para Grace e Phyllis, e, inclusive, Macbeth implicara consigo, dizendo que ficara fascinada porque se apaixonara. Cordelia sabia que isso não era verdade, mas, todas as vezes em que estivera em contato com o rapaz, no decorrer de alguns feriados de Natal e Páscoas seguintes, não pôde deixar de se sentir admirada pelo seu magnetismo. Era um dos poucos remascentes do povo celta que carregavam em si a mesma força, deslumbre e encanto de outrora.

Jamais trocaram nada além de alguns olhares e palavras desimportantes, mas Cordelia MacLearie sempre se sentia arrebatada pela incrível presença do rapaz, e a raridade que representava.

Enquanto colhia as flores, Cordelia MacLearie concatenava consigo mesma o quanto tudo aquilo não passava de exageros infantis de sua parte. Fingal era bonito, charmoso e realmente era diferente da maioria dos bruxos que conhecia, mas não era tudo aquilo que imaginava quando mais nova. Sua mãe o considerava um dos maiores partidos disponíveis no mercado do mundo bruxo, e sem dúvidas o estava mencionando quando tentou empurrar o assunto para cima de Cordelia no jantar recente que tiveram apenas entre elas e as irmãzinhas de Lia. Já estava enfastiada de tantas confusões.

Já bastava o que tinha de lidar com Sirius Black. Não precisava de mais.

Ao colher com a varinha algumas delicadas flores de lírios do vale, Cordelia franzia as sobrancelhas, tentando manter os pensamentos sobre Black de lado. Pensava demais nele ultimamente, e não gostava da forma com que as imagens mentais repercutiam no resto de seu corpo, fazendo-a ruborescer, lembrando de momentos que admitia para si mesma terem sido... Bastante bons, mas que sabia que devia manter em sigilo restrito. Precisava se resolver quanto aquele assunto, em algum momento...

Halò. Ciamar a tha sibh?* - Uma voz rouca masculina falou atrás de Lia.

A garota loira voltou-se imediatamente, respirando lufadas de ar exageradas, e comprimindo um grito assustado. Arregalou seus olhos, já não aguentando mais tantas surpresas, quando viu Fingal atrás de si, sorrindo, usando um manto verde druida cobrindo seu gibão branco e calças camponesas marrons, com grossas botas do mesmo tom marrom em seus pés.

Tha gu math, tapadh leibh. Ciamar a tha thu?** – Lia respondeu, ainda respirando fundo para se recompor, uma de suas mãos em seu peito, recuperando seus batimentos cardíacos.

– Estou bem, obrigado. – Fingal falou, com seu forte sotaque irlandês, sorrindo. Os olhos azuis dele eram como a superfície de um rio brilhando ao sol. Passavam uma ideia de inocência que não combinava com seu porte másculo. – Desculpe-me por assustá-la. – Ele falou, pegando sua própria varinha, e colhendo mais lírios que foram flanar até as mãos de Cordelia. Ela olhou do movimento das flores até suas mãos para os olhos dele, e esboçou um sorriso mais tranquilo.

– Não foi nada. Achei que estava sozinha. – Cordelia MacLearie respondeu. – Quer dizer que fala gaélico irlandês também? Obrigada por ajudar. – Cordelia agradeceu, mencionando os lírios com os quais ele lhe presenteara.

– Escocês e irlandês. E não há de quê. – Fingal Kavanaugh respondeu, sorrindo discretamente. Sua postura humilde e sóbria não tinha nada a ver com o ar desafiador e malicioso de Black, mas também era atraente, à sua maneira. A garota loira já começava a sentir-se um pouco aflita, sem saber como agir junto a um rapaz que mal conhecia e que, agora, encontrava-se ali, sozinho ao seu lado. Quando mais nova, talvez passasse dias sorrindo por conta dessa oportunidade.

– Arranho um pouco do gaélico irlandês. – Cordelia comentou, enquanto continuava a colheita das flores. Fingal a auxiliava, agora ao seu lado, porém de forma a respeitar seu espaço pessoal. A manhã de domingo estava muito bonita. O céu limpo, o sol passando entre as folhagens, formando halos de luz entre as muitas flores que ali cresciam, iluminando a floresta de forma etérea.

– Acho curioso você ter dito que achava estar sozinha. – Kavanaugh comentou, olhando ao redor, estudando uma árvore próxima de si. Interrompeu a colheita para prestar atenção na planta específica. Passou as mãos pelo musgo que havia no tronco, e fechou os olhos, murmurando consigo mesmo. Suas sobrancelhas franziram-se levemente, e Cordelia podia sentir a força do feitiço celta que ele proferia, fazendo seu sangue fluir mais rápido por seu corpo, o formigamento em seus poros indicando que seus sentidos abriam suas percepções para o encantamento feito perto dela. Lia percebia que ele tentava reconhecer a magia que fluía pelos elementos que residiam naquele ser vivo, algo que os bruxos celtas conseguiam por instinto. Em seguida, imaginou Grace e Phyllis rindo do que elas considerariam um comportamento muito excêntrico. Provavelmente falariam algo como: “gato, mas completamente maluco”.

– Por que é curioso eu ter julgado que estava sozinha? – Cordelia sussurrou, sem querer interromper o encantamento de Fingal, mas percebendo a linha de raciocínio dele.

– Bem... Como uma bruxa celta como você poderia estar sozinha... Em um ambiente como esse? – Fingal Kavanaugh abriu os braços de forma afável, mencionando a maravilhosa floresta que havia ao redor do castelo de Cordelia, agora afastando-se da árvore e aproximando-se da garota loira. Sorria um sorriso discreto, seu semblante calmo como sempre, mas Lia sentiu algo esquisito no ar.

– Disse que falava um pouco do meu idioma. – Fingal disse, lembrando, caminhando lentamente até ela, suas mãos nos bolsos de suas calças campesinas. Sua postura lembrava muito alguém, e aquilo a perturbou.

– Quase nada. – Lia admitiu, humilde, reparando na linguagem corporal do rapaz, sem saber como reagir. Sentiu certa vontade instintiva de recuar.

An chailín álainn. – Fingal falou, e Cordelia sentiu seu coração descompensar em seu peito.

– “A bonita moça”. – Lia traduziu, abalada. Piscou os olhos, surpresa. Fingal a encarava com a mesma conduta tranquila e inofensiva, mas Cordelia agora duvidava daquela postura. Percebia algo diferente na forma com que ele a olhava.

– É o nome de uma canção irlandesa. – Ela respondeu, timidamente.

– Só de uma canção? – Fingal Kavanaugh respondeu, entre o cínico e o simpático.

Cordelia não respondeu. Não sabia o que fazer. Apenas segurava os lírios do vale que colhera em suas mãos, na frente de seu colo.

O rapaz de cabelos entre o loiro e o ruivo se aproximou dela, levantou seus dedos da mão direita e tocou seus lábios, olhando-os com cuidado. Cordelia, boquiaberta, não reagiu. Apenas encarou o claro desejo que havia em seus orbes de um azul tão claro, encarando sua boca como se a estudasse.

Em seguida, Fingal decidiu por ela.

No segundo seguinte, o rapaz já havia lhe puxado para seus braços, suas mãos firmes e fortes a segurando pela cintura. Instintivamente, Cordelia fechou seus olhos, sentindo os lábios do bruxo celta explorando os seus, sua pele sensível ao redor de seus próprios lábios roçando na barba do rapaz, em uma sensação ao mesmo tempo agradável, sensual e libidinosamente selvagem.

Não esperava por aquilo. Por que um rapaz de vinte anos sequer desejaria uma garota nova como ela? Como ele podia ser tão ousado, a agarrando na floresta ao redor de sua própria casa?

Ousado...

A imagem de um conhecido rosto masculino formou-se na mente de Cordelia, fazendo seu coração retumbar dentro de seu peito. Lia lembrou dos olhos de Sirius Black, seu brilho castanho esperto e malicioso. Tentando devorá-la com o olhar.

De imediato, afastou-se de Fingal, interrompendo o beijo e arregalando os olhos para ele. Recuou alguns bons passos, mais confusa do que já estava antes do feriado.

– Aconteceu alguma coisa? – Kavanaugh perguntou. Entretanto, não parecia abalado. Sequer surpreso. Sua condição tranquila era, aparentemente, inabalável.

– Muita coisa! Que ideia foi essa? – Lia perguntou, indignada, sentindo as bochechas arderem. Depositou sua raiva em Fingal, sem admitir que ela era oriunda da imagem que acabara de recordar, a impedindo de beijar o rapaz por quem já tivera uma queda no passado.

– Sua mãe me disse que você terminou seu namoro no último Yule. – Fingal comentou de forma calorosa e honesta.

– E o que isso tem a ver?! – Cordelia falou agudo. – Isso justifica esse tipo de... De... Comportamento?! – Lia parecia sua própria mãe falando.

Fingal riu gostosamente. Cordelia MacLearie contemplou o belo sorriso do rapaz, ainda se recuperando das últimas loucuras que acabaram de acontecer.

– Sabe... Para uma bruxa celta, você é um tanto conservadora. – Kavanaugh respondeu, sua voz plácida não fazendo jus as suas palavras com um significado malicioso.

– E para um convidado, você é um tanto sem noção. – Lia respondeu, mordaz, de imediato. Fingal riu novamente, se divertindo de verdade. Em seguida, colheu mais alguns lírios para Cordelia, e lhe fez uma reverência em despedida.

– Se estou desagradando-lhe – o rapaz falou com uma expressão de quem não acreditava no que dizia – vou me retirar e voltar para a companhia de meu Clã. Sinto muito pelo incômodo. – Kavanaugh sorriu contrito e lhe fez uma reverência educada, guardando a varinha no bolso de suas calças campesinas.

– Tenha um bom dia. – Lia respondeu, dando-lhe uma reverência menor, apenas movendo seu rosto. Ainda indignada com a postura incoerente de Fingal, descarregou sua frustração nele. Sabia que se sentia irritada não apenas pelo gesto brusco do rapaz irlandês, algo que, na verdade, a lisonjearia, talvez. Aquilo a tirara do sério, porque, de certa forma... Algo não parecia certo.

Como se não fossem os lábios dele que queria provar.

– Você também. – O rapaz desejou de volta, acenando com polidez. – Cordelia. – Fingal a chamou por seu nome pela primeira vez em alguns anos, e as mãos de Lia tremeram.

– Nos vemos no Lughnasadh. Pena que não frequentará o Beltaine em Donegal. – O rapaz acrescentou, sua expressão doce a própria imagem do cinismo. – Tenho certeza de que aproveitaríamos muito. – Ele se despediu, afastando-se rapidamente pela densa vegetação da floresta.

A garota, ainda boquiaberta, fechou as mãos em punho, incrédula. A última visão que teve, dele, durante aquele domingo, foram de seus cabelos da bela tonalidade entre o loiro e ruivo se perdendo em meio as folhagens muito verdes.

O Beltaine era um dos sabbats da roda do ano celta, celebrado no dia primeiro de maio, que significa “fogo brilhante”, em alusão a um antigo festival irlandês de fertilidade, quando fogueiras eram acesas sobre as colinas em honra ao Deus Bellennos. Simboliza a metade da primavera, e os bruxos celtas mais liberais comemoravam a data homenageando a fertilidade da forma mais literal possível... Quando, juntos, em meio as fogueiras comemorativas, tinham relações carnais até o amanhecer.

Grace, por Merlin, me tira daqui. Agora.

Cordelia pensou, e escondeu o rosto nas mãos.

***

Ao alcançar a segunda-feira da semana seguinte, após a despedida na noite de domingo dos Kavanaugh, Cordelia intimamente agradeceu o que provavelmente seria, finalmente, seu tempo de descanso no feriado.

Chega de confusões. Minha cota já está cheia.

Depois do incidente na floresta próxima do castelo do Clã MacLearie, Lia evitou todo o tipo de contato possível com Fingal, sequer olhando nos olhos do rapaz irlandês. Foi educada com o resto dos irlandeses, atenciosa e uma ótima anfitriã, mas fingiu que o rapaz não existia pelo tempo que lhe restou de visita à sua família. Percebeu que ele respeitou sua postura, e não tentou maiores avanços durante a estadia no castelo escocês de Lia.

Depois do almoço no qual se despedira de suas irmãs com muitos abraços apertados, Cordelia cumpriu a missão de aplacar o choro de Mairéad. Sua meiga irmãzinha pedira, aos prantos, para que não fosse e ficasse mais uma semana com elas, e até mesmo Lia e Guinevere ficaram com os olhos marejados pela demonstração de saudades antecipada da menina. Bairbre foi firme, sorriu-lhe em despedida e prometeu-lhe cuidar da caçula e da mãe das três irmãs MacLearie, bem como dos elfos domésticos. Lia sempre ficava emocionada ao ver o crescimento de suas irmãs, e o amor fraterno infinito que havia entre elas três.

Por último, despediu-se de sua mãe, que lhe deu vários beijos na bochecha, no rosto, nos cabelos. Guinevere não gostava de demonstrar as emoções, mas não lidava bem com despedidas. Depois de muitos afagos, sua família finalmente a liberou, e Lia pegou um pouco de pó de flu que havia dentro de um recipiente no batente de uma das lareiras do castelo, feita de pedra escura, localizada no salão de jantar.

– Chalé dos Macbeth, Condado de Dorset, Ilha de Purbeck, Inglaterra. – A garota loira falou com clareza ímpar, e adentrou as chamas de tonalidade esverdeada, bruxuleando altas dentro da lareira.

Em segundos, Lia deu um adeusinho com as mãos para sua família, e passou a rodopiar. Manteve os cotovelos bem presos, junto a seu corpo, apertando consigo o malão de Hogwarts bem rente em meio às suas pernas. Fechou os olhos, sabendo a tontura que a esperava. Quando julgou que passaria a vomitar pelos rodopios incessantes, enfim seu corpo parou aos poucos de se movimentar.

Respirando fundo, antes de abrir os olhos, ouviu uma voz feminina falar agudo:

– LITTLE LIA! – Cordelia abriu os olhos, já sorrindo de antemão pela voz meiga que reconhecia. Grace já viera em seu encalço, e a puxara para fora de sua lareira, ajudando-a a levar sua mala. Logo em seguida, por trás dela, Cordelia pôde ver o rosto de Regulus aparecer acima dos ombros de Macbeth.

– Olá! – Ele saudou a amiga da forma cortês e um tanto tímida que lhe era comum. Cordelia respondeu o cumprimento, limpando de sua blusa crop top os restos de pó de flu e cinzas velhas. Ajeitando sua saia, saudou Reg, saindo com o máximo de elegância que conseguia de dentro do espaço apertado da lareira, enquanto Grace a puxava pela mão esquerda. Os saltos de suas botas curtas bateram no piso de madeira do chalé, e Lia sentiu imediatamente o cheiro de maresia vindo de uma das janelas ao lado da porta da sala de estar, que dava de encontro a praia.

Grace Macbeth morava em uma região litorânea afastada, em uma praia de difícil acesso, com inúmeros feitiços anti-trouxas para garantir sua privacidade. De vez em quando, alguns barcos pesqueiros incautos iam parar lá, mas a força dos feitiços levava a correnteza a encaminhá-los para outra área não-mágica.

O condado de Dorset era uma região do sudoeste da Inglaterra, na qual se localizava uma península – erroneamente chamada de ilha -, repleta de praias e de clima brando em comparação ao resto da Grã-Bretanha. Próxima à casa de Grace, havia um pequeno povoado bruxo, também protegido por magia anti-trouxa. Havia ali um pequeno mercado, especializado em frutos do mar e produtos pesqueiros, alguns artefatos litorâneos mágicos e um modesto hospital bruxo, ocupado por curandeiros recém-formados. A região tinha tudo a ver com a personalidade animada, agradável e vibrante de Grace.

Mas não era apenas pela bela vista e localização afastada do mundo trouxa o motivo para que morassem ali. Era algo um pouco mais... Difícil do que isso.

– Ah... Sua avó e sua mãe estão? – Lia perguntou, enquanto Regulus se encarregava de fazer levitar o malão de Cordelia e levá-lo para o quarto de hóspedes, escadas de madeira acima.

– Não. – Grace falou, ainda sorrindo, mas Cordelia percebeu uma centelha triste em seus belos olhos castanhos. – Voltam mais tarde! Estão doidas para te ver! – Lia decidiu não fazer mais perguntas a respeito, por consideração à sua amiga. Aquele era um assunto muito delicado.

E, pelo visto, Regulus estava lidando bem com isso. Temia encontrar Grace preocupada, com medo de que seu namorado, talvez... Não fosse compreender.

Ou se assustar.

– Vamos aproveitar a praia, então. Está ventando um pouco, mas o mar está ótimo! – Grace Macbeth falou, empurrando Cordelia escadaria acima, para que pudesse se trocar no quarto de hóspedes.

– Espero aqui. – Regulus Black falou, brincando, dando um tchauzinho com as mãos como se quisesse dizer que ainda estava lá, pedindo atenção.

Ao subir até o quarto de hóspedes, reviu a cama de solteiro decorada com vários lençóis e cobertores cor de rosa, cercada de paredes brancas com adesivos de flores delicadas colados em pontos decorativos. Ao lado de uma única e ampla janela com cortinas cor de rosa, havia uma pequena penteadeira de madeira pintada de branco, bem como uma cômoda antiga com puxadores de ferro e desenhos florais nas gavetas. Esse quarto da casa de Grace parecia digno de uma casa de bonecas.

Grace prostrou-se na frente do espelho da penteadeira, ajeitando seus cabelos e tirando as roupas que usava, um vestido tomara que caia lilás com estampas de pequenos pássaros brancos e suas roupas íntimas rendadas de um tom muito branco, sem o menor pudor. Remexeu em uma das gavetas da cômoda e tirou de lá um biquíni no feitio navy, azul e vermelho, com estampas de pequenas âncoras em azul em um fundo rubro. Vestiu-se rapidamente, colocando o vestido por cima, e tirando de cima da penteadeira um chapéu de palha comprido que ficava muito charmoso em seu rosto feminino e mimoso.

Cordelia pediu sua ajuda para amarrar o laço do biquíni em sua nuca, o seu também vermelho, com bolinhas brancas, levantando seus cabelos loiros para facilitar o trabalho de Grace. Enquanto a ajudava, Macbeth perguntou:

– Lia... Fala a verdade. – Grace foi direta, o que não era de seu feitio. Gostava de enrolar, até chegar no ponto que queria, de forma a distrair seu interlocutor. – O que está acontecendo com a Lis? – A voz doce de Macbeth parecia ter um tom pesado de preocupação.

Cordelia voltou-se para ela, devagar, calculando as palavras. Abriu seu malão, que repousava do lado esquerdo de onde Grace se encontrava parada. Foi logo buscando dentro dele um vestido de praia, uma peça de roupa singela, branca, feita de crochê.

– Eu não sei. Ela não quer me falar. – Lia usou seus melhores dotes de atuação. – Mas eu não quero me afastar de nenhuma de vocês. – Ela acrescentou, séria, vestindo o vestido por cima da cabeça e fechando a mala.

Grace caminhou até a porta, e a abriu para ela e a amiga.

– Sabe, em algo eu concordo com ela. – Macbeth falou, sem mais sorrir. – Tem algo que você está escondendo da gente. – Grace falou astutamente, fazendo um biquinho e levantando uma sobrancelha, em seguida.

Cordelia a seguiu escada abaixo, e fez o melhor esforço que pôde para distrair a amiga. Com Grace era mais fácil; Macbeth adorava falar de si mesma, então Lia sabia de alguns assuntos principais que a distrairiam.

Passaram a tarde conversando sobre as agências de modelo bruxas que queriam fechar contrato com Grace, sobre como fora divertida a semana do casal junto a família Black – algo que Lia não acreditou de forma alguma -, tomando sol, caminhando pela praia, catando conchas, e, em determinado momento, construindo castelos de areia com as próprias varinhas. Cordelia aproveitou o final de tarde para nadar, algo que adorava fazer. A água tinha um notório efeito relaxante sobre seu corpo e sua alma; Lia sentia-se muito protegida dentro dela, em paz, como se nada pudesse atingi-la. Aproveitou para nadar para muito longe, além da arrebentação, só voltando para a areia quando Grace passou a lhe chamar a altos brados, preocupada.

Assistiram o pôr-do-sol da praia, escondendo-se em alguns pequenos morros próximos. O vento estava soprando mais e mais, e o trio dirigiu-se para o chalé. Dividiram o tempo para que cada um tomasse banho, e, de noite, Lia e Grace foram cozinhar juntas, sendo ajudadas por Regulus, que não levava lá muito jeito para isso. Prepararam, com a ajuda de suas respectivas varinhas, um peixe assado com batatas, cenouras e brócolis amanteigado. Um prato simples, mas que rapidamente passou a cheirar de forma convidativa.

A noite já havia começado há muito quando a mãe de Grace e sua avó chegaram.

– Mamãe! Vovó! – Grace correu para abrir a porta para elas.

A cena que Lia viu fê-la testar os limites de seu auto-controle.

A avó de sua amiga, uma mulher de idade avançada de cabelos grisalhos e olhos azuis escuros, não era em nada parecida com sua neta. A idosa era um tanto gorducha, porém forte e saudável, e, naquele momento, puxava pelo braço sua filha, Maise Macbeth.

A mãe de Grace.

Maise levantou os olhos para sua filha, sua aparência estonteantemente igual a da bela amiga de Lia. Seus olhos castanhos iguais aos de Grace mostraram uma expressão confusa, como se não entendesse o que estava acontecendo.

Em sua época, Maise Macbeth fora uma das mulheres mais belas de todo o Reino Unido. Seus longos e sedosos cabelos castanhos constrastando com suas sardas delineadas em seu rosto de traços harmoniosos e proporções perfeitas, seus grandes olhos castanhos e suas feições de menina-mulher, bem como seu corpo sinuoso e chamativo, as medidas equilibradas em uma cintura muito fina e a pele alva como mármore, sem nenhum defeito reparável. Suas sobrancelhas grossas se destacavam em seu rosto tão delicado, mas tinham o desenho em perfeita harmonia com suas feições, dando-lhe um ar exótico que apenas contribuía com sua linda aparência. A mãe de Cordelia era inegavelmente bonita, e tinha o charme de uma perfeita lady da alta sociedade bruxa, mas a mãe de Grace era um caso a parte, como sua filha.

A beleza delas era fora do comum.

Ao longo de sua vida, Maise vencera cinco concursos para eleger a Miss Bruxa da Grã Bretanha. Era uma celebridade, apesar de não ter nascido em uma família rica ou de sangue perfeito. Na família Macbeth haviam alguns mestiços e amantes de trouxas em sua árvore genealógica.

Ao receber tamanho reconhecimento, muitos bruxos a desejaram. Políticos e poderosos a queriam como esposa. Há boatos de que Maise já fora pedida em casamento pelo próprio Ministro da Magia em sua época de juventude, mas recusara. Tinha vários amantes, deitava-se com vários homens, e pregava a ideia de amor livre. Inclusive, quando engravidara de Grace, não soube reconhecer quem era o pai, tendo em vista que estava solteira na época e relacionava-se com inúmeros homens. Depois de seu nascimento, manteve sua postura liberal, mas sempre foi uma mãe amorosa e exemplar.

Maise era a favor da liberação feminina, em todos os sentidos. Usava sua fama como uma forma de lutar contra o machismo que havia na sociedade bruxa; não temia o divórcio ou a famigerada má pecha que levava por ter pensamento independente. Por conta disso, todos os seus casamentos foram fracassados. Alguns homens, que apenas a desejavam, não suportavam sua insubmissão. Outros, que a amavam, também não conseguiam lidar com sua independência, e fora ela mesma que pedira o divórcio. E, em todos os seus casamentos, recusou-se a deixar de usar seu nome de solteira.

O qual Grace Macbeth herdou.

Quando a linda amiga de Cordelia tinha por volta dos cinco anos de idade, durante o último casamento de Maise Macbeth, ela presenciou uma briga entre sua mãe e seu padrasto da época. Durante a discussão, Grace testemunhou a mãe pedir em meio a gritos e impropérios o divórcio, e seu padrasto, enfurecido, lançou uma maldição das trevas contra sua mãe, que desmaiou na hora. A amiga de Cordelia, sem saber como reagir e mal controlando sua magia, não pôde interceder, apenas chorou desesperada e correu em direção à sua mãe. Arrependido de imediato, o homem levou a mãe de Grace e a menina para o St. Mungus, o mais rápido que pôde.

Seguiram-se dias, e Maise não acordara. Sua avó cortou todo o contato que a menina tinha com o padrasto, e foi a responsável por manter Grace perseverante na melhora da mãe. Após a espera angustiante, o curandeiro-geral do hospital lhes deu a notícia: Maise se recuperara. Voltaria a ser quem era, estava acordada.

Mas haveria sequelas. Para sempre.

Que tenderiam a piorar ao longo dos anos, enquanto sua mente e seu corpo envelhecessem cada vez mais.

Assim, o padrasto de Grace, que tentara fugir das autoridades, fora preso. Cumprira pena de cinco anos em Azkaban, ele mesmo desenvolvendo uma grave doença mental depois da estadia. Grace Macbeth jamais falara com ele, e nem pretendera, desde que o homem atacara sua mãe.

Com o tempo, Grace se acostumou com a doença da mãe, causada pelos efeitos nocivos e irreversíveis do feitiço das trevas. Esse era um dos motivos pelos quais jamais tivera vontade de aprender as artes das trevas, e mantinha distância delas. E, por isso mesmo, sempre apoiara a magia benigna e construtiva de Cordelia, interessada nos poderes celtas.

Talvez, imaginando que um dia Lia descobrisse uma forma de curar sua mãe.

– Maise, sua filha falou com você. – Colette, a avó de Grace, falou de forma maternal com sua filha, ajudando-a a entrar dentro de casa, segurando-a pelo braço.

– Não tem problema. – A garota de cabelos castanhos respondeu, mantendo o mesmo sorriso luminoso. – Sei que ela está feliz de nos ver. – Grace deu o braço para sua mãe, que passou a apoiar-se nela, e não mais em sua avó.

Cordelia sentiu seu coração se partir em pedaços. A mãe de Grace tinha uma espécie de doença mental, adquirida após a maldição das trevas que atingira diretamente seu cérebro, que, por vezes, a fazia parecer alheia a tudo e a todos ao seu redor. Esquecia quem era, esquecia quem era sua filha, esquecia quem era sua mãe... Esquecia-se de como falar. Em outros momentos, imprevisíveis, poderia ter alucinações, e precisava ser acalmada com feitiços e poções, sua magia incontrolável ameaçando todos ao seu redor. Ela já testemunhara alguns episódios do gênero, mas Grace, que era avessa a demonstrar suas emoções e escondia-se sob uma fachada muito bem construída de sorrisos e simpatia, preferia evitar que seus amigos tivessem contato com sua mãe.

Lia sabia que ela o fazia para protegê-la.

Logo, Grace ajudou sua mãe a sentar em um meigo sofá de dois lugares, com um confortável estofado verde que contrastava de forma bela com a sala toda decorada em madeira.

– Está com fome, mamãe? – Grace perguntou. – Fiz linguado. Seu peixe preferido. – Ela falou com doçura.

Sua mãe apenas encarou-a.

– Linguado. – A mãe de Grace repetiu debilmente, sua condição de atraso mental não combinando em nada com sua beleza estonteante.

Cordelia segurou as lágrimas, enquanto entrava na cozinha junto com a avó de Grace. Colette tinha as feições leves, feliz por ter companhia. Lia olhou para trás e reparou no olhar de Regulus, encarando Grace, sério. Os olhos dele tinham um brilho determinado que impressionaram Lia. Como se, pela expressão que fazia, Cordelia conseguisse perceber que ele sabia que Grace estava sofrendo, e faria de tudo para protegê-la.

A noite passou, e todos jantaram juntos. Por pura sorte, Maise tivera um dos momentos de sobriedade de sua doença, como se acordasse de um torpor. Emocionada, abraçou Grace, falando que sentira saudades de sua filha, e pediu desculpas por todo o transtorno que causava, mesmo que não fosse culpa sua. Regulus e Lia se afastaram, dando privacidade à filha, mãe, e avó, enquanto aquele abençoado momento durasse. Não demorou muito, e, enquanto conversava com Regulus no andar de cima, admitindo sobre como Grace era realmente uma das pessoas mais fortes que conhecera, ouviram gritos e estrondos no andar debaixo. Reg fez menção de descer correndo, mas Lia o segurou pelo braço.

– Deixe-as. Elas sabem como lidar com isso. – Cordelia manteve a privacidade da família. – Se precisarem de nossa ajuda, vão chamar.

Cordelia e Regulus ficaram, por alguns minutos, em um silêncio triste. Puderam ouvir Grace falando, chorosa, “não, mamãe, a faca não é uma cobra, não vai te morder...” enquanto passos apressados corriam de um quarto a outro, no andar debaixo, e, aos poucos, os gritos desesperados cessaram. Aguardaram mais algum tempo, e então, desceram.

A mãe de Grace estava novamente sentada no sofá que descansara inicialmente antes do jantar. Seu rosto pendia para um de seus ombros, adormecida por provavelmente o efeito de alguma poção tranquilizadora.

– Venham comer a sobremesa, crianças. – Colette falou, forçando um sorriso, e Grace sorriu genuinamente para o namorado e sua amiga. Ambos acompanharam as duas, e tentaram conversar sobre amenidades. Regulus estava se dando muito bem com a avó de Grace, que aparentemente aprovava o namoro.

Tarde da noite, depois de tomarem chá e distraírem-se com conversas divertidas sobre o passado da mãe de Grace e de sua avó, Maise acordou, chorando um pouco, querendo que a ajudassem a achar o caminho para sua cama. Grace prontamente se levantou, e, dessa vez, Regulus se ofereceu para ajudar. Ambos auxiliaram Maise a subir as escadas, e, alguns minutos depois, retornaram.

– Boa noite, meninos. – Colette se despediu, dando um beijo carinhoso nos cabelos de sua neta, e saudando Reg e Cordelia com um aceno de cabeça. – Divirtam-se. Tentem só não fazer muito barulho. – Ela disse, e todos compreendiam a razão do pedido.

Depois que sua avó retirara-se para dormir, Grace serviu aos amigos generosas porções de cerveja amanteigada que sua avó gostava de bebericar de vez em quando, e o astral do grupo logo melhorou. Jogaram poker bruxo, e saíram para passear pela praia à noite, usando feitiços para aquecer seus corpos do vento frio que soprava. Já muito tarde, Regulus percebeu que as amigas ainda não queriam dormir. Depois, decidiu se despedir das duas, dando um abraço em Lia e um beijo carinhoso em sua namorada, subindo silenciosamente as escadas até o quarto de Grace.

Enfim sozinhas, Lia chegara ao momento que mais temia. A língua de prata de Grace e seu jeito escorregadio que sempre conseguia o que queria.

Sua amiga fez um biquinho e depois deu-lhe um sorriso com os lábios fechados, como se controlasse a própria empolgação.

– Fofocas! – Grace falou, sussurrando alto. – Conte-me tudo! – Macbeth ordenou.

– Bem... Eu não tenho nada para contar. – Cordelia falou, sentada em uma poltrona de palha na varanda da porta de entrada da casa de Grace. Olhavam para o mar, enquanto algumas velas iluminavam os arredores. – Mentira. Tenho sim. – Lia lembrou de algo que poderia ajudá-la a se safar.

– Eu sabia. Conta. Agora! – Grace quicou na cadeira de balanço que estava sentada, indo para frente e para trás.

– Lembra daquele ex-aluno da Corvinal, irlandês, uns cinco anos mais velho do que a gente? – Lia falou, mencionando Fingal Kavanaugh, franzindo a testa ao lembrar do que ele fizera no dia anterior. Grace tinha as feições inquisidoras, como se não entendesse de quem estava falando.

– Aquele que tocava harpa. Meio ruivo, meio loiro. Olhos azuis... – Cordelia rolou os olhos, vendo que Grace não reconhecia quem era pela descrição.

– ...Aquele que você dizia que, pelas mãos grandes e pelos músculos, devia ter um pau enorme. – Lia falou grosseiramente, sentindo suas orelhas ficarem quentes.

Grace jogou a cabeça para trás, seus cabelos caindo até sua cintura, se balançando na cadeira, e riu longamente. O som da risada verdadeira de sua amiga, tão genuína, foi muito agradável para Lia. Era bom ver que ela estava finalmente relaxando, mesmo com tanto sofrimento familiar.

– Agora lembrei! – Grace exclamou. – O tal do Fergal? Fingus? Figo? – Ela levantou uma sobrancelha.

– Fingal. – Cordelia corrigiu. – Esse mesmo.

– O que você fez, sua safadinha? – Grace falou, debochando e sorrindo largamente. – Nossa princesinha celta foi deflorada nesse feriado? – Macbeth perguntou, e Lia imediatamente lembrou da forma maliciosa com que Fingal se referira ao Beltaine.

– Claro que não, sua louca! – Lia riu, incrédula. – Eu estava colhendo flores, quando ele surgiu do nada e me agarrou. – MacLearie explicou, ela mesma não acreditando no que dizia.

– Como assim? – Grace exigiu mais detalhes. – Você tá que tá, hein, Little Lia?! – Macbeth bateu palmas a incentivando. Depois de explicar em detalhes como fora a cena do beijo e o contexto, Grace rindo bastante em algumas partes, dizendo “isso é a sua cara mesmo” nos momentos em que Cordelia não soube como reagir, a amiga enfim deu seu parecer final.

– Se joga, cai dentro! – Grace Macbeth falou descontraída, lembrando um pouco o linguajar mais vulgar de Phyllis. – Esse cara é lindo. Se ele tivesse me dado moral, não ia sobrar um restinho de harpa sequer para contar história. – Grace falou honesta.

– Acontece que ele mora em outro país. – Lia falou, rejeitando a ideia. Mas sabia que esse não era o real motivo de não querer ter algum tipo de envolvimento com Fingal.

– Little Lia... Já chegou a hora de você se soltar. A Lis tem razão. – Grace falou no nome da outra melhor amiga, e sua expressão murchou um pouco. – Tem certas coisas que temos de aproveitar, arriscar mesmo.

– Estou vendo que você e o Regulus estão muito bem. – Cordelia tentou mudar de assunto. – Fico muito feliz com isso. E você... Já “aproveitou o Beltaine” com ele? – Lia fez a piadinha e Grace riu.

– Boba, há muito tempo. – Grace sorriu, e a garota loira arregalou os olhos. Sabia que já tinham concretizado aquele tipo de ato, mas não sabia que tinha sido tão cedo assim. – Antes de namorarmos. Ele surpreendentemente manda muito bem. O melhor que eu já tive. – Macbeth suspirou. Aquilo era considerável, considerando que a garota de cabelos castanhos perdera a virgindade no segundo ano da escola, tendo inclusive se relacionado com um bruxo que tinha o dobro de sua idade quando tinha catorze anos.

– Lia... – Cordelia reparou no tom de voz de Grace Macbeth, subitamente mais sério. Ela estava outra vez preocupada. Sabia que não teria como fugir daquilo. Só lhe restava mais uma arma.

– Você acha que a Lis gosta do Reg? – Grace perguntou, e seus olhos não admitiam uma fuga da resposta. Não poderia dizer que Lis sentia algo por Regulus, porque isso poderia fragilizar a amizade das duas, e não faria sentido, pois Phyllis, do jeito que era, teria manifestado interesse antes. Ela não era do tipo tímida. E jamais poderia falar-lhe a verdade a respeito.

– Grace, eu realmente não sei. Mas eu tenho algo para te contar. – Lia dediciu. Finalmente tiraria aquele fardo dos ombros. Era agora a hora.

Era o momento de colocar uma das suas maiores amizades à prova.

– O quê? – Macbeth parecia assustada. Grace deveria ter percebido o tom grave na voz de Cordelia. Até parara de se balançar na cadeira.

– Eu estou... Não sei o que eu estou fazendo, aliás... Eu acho que eu estou... Ficando... Com um cara há um mês, mais ou menos. Não todos os dias, mas... É, é isso. – Cordelia explicou mal e porcamente.

– Que cara? – Os olhos de Grace estavam arregalados e seu sorriso amplo em seu rosto, faminta pela notícia. – Eu sabia que tinha homem nessa história. Sabia! – A amiga parecia ter desistido de perguntar sobre Lis, e Cordelia continuou.

– Você o conhece. – Lia respondeu, nervosa. Sentia seu coração batendo loucamente dentro de seu peito, descontrolado. Sua respiração estava rápida, e Grace percebia o nervosismo da amiga.

– Ai, Lia, o que você aprontou... – Grace não sabia se continuava a rir ou se ficava angustiada também.

Cordelia manteve-se em silêncio. Olhou para as ondas do mar que quebravam próximas, depois da maré ter subido. Depois, encarou suas mãos. Sentia-se muito, muito estúpida.

– Fala logo quem é. Sério. Prometo que não conto para ninguém. – Grace Macbeth falou. – Eu juro, Little Lia. – Sua amiga de anos falou, assertiva.

Cordelia respirou fundo.

– Sirius Black. – Ela falou, como se largasse um peso árduo de carregar.

A reação de Grace fora simplesmente impagável.

Macbeth encarou Cordelia, levantando o dedo indicador, e parando segundos no meio do gesto que realizaria. Depois o colocou em seu queixo. Em seguida, piscou seus olhos repetidas vezes, franzindo as sobrancelhas. Seu sorriso nervoso sumiu de seu rosto, enquanto ela olhava para a amiga parecendo não entender.

– Sirius... Black? – Grace perguntou.

– Sirius Black. – Cordelia falou, entre dentes, como se a culpa de tudo isso fosse apenas do rapaz. A raiva que sentia dele e dos sentimentos controversos que já sabia nutrir por ele apenas aumentou ao falar seu nome outra vez.

– Sirius Black? – Grace perguntou de novo.

– Sirius Black! – Lia voltou-se para Grace, irritada.

A amiga de Cordelia fez uma expressão esquisita. Primeiro, seus lábios se crisparam, para depois soltar o ar em um barulho de estalo ridículo. Em segundos, estava gargalhando, mal conseguindo conter o volume de suas próprias risadas.

– Sua babaca! – Lia reclamou, mas passou a rir também. Era melhor do que chorar.

– Little Lia... E eu que te julgava inofensiva... – Grace não conseguia parar de rir. – As pessoas me chamam de sonsa, mas você, toda virginal, está se agarrando por aí com o cara mais gostoso de toda a escola? Mil pontos para a sonserina! – Ela imitou a voz de Dumbledore, e Lia começou a gargalhar também.

Subitamente, Cordelia se lembrou de um detalhe importante. A hedionda briga entre os Black, durante o último jogo de quadribol entre grifinória e sonserina. Será que Grace a consideraria uma traidora por estar aos beijos com o irmão de Regulus, que o atacara deliberadamente inúmeras vezes naquela partida do esporte?

– Grace... Eu não sei o que deu em mim. Não sei, foi algo muito instintivo. – Cordelia explicou. – Eu sei que ele é um babaca, mas... – Ela parecia se desculpar.

– ...Lia. O que deu em você se chama tesão. – Grace a orientou, ainda rindo. – Algo completamente normal. E que o mala do Latrell, por mais que fosse gato, não conseguia despertar em você. Entendo você pegar ele. Se eu estivesse no seu lugar, faria o mesmo sem nenhum arrependimento. – Macbeth piscou para ela.

Como assim?

– Mas Grace, ele é um cretino, ele atacou o Reg a sangue frio... – Lia xingou Sirius.

– O Regulus me contou porque ele fez isso. – Grace falou, se adiantando, com um tom na voz como se contasse algo secreto para Cordelia. – Black desconfiava do irmão. Que era um Comensal, e queria ver a Marca Negra. Tentou puxar o braço de Regulus, e descompensou quando Reg deu um fora nele. Pelo que eu sei, de vez em quando ele tem esses humores explosivos. Quando crianças, ele não era assim? Você convivia com ele, não lembra? – Macbeth falou.

– Não lembro bem dessa época... – Cordelia franziu as sobrancelhas. – Mas não justifica esse ato de selvageria.

– Não justifica. – Grace concordou. – Acredite, eu fiquei com muita raiva. Eu tenho raiva por esse evento. Aliás, aproveite essa intimidade para dar uma lição nele. – Grace piscou novamente, maliciosa.

– Mas o Reg me contou mais. Detalhes íntimos da vida dele e do irmão... Aparentemente ele era muito protetor com o Reg. Até os pais dele passarem a desprezá-lo por ele ter ido para a grifinória. Regulus não me fala diretamente, mas eu percebo que ele sente muito a falta do irmão mais velho. – Grace Macbeth falou. – Então, se o Reg o perdoou, e se Reg o ama... Eu o perdoo também. – A amiga decretou, de forma doce.

Subitamente a conduta sem noção de Sirius Black passou a fazer algum sentido. Cordelia sentiu algo quente em seu peito. A postura de Sirius com Regulus era muito parecida com a que tinha com suas irmãs... Se Bairbre ou Mairéad debandassem para as fileiras de Voldemort, ela faria de tudo para impedir. Jamais permitiria que suas irmãzinhas corressem riscos assim.

– Sente a falta dele? Como assim? – Cordelia atentou para o detalhe.

– Ué, você não sabe? – Grace levantou uma sobrancelha. – Bem, ele fugiu de casa durante o Natal passado. Mora com os Potter agora. Reg me falou que queimaram o nome e a costura do rosto dele na árvore genealógica dos Black. – Macbeth relatou.

Cordelia piscou algumas vezes, desviando o olhar do rosto de Grace para a areia da praia. Uau. A vida dele é bem mais complicada do que eu imaginava.

– Mas a mãe deles é uma bruxa horrorosa. Falsa até o osso. – Grace adiantou, sorrindo maldosa. – Nós já a conhecemos por festas e tal, você sabe. Mas é diferente na intimidade, na própria casa dela. Tinha que ver o jeito que me olhava, semana passada. Como se eu tivesse roubado algum bem precioso dela.

– Posso imaginar... – Cordelia MacLearie estava sem palavras. Se sentia mais livre por se abrir com uma de suas melhores amigas, mas agora que dissera a verdade, admitira os últimos acontecimentos, apenas os tornava, assim, mais palpáveis.

– Little Lia. Quero que me conte todos os detalhes sobre essa história. – Grace exigiu, sorrindo travessa, balançando a cadeira outra vez. – Mas, antes disso, preciso te falar algo sério.

Cordelia aguardou.

– O irmão de Reg tem fama de arrasa-corações. E ele já pegou muitas meninas da escola. A maioria se apaixona por ele, aliás, ele tem um séquito de apaixonadas que nunca sequer chegaram a tocar num fio de cabelo dele. – Grace falou.

– Aonde você quer chegar com isso? Sabe que estou ciente de tudo o que está dizendo. – Lia falou, fingindo indiferença a respeito.

– Enquanto você estiver apenas se divertindo, aproveite muito. – Grace Macbeth aconselhou. – Mas tome muito cuidado. – Ela disse, séria. – Seria melhor que algumas pessoas da sonserina não viessem a saber disso, como você bem pode imaginar... E, além de tudo, você está em desvantagem.

– Em desvantagem? – Cordelia levantou uma sobrancelha, inquirindo a amiga.

– Está em desvantagem, sim. Porque você é virgem. – Grace falou, séria. – Eu te conheço. Você não vai saber separar sexo de amor. Vai se apaixonar por ele. E eu não quero te ver sofrendo de novo. Não enquanto eu puder evitar. – Grace falou, protetoramente, mencionando o término de Cordelia e Latrell.

– Ah, Grace, sua boba! – Cordelia negou veemente, balançando a cabeça e rindo. Macbeth apenas a olhava, cuidadosamente. – Eu jamais me apaixonaria por alguém como ele. – Lia falou, sua voz firme.

– Que bom, Lia. Fico aliviada. Pois ele é realmente um coração de pedra, pelo que todo mundo fala. – Sua amiga de cabelos castanhos falou, ainda séria.

– Não se preocupe. Eu tenho um gosto melhor do que isso! – Cordelia debochou, rindo, e Grace riu também.

Em seguida, Cordelia contou para a amiga suas desventuras com Sirius Black, desde a primeira detenção de Slughorn até a última. Grace se divertira com os relatos, e jurou manter segredo.

Cordelia MacLearie, ao fim da noite, já estava novamente alegre.

Mas, por um tempo, teve de fingir estar feliz.

Por mais que quisesse negar para si mesma... As palavras de Grace tiveram um efeito severo sobre si. Sentia-se estúpida, idiota, imbecil por tudo isso, mas...

Ao pensar que Sirius jamais teria sentimentos por ela, Cordelia sentiu vontade de chorar.

Renderização maravilhosa feita pela Lune Noire retratando um dos momentos felizes do MacTrio! Essas três são muito lindas! *_*


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Notas finais do capítulo

*Olá. Como está você?
**Eu estou bem, e você?
Tradução do gaélico escocês hahahaha! Comentem, lindas! =D



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