Neo Pokémon Hoenn escrita por Carol Freitas


Capítulo 22
Tempestade de Verão na Primavera (especial)


Notas iniciais do capítulo

Pessoal, como esse capítulo é especial, sua leitura não é essencial para o desenrolar da fic, bem como todos que já tem esse título. Fica a critério de vocês lê-lo ou não.



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                Era uma tarde de temperatura amena. O cheiro de terra molhada pairava no ar após uma manhã inteira de chuva forte. Um garoto de cabelos esverdeados estava deitado sobre o telhado enquanto observava as pesadas nuvens, que outrora trouxeram o temporal, se desfazerem pouco a pouco para dar lugar ao brilho tímido do sol que lutava para anunciar sua presença naquele dia. Uma brisa suave agitava suavemente os cabelos verdes enquanto lhe fazia carícias no rosto. Esperava que sua mãe não soubesse que estava ali ou teria um infarto, era aterrorizante para ela vê-lo numa altura maior do que um metro do chão. Era engraçado como o medo por muito tempo também passara para ele, mas agora, depois de tudo o que havia vivido, a sensação de estar longe de todos se sobrepunha a qualquer medo que pudesse ter.

                Assim como as nuvens que carregavam tempestades, seu peito era uma reviravolta de sentimentos que ele não conseguia identificar. Já fazia três dias. Há três dias sua pokémon se fora sem nem ao menos olhar para trás. Constantemente se pegava pensando se ela estaria triste, se sentia falta dele, mas o que mais lhe doía era saber que todas as respostas para suas perguntas seriam não. Sua antiga pokémon estava onde queria estar, porém não conseguia deixar de sentir um gosto amargo na boca. A sensação de rejeição associada ao sentimento de ter falhado com a Kirlia o perturbava constantemente.

                Em casa, a troca fora bem vinda por seus pais. A mãe ficara aliviada ao ver o Elekid, que, apesar da raça ter um comportamento explosivo, era bastante amigável. Passados os dias, parecia até que nem se lembravam de que ele um dia tivera outro Pokémon. Sua tia, no entanto, sabia o que se passava em seu interior e lhe perguntara mais de uma vez se tudo estava bem, tentando criar um espaço para que o sobrinho se sentisse a vontade o suficiente para falar. No entanto, Wally não desejava conversar, a verdade era que em todo esse tempo, mal conseguira olhar para seu novo pokémon. Sabia que a culpa não era dele e se sentia mal por isso, mas encarar e usar o pequeno humanoide elétrico significaria aceitar de vez que Ártemis se fora.

                Ouvindo sua mãe o chamar do andar debaixo, ele desceu cuidadosamente do telhado até atingir a varanda de seu quarto. Elekid estava sentado na cama folheando desajeitadamente um dos poucos livros de figuras infantis que não havia sido destruído pela Ralts. O menino passou pela criatura sem se dirigir a ela, no entanto o Pokémon largou o que estava fazendo e seguiu-o fielmente como sempre fazia. Quando chegou ao andar inferior, o cheiro de brownies caseiros de chocolate com nozes havia impregnado todo o ambiente. Sua tia estava fazendo-os para serem vendidos nas barraquinhas de comida que haveria no festival daquela noite.

                Os pequenos bolos de aparência apetitosa estavam sendo cuidadosamente cortados e embalados pela mãe do garoto. Ele tentou pegar um dos que estavam cortados em cima da forma, mas foi impedido por um pequeno tapa da mão dado pela mãe.

                – Nem pense nisso. Eles ainda estão quentes e vão te dar dor de barriga – repreendeu.

                – Wally, querido. Você poderia ir até o supermercado comprar mais ovos para mim? – pediu a tia um pouco sem jeito – Deixei cair a vasilha que tinha o resto que precisaríamos.

                – Você só não é mais desastrada porque trabalha numa cafeteria há meses – comentou a sua mãe. Maggie mostrou-lhe a língua exatamente como uma criança faria.

                – Acidentes acontecem, não seja chata. O dinheiro está em cima da mesa querido.

                O garoto confirmou com a cabeça e calçou os sapatos que estavam na entrada da porta dos fundos. Pegou as moedas e notas que estavam sobre a mesa e colocou no bolso.

                – Quantos eu tenho que comprar?

                – Acho que duas dúzias são o suficiente – respondeu a mulher mais nova olhando para a massa na forma em suas mãos como se calculasse.

                – Está bem – o menino já ia sair quando sua tia chamou-o.

                – Espere, Wally! Porque não leva o Elekid com você? – sugeriu, o pokémon que olhou para o garoto esperançoso.

                – É uma boa ideia. Ele quase não sai de casa – Foi a vez de sua mãe se manifestar.

                – Acho melhor não. Eles nem devem deixar pokémons entrarem por lá – respondeu o menino dando de ombros e, sem esperar resposta, saiu da casa.

                Caminhava pelas ruas com as mãos no bolso e a cabeça viajando por pensamentos distantes. O supermercado não era longe dali, mas prolongou seu caminho o máximo possível. Não sabia de que fugia, era como se encarar as pessoas fosse vergonhoso. Era mais fácil estar na presença de estranhos do que daqueles que o amavam, talvez pelos outros não conhecessem a falha que ele era como treinador. Por sorte, a fila do local estava razoavelmente grande por conta do evento da noite, fazendo-o perder mais um pouco de tempo de maneira justificável.

                No entanto, toda espera chegava ao fim e logo ele já entrava de novo em casa. O pokémon elétrico levantou animadamente para recebê-lo, recebendo um aceno de cabeça em resposta. Deixou as caixas de ovos em cima da mesa juntamente com o troco e subiu as escadas rumo a seu quarto. Chegando neste, pegou livro aleatório em sua estante e se jogou sobre a cama coberta com edredom azul. Começou a folheá-lo sem realmente prestar atenção no que estava escrito.

                Alguns minutos depois leves batidas ressoaram em sua porta e ele disse à pessoa que entrasse. Era sua tia Maggie que trazia um sorriso amigável.

                – Você nem me deu tempo de te agradecer pelo favor. – disse enquanto se aproximava-se e sentava ao seu lado na cama. Passou delicadamente as mãos sobre os cabelos lisos do sobrinho – Precisamos conversar.

                – Sobre o que? – perguntou. No entanto, já sabia do que a mulher falava.

                – Eu sei que você está triste pelo fato da Ralts ter escolhido outro treinador, mas não pode deixar seu novo pokémon de lado. Elekid só quer conquistar seu carinho e amizade.

                – Eu não estou deixando ele de lado, eu só... – ele não soube mais o que dizer. Sabia que o que a mulher dizia era verdade por isso não tinha o que contestar.

Ela desviou seu olhar dele e observou através da porta que dava para a varanda. O vidro ainda exibia um pequeno adesivo em seu canto inferior esquerdo da qual ele não tivera tempo de tirar, pois este havia sido colocado recentemente após Artêmis ter quebrado o último. A expressão de sua tia era suave e os olhos distantes. As vezes ela mexia a boca como se quisesse dizer algo, mas logo em seguida mudava de ideia. Parecia lutar para conseguir achar as palavras certas.

— Eu entendendo o que você está sentindo, embora nunca tenha passado por nenhuma situação parecida – continuou a alisar os cabelos do garoto – A sensação de se sentir rejeitado e trocado é uma das piores que existem. Você se pega pensando no que poderia ter melhorado para ser o suficiente.

Ele não respondeu, apenas abraçou os próprios joelhos e sentia os olhos ficarem um pouco mais úmidos.

— E apesar de eu te entender, existe alguém aqui que talvez saiba melhor do que ninguém do que você está passando.

                – De quem você fala? – indagou o menino. A mulher fez um sinal aprontando para o andar de baixo.

                – De seu Elekid.

                – Ah... – ele desviou seu olhar para algum ponto inespecífico da parede em sua frente.

                – Como eu disse, compreendo o que você está sentindo. No entanto, você teve o poder de escolha.

                – Como assim? – voltou a encará-la sem entender. Fora Artêmis que decidira partir e não ele.

                – Você sabia que sua pokémon poderia ir se você permitisse. Você escolheu dar a ela o direito de decisão e, apesar de não ter sido uma decisão que te agradou, ela usou dele. – Maggie ajeitou a postura para enxergá-lo melhor e pegou uma de suas mãos entre a sua – O que eu quero dizer é que você sabe qual a sensação de ser trocado e estava ciente de que isso poderia acontecer. Imagine que já foi trocado uma vez e agora sente que seu treinador novo não gosta dele?

                Aquilo pesou no estômago do garoto, nunca imaginou que pudesse estar repetindo com outros o que aconteceu consigo. Artêmis havia sido “deixada de lado” pela treinadora que queria, ele fora deixado de lado por sua pokémon e agora o pequeno humanoide elétrico também sofria do mesmo sentimento com relação a ele. Talvez ele e a Ralts não fossem assim tão diferentes, afinal.

                – Eu... Eu não...  – começou, mas não sabia o que dizer a seguir. Sua tia acariciou a mão que ainda estava entre as suas.

                – Eu sei, eu sei... E está tudo bem, ainda não é tarde demais para consertar. Só lembre-se que coisas ruins acontecem e as vezes não se pode evitá-las, mas por trás de cada porta que se fecha há sempre uma que se abre para que possamos alcançar nossos sonhos de uma maneira diferente – e dizendo isso, a morena levantou-se e saiu pela porta – Preciso terminar de assar meus doces.

                As palavras de sua tia o fizeram pensar mais do que semanas na escola. Por alguns momentos ele permaneceu sentado na cama olhando para as próprias mãos sem saber o que pensar e, por fim, pegou uma toalha e se dirigiu ao banheiro do andar superior, onde tomou um banho demorado. Vestiu uma bermuda preta com tênis brancos e uma camisa azul escura onde um pequeno Bulbassaur sentado na grama erguia uma placa: I am a number one!

                Quando desceu as escadas, encontrou o pequeno Elekid sentado nos degraus olhando para um pequeno globo de neve que continha a Torre Prisma em Kalos. Ele a balançava de um lado para o outro e parecia encantado com os pequenos flocos de neve se espalhavam para todos os cantos e caiam lentamente formando redemoinhos desordenados. Ele não parecia ter percebido a aproximação do garoto, mas com sua chegada observou-o com feição de tranquilidade.

                – Se a mamãe ver você mexendo com isso ela irá matar nós dois – sussurrou com feição séria, assustando o pokémon que quase deixou o globo cair de suas mãos. Ao contemplar os olhos apavorados da criatura, Wally deu uma pequena risada – Está tudo bem, só tome cuidado para não quebrá-lo.

                O Elelkid assentiu e continuou a balançar o objeto, ainda encantado pelo que via. Nunca em sua vida pode imaginar que uma criatura daquela espécie pudesse ter um comportamento tão tranquilo. A natureza explosiva e agitada fora suplantada por uma essência doce de uma criatura que parecia apenas possuía uma densa sede de conhecer o mundo. Pensou que poderia ficar a observar o pokémon ali, imerso em seus próprios sonhos, mas era chegada a hora de cumprir seu papel de ser tornar um treinador melhor.

                – Ei, Elekid. Você quer dar uma volta comigo pela cidade? O Festival dos Vaga-lumes vai começar e tudo estará muito bonito – o pokémon imediatamente levantou-se de onde estava e correu para deixar o globo na estante de onde o tirara – Acho que isso é um sim.

                O sol começava a se por e conforme treinador e pokémon caminhavam tudo diante dos seus olhos ficava cada vez mais bonito e colorido. Em Verdanturf, anualmente era comemorada uma noite em homenagem aos pokémons Volbeat e Illumise, criaturas muito amadaspela região pois eram elas as principais responsáveis pela polinização das flores que tornaram aquela cidade tão famosa.  O início da primavera coincidia com o nascimento de centenas daqueles fofos pokémons cujos ovos foram botados no início do inverno. Naquela noite, todos esperavam poder dançar sob a luz dos pequenos insetos dando seu primeiro voo.

                As ruas estavam repletas de barraquinhas multicoloridas com comerciantes que preparavam seus primeiros produtos para vender, As cores vermelho e roxo predominavam nos acessórios das mulheres, rapazes e crianças que corriam brincando pra todo lado. No céu, as luminárias com o formato dos pokémons balançavam com o toque do vento. Uma música suave pairava no ar vinda sabe se lá de onde. Aos poucos o cheiro da deliciosa comida que estava sendo preparada preenchia o ar e faziam salivar aqueles que o sentiam.

                O Elekid olhava para tudo com os olhos de uma criança, encantado e ao mesmo tempo doido para tocar em tudo o que viam conforme Wally parava nas barracas para apreciar seu conteúdo. Aos poucos a multidão aumentava e, para que seu amigo não se perdesse, o puxou pelo braço e colocou em seu ombro. O peso era desconfortável, mas não queria que o pokémon fosse pisoteado ou acabasse derrubando alguém.  Passou até na barraca de sua tia onde ela e sua mãe vendiam sobremesas tradicionais da região, porém não se prolongou muito por lá, porém ambas pareciam felizes de vê-los juntos.

                Por fim, comprou dois espetinhos de tofu e legumes para ele e seu pokémon e se sentaram em um dos bancos da praça onde haviam grandes e belas cerejeiras no auge do seu esplendor. Crianças corriam de um lado para o outro balançando pequenas velas de estrelinha, como se travassem uma luta de varinhas mágicas de um filme antigo da região de Galar. Um grupo de jovens estava sentado razoavelmente próximo dele, mas não lhes deu atenção. Era tímido demais para falar com desconhecidos, principalmente com pessoas da mesma idade dele.

                – Ei, Wally. Parece que você se deu muito bem na nossa troca, não é mesmo? – uma voz chamando seu nome o fez virar seu rosto na direção do jovem. O mesmo garoto que encontrara a dias atrás agora encarava-o entre um bando de amigos. A raglan preta e vermelha e calça jeans o deixavam com um ar bem mais descontraído do que antes.

 

 

 

                – Do, do que... – começo a falar, mas viu que a voz saiu como um sussurro e aumentou sua tonalidade – Do que você está falando?

                – Da Pokémon que você trocou comigo. Ela pode ser do tipo psíquico, mas é uma das piores pokémons que eu já vi. Esse Elekid pelo menos acerta o alvo.

                – Isso não é verdade – respondeu apenas. Se lembrava de todas as coisas que Ártemis havia lançado nele e foram muitas poucas as que não haviam atingido o alvo.

               – Fora que nem consegui treiná-la direito, perdeu todas as batalhas contra todos os treinadores que enfrentei. Sinceramente, se eu não fosse um cara que honrasse suas trocas, pediria meu Pokémon de volta – ele comentou sério enquanto colocava as mãos no bolso.

                – Esse molequinho é mais esperto que você cara. Te passou a perna com a Pokémon – debochou um dos amigos de Henry que tinha a cabeça raspada do lado e carregava uma garrafa de cerveja de alguma marca famosa. Wally preferiu ignorá-lo.

                – O-onde ela está? – perguntou inconscientemente, pois sabia que a última coisa que Artêmis queria seria vê-lo.

                – Pra falar a verdade pra você, eu nem sei cara – ele deu de ombros – Depois que ela perdeu todas as batalhas contra os treinadores que enfrentamos, ela sumiu.

                Wally colocou as mãos no bolso e encarou o chão. Não importava que ela não fosse mais sua pokémon. Iria achá-la e trazê-la de volta ao treinador para que ela realizasse seu sonho de se tornar uma das guerreiras mais poderosas de Hoenn.

                – Eu irei atrás dela e a trarei de volta. Não se preocupe, ela é forte, só precisa de treinamento adequado – Henry suspirou e enfiou a mão no bolso, lançando uma pokébola para o garoto logo em seguida.

                – Pode fazer o que quiser. É a terceira vez que ela dá um surto e some, não me deixa treiná-la e nem obedece. Não sei se algum dia alguém conseguirá treiná-la.

                – V-você quer desfazer a troca? – olhou para o pequeno Elekid que observava-os com o olhar confuso e parecendo até um pouco entristecido. Deveria ser horrível ficar passando de treinador a treinador como se fosse um simples objeto. Henry olhou para seu antigo pokémon e em seguida para Wally.

                – Você conviveu mais tempo com esse Elekid do que eu. Não terei tempo de treiná-lo para a Liga de Johto daqui há alguns dias. De qualquer modo, sou eu quem estou te entregando a Ralts. Espero que consiga achá-la.

                Wally olhou para a pokebola vazia em suas mãos e assentiu.

                – Onde você a viu pela última vez? – Perguntou.

                – Estava perto do moinho abandonado. Aquele que as crianças daqui costumavam brincar.

                Um arrepio percorreu a nuca do garoto. Já fora lá alguns anos atrás e mesmo de dia aquele antigo moinho caindo aos pedaços ainda era assustador. A lua estava crescente e as estrelas cobertas por pesadas nuvens que mais tarde poderiam trazer chuva. Ele olhou para Henry e, com receio de que o medo transparecesse em sua voz, apenas assentiu com a cabeça. Caminhou rapidamente em meio às pessoas que estavam na feira, se sua mãe e tia o vissem correndo com certeza o impediriam. Olhou para em volta para tentar localizá-las e viu o pequeno Elekid que ainda estava atrás dele e sentiu-se mal novamente, mais uma vez estava deixando o pequeno para trás.

                Ajoelhou-se para esperar que o pokémon o alcançasse e o acolheu em seus braços, sentido o toque macio dos pelos e um pequeno arrepio, como se uma corrente elétrica suave percorresse seu corpo.

                – Eu sei que não tenho sido o melhor treinador para você esses dias, aliás, estou bem longe de ser um bom treinador, mas preciso que me ajude a encontrar minha amiga. Ela está sozinha e magoada por aí.

                – Beee beey! – grunhiu o pokémon assentindo, parecia até animado. Wally sentiu as pálpebras se pesarem com as lágrimas.

                – Ainda bem que não te perdi. – um abraço quente e apertado se seguiu. Talvez o primeiro verdadeiro entre treinador e pokémon, selando uma amizade que provavelmente duraria até o fim da vida de ambos.

                Colocou o pokémon novamente em seus ombros e, a partir de então, mal sentiu seu peso. Continuou a andar pela multidão enquanto pensava no que fazer, ele conseguiria chegar sozinho até o antigo moinho?

                – Wally? – uma voz conhecida chamou-o, fazendo-o se virar e ver a tia encará-lo com uma feição preocupada – Está tudo bem, querido?

                O que fazer agora? Com total certeza sua feição dizia o que estava se passando em sua mente e seu coração. Conseguiria mentir para a tia? Não sabia como dizer o que precisava sem gaguejar, ele sempre fora um péssimo mentiroso.

                – Eu... Tia, eu preciso de ajuda...  – a voz dele saiu como um pedido desesperado de socorro.

                – Venha comigo. – ela puxou-o do meio do grupo de pessoas animadas e o levou para uma área mais vazia – Eu vi você conversando com os amigos do Henry. Não tenho nada em particular contra ele, mas devo dizer que aqueles garotos e garotas com quem ele anda não são lá agradáveis.

                O menino de cabelos verdes contou então tudo o que lhe foi dito para a mulher que apenas escutou a tudo atentamente sem pronunciar qualquer palavra. Quando a história se encerrou, por fim, pediu que se ela não pudesse levá-lo, ao menos que não dissesse à mãe dele o que iria fazer.

                – Precisamos dar uma desculpa para a sua mãe não perceber. Vou até ela e invento qualquer desculpa e você me espere na rua de trás. – Passou a mão pelos cabelos do garoto – Vamos dar um jeito nisso, não fique com essa cara.

                Ele fez o que lhe foi pedido e logo atingiu a rua de trás, ficando parado perto de uma árvore para tentar chamar menos atenção. O barulho das festividades continuava, mas ele sequer prestava atenção. A única coisa em que conseguia pensar era respirar profundamente para tentar manter a calma, não precisava e nem poderia ter outra crise de asma naquela noite. Muito tempo havia se passado e ele começava a acreditar que sua mãe não havia permitido que a tia saísse, quando um carro de cor prateada parou ao seu lado e deu uma pequena buzinada.

                – Venha querido, vamos lá! – a motorista se pronunciou e ao ver que era a mulher que esperava, ele rapidamente entrou no veículo.

                – Tia, e-eu pensei que houvesse desistido. Mamãe não deixou a senhora sair?

                – Na verdade, não. – deu uma risada – Fui bem enfática ao dizer que estava com dor de barriga e precisava me ausentar. Seu pai está lá ajudando agora, então ela vai demorar um pouco a sentir minha falta. Vamos achar a Artêmis agora.

***

                Já havia escurecido, ela mal havia percebido. Tudo sempre fora dia para ela, sempre parada no mesmo lugar ligada à pessoas diferentes. E agora, havia escurecido, e ela estava sozinha. E ela sentia raiva, tanta raiva que não era possível explicar. Porque nada dera certo, porque mais uma vez fora deixada de lado e daquela vez por sua falta de competência.

                Primeiro, havia sido tudo escuro e quente. Então ELE estava lá, na verdade, ele sempre estivera ali e durante muito tempo eles foram apenas um. E também havia existido ELA, ela que era o próprio calor, cujo rosto nunca vira, mas que o coração era repleto de sentimentos de amor. E desde o início ela amara ELA e ELE, pois além de ser o mesmo corpo, eram da mesma essência. E então foi o fim, veio a tristeza, a dor, o frio e no final o vazio. De repente, ELE estava distante e ELA não existia mais. Não havia mais calor, amor ou aconchego, só um mundo de vozes estranhas e sentimentos ruins. Depois de um tempo, soube que aquela que chamava de ELA, era também chamada de mãe.

                Depois viera o garoto de cabelos verdes. Ele era tímido e frágil. Ele também a amara, mas ela não entendia seu amor, pois não conhecia e ele tinha medo. Um medo tão grande que a aterrorizava, pois se ele tinha medo, significava que não era forte o suficiente para ficar e ela não queria perder mais ninguém.

                Então o garoto de cabelos negros veio, ele tinha menos medo, mas ele não a enxergava. Era como se olhasse para um grande pomar de maçãs, não importaria qual desse fruta primeiro, sempre seriam apenas macieiras e, depois de um tempo, todas seriam indistinguíveis à sua percepção. Ela tentou chamar sua atenção, mas quanto mais tentava provar seu valor, mais parecia que era invisível. Então cometeu erros, mais erros e finalmente ela ficou invisível a seus olhos.

                As gotas de chuva começavam a cair. Estava tudo tão escuro e tão frio. Como sentia saudades DELA, como queria ver ELE de novo. A garota com quem ELE fora não tinha medo e ela sabia que existiam outros que estariam com ELE e o amariam. Seu pequeno corpo começou a tremer cada vez mais molhado pelas lágrimas do céu. Havia uma grande e velha construção próxima que lhe serviu de abrigo. Ela sentiu raiva de si mesma por ser tão fraca, sua raiva era tanta que os objetos ao seu redor começaram a flutuar, sendo arremessados contra as paredes de madeiras cheias de mofo.

                Talvez aquele fosse seu destino, ser fraca para poder ir com ELA. Seu pequeno coração martelava de saudade misturada à sensação de abandono. Uma parede se quebrou com um dos objetos arremessados e o vento trazendo a chuva que a molhou ainda mais. Não importava, talvez naquela noite encontrasse ELA. Não se importava mais.

                Um barulho de passos fez se                ouvir pelo amassar das folhas e capim seco no chão.

                A chuva caia forte, ela se sentiu cansada e deitou-se no chão. Quem sabe depois de tanto tempo conseguisse dormir. Um sono sem sonhos ou um sono como tivera no princípio, apenas sentindo a doçura da voz e o calor do amor de sua mãe.

                Seria um pokémon que se aproximava? Quem sabe uma das criaturas malignas da noite, um Mightyena por exemplo, e mesmo que fosse ela mal faria força para fugir. Não, não era um Mightyena, seus sentimentos eram complexos demais. Não importava. Ela atiraria coisas em sua direção e ele se assustaria.

                Era o garoto de cabelos verdes. O que ele estaria fazendo ali? Ela podia sentir seu medo, ele estava aterrorizado. Por que não corria?

                – Artêmis – Podia ouvir a voz dele chamando-a.

                “Vá embora!” Um pedaço de madeira, talvez o machucaria.

                – N-Não posso – ele respondeu-a – Esse lugar corre o risco de cair.

                “Eu não vou a lugar algum” Mais um objeto na direção dele. Este atingiu a perna, o barulho do gemido de dor do garoto foi coberto pela tempestade. Por mais que ele tentasse se aproximar, ela não permitia.

                – Eu sei... Eu sei que coisas ruins aconteceram e que você ficou triste, mas vamos embora daqui. Vamos treinar, eu ajudo você...

                “Você... Está com medo...” Um relâmpago iluminou os céus, seguido de um trovão tão forte que estremeceu o solo.

                Um bater de asas fez-se ouvir no teto e criaturas noturnas que ela até então não havia notado soltaram seus guinchos irritados. Dezenas de asas bateram no teto, assustados e irritados por toda a movimentação que perturbara seu local de descanso. Mais guinchos irritados e todas as criaturas aladas se desprenderam do teto e voaram na direção de ambos. Ela conseguia se defender bem, mas não o garoto, que se encolhera perante o ataque de tantas criaturas.

                Ela podia sentir seu medo, sim, agora maior do que nunca. Ele estava completamente apavorado. Os gritos de terror haviam se prendido em sua garganta tamanho o terror que sentia. Ela podia ver, os pensamentos estavam gritantes, uma pequena criança de 6 ou 7 verões encolhida naquele mesmo canto, sendo atacada por centenas daquelas criaturas. Os outros como ele haviam deixado-o para trás, ele sentia tanto medo que perdera o controle de sua bexiga. Foi encontrado horas depois por políciais, quase desmaiado e com sinais de envenenamento. Ele realmente detestava Zubats.

                Porém, assim como havia começado, a enchente de morcegos acabara rápido com a dissipação das criaturas pela noite e novamente fez-se silêncio. O menino permaneceu encolhido e assim permaneceria durante muito tempo.

                – Artemis... Nós... Nós precisamos ir... – ela não acreditava. Por que? Por que? Por que ele ainda estava ali?

                A estrutura do moinho balançava, a madeira rangia em berros agoniados. Chovia tanto pelas frestas e tábuas que era como se estivessem ao relento. Uma viga partiu ao seu lado e um pedaço do teto começou a ruir. Pela primeira vez naquela noite ela sentiu o gosto real do medo, sabia que devia se teleportar, mas a lembrança de como fazê-lo parecia ter sumido de sua mente. Encolheu-se toda, finalmente iria encontrar com ELA novamente, finalmente iria se reencontrar com sua mãe.

                Foi então que braços a rodearam com um aperto forte. O garoto de cabelos verdes, que há segundos  atrás abraçava os próprios joelhos a segurava protetoralmente. Ela se contorceu, mas ele manteve o aperto firme. Um único pensamento mantinha-se firme e ela gritava-o na mente dele.

                “Por que?”

                “Por que?”

                “Por que?”

                Ela então sentiu, mesmo com tudo desabando ao seu redor. De repente, era fácil usar seus poderes, e ela os teleportou para fora dali.

                Porque era com o amor que se ganhava forças para vencer o medo. E naquele momento ela havia sentido o amor de Wally. Não era quente e aconchegante como o de sua mãe, ou calmo e confiante como o de seu irmão. Era mais vivo, mais mutável, mais denso, como o amor de quem havia escolhido amar.

                A chuva não tardou a acabar, como uma chuva de verão na primavera, toda turbulência se fora rápido como chegara. E ela sentiu com se seu peito fosse o céu daquela noite, que finalmente deixava transpassar a luz do amanhecer.


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Notas finais do capítulo

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