Neo Pokémon Hoenn escrita por Carol Freitas


Capítulo 25
O Velho e o Mar


Notas iniciais do capítulo

Oi pessoal! Lembre-se de deixarem um comentário, por favor!



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                O céu incrivelmente azul daquela tarde parecia refletir o azul do mar sereno. Não havia sequer uma nuvem que manchasse de branco a bela tela azul ciano que vez ou outra ela salpicado pelos pequenos pontinhos escuros dos pokémon pássaro voando pelo céu. Em meio à calmaria do oceano, um homem de idade avançada e quase totalmente calmo sentava-se em um dos bancos da lancha que dirigira por tantos anos. O motor estava desligado, o único som produzido ela leve murmúrio do oceano e o choque das ondas fracas contra o casco do barco. Encarapitado em uma das hastes que seguravam o teto do veleiro, um pokémon pássaro cochilava tranquilamente com seu pico quase totalmente escondido pela asa.

                Briney olhava para o banco à sua frente sentindo uma imensa tristeza apoderar se de seu peito. Levantou-se e foi até o lugar do motorista de onde pegou um velho rádio cinzento e desgastado que ainda reproduzia músicas gravadas em antigas fitas cassetes. Apertou um dos botões do topo e girou outro para aumentar o volume. As longas notas do violoncelo entremeadas com as teclas suaves do piano preencheram o ar, sendo logo acompanhadas pela voz rouca de um homem que cantava a as palavras de uma canção que falava sobre um mundo maravilhoso.

                “Ah, eu adoro essa música. Venha dançar comigo, Tim.” Uma voz sussurrou em seu ouvido e ele se virou abruptamente. O deque estava vazio, Peeko continuava a cochilar indiferente de tudo que acontecia ao seu redor.

                A mão de Briney segurou fortemente o encosto da cadeira do piloto da lancha, seus olhos estavam marejados. Ele depositou o rádio no chão de qualquer jeito e sentou-se estabanado, como se houvesse perdido a força das pernas. Apoiou os cotovelos sobre os joelhos e cobriu o rosto com as mãos. Não emitia nenhum ruído audível, mais sua alma gritava em um pranto silencioso.

***

                Ela havia morrido? Não sabia dizer. Sentia seu corpo frouxo, mole, como se totalmente desossado por uma mão invisível. Ela não respirava, não conseguia se mexer, mas ouvia uma música. Uma espécie de melodia composta de diversas notas que a principio pareciam desorganizadas, mas que se ajuntavam e formavam uma composição complexa. Ela sentia suas ondas reverberarem por todo seu ser. A música a chamava, sim, ela sentia. Era uma canção de alegria e amor, como o de uma amante que espera por anos no alto do penhasco avistar o navio de seu bravo guerreiro que partira para uma terra distante. Cada vez mais música ficava mais alta e mais próxima. Santo Arceus! Como ela queria desesperadamente abrir os olhos, como queria poder vislumbrar a criatura dona da voz tão doce que parecia acolher todo seu corpo num abraço gentil. De repende, aquela presença estava ali, tão próxima que ela sabia que se esticasse os dedo eles iriam de encontro à textura de sua pele. Sentiu então o toque suave da criatura em seu corpo que, tão delicado quando o flutuar em uma cama feita de nuvens, a levou para cima.

***

                Juliana e Brendan se encontravam em um impasse, olhando um para o outro sem saber o que fazer. May havia sumido, no entanto voltar à floresta correndo o risco de serem atacados e se perderem não parecia ser das opções a mais promissora. Não faziam a mínima ideia de onde a adolescente estava, mas provavelmente estaria muito fora da trilha.

                – O que fazemos agora? Como vamos achá-la nessa floresta enorme? – Disse Juliana em tom preocupado.

                Brendan mordeu o lábio inferior. Naquele momento, ele se sentia perdido, sem a mínima ideia do que deveria fazer, coisa que raramente acontecia.

                – Eu não sei. Acho que o mais adequado seria procurar por ajuda. Não conseguiremos achá-la nessa floresta enorme. Foi um milagre que tenhamos conseguido sair tão depressa.

                – Não podemos deixá-la aqui, ela pode estar precisando de ajuda, vai levar horas até chegarmos à Petalburg – Argumentou a adolescente.

                O garoto olhou da negra a floresta e então de volta para ela e então inspirou profundamente, assentindo por fim com a cabeça.

                – Okay, vou pedir à Vulpix que tente farejá-la. Vamos deixar nossos pokémons fora das pokéballs para nos defender caso seja necessário. 

                Antes que eles tivessem dado sequer um passo, um longo piado preencheu o ar e eles, crendo que os Taillows agressivos haviam retornado, viraram-se em sua direção assustados. No entanto, não foi um Taillow que eles avistaram no céu e sim uma pequena gaivota branca extremamente familiar vindo em velocidade na direção deles.

                – Agora os Wingulls piraram também? – Ele já estava fazendo um sinal para seu Mudkip quando a negra gritou.

                – Espere Brendan, eu conheço esse pokémon – estendeu os braços e o pokémon voou até eles, aconchegando-se carinhosamente no abraço da garota – Esse é o Peeko! É o Pokémon do Sr. Briney.

                – O que ele está fazendo aqui? Já chega de perdidos por hoje – questionou enquanto fazia uma cara mal-humorada.

                A gaivota em resposta saiu dos braços da garota e levantou voo. Em seguida, usou o bico comprido para dar um leve puxão em uma das mangas de sua blusa e voar alguns metros a sua frente.

                – Parece que ele quer que nós o sigamos... – observou Brendan observando o pássaro – Mande-o ir procurar o que fazer, não temos tempo para isso.

                O pássaro deu um rasante até o garoto e lhe acertou uma bicada na cabeça fazendo-lhe soltar um “Ai” de dor, para em seguida voar e repetir o gesto que fizera anteriormente para chamar a garota.

                – Peeko, eu sei que você quer que o sigamos, porém não podemos ir agora. A May se perdeu na floresta e eu e o Brendan temos que ir procurá-la – ela explicou para o pokémon.

                Peeko escutou impacientemente e mal a garota terminou de falar, deu uma série de longos piados como se tentasse falar com ambos. Percebendo que, diferente de seu treinador, aquilo não apresentava resultado, foi até os pokémons dos jovens que rapidamente captaram o que estava sendo dito. Whismur foi a primeira a reagir correndo na direção que o Wingull havia apontado, sendo seguida por Mudkip. Seus treinadores e acabaram por segui-los.

                Eles correram pela orla da floresta tentando manter um bom ritmo embora ambos já estivessem exaustos pela corrida anterior. Depois de vários minutos naquele ritmo, chegaram a um declive acentuado no qual tiveram que percorrer uma estreita trilha que serpenteava pelo terreno íngreme para manter-se em segurança. A quantidade de nuvens escuras do céu naquele momento havia crescido espantosamente, trazidas pelos fortes ventos que vinham do oceano a ponto de Brendan ter que tirar o gorro de sua cabeça para que o mesmo não fosse arrancado pelo vento.

                À medida que avançavam ficavam cada vez mais impacientes. Eles não entendiam o motivo de seus pokémons terem ficado tão agitados, porém o tempo passava depressa e a cada minuto que permanecessem seguindo o desconhecido, menos chances teriam de encontrar a amiga. Quando eles finalmente pararam, estavam em uma praia muito menor do que a que haviam estado alguns dias antes, sua areia era mais cinzenta e o solo era composto predominantemente por pedras, provavelmente sedimentos produzidos pela encosta que haviam descido.

                Peeko, diferente dos demais, não interrompeu seu caminho, voando em direção ao mar onde eles puderam avistar, à distância, uma lancha de porte médio e cor branca. O piloto desta parecia tê-los visto e acenava para os jovens, que logo o reconheceram como o velho homem calvo que haviam encontrado na rota 116 alguns dias antes.

                – Olha lá o Sr. Briney! – Falou a negra fazendo um aceno para o homem – Será que o Peeko nos trouxe aqui apenas para vê-lo?

                – Se for isso vou fazer churrasco daquele pássaro inútil! – Brendan já se encontrava levemente irritado.

                – Parece que ele está com algo na mão – comentou a menina sem dar atenção ao comentário maldoso do amigo.

                O idoso com certeza trazia algo em mãos, parecia querer sinalizá-los de algo, porém na distância em que estavam não conseguiam ter uma visão clara do que era. O pequeno Wingull, que naquele momento, voava sobre o navio caiu em um mergulho gracioso e tomou o bico o que estava nas mãos de seu treinador, levando até os garotos. Mal o objeto tocou em sua mão, Juliana o reconheceu.

                – Brendan, é a bandana da May! – disse enquanto abria o tecido verde e macio com as mãos – Acho que ela está com o Briney! Pelo menos espero que esteja.

                – Nós aqui preocupados e a madame dando passeio de barco – o garoto falou indignado.

                – Não acho que seja isso, mas... Ele parece querer que fôssemos até lá.

                – Ele está em um barco, como vamos conseguir fazer isso? – questionou Brendan. Juliana olhou para ele e então de volta para o barco.

                – Ele está o mais perto possível para a embarcação, não acho que esteja muito fundo, consegue nadar até lá – observou calculando a distancia mentalmente. Brendan mordeu o lábio.

                – Eu... Não acho que seja uma boa ideia – O tom de voz usado por ele atraiu o olhar da amiga em sua direção. O adolescente olhava para o chão com uma expressão carrancuda, um rubor sutil passava por suas bochechas.

                – Qual o problema? – Juliana perguntou e o amigo resmungou uma resposta inaudível – O que?

                – Eu não sei nadar, porra! Eu sou praticamente uma pedra, quando entro na água a primeira coisa que faço é afundar – a negra revirou os olhos.

                – Primeiro, da próxima vez que falar palavrão comigo eu lavo a sua boca com alvejante. Segundo, como você é de Hoenn e não sabe nadar? – indagou com um visível tom de indignação em sua voz.

                – As pessoas da região não nascem com guelras, sabia? – rebateu ele em tom sarcástico.

                Ela não lhe deu atenção, observava para algum ponto distante à esquerda para onde o navio parecia se dirigir. Havia um pequena marina de madeira toscamente construída sobre o mar. Não parecia ser muito resistente, mas se não caíra até aquele dia, provavelmente não cairia agora.

                – Podemos usar aquilo ali, parece que o Sr. Briney está se dirigindo para lá – sugeriu.

                Ambos retornaram os pokémons e Peeko os acompanhou em sua curta corrida até a plataforma de madeira. Como já haviam imaginado a estrutura não era resistente e a mesma balançou assim que os garotos colocaram os pés nela. Brendan sentiu suas pernas tremerem, a última coisa que desejava naquela manhã era se afogar. Por sorte, apesar de tudo, conseguiram atravessá-la sem cair.

                A primeira coisa que notaram foi que a lancha de Briney era bem maior do que parecia a primeira vista. Apesar de antiga, era bem conservada, totalmente pintada de cor branca. Possuía dois deques principais, sendo o superior acessado pela alguns por cinco degraus estreitos situados à direita. Lateralmente a estes, do lado esquerdo, mais alguns degraus davam acesso a uma porta que deveria dar para algum tipo de quarto ou sala interno. O andar de cima era coberto por uma estrutura metálica coberta por algo que parecia ser uma espécie de tecido grosso impermeável que cobria uma área onde estavam a cadeira do motorista e, atrás e lateral a esta, bancos compridos forrados com estofado bege claro.

                A segunda coisa foi que sua amiga estava sentada do banco lateral no piso superior, mas não parecia ter notado a chegada dos outros dois. Seu estado não era dos mais agradáveis, tinha o corpo estava completamente molhado e a pele naturalmente clara estava pálida. O que mais assustava, no entanto, era seu rosto no qual um lado estava quase totalmente sujo do sangue que escorrera do alto de sua cabeça, empapando parte dos cabelos.

                 – May! – Juliana quase gritou antes de correr na direção da amiga, que abriu os olhos ao ouvir seu nome ser chamado – O que aconteceu? Você está bem?

                – Sim... Só minha cabeça que está doendo um pouco e eu descobri que barcos me deixam enjoada – a mais nova respondeu e tornou a fechar os olhos.

                – Mas como aconteceu? Como você se machucou?

                – Eu não sei muito bem. Eu estava fugindo... Os Taillows atacaram. Aí de repente eu estava na água e havia música...

                – Música? – repetiu a negra, como se achasse que a garota não estivesse em seu juízo perfeito.

                – Eu a encontrei sobre uma pedra perto de uma encosta que dá na floresta – Briney explicou – Quando eu a puxei para o barco, ela estava inconsciente, mas respirando. Pouco tempo antes de Peeko achar vocês ela despertou e eu a ajudei a subir até aqui.

                A negra olhou para o idoso, por baixo das mangas ainda era possível ver em seus braços as ataduras que cobriam os ferimentos obtidos durante o encontro com os Magmas. Sequer podia imaginar o esforço que o mesmo devia feito para conseguir trazer a mais nova para a embarcação e sentiu imediatamente uma imensa gratidão e afeição por ele.

                – Ela não me parece muito bem – falou Brendan observando o estado da amiga – Acho melhor a levarmos a um Centro Pokémon.

                – Mas isso está aberto! Não pode continuar assim ou vai infeccionar.

                – E o que vamos fazer? Um médico ou enfermeira que vai resolver isso! – Rebateu o garoto, mas a negra não lhe deu atenção dirigindo seu olhar à Briney.

                – O senhor tem algo como um kit de Primeiros-Socorros por aqui?

                O idoso assentiu, indo até próximo ao local do piloto e abaixando-se para abrir um compartimento de tamanho significativo de onde  retirou uma caixa branca de pouco mais de trinta centímetros de comprimento cuja tampa estava pintada com uma cruz vermelha e entrou-a à adolescente. Ela depositou o kit em seu colo e abriu para verificar o conteúdo. Em seguida pediu gentilmente a May que se deitasse, a garota então abriu os olhos e fitou a amiga. 

                – O que você está fazendo? – perguntou sem conseguir conter a curiosidade, Juliana sorriu.

                – Vai ter que confiar em mim, ok? – A mais nova arregalou os olhos, mas assentiu com a cabeça –  Isso vai doer um pouco.

                Juliana pegou uma pegou uma pequena garrafa de álcool 70%, abriu-a e despejou um pouco em suas mãos. Em seguida, retirou do kit um pacote de luvas estéreis, abrindo-o e colocando-as rapidamente. Pediu a Brendan para abrir o pacote de gazes e com estas e soro fisiológico, retirou os cabelos empapados e o sangue do local revelando um ferimento que, apesar haver sangrado bastante, não era grande.

                – Feche os olhos bem apertados e seja corajosa agora – A garota travou a mandíbula e assentiu.

                Pegou o resto do álcool e jogou sobre o ferimento. O queixo de May travou-se e um gemido de dor mal contido saiu de seus lábios. Ela substituiu os objetivos que segurava por um porta-agulha, agulha e pinça e se dispôs na complicada tarefa de dar os pontos no ferimento com habilidade. O corpo da mais nova tremia a cada movimento, de seus olhos escorriam uma torrente de lágrimas e o suor frio deixou seu corpo ainda mais úmido e pegajoso, precisando diversas vezes a mais velha secar sua testa com um pano limpo. Por fim, fez um rápido curativo com gaze e esparadrapo.

                – Acho que vai ficar uma cicatriz, mas nada significativo – May não respondeu, as palavras pareciam ter fugido de sua boca enquanto ela tentava estabilizar a própria respiração.

                – Isso foi realmente legal – elogio Brendan – Desde quando você sabe fazer isso?

                A negra deu de ombros, não parecia muito disposta a falar sobre o assunto.

                – Quando se vive sozinha por algum tempo acaba sendo necessário você aprender algumas coisas para sua própria sobrevivência.

— Mocinha, se como coordenadora você não tiver tanto sucesso, pode ter certeza que na área médica – Briney comentou carinhosamente fazendo um leve rubor tingir a pele escura – Não que você não vá ter sucesso, fará as duas coisas brilhantemente.

Briney então olhou para algum ponto no deck inferior de sua embarcação e seu olhar ficou distante, eles puderam ver seu corpo dar um leve tremor antes de desviar o olhar, desta vez para o céu.

— Preciso levar vocês à Petalburg, May ainda precisa de um check-up e esta não parece ser uma boa noite para se estar na estrada.

Os dois adolescentes olharam para o céu. Era impressionante a velocidade com que o clima mudara de uma hora para outra. Pesadas nuvens de chuva haviam se acumulado cobrindo o céu com um manto furioso e imprevisível. O vento soprava forte, transformando o oceano que horas atrás estivera tranquilo como um pasto recém-plantado em um campo de batalhas onde poderosos exércitos, representados pelas ondas, chocavam-se uns contra os outros.

— Ju, ajude a May a ir para o andar inferior. Lá ela pode se trocar e descansar – continuou, a negra assentiu com a cabeça.

— Eu estou bem – protestou a mais nova se levantando, mas ainda assim aceitando segurar a mão que lhe era estendida pela amiga.

Desceram lentamente os poucos degraus e se dirigiram à cabine, onde surpreenderam-se com um quarto totalmente completo com uma cama de casal aos fundos, um pequeno balcão a direita embaixo do qual havia um frigobar, à esquerda uma porta de um pequeno cubículo que deveria ser o banheiro e lateral a este, prateleiras do que seria uma espécie de armário embutido. Sobre o balcão estava a pesada mochila de May que por ser feita de material a prova d’água, ainda preservava seu conteúdo praticamente intacto.

— Se troque e depois descanse. Logo nós chegaremos à Petalburg – disse para a mais nova com voz carinhosa.

— Não se preocupe comigo, Ju... – disse May sorriso para a amiga e pegando peças de roupa secas de sua bolsa. Algo em seguida passou por sua mente que fez  seu rosto se tingir levemente de vermelho – Ah, mas eu... Bem...

— O que? – perguntou confusa – Ah! Okay, desculpa, vou me virar...

No andar superior, Briney esperou que as garotas descessem antes de ligar o motor e partir, pois era arriscado que a movimentação súbita da lancha as derrubasse. Ele precisava se apressar, conhecia o tempo e conhecia ainda mais aquele tipo de tempestade que saia arrastando e destruindo tudo o que havia em seu caminho. Foi quanto seus olhos se focaram em outra ponto, além das garotas que já haviam desaparecido pelo andar inferior.

Um casal jovem adentrava no barco. A mulher linda de cabelos negros e pele bronzeada adentrava tinha seus olhos tampados por uma venda e era guiada por um rapaz alguns centímetros mais alto do que ela. Ambos traziam em seus rotos grandes sorrisos brancos, embora em seus movimentos o homem demonstrasse um leve nervosismo.

— O que você está tramando, Tim? – perguntou, sua voz era tão doce que parecia ser o canto de um anjo.

— Espere. Você já irá descobrir...

— Mas eu estou curiosa – insistiu ela.

— Pronto! Se prepare – ele virou a na direção em que o idoso se encontrava – 3, 2, 1... – e retirou a venda de seu rosto.

Os olhos dela se arregalaram em sua direção e por um instante o Briney sentiu que o olhar era dirigido a ele, mas então ela voltou-se para seu parceiro.

— Meu Deus, Tim! De quem é esse barco?

— É seu, ou melhor, nosso... Eu o comprei... Agora nós finalmente podemos realizar nosso sonho de viajar pelo mundo – ele pareceu levemente sem jeito ao falar, como se esperasse algum tipo de repreensão.

Mas os olhos da mulher brilharam fitando o barco, seu sorriso era tão luminoso que apagava todas as coisas ao redor. Ela envolveu o pescoço dele e deu-lhe um beijo terno. Agora uma pequena lágrima escorria por sua bochecha, lágrima esta que representava toda emoção que sentia.

— Eu amo você, Alyssa Briney – disse o homem apaixonadamente.

— Eu te amo mil vezes mais, Timothy Briney – ela respondeu beijando-o novamente.

— Senhor Briney! – gritou Brendan tentando despertar o homem, os primeiros pingos de chuva começavam a cair.

O velho pareceu piscou e a cena diante de seus olhos desapareceu. Ele balançou a cabeça de um lado para outro para tentar colocá-la em ordem e então andou apressadamente até o assento do motorista e ligou a lancha. Um ruído rude e seco anunciou que o motor estava funcionando e ele desengatou o freio de mão.

— Sente-se, meu jovem! – ordenou ele ao garoto que obedeceu imediatamente. Seus dedos agarraram com força o cano metálico frio da amurada.

A embarcação se moveu de início tranquilamente, mas logo o mar começou a vence a batalha pela dominância. Por mais que as estruturas metálicas rangessem de esforço para emburrar o grupo para o continente, as ondas imensas arrastavam-nos em direção ao oceano para então envolvê-los com seu abraço mortal.  Quanto mais eram arrastados, mais as ondas cresciam e mais difícil era conseguir lutar contra as mesmas. O céu escurecera, a noite havia chegado mais cedo naquele dia.

Briney pilotava a embarcação com toda sua perícia, rezava para que os anos passados no mar fossem suficientes para levar aqueles jovens em segurança para casa. Sua visibilidade diminuía cada vez mais a medida que a chuva aumentava e naquele momento ele percebeu que toda a visão que tinham do oceano havia desaparecido, eles estavam sozinhos no meio do mar.

“– Senhor Briney! O senhor não pode ir essa noite, sabe que os mares estarão instáveis – gritou Simmon. Ele era um bom garoto que sempre o ajudava quando precisava realizar alguma tarefa complicada em casa.

— Eu quase tenho o triplo da sua idade, Simmon! Acho que tenho idade o suficiente para decidir o que posso ou não fazer – o idoso respondeu de maneira rude enquanto carregava uma caixa com suas coisas em direção ao barco.

— Eu sei porque o você está fazendo isso! É por causa dela não é? – o idoso parou sua caminhada, estava de costas para o rapaz – Ela não vai voltar, Tim!

Demorou vários segundos para que o velho se virasse e quando virou-se, a expressão em seu rosto fez o pescador recuar um passo.

— Eu sei... Que ela não vai voltar... E por saber disso é que estou indo.”

O velho apertou o volante com todas as suas forças, enquanto tentava manobrar o leme. Precisava salvar aqueles jovens, precisava resolver levá-los em segurança ou seria o responsável por suas mortes. Peeko pousou no encosto de sua cadeira como se para dar-lhe algum tipo de apoio. Timothy Briney, que há horas atrás havia saído com pouco combustível para se perder no mar, agora lutava com todas as suas forças para sair dele.

May estava deitada na cama da cabine, com cabeça deitada no colo de Juliana. Seu estômago agora embrulhava mais do que nunca devido à movimentação intensa do navio, tanto que ela mal sentia a ardência do ferimento na testa. E aquela música... Nem mesmo o barulho intenso do mar a amenizava, era como se estivesse sendo seguida. E a música chamava por ela, a garota sentia e havia tanta força naquele pedido que ela queria tampar os ouvidos e pedir que a voz parasse. A negra, apesar da feição preocupada com que encarava o piso superior, não parecia ouvir nada. Estaria May enlouquecendo?

A luz que as iluminava abruptamente se apagou e a expressão de Juliana ficou mais séria.  

— Preciso ir ver se o Brendan está bem. Fique aqui, okay? – anunciou retirando gentilmente a perna debaixo da cabeça da amiga.

— Ju... – May segurou a mão da garota para impedi-la de ir.

— Eu volto já, vai ficar tudo bem – deu um sorriso e May a soltou.

O que diria para negra afinal? Que estava escutando uma música que ninguém mais ouvia? Que a voz a chamava com tanta força que a fazia ter vontade de se atirar no oceano em fúria? Era ridículo e mais do que tudo, era loucura. Por isso, nada disse quando a amiga abriu a porta estreita e deixou uma onda de água entrar, deixando a sozinha naquele lugar que agora estava completamente escuro. May encolheu-se na cama e segurou sua cabeça com as mãos enquanto uma lágrima solitária corria por seu rosto, ela só queria que a música parasse.

O céu lá fora estava em um completo caos, ondas assustadoras jogavam o barco de um lado para o outro com tamanha fúria que o barco parecia que ia virar a qualquer minuto. Briney tinha certeza que a qualquer momento uma onda de água os levaria para o fundo, seu corpo estava totalmente molhado pelas avalanche de água que invadiam o barco em ambos os lados. De repente uma imensa parede de água se formou em sua frente, parecia que este seria o fim deles.

Fazia uma tarde de céu completamente azul, o sol alto deixara o dia mais quente do que o normal. Ele se encontrava sem camisa, ajoelhado no convés do barco tentando consertar o motor que pifara alguns dias antes. O trabalho era exaustivo e entediante, limpar engrenagens, trocar tubos, colocar graxa nos lugares certos, no entanto ele amava fazê-lo. Aquele barco era como um companheiro dele e de sua esposa e quase nunca os deixara na mão.

Ele não a ouvira se aproximar, seus passos eram como o andar de um Espeon, silenciosos e elegantes. Seus olhos foram cobertos pelas duas mãos e um cheiro suave de morangos silvestres penetrou suas narinas.

— Se você disser a palavra mágica ganha um presente.

— Ocus pokus? Alohomora? – chutou o homem divertido. Alyssa riu, como ele amava aquele som.

— Você errou completamente, mas aqui está seu presente – tirou as mãos de seus olhos e lhe estendeu algo na mão.

A princípio, ele não reconheceu, não era um objeto comum naqueles tempos. Era fino, das cores branca e azul e nele estavam marcados dois traços finos de cor rosa bebê. Ele olhou para o mesmo fixamente e já ia lhe perguntar o que era aquilo quando a compreensão veio á sua mente. Imediatamente levantou-se e abraçou a esposa.

— Eu não acredito – levantou-a em seus braços suados e a rodopiou enquanto ela ria. Ambos chorando de felicidade pois o número de corações que batiam dentro daquele barco agora havia aumentado.

                A água o atingiu com força penetrando em sua boca e nariz e retirando totalmente o ar de seus pulmões. Por um instante, teve certeza de que havia morrido, que a onda o havia levado consigo para dentro da garganta perversa do oceano, mas então eles ganharam novamente a superfície e ele percebeu que por milagre haviam sobrevivido.

                – Brendan! Você está bem? – ele ouviu uma voz seguida de uma tosse ruidosa e virou-se para ver.

                Brendan estava no chão, a força da água aparentemente o havia arrastado e Juliana estava ajoelhada  ao seu lado, uma das mãos segurava-se na amurada enquanto a outra tentava ajudar o garoto a se manter sentado.

                Ela estava chorando sentada no chão do barco abraçada às próprias pernas. Havia dias que não conversavam, ela se isolara depois da perda do bebê. Briney também se sentia triste, porém sua dor maior era sentir a dor daquela que ele amava. Cortava-lhe o coração em mil pedacinhos ver seu pranto desamparado.

                Vagarosamente, ele se aproximou carregando o rádio de mão que costumavam usar para escutar a rádio local, nele ainda era possível colocar fitas K7. Inúmeras vezes eles se divertiam nas lojas de música procurando por novos cantores com letras de músicas que pareciam interessantes. Colocou o radio sobre o estofado do banco que precisava ser trocado e a música favorita dela tocou.

                Ele a puxou pelos braços gentilmente. De início, ela recusou, mas aos poucos cedeu e se levantou, sentindo os braços deles rodearam o corpo magro. Briney balançou os corpos em um ritmo lento para acompanhar a música e ela apenas se deixou levar.

                – Com você minha vida sempre estará completa – ele sentiu os braços de Alyssa se apertarem ao redor de seu corpo bem como o suave encontro dos lábios dela com seus, eles tinham um leve gosto salgado de lágrimas.

                Bicadas ferozes em sua cabeça o fizeram acordar abruptamente de seu devaneio e virar-se para frente. Peeko piava desesperadamente para trazê-lo de volta a si, não era sem motivo. Imensas figuras escuras cortavam a o oceano, eram montanhas marítimas feitas puramente por pedras. O marinheiro arregalou os olhos, elas já estavam próximas demais, o barco inevitavelmente se chocaria contra as pedras e ele e os adolescentes iriam para o fundo do mar.

               


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Notas finais do capítulo

Essa fanfiction é postada no blog:

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