Imortais escrita por kathe Daratrazanoff


Capítulo 3
Lana




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/487047/chapter/3

Lana desceu do carro de Cecília, se sentindo desconfortável. Não imaginava que o vestido ficaria tão justo em seu corpo. Estava linda, claro, de um jeito sexy que parecia irreal. Não se identificou ao olhar no espelho, aquela garota não era ela. Como se não bastasse o vestido e o par de saltos, Cecília ainda a convenceu a passar um batom vermelho escuro na boca e Lana passava a língua nos dentes sem parar, com medo de suja-los com o batom.

Era tão injusto ter que usar uma roupa vulgar quando a própria Cecília usava um vestido comportado. Teria até pedido pra trocarem de roupa, mas vendo que o vestido da amiga parecia mais com uma peça do século XIX retirada de um museu, resolveu ficar quieta. Afinal, as coisas sempre podiam piorar.

— Eu vou estacionar o carro e já volto - Gritou Cecília ainda dentro do carro.

O som estava muito alto e Lana se sentia nervosa. Nunca tinha ido a uma boate assim em seus 17 anos de vida, e não estava psicologicamente preparada pra isso. E se fosse obrigada a beber e usar drogas? Isso não era algo que agradaria seus pais. Por que Cecília tinha que alugar uma casa de festa?

Poderiam ter comemorado em um parque, em um restaurante. Se esquivou de todas as festas do ensino médio pra isso? Pra chegar no final e se render?

—Ah, aí está você -Cecília apareceu, pegando em seu braço.- Vamos entrando.

As duas entraram na boate Do lado de dentro, o local era bem maior do que aparentava por fora. O som estava insurdecedor e um cheiro de erva doce e algo mais embriagador enchia o ambiente de uma forma intimidante.

—Por que você não vai se divertindo enquanto eu resolvo uma coisinha? -Cecília se esquivou, se afastando. -Eu já volto!

— Espera, não... - Sem mais nem menos Cecília desapareceu no meio da multidão, deixando Lana sozinha no meio daquele turbilhão de gente.

—Cisi? Cisi!

Se sentindo claustrofóbica no meio de tanta gente, Lana de dirigiu para um dos cantos e apoiou as costas em uma das paredes. As luzes piscavam, trazendo à tona diversas cores como azul, verde, vermelho, roxo e amarelo.

A pista de dança estava apinhada e o que mais conseguia ver eram pessoas se beijando. Definitivamente, não era a forma que ela imaginou comemorar o último dia de aula.

Antes de entrar no ensino médio, tinha recebido uma proposta pra passar um ano na igreja, estudaria numa catedral religiosa e por pressão dos pais decidiu aceitar. Afinal, o que tinha a perder?

Estudou por meio ano até decidir que não queria aquilo, queria ir para uma escola nornlmal. Ficou com medo da reação dos pais e se não fosse por Cecília nem teria tomado iniciativa. Tinha sido uma experiência e tanto, mas não queria virar freira. Ela tinha a vida toda pela frente, não queria perder tempo em algo que não gostava.

A verdade era que alguns anos atrás não tinha certeza do que queria fazer. Não que as coisas tivessem mudado tanto assim, ainda não sabia o que ia fazer no futuro. Quando saiu do interior pra capital, não esperava que tudo fosse ser tão intenso. Se não fosse por Cecília, não teria tido coragem de decidir largar o 'convento'. Se não fosse por Cecília, nunca teria pensado em sair da cidadezinha do interior e sem Cecília, seus pais nunca teriam aceitado isso. Passou as primeiras semanas dentro do pequeno apartamento alugado, com medo de ser assaltada ou coisa pior. Foi Cecília que a fez sair e tentar ver o mundo lá fora.

Teria se sentido perdida, deslocada e intimidada. Quantas vezes não tinha pensado em desistir e voltar para os braços da mãe? Quantas vezes não quis largar a escola e voltar pra casa? Mas tinha Cecília, que a fez ter coragem e iniciativa. Cecília era o anjo de sua vida.

—Aceita uma bebida? - Alguém sussurrou em seu ouvido, fazendo com que Lana levasse um susto.

—O que? - perguntou, olhando para o copo que estava equilibrado na sua frente. Deveria aceitar uma bebida de um estranho?

Olhou para a pessoa em sua frente teve uma surpresa : era Theo, da escola.

— Ei, Theo, que... surpresa! -Lana praticamente gritou pra ser ouvida. - Não sabia que te encontraria por aqui!

Theo estava meio diferente do que estava acostumada a ver, a começar pelo fato dele estar sem óculos. Ele tinha uma cara alegre até Lana proferir as últimas palavras, que o fizeram ficar constrangido. O silêncio entre os dois estava ficando cada vez mais alto, e Lana decidiu intervir.

– Então, o que te traz aqui? - Lana tornou a gritar perto do rosto dele. - Estou realmente surpresa por te ver aqui!

— Sério? Pensei que não fosse surpresa, já que Cecília disse que você me convidou - ele enfim respondeu, dando ombros. - Não que eu tenha acreditado quando ela disse que você praticamente implorou pra me ver aqui.

Com o rosto todo corado Lana pegou um copo da mão dele e ingeriu de uma vez. Que mal haveria em um copo?

— Eu nem sabia dessa festa até depois da aula, sinto muito – falou, sentindo o líquido descer pela sua garganta. - Tem álcool nisso? Minha garganta...

— Tem um pouco de álcool sim, mas... - Theo tinha a pequena sombra de um sorriso no rosto. -eu não teria recomendado esse copo.

Lana devolveu o copo pra ele, e Theo retribuiu com um olhar de pura diversão.

— O copo que você acabou de beber era o meu. Esse - ele explicou, mostrando o outro copo que segurava - era pra você. Espero que não tenha tiques de saliva, porque eu coloquei a boca nesse copo que você acabou de tomar.

Lana não sabia o que dizer. Seu rosto parecia queimar de tanta vergonha, mais uma vez. Era por isso que não gostava de Theodor, ele tinha o dom de constrange-la com tão pouco.

— Eu sinto muito. Eu não quis...

— Deixa pra lá - Ele disse, colocando o copo cheio na mão dela. - divirta-se. Só não vomite em cima de alguém.

Theo piscou pra ela e se afastou. Lana sentiu a queimadura do rosto ir pra sua garganta e começou a tossir. Todo o seu corpo doía e a temperatura subia cada vez mais. Sentiu o estômago dilatando e instantes depois vomitou no chão.

Saiu dali sob olhares de nojo de alguns e fitou o copo que Theo tinha deixado pra ela, precisava tirar o gosto ruim da boca. Cheirou o copo, tentando identificar o que tinha nele, mas só sentiu um cheiro doce. Bebeu de uma vez e o alívio trazido por aquele líquido em seu corpo foi instantâneo.

Depois de esvaziar o copo começou a caçar aquela bebida, uma de cor rosinha com aquele cheiro maravilhoso. Um copo virou dois, três, quatro, e ela foi bebendo tanto que chegou a perder a conta.

Se sentindo mais solta, foi em direção à pista de dança e começou a dançar. Era uma sensação maravilhosa que sentia.

A música era intensa, e Lana se esqueceu por um momento da timidez e da vergonha que era estar ali no meio de tantas pessoas, dançando e pulando.

Foi quando percebeu um corpo se movendo atrás dela e se virou, assustada, se deparando com o mesmo garoto da sua aula de educação física.

—Com licença? - Lana pediu.

Sabia que o nome dele era Caius e que mais faltava do que aparecia na escola. Pelo visto, Cecília tinha mesmo convidado qualquer um. O loiro passou as mãos ao redor da cintura de Lana e continuou dançando, ignorando a carranca no rosto dela. Podia estar meio bêbada mas nem tanto.

— O que está fazendo? - Lana perguntou, irritada.

Ele sorriu, mostrando dentes perfeitos e brancos.

—Estou dançando. O que mais acha que estou fazendo?

Lana tentou se soltar dele mas parecia não estar fazendo força nenhuma. Os braços dele pareciam como ferro, a prendendo ali.

—Então, Lana... Nunca tivemos oportunidade de falar cara a cara. Cecília não gosta de dividir os bichinhos de estimação - Ele comentou em tom de sarcasmo. Tinham parado de dançar mas continuava presa ali com ele.

—Cecília? Você a conhece? - Lana perguntou, curiosa.

Não sabia muito sobre a vida particular de Cecília. Sabia que ela vinha de uma família rica do qual não gostava de muito de falar e era só. Nas poucas vezes em que perguntou sobre seus pais, a amiga se mostrou desconfortável, então não a pressionou mais.

—Infelizmente, sim. - O homem respondeu enquanto finalmente a soltava.

Lana o olhava, intrigada, até que se deu conta de uma coisa.

— Espera, você me chamou de animal de estimação? Porque eu não sou um bichinho dela, sou uma amiga.

– Sei bem quem você é - ele falou, sério.

– Não sabe, não - Lana pontuou.

— Você anda com a... qual o nome mesmo que você deu? Ah, sim, Cisi. Você anda com ela e então todo mundo te conhece, mais até do que você mesma.

Lana ficou envergonhada. Tinha dado o apelido de Cisi a Cecília e até onde sabia, ninguém mais conhecia o apelido além das duas.

— Como sabe desse apelido? Ela disse que eu era a única que a chamava assim. Cecília te contou?

Ele riu e parecia prestes a dizer alguma coisa quando as luzes se acenderam e a música parou. Cecília apareceu no palco onde um dj estava. Segurava um megafone e exibia um grandr sorriso, daqueles que só ela conseguia, ofuscando qualquer um com aqueles dentes brancos.

O homem loiro disse algo sarcástico mas ela nem se deu ao trabalho de tentar ouvir. Porque se Cecília estava em cima de um palco boa coisa não era. Provavelmente seria uma daquelas situações em que iria falar de Lana e chamá-la pra fazer um discurso.

— Bem-vindos, meus jovens amigos! Um minutinho da sua atenção, por favor. - Cecília ia falando, e as pessoas largavam suas distrações para ouvi-la.

Por muito tempo, Lana teve inveja desse dom de cativar as pessoas que Cecília tinha. Como nesse momento, em que ela abria a boca e parecia quase que uma hipnotizadora. Podia perguntar qualquer coisa, as pessoas respondiam. Podia pedir o que quisesse, as pessoas davam. "Anos e anos de prática", era o que Cecília respondia toda vez que Lana perguntava como fazer aquilo.

— Hoje é um dia muito especial. Minha melhor amiga, Lana, finalmente concluiu uma etapa de sua vida. O fim de sua estadia como estudante e o início para um grande futuro. Se bem que ela só pegar o diploma daqui a um mês - Cecília deu uma pausa e o som de risos ecoou por todo o salão.

— Pra quem não a conhece, ela está... - Cecilia varreu a multidão com os olhos, procurando, até que a encontrou. - Ah, bem ali. Foquem nela, por favor.

Lana fez sinais com a mão, querendo dizer , mas era tarde demais. Um feiche de luz da cor dourada pousou em sua cabeça.

—Eu quero agradecer a você, Lana Rey, por tudo o que já fez por mim. Me fez enxergar esse mundo com novos olhos, porque os meus estavam ficando cegos. Só quero que saiba que eu a amo muito, e que essa festa é pra você.

O som de aplausos começou e algumas pessoas pessoas começaram a dar tapinhas em seu ombro, pessoas essas que Lana nunca tinha visto.

Então era isso? Lana não sabia se ficava feliz e emocionada ou se enfiava a cabeça num buraco e em seguida estrangulava Cecília, não necessariamente nessa ordem.

E o que se seguiu foi uma das coisas mais estranhas e apavorantes que Lana já tinha visto. Tinha sido tão rápido e mesmo assim parecia ver em câmera lenta.

Cecília colocava o megafone na mesinha de som quando uma luz ficou por cima dela. Mas ao contrário da luz que tinha ficado sobre Lana, essa era branca e passava por todo o corpo de Cecília, como um escudo. Cecília tateava a luz, como se estivesse presa e tentasse sair. E num segundo Cecília estava de pé no palco e no outro tinha desaparecido com a luz.

O silêncio era ensurdecedor, era como se até as respirações estivessem sendo contidas. Os segundos se arrastavam e Lana tentava controlar o pânico. Seu cérebro se recusava a processar as imagens que julgava ter visto e a escuridão do local não ajudava.

— Ela sumiu! - Foi o que Lana ouviu de algum lugar.

Uma confusão se instalou no local e os convidados começaram a brigar. Lana levava vários empurrões, e o som de objetos quebrando era o único que se sobressaía em meio aos gritos. Algumas luzes foram acessas no mesmo instante em que Lana via uma cadeira em sua direção.

Tentou desviar dela, mas uma parte acertou seu braço e uma dor enorme a seguiu. Tentou ir em direção a saída, porém todo o lugar em que ia via gente lutando. Foi empurrada, pisoteada e mordida.

Alguém arranhou seu braço machucado com unhas afiadas e começou a se desesperar ao sentir cheiro de fumaça: a boate estava pegando fogo.

Estava tossindo e com os olhos ardendo quando sentiu uma mão quente puxando a sua e a guiando pelo salão.

Ficou um tempo imóvel com os olhos fechados até perceber que estava fora da boate, longe de toda aquele empurra-empurra.

Sentiu uma coisa quente descendo por seu braço, e quando o olhou, viu que era sangue, muito sangue caindo.

Procurou pela pessoa que a trouxe pra fora daquele lugar. Não viu ninguém. Labaredas de fogo subiam pela boate, e Lana lembrou das passagens bíblicas que descreviam o inferno. Seria algo parecido com aquilo? Podia jurar que ouvia rosnados e grunhidos de animais lá de dentro. Lá dentro, onde sua melhor amiga ainda estava.

— Ai meu Deus! - choramingou, se ajoelhando. - Não, não, não... Meu Deus...

Lana chorava e olhava horrorisada para o outro lado da rua. As labaredas de fogo consumiam a enorme casa de festas, como se as chamas tivessem vida própria. Tanto fogo, tanta fumaça. Tanta destruição, quantas mortes?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Imortais" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.