Neo Pokémon Hoenn escrita por Carol Freitas


Capítulo 28
O que há dentro de você?




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                        Ela não soube por quanto tempo ficou parada sob a sombra da árvore, por mais que tentasse não conseguia tirar de sua cabeça a derrota que havia acabado de sofrer. Brawly controlara a batalha o tempo todo enquanto ela e seus pokémons pareciam marionetes que tentavam lutar contra o marionetista. Naquele momento sentia-se a pior treinadora do mundo. Com aquele nível de habilidade, como conseguiria derrotar os líderes de ginásio? Como conseguiria vencer a liga? De tempos em tempos, precisava limpar as lágrimas que corriam inutilmente por seu rosto com o peso da verdade que pairava dentro do seu ser. Como iria encontrar sua mãe sendo uma treinadora inútil?

                        – Uma garota tão bonita não deveria chorar assim – disse uma voz que lhe parecia familiar.

                        Ela ergueu os olhos embaçados e vermelhos para enxergar aquele que lhe falara. Um rapaz de cabelos cinza-azulados e olhos de mesma cor estava agachado em sua frente. O encontro havia sido breve, mas ela lembrava vividamente como se tivesse ocorrido no dia anterior, afinal, fora o evento mais marcante do seu início de jornada.  Em sua frente estava Steven Stone, atual campeão da Elite 4.

                        May imediatamente rearrumou sua postura e tentou limpar o rosto, envergonhada de encontrar o treinador daquela forma. Steven, contudo, não parecia se importar com o estado da garota, retirando gentilmente do bolso um lenço branco e limpo de tecido fino. Ela aceitou o objeto oferecido pelo rapaz e com ele enxugou as lágrimas, sentindo leve aroma amadeirado ao fazê-lo, ela se perguntou se seria este o perfume usado por ele.

                        – Pode ficar com ele se quiser, apesar de desejar que não tenha de usá-lo tão cedo – ele deu um sorriso gentil e se sentou ao lado dela.

                        Ela observou-o. Apesar de manter o aspecto elegante o Stone parecia bem mais casual, usando apenas uma camisa social branca com as mangas enroladas até o cotovelo e calças jeans negras. Os cabelos naturalmente bagunçados balançavam ao toque da brisa litorânea, sendo apenas minimamente contidos pelos óculos de sol de cor negra colocados sobre eles. Steven parecia um componente natural de qualquer pintura que retratasse a beleza natural do muno. O que estaria fazendo em Dewford? Ele não parecia ser do tipo que tirava férias em uma ilha tropical em plena temporada aberta de liga.

                        – Toda vez que você me vê eu estou em uma situação desagradável – comentou a garota com um pequeno sorriso – Pelo menos agora posso falar que consegui me tornar uma treinadora, mesmo que não seja boa nisso.

                        – Estar em companhia de belas damas nunca é desagradável – ele respondeu olhando para frente. Em seguida voltou seu olhar para a garota fazendo- a corar e desviar o olhar, seu rosto estava sério – Mas por que motivo diz que não é uma boa treinadora?

                        Ela demorou alguns segundos para responder, sentia-se envergonhada.

                        – Eu acabei de ser derrotada pelo Brawly. Ele me venceu fácil, meus pokémons nem tiveram chance. Aliás, o problema não é com Skitty e Dustox, é comigo. Como diabos eu não fui me lembrar de que a habilidade especial da Makuhita era Thick Fat? Por que eu fiz a Skitty usar o Icy Wind? Eu sou horrível.

                        Steven ouvia o monólogo da grama da garota de modo tranquilo e, quando esta terminou, ele pegou um pedaço de grama e brincou com ele antes de começar a falar.

                        – Eu conheço o Brawly há muitos anos, antes mesmo dele se tornar líder de ginásio. Ele tem sua maneira particular de batalhar e de avaliar os desafiantes que buscam sua insígnia.

                        – E com certeza eu passei longe de ser aprovada por esse método – ela deu de ombros e encolheu as pernas, colocando os braços sobre os joelhos.

                        – Eu sinceramente duvido disso. Achei que tinha talento desde a primeira vez que te vi e confirmei essa suposição quando fiquei sabendo que ajudou a Corporação Devon a pegar um criminoso – a garota arregalou os olhos ao ouvir as palavras ditas pelo rapaz, não imaginava que aquilo poderia chegar aos ouvidos dele.

                        – C-Como você... como você soube disso? – Steven deu uma pequena risada.

                        – Você se lembra do nome do presidente da Devon?

                        – Hum... Senhor... Sr. Stone – ela corou imediatamente pela gafe cometida, esquecera-se totalmente de que o fundador da Devon era avô de Steven – Desculpe.

                        – Normalmente é a primeira coisa de que as pessoas se lembram depois do cargo de campeão da Elite. Você não lembrou de nenhuma das duas, está aí a prova de que é uma garota diferente.

                        Ela não sabia o que significava aquela última afirmação, então preferiu não respondê-la e ao invés disso mudou de assunto.

                        – Mesmo assim... Eu praticamente não fiz nada. Quem os pegou mesmo foi a Roxanne e os policiais.

                        – E a insígnia do ginásio de Roxanne? Você também não fez nada? – ela ergueu uma sobrancelha para o treinador de elite.

                        – Você andou stalkeando minha vida? – A pergunta inesperada fez o jovem ficar sem graça pela primeira vez naquela conversa, ela podia jurar que havia visto um leve rubor passar pelo rosto dele. Steven pigarreou antes de prosseguir.

                        – Bem, na verdade Jonas tinha bastante coisa para falar de você. De você e dos seus amigos – explicou. A garota deu de ombros.

                        – Ele é uma pessoa gentil.

                        – Roxanne e eu somos rivais de longa data, aliás, desde que éramos crianças. Você sabia que ela já foi campeã da elite dos 4?

                        – Sério? – ela questionou surpresa – Eu não sabia.

                        – Não acho que seja uma coisa que ela goste de divulgar muito. Roxanne é uma treinadora incrível e ainda hoje eu acredito que tê-la vencido foi um golpe de sorte. Talvez se ela houvesse me desafiado novamente, coisa que poderia ter feito, sairia vencedora. Mas a verdade é que encontrou seu lugar, aquele ginásio sempre foi a paixão dela.

                        Steven usava um tom carinhoso na voz que fez a May sorrir inconscientemente. Ela nunca havia parado pra pensar sobre as relações que os líderes de ginásio podiam ter uns com os outros nem quão estas poderiam ser de fortes e duradouras.

                        – Finalmente um sorriso de verdade – ele comentou dando um sorriso torto. A garota sentiu o rosto esquentar mais uma vez e o desviou fazendo um bico.

                        – O que você veio fazer aqui? – ela mudou de assunto, fazendo essa pergunta que vinha se passando por sua cabeça.

                        – Está me mandando ir embora?

                        – Não, claro que não! – ela balançou a cabeça negativamente rindo – Em Dewford, eu quis dizer...

                        – Não posso ter vindo passar umas férias? – ele questionou fazendo um leve tom de voz ofendido – O campeão da elite trabalha muito, sabe. Não vivemos só fazendo stories para o instagram.

                        – Você veio tirar férias?

                        – Na verdade, não – disse com um meio sorriso – Eu vim encontrar você.

                        – Me encontrar? Por que? – perguntou nervosa, imaginando no que sua vida poderia interessar a alguém como Steven.

                        – Gostaria de agradece pessoalmente a você e seus amigos, mas em especial a você.

                        – Ah, então... de nada... É muita gentileza da sua parte ter vindo tão longe só para isso – a garota agradeceu educadamente, embora um pouco confusa.  

                        – E eu também vim aqui para lhe dar algo importante para expressar minha gratidão – do cinto de pokeballs que portava, ele tirou uma das esferas, a última da esquerda e a entregou à treinadora que a recebeu simplesmente boquiaberta – Esse Pokémon lhe pertence agora.

                        – Por... porque você está me dando um pokémon? Quero dizer... eu não posso aceitar – ela esticou a mão com o objeto de volta ao mais velho que fez um sinal negativo com a cabeça – Não tem motivos para me dar esse pokémon, não fiz nada para merecer isso.

                        – Eu não posso lhe dar um pokémon se eu quiser? – questionou com um sorriso brincalhão – Além disso, ele ficará muito feliz de batalhar ao seu lado de novo. Não tenho muito tido muito tempo para treiná-lo e creio que crescerá melhor ao lado de uma grande treinadora em ascensão.

                        – Não me diga que... – os olhos azuis se arregalaram pela surpresa e ela pressionou o botão central da esfera duas vezes para deixar sair a criatura contida em seu interior.

                        O mesmo corpo metálico em forma de foguete e o mesmo grande e brilhante olho vermelho que ela vira há dias atrás agora a encarava com uma expressão de felicidade. Aquele foi o primeiro Pokémon com o qual ela batalhara. Beldum se aproximou de May e se aconchegou em seu corpo, deixando-se ser envolvido pelos braços magros. A tristeza da derrota havia sido praticamente esquecida, sendo totalmente substituída pela alegria de ter um novo pokémon.

                        O momento somente foi interrompido quando o rapaz ao seu lado se levantou. Ela ergueu os olhos para o treinador e fez o mesmo, ainda com o Beldum em seus braços.

                        – Mas... vocês... digo, Beldum vai ficar bem? Quero dizer, você é o treinador original dele e... – Steven cortou-a com um aceno da mão.

                        – Oh, não se preocupe com isso, não é Beldum? Eu tenho uma ligeira impressão de que ele almeja ter a oportunidade de ter uma grande batalha com o Aron no futuro.

                        Isso fez a garota dar uma gargalhada, ela lembrava-se bem de como era a relação dos dois pokémons do tipo metal, eles entravam em atrito a cada vez que se encontravam. Beldum usando seu magnetismo natural, soltou-se dos braços que o seguravam e voou até o antigo treinador. Ela não entendia o que aquele gesto queria dizer, mas aparentemente Steven sim, pois passou a mão no que deveria ser a cabeça do pokémon enquanto olhava-o com ternura.

                        – Seja bonzinho, ok? – disse com voz carinhosa, talvez tenha sido impressão dela, mas achou ter visto os olhos do campeão ficarem levemente marejados – Eu preciso ir agora – colocou os óculos escuros sobre os olhos cinzentos.

                        – Espere! – Ela não sabia o que falar. Não conhecia quase nada do campeão, mas sentia-se estranhamente ligada a ele – Eu... eu vou te ver de novo? Quero dizer, por aqui na ilha ou sei lá...

                        Steven pôs uma das mãos atrás da cabeça, gesto descontraído que a garota nunca esperaria ver.

                        – Ah, sabe como é. Eu estou sempre por aí, mas irei passar no ginásio para ver sua revanche contra o Brawly – ela sentiu seu rosto esquentar novamente olhou para o chão.

                        – Revanche que eu nem sei se vai acontecer... – ela respondeu em voz baixa.

                        – Não seja pessimista, eu acredito em você – passou a mão na cabeça da garota – Lembre-se de me avisar, ok? Marque seu desafio e eu estarei lá.

                        E dizendo isso saiu andando sem se despedir, quem sabe estivesse guardando o adeus para quando se reencontrassem dali alguns dias. Ela apenas o observou caminhar pelas ruas, praticamente se misturando entre os turistas. Beldum ainda pairava ao lado da treinadora de cabelos castanhos, ela sorriu para a criatura e fez sinal para que este a seguisse até o Centro Pokémon.

                        Era horário de almoço, geralmente nesses momentos do dia o hospital ficava cheio, mas por sorte ou talvez porque não ocorria uma grande quantidade de batalhas na cidade, ela conseguiu ser atendida rapidamente. Algumas cabeças se vivaram ao ver o pokémon metálico flutuando ao lado da jovem, mesmo aquela criatura sendo nativa de Hoenn, não era comum vê-la em estado selvagem ou mesmo do lado de alguns treinadores. Apenas uma Chansey estava do lado interno do balcão, a enfermeira provavelmente estava em seu horário de almoço. A menina deixou Dustox e Skitty com a pokémon rosada e retornou Beldum para sua pokeball. Estava pensando se deveria subir para comer, quando uma figura familiar surgiu ao seu lado.

                        – Oi Reina – Ela cumprimentou a mulher que havia encontrado há poucas horas e esta, ao ver quem a chamava, sorriu.

                        – Oh, olá... Acho que não perguntei seu nome – ela levou à mão direita até a bochecha, levemente sem jeito.

                        – Meu nome é May – a mais nova respondeu enquanto observava a outra. Diferente de quando havia a encontrado mais cedo, a mulher agora se vestia casualmente, com uma camisa preta com a estampa de um Timburr e shorts brancos.

                        – Então May, como foi a batalha contra Brawly? – perguntou distraidamente enquanto entregava uma caixa pequena de pokeballs à Chansey. May suspirou.

                        – Se você sabe que eu lutei contra ele, também sabe que eu perdi terrivelmente.

                        Reina deu um sorriso condolescente para a garota.

                        – Eu soube pelos seus amigos, sinto muito. Mas Brawly disse que você se saiu bem, vai conseguir da próxima vez.

                        – Ele estava sendo gentil, parecia que tudo o que eu fazia era anulado por ele. Eu fui péssima. – suspirou e cruzou os braços - Sei que dá próxima vez posso usar minha outra pokémon, mas não vejo possibilidade de vencê-lo em uma luta dois contra dois.

                        – Você está vendo as coisas pelo lado errado. Pense no que Brawly espera de um treinador e prepare seus pokémons, você vai conseguir! – a mais velha colocou a mão em seu antebraço – Eu já vou indo agora.

                        E dizendo aquelas palavras andou na direção das portas automáticas, mas antes de sair, freou seus passos e olhou de novo para a garota, notando que ela continuava a manter a cabeça abaixada e o olhar perdido.

                        – Ora, vamos! – insistiu – Vai me dizer que nunca perdeu uma batalha pokémon?

                        Ela lembrou-se das derrotas terríveis contra Lunna e contra o homem que os atacara na floresta.

                        – Já, mas... Não sei. Eu realmente pensava que havia evoluído. Talvez eu estivesse enganada no fim das contas – ela fez um pequeno dar de ombros.

                        – Venha comigo – fez um sinal chamando a adolescente – Vamos dar uma volta.

—__

                        – Por que raios estamos fazendo isso mesmo? – perguntou um Brendan ofegante para Juliana que corria ao seu lado. Ambos estavam encharcados de suor, apesar de não estarem naquela atividade por mais do que alguns minutos.

                        – O Brawly disse que iria ajudar a melhorar nossa coordenação e desempenho nas batalhas – respondeu a negra que mesmo sentindo os efeitos do cansaço, ainda estava um pouco melhor do que o adolescente.

                        De alguma forma, o almoço com o líder de ginásio havia se tornado uma corrida por um campo de batalhas. Nenhum dos dois se lembrava do exato momento em que haviam concordado com aquilo ou o porquê de não terem negado, pareciam apenas ter seguido uma ordem do mais velho e agora estavam naquela situação inusitada em meio aos temais alunos tutorados por ele. Ao lado deles, Mudkip e Nigel corriam, ou saltavam, no caso deste último. Os demais adolescentes não pareciam demonstrar nem de perto o cansaço expressado pela dupla, muito menos seus pokémons, a maioria do tipo lutador, como se já estivessem habituados àquele tipo de treino.

                        – Façam polichinelos agora – disse o líder fazendo um gesto com a mão. Imediatamente seus alunos pararam e fizeram o que lhes foi pedido, exceto pelos dois treinadores que já se sentiam simplesmente esgotados – Vocês dois também.

                        A negra seguiu a ordem, porém o garoto fechou a cara e cruzou os braços.

                        – Por quê? – questionou, fazendo o Brawly erguer uma sobrancelha.

                        – Treinar junto com seu Pokémon melhora relação com ele, seu equilíbrio e instinto nas batalhas.

                        – Eu não estou interessado em... – ele começou a falar, mas foi interrompido por um leve tapa na nuca dado por Juliana.

                        – Desculpe, Sr. Brawly. O Brendan não quer ser desrespeitoso. Não é mesmo, Brendan? – o adolescente olhou cara feia para a amiga.

                        O líder, porém, já não prestava atenção nos dois. Havia retirado a camisa exibindo o peitoral definido das longas horas de treinamento. Os demais alunos fizeram os mesmo que seu mestre, permanecendo as garotas apenas com um top escuro.  O líder fazia movimentos que simulavam posições de combate, os efetuava de forma mais lenta para que os mais jovens pudessem repetir, não que fosse realmente necessário, provavelmente fazia aquilo pelos visitantes. Makuhita havia sido liberado e estava ao seu lado, executando golpes que se assemelhavam muito ao de seu humano, que eram imitados pelos pokémons.

                        – Lembrem-se, corpo e espírito devem sempre estar em sintonia e essa sintonia só vem de trabalho duro – respirou profundamente antes de prosseguir – Existem determinados movimentos corpóreos que a única maneira de atingi-los e alcançando o ponto máximo de equilíbrio corporal.

                        E dizendo isso fechou os olhos e ergueu sua perna esquerda, tocando a parte interna da coxa com o pé. Seus dois braços também se elevaram acima da cabeça, entrando em contato um com o outro apenas pelas pontas dos dedos indicador e médio. Os demais tentaram imitá-lo, porém nem perto da mesma graciosidade com que o líder fizera o movimento. A maioria deles acabara por conseguir inclusive os pokémons, que por sua vez replicavam os movimentos produzidos pelo Makuhita. Os únicos que não haviam conseguido alcançar aquele ponto eram Brendan e Nígel, por mais que tentasse, o treinador não conseguia atingir a estabilidade de seu corpo.

                        – Isso é idiotisse – comentou o garoto em tom baixo, mas fora o suficiente para os demais ouvirem. Todas as posições foram quebradas pela visível irritação dos alunos, até mesmo Juliana olhava para o amigo incrédula.

                        O único que havia permanecido inalterado era o líder de ginásio, parecia sequer ter ouvido as palavras do treinador, porém alguns segundos depois, voltou ao seu arranjo corporal normal.

                        – É comum os adolescentes chamarem de idiotisse aquilo que não conseguem fazer quando se sentem machucados pelo ato de tentar.

                        – E como fazer uma posição de Combusken bêbado poderia me machucar? – retrucou.

                        – Quando se fecha os olhos e não há mais nada no que pensar, nossa mente passa a olhar para dentro de nós mesmos. O que há dentro de você que te desequilibra e te machuca a ponto de você não conseguir encarar a si mesmo, Brendan?

                        O menino fechou as mãos com força ao ponto das unhas quase ferirem a pele diante às palavras do líder.

                        – O que há dentro de mim é o aborrecimento por estar perdendo meu tempo fazendo isso.

                        – Você não é obrigado a estar aqui. A porta do ginásio sempre esteve aberta para todos que quisessem ir e voltar – respondeu o líder, fazendo sinal para seus alunos que imediatamente tiraram a discussão de foco e retomaram o que faziam.

                        – Ótimo, estou caindo fora! – e dizendo isso virou de costas e caminhou rumo á saída.

                        – Brendan – começou Juliana, mas o jovem a interrompeu bruscamente.

                        – Eu quero ficar sozinho – anunciou sem se virar.

                        A negra observou o garoto se afastar com uma expressão triste, agora dois de seus amigos haviam se magoado e saído de cena, deixando-a sozinha. A bela cidade de Dewford com certeza não havia feito bem a eles. Abaixou-se para o roedor azulado que estava ao seu lado observando a cena toda e disse baixinho de modo que só ele pudesse ouvir.

                        – Nigel, vá atrás dele – Seu pokémon a encarou com uma expressão receosa, mas concordou e começou a dar pequenos saltos na direção do adolescente.

***

                        O meio da tarde havia chegado, finalmente as altas temperaturas diárias começavam a se amenizar. O garoto andava sozinho e distraído em meio à própria raiva. Raiva da irritação pelo líder achar que podia se dirigir a ele daquela maneira e mais raiva ainda por estar se questionando se, no fundo, o mais velho não estava certo. Tinha consciência de que o Azurill de Juliana estava atrás dele, mas ignorava a presença do pokémon, afinal, se o mandasse embora e o mesmo se perdesse, se sentiria responsável por procurar por ele.

                        Caminhava tanto e com passos tão apressados que mal notou que já estava no norte da ilha. O chão arenoso foi substituído por solo mais compacto e de coloração mais escura. O adolescente interrompeu seu caminhar refletindo se não seria momento de voltar, Nigel fez o mesmo, porém balançou levemente as orelhas por alguns segundos e prosseguiu adiante com seus pequenos passos.

                        Brendan observou o pokémon interessadamente e o seguiu. Após ultrapassarem algumas árvores se depararam com a entrada de uma grande e larga caverna. As pedras escuras e lisas do piso e da parede refletiam a luz que entrava por algumas aberturas no tento, dando ao local uma misteriosa luminosidade azulada. Não havia nenhuma criatura viva perambulando pelo local, talvez a chegada de um humano as tivessem feito se esconder, de qualquer modo, não deixava de ser um faro curioso, pois pelo que se lembrava de suas aulas de geografia, aquela era a Granite Cave, uma das cavernas de Hoenn mais rica em biodiversidade.

                        Movido pela curiosidade, adentrou a grande edificação natural. À esquerda, um pequeno fiapo de água atravessava a caverna, provavelmente seguindo na direção do mar. Com olhos atentos, finalmente viu o primeiro registro de habitação natural, sendo este um pequeno Zubat que dormia a sono solto empoleirado à uma das estalactites do teto.

                        A cada metro que andava, o ambiente ficava cada vez mais pesado e a luminosidade diminuía. Algo ali fazia os pelos na nuca do treinador se arrepiarem, como se estivesse adentrando um lugar de energia muito forte. Nigel havia ficado para trás, apesar de ter sido ele a levá-lo até lá. Brendan virou-se para encará-lo.

                        – Você não vem? – perguntou ao pokémon.

                        – Azuul – o roedor guinchou em resposta e negou com a cabeça.

                        O garoto revirou os olhos e liberou seu Mudkip, ainda não entendia o motivo de querer estar ali ou de explorar aquele lugar, talvez fosse o simples impulso adolescente de buscar por coisas novas. O anfíbio analisou o ambiente incomum em se encontrava e em seguida questionou seu treinador com o olhar. O que ele estaria tentando fazer? Pensava.

                        Contudo, algo chamou a atenção da criatura aquática, fazendo sua barbatana tremer e se direcionar para um ponto a sua esquerda. A princípio, Brendan não entendeu para onde seu Pokémon se dirigia, mas longo viu uma fenda escura entre as rochas negras. Mudkip observou a fenda por mais alguns instantes até decidir entrar ali.

                        – Mudkip – o garoto chamou baixo, mas não obteve resposta de seu pokémon.

                        Aproximou-se da abertura e respirou fundo, a curiosidade era mais forte do que o instinto de fugir dali. O espaço era estreito, mas o suficiente para uma pessoa magra passar sem dificuldades. Ele se espremeu por entre as paredes por longos segundos até finalmente se ver livre e poder respirar direito. Quase não conseguia enxergar em meio ao breu, necessitou de vários segundos para que seus olhos pudessem se habituar ao ambiente.  Seus Mudkip estava alguns metros a sua frente, sua barbatana ainda tremia e ele andava de um lado para o outro como se algo lhe provocasse inquietação.

                        – Mudkip – chamou mais uma vez. O anfíbio o olhou rapidamente, mas parecia que seu objetivo era exatamente aguardar por seu treinador pois andou mais alguns metros a frente logo em seguida.

                        Brendan estava irritado, já pegava a pokeball para retornar a criatura quando notou que ele havia descido por algo mais adiante. Aproximou-se e percebeu uma grande escadaria de degraus lados feita mármore. Ele ergueu uma sobrancelha, quem teria construído esse tipo de coisa logo ali? Decidiu descer e conforme adentrava nas profundezas da terra, o ambiente ficava estranhamente mais claro.  Ao seu redor, as paredes agora feitas de pedras lisas exibiam diversos desenhos de formatos estranhos que ele não conseguia distinguir a princípio, mas que pareciam ser incrivelmente antigos. Aos poucos, com cada nova sequência de ilustrações, ele conseguia reconhecer mais desenhos, figuras humanas e uma grande quantidade de pokémons.

                        Por fim, chegou ao que parecia ser uma grande câmara ou sala construída dentro da caverna. Á direita desta, mais degraus desciam para o que devia ser um piso ainda mais inferior. Um archote estava acesso e preso à parede iluminando o local, fazendo-o se questionar se havia mais alguém ali. Porém, todos os pensamentos foram tirados de sua cabeça mediante a grande pintura feita na parede oposta.

Era diferente das demais, mais nítida e de maior precisão. Não possuía cores, mas não era necessário, pois o adolescente conseguia vislumbrar tudo aquilo como se diante dele estivesse uma tela de cinema e não uma parede de pedra. Duas criaturas estavam representadas, imensas e poderosas, em posição de Yin Yang. Entre elas, vários humanos, alguns sendo massacrados pelas criaturas, outros em uma espécie de culto a uma joia semelhante a um meteorito. Superior ao meteorito, uma grande e poderosa criatura vinda do céu ia em direção a eles. O garoto mal havia se dado conta do tanto que havia se aproximado, as paredes ao seu redor pareciam zumbir. Em esticou a mão, a pele dos dedos tocou a superfície áspera, uma espécie de formigamento gelado se iniciou na ponta de seus dedos e subiu rapidamente pelo braço. 

Involuntariamente um pequeno grito de susto saiu de seus lábios quando ele retirou abruptamente a mão e recuou alguns passos. Acabou por não notar seu pokémon atrás de si o que fez com que tropeçaste nesse e caísse no chão. Mudkip correu até seu treinador enquanto este, levemente confuso, passava a mão pelas costas doloridas.

— Você não deveria estar aqui – disse uma voz vinda de sua direita. O garoto endireitou sua postura e levantou-se para ver aquele que lhe falara.

No andar inferior, um treinador de cabelos branco azulados e olhos cinzentos o encarava com uma expressão de reprovação. Ao seu lado estava um enorme pokémon metálico quadrúpede de olhos vermelhos e uma marca em forma de “X” na face, ele emanava uma leve luminosidade com a qual era possível ver seu treinador.  Brendan observou-o mais, aquele homem era incrivelmente familiar.

— O-o que?

— Você não deveria estar aqui – repetiu – Essa caverna foi interditada ao público.

O mais novo variou seu olhar entre humano e pokémon, foi quando finalmente a lembrança veio à sua mente.

— Você... Você é Steven Stone? Campeão da Elite dos 4 de Hoenn?

O colosso de metal juntou seus braços metálicos ao corpo e flutuou até a sala iluminada, fazendo formarem-se no mesmo pequenas rachaduras ao pousar. Brendan recuou, o tamanho e imponência da criatura assustavam.

— Não importa quem eu seja. É melhor que vá embora, esse lugar não é seguro.

O garoto cerrou as mãos, seu espírito de contestação gritou para se manifestar, mas sua mente ainda estava atordoada pela sensação que acabara de vivenciar. Por isso, se limitou a concordar com a cabeça e chamar seu Mudkip para juntos saírem dali. Poucos minutos depois, enquanto subia a escada achou ter visto dois pontos o seguindo, contudo, quando se virou, não viu nada além da escuridão.  

***

                        “– Acredite ou não o Brawly já se considerou o pior treinador do mundo – disse a mulher de cabelos azuis enquanto May se esforçava para acompanhar seu ritmo.

                        – Como assim? Ele subestimava suas habilidades? – indagou ofegante.

                        – Na verdade, não – riu – Ele era realmente um péssimo treinador, terrível. “

                        May estava sentada na areia observando o céu em tons de laranja e azul escurecer cada vez mais à medida que o dia terminava. Seu corpo estava cansado e sujo, mesmo estado de suas roupas que mal pareciam ter sido lavadas na noite anterior. Em seu colo, a pequena Skitty descansava enquanto tinha a cabeça acariciada por sua treinadora.  As palavras ditas por Reina flutuavam em sua mente, indo e voltando toda hora para a superfície.

                        “Agora que você sabe o que sabe sobre o Brawly, pense. Em que ele te avaliaria? O que um grande treinador deveria possuir para ele?” Foram as últimas palavras da mulher antes de deixá-la sozinha. A verdade é que com o passar das horas ela não havia chegado à resposta nenhuma: como vencer um treinador cuja motivação parecia ser tão maior do que a sua?

                        – Vamos dar uma volta antes de voltar ao Centro? – a gata soltou um miado de reclamação – Eu te carrego, apenas quero pensar mais um pouco.

                        Com Skitty nos ombros, a treinadora continuou a caminhar rumo ao norte da ilha. Andou por centenas de metros até se deparar com uma grande edificação parcialmente destruída. A hera havia dominado o lugar e os vitrais estavam praticamente todos partidos, diversos pontos de infiltração atravessavam as paredes fazendo o mofo crescer abundantemente em vários lugares.

                        Ela entrou por uma grande porta entreaberta do prédio que rangeu com seu empurrão. Sabia o que era aquele lugar, Reina havia lhe dito. Grandes paredes brancas de concreto, agora já escurecidas, o chão de granito quebrado em dezenas de fragmentos por onde cresciam amontoados de erva daninha. A vegetação cobrira o topo de todas as pilastras, bem como o teto de onde quase todas as telhas haviam sido arrancadas. Aquele era o antigo ginásio de Dewford, destruído e abandonado vários anos antes de ter sido fechado.

                        O som de passos ecoou pelo ambiente, alguém vinha pela direção oposta a dela. Quando este atingiu a luz, ela percebeu que se tratava do líder de ginásio. Naquele momento, ele trajava uma blusa preta comum e bermuda de cor laranja.

                        – O-o que você faz aqui? – a pergunta escapou inconscientemente dos lábios da garota.

                        – Acho que sua amiga está te procurando – ele continuou a se aproximar, olhava ao redor distraído e com as mãos no bolso.

                        – Eu... eu já estou indo, mas... – não soube como prosseguir.

                        – Foi Reina quem te trouxe aqui?

                        – Foi, ela... Nós conversamos – respondeu um tanto insegura.

                        – Talvez ela tenha visto algo de especial em você.

                        Ele passou pela garota e foi até uma das pilastras, tocando-a com a ponta dos dedos com interesse. May não soube o que falar, não entendia o que o mais velho queria dizer.

                        – Você andou treinando não foi? – apontou para as roupas da garota e para Skitty que cochilava em seus braços - Remarcarei nossa batalha de ginásio para daqui a quatro dias.

                        – Não! Quero dizer... Eu não estou pronta.

                        – Você vai fugir da tempestade, May? – questionou, os olhos dele pareciam carregar a própria tormenta. Aquele treinador que havia vencido a tudo e a sim mesmo pra estar ali. Ela não sabia onde ele queria chegar, mas algo em sua mente começava a clarear.

                        – Não.

                        – Então me encontre daqui a quatro dias para lutar pela minha insígnia. Quero ver do que você é feita.


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