Neo Pokémon Hoenn escrita por Carol Freitas


Capítulo 20
Inesperado


Notas iniciais do capítulo

Deixem reviews pessoal! Só assim eu sei que estão gostando.



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                As manhãs de Hoenn eram sempre belas, ou pelo menos, a maior parte delas, mas aquela não iria ser diferente. O céu aos poucos perdia a tonalidade azul escura que ia se mesclando aos poucos com o amarelo e laranja dos raios produzidos pelo sol. Wingulls faziam sua algazarra no posto em busca de comida para roubar de pescadores desavisados enquanto pequenas Magikarps saltavam de um lado para o outro tentando comer o que as gaivotas deixavam cair nas águas.

                O centro pokémon naquela manhã estava praticamente lotado, muitos coordenadores iniciantes vieram tentar a sorte naquele que era um dos primeiros concursos da temporada do continente, o primeiro do leste de Hoenn. Além disso, vários treinadores das redondezas, curiosos para ver mais sobre aqueles que seriam as novas promessas daquele ano ou simplesmente ansiosos por um espetáculo também garantiram sua presença ali.

                Juliana já havia acordado há algum tempo, perdera o sono nas primeiras horas do amanhecer e desde então permanecia deitada na cama olhando para o teto e repassando mentalmente tudo o que havia treinado com seus pokémons. Sua ideia inicial era começar com Nigel na fase de apresentações e seguir com a Whismur nas próximas, caso conseguissem pontos o suficiente. Tentava ficar tranquila, já haviam treinado aquilo várias e várias vezes, mas não conseguia evitar que o frio do nervosismo preenchesse seu estômago.

Cansada de ficar ali sem fazer nada, a garota levantou e se dirigiu ao banheiro para tomar um longo e demorado banho numa tentativa de desanuviar a cabeça. Por alguns momentos quase chegou a conseguir ter sucesso nesse feito, mas logo a mente voltou a pesar novamente com a sombra do concurso se aproximando. Saiu cômodo e vestiu sua roupa costumeira e ajeitou os cabelos. Levaria o vestido novo na bolsa para se trocar no vestiário da arena de contests. O relógio quase marcava a hora que combinara de se encontrar com os amigos no refeitório, por isso decidiu que não faria mal chegar ao local alguns minutos mais cedo.

Caminhou pelos corredores vazios até chegar. Diferente do que imaginara, já havia várias pessoas se alimentando no local, muitos deles eram jovens, até mais do que elas. Animados, comentavam sobre os concursos  dos Festivais anteriores para os amigos, bem como falavam de seus pokémons e de qual estratégia esperavam usar naquele dia. Ela tentou desviar seus pensamentos para ouvir o mínimo possível do que eles falavam ou aquilo apenas a deixaria mais ansiosa.

Serviu-se de um mingau de aveia e um copo de leite, algo que seria fácil de engolir visto que o aperto em seu estômago apenas parecia crescer cada vez mais. Não demorou muito para que os amigos aparecessem por ali, o primeiro foi Brendan com sua costumeira cara mal-humorada que, após cumprimentar a garota e perguntar como ela estava, focou a leitura no jornal e trazia. Logo em seguida May chegou até eles, a cara da mais nova demonstrava que ela nitidamente ainda estava com sono, mas ao mesmo tempo animada com o evento que aconteceria daqui a algumas horas.

— Bom dia! Como você está, Ju? – perguntou a garota ao se sentar. A negra deu um pequeno sorriso.

— Acho que bem... Um pouco nervosa, talvez – Pouco na verdade era apelido para o que sentia dentro de si, mas não queria deixar os amigos preocupados com ela.

— Você conseguiu dormir bem essa noite? – a mais nova questionou novamente. Com o canto do olho, ela viu Brendan paralisar ao seu lado e levantar ainda mais o jornal sobre o rosto. Quase riu com a cena.

— Eu consegui dormir um pouco, o dia de ontem me deixou cansada. Só que acabei acordando de madrugada e não consegui mais fechar os olhos.

— Tente ficar tranquila, vai dar tudo certo – incentivou a amiga – E tente comer alguma coisa também.

Juliana olhou para o próprio prato que era para onde se dirigiam os olhos da mais nova. Era verdade que ela mal havia tocado na comida, o mingau jazia intacto no prato de porcelana, sendo que a única coisa que ela havia feito foi revirar a mistura de um lado a outro com a colher, sem levar sequer nenhuma colherada à boca. O mesmo até já devia estar frio.

— Ah, nessas horas de nervosismo a única coisa que consegue me acalmar é refrigerante de uva – Ela deu de ombros e Brendan abaixou o jornal, olhando-a com uma cara incrédula.

— Sério que você gosta disso? Esse negócio é muito ruim.

— Ruim é o seu nariz, refrigerante de uva é quase um vinho de Dionísio – May riu.

— Se não fosse tão cedo juro que tentava comprar pra você, mas é provável que as lanchonetes nem abriram ainda.

A última a chegar ali havia sido Lunna, ela não havia combinado nada com eles, mas ao vê-la, Juliana, que estava de frente para as mesas com o café da manhã, fez um gesto para a morena se aproximar e se juntar ao grupo. Pode observar que a mais velha havia ficado feliz com o convite, sua expressão corporal mudara imediatamente.

— Hei... Bom dia, pessoal – cumprimentou enquanto se sentava ao lado de May – Caramba, detesto acordar cedo.

— Quem é você, exatamente? – perguntou Brendan com um olhar frio para a garota nova.

— Essa é Lunna. Ela é nossa amiga, Brendan. Lunna, esse é o Brendan, ele viaja comigo e com a Ju – May apressou-se em fazer as apresentações antes que Brendan dissesse mais alguma grosseria.

— Okay – ele deu de ombros e voltou a pegar seu jornal.

— É um prazer conhecer você também, Brendan – Disse a garota de olhos verdes em tom sarcástico.

O garoto fixou o olhar na moça e teria dado uma de suas típicas respostas grossas se Juliana, pressentindo o perigo, não tivesse mudado o rumo da conversa.

— Ignore ele, Lunna. Ele é birrento assim mesmo – ela recebeu um olhar mortal do garoto – Vai com a gente para o Concurso?

As garotas continuaram a conversa por algum tempo, fazendo com que o pensamento do concurso fosse afastado por alguns minutos. No entanto, o relógio nunca para de girar e por mais que se deseje atrasar o tempo, ele sempre corre em direção ao futuro. A hora do concurso se aproximava, a negra, como participante, deveria chegar mais cedo para o cadastramento, por isso eles logo deixaram a mesa para irem até a recepção recolherem seus pokémons.

— Boa sorte em seu concurso – desejou a enfermeira Joy à garota, que agradeceu educadamente.

Decidiram ir andando até a arena de batalhas, não era uma caminhada tão longa e o clima estava fresco, visto que a manhã havia acabado de começar. As ruas não estavam tão movimentadas, apesar de tudo ainda era manhã de domingo e a maioria das pessoas ainda estava em suas casas, mas logo aquele número iria rapidamente aumentar devido ao evento que aconteceria naquele dia.

Hoenn fora a primeira região do mundo a criar os concursos Pokémon. Ali, os Grandes Festivais, competições abertas apenas a coordenadores que se destacassem obtendo um número maior que 5 fitas a cada temporada, eram até mais assistidos e adorados do que as ligas pokémons. Top Coordenadores, os campões desses eventos, tinham os mesmos prestígios do que os Campeões da Liga; inclusive, uma antiga Top Coordenadora da região, Glacia, havia há alguns meses entrado na Elite dos 4. Rustboro foi uma das últimas cidades do continente a aderir aos concursos, no entanto, era uma das poucas da zona oeste da região que realizavam o evento, talvez por isso a grande comoção das pessoas no geral.

Depois de caminharem por alguns minutos, os jovens finalmente chegaram a arena construída à cerca de dois anos. Uma grande construção de aparência moderna se erguia diante deles, possuía formato circular com janelas de vidro por toda sua extensão nos andares superiores; o teto era uma grande cúpula branca com divisões que convergiam para um ponto central. O estacionamento era grande, diversos treinadores já se encontravam nele, alguns se dirigindo para a arena e outros batalhavam entre si. À esquerda, algumas barraquinhas vendiam produtos, sendo a maior parte comida e brinquedos para crianças. O clima de animação era geral.

— Caramba, como aqui é grande – comentou Juliana impressionada com tudo o que via. As arenas destinadas para concurso em Sinnoh não chegavam nem a metade desse tamanho, apenas Hearthome possuía dimensões realmente próximas do que via ali.

— Isso por que você não viu as arenas de Lilycove e Slateport, são gigantes. Às vezes eles colocam até uns telões para ajudar a transmitir as apresentações individuais – disse Lunna lembrando primeiro festival que assistira há dois anos, ela havia acabado de se mudar para Hoenn na época.

— Espero chegar lá para ver isso.

Por sorte, quando chegaram à recepção havia apenas uma pessoa na frente da negra, de modo que eles não precisaram esperar muito. Ela recebeu um crachá com seu nome, bem como uma garrafa de água e barra de cereais. Juliana se informou sobre a localização dos vestiários e eles foram para lá. A essa altura, o grupo estava em um silêncio tenso, parecia não haver palavras para serem ditas no momento. Aquilo era diferente do ginásio, era uma apresentação ao vivo, exigia desenvoltura, uma boa conexão entre treinador e pokémon e ainda habilidade de batalha.

— Vamos logo para as arquibancadas conseguir um bom lugar – disse May assim que chegaram à porta do vestiário feminino – Boa sorte, Ju. Estaremos lá na torcida por você.

Juliana, que estivera olhando para a porta do vestiário com distraída, voltou sua atenção para a amiga.

                – Isso mesmo. Sentem-se lá para me ver vencer – riu enquanto abraçava a amiga.

                – Boa sorte – Disse Brendan e acabou ganhando também um abraço – Ta bom, tá bom, já chega.

                Lunna também desejou sorte para a negra e assim, eles saíram rumo a entrada das arquibancadas que circundavam a arena. Ela estava sozinha. Um frio na barriga preencheu seu estômago e precisou reunir toda sua coragem para dar um passo adiante e entrar no cômodo.

                Era um lugar simples, as paredes eram pintadas de branco e com três trocadores com cortinas em cor vermelha de cada lado. No centro havia dois sofás compridos de cor preta. Ao lado da fileira de trocadores do lado esquerdo, duas portas deviam levar aos banheiros e, na parede oposta à da entrada, havia outra porta que provavelmente daria na sala de espera que os coordenadores usavam para assistir uns aos outros enquanto aguardavam sua vez.

                Aparentemente não havia ninguém ali além dela, então apenas fechou a porta e se dirigiu a um dos trocadores antes que a sala começasse a se encher. Quando terminou de se vestir, algumas garotas já estavam entrando na sala, Juliana cumprimentou-as com um aceno e foi para a sala de espera.

Era um lugar bem maior do que ela esteve anteriormente, havia duas grandes televisões e diversas fileiras de assentos para que os coordenadores possam assistir as apresentações e batalhas dos rivais. Caixas de som no teto transmitiam o que era falado na arena pela apresentadora. Ali já estavam 3 garotos, um deles, o mais loiro encarou-a durante algum tempo para logo em seguida virar os olhos para o outro lado.

                O tempo foi passando e logo a sala começou a se encher com treinadores de diversas idades e aparências. Havia duas modalidades de concursos naquele dia, isso fora uma regra colocada naquela temporada para todos os concursos da região. Os treinadores se dividiriam entre novatos e veteranos, sendo que aqueles que possuíam mais de duas fitas ou mais se classificariam como veteranos e competiriam entre eles. Isso proporcionaria aos treinadores novatos uma competição mais justa e equilibrada, pois muitas vezes acabavam perdendo destaque e espaço entre os competidores mais antigos.

                O som do público do lado de fora aumentava cada vez mais à medida que o tempo passada. Ela pegou a pokebola de Nigel e ficou observando o objeto em suas mãos, fazia tempo que eles haviam se conhecido, uma situação peculiar de início de amizade, duas almas solitárias que decidiram que por algum motivo seria melhor andarem juntos. Ele seria sua escolha naquele dia para a fase de apresentações, já Whismur ficaria responsável pelas batalhas, ambos os pokémons estavam cientes de seu papel.

                Uma voz se sobressaiu em meio a balburdia, era a apresentadora do Torneio que começava a anunciar a competição. As televisões da sala foram ligadas e os competidores se ajuntaram para assistir o início da transmissão. A televisão exibiu uma mulher ruiva de belos olhos azuis usando um vestido em tons de rosa e sapatos de mesma cor.

                – Bom dia senhoras e senhores, adultos e crianças. Bom dia a todos que vieram assistir a esse espetáculo. Meu nome é Lilian e hoje irei apresentar o primeiro concurso de Rustboro da temporada! – Uma pausa na fala fez o público vibrar – Hoje teremos como nossos jurados o fabuloso Sr. Raoul Contesta, Chefe do Comitê de Atividades Pokémon. A sua esquerda, temos mais uma figura importante, o presidente do Fã Clube Pokémon, Sr. Sukiso. A por último, mas não menos importante, a enfermeira Joy da cidade de Rustboro.

                A câmera focou naqueles referidos por Lilian mostrando à esquerda um senhor de cabelos parcialmente grisalhos em um elegante terno vermelho. Ao seu lado, um senhor baixinho de cabelos cortados rentes e olhos puxados exibia serenidade enquanto a enfermeira Joy, a única mulher do trio, sorria de maneira tímida, como se ainda não estivesse acostumada a esse tipo de atenção.

                Os primeiros competidores foram chamados para dar início às apresentações dos iniciantes. Com a pokéball em mãos, Juliana observava os possíveis adversários e se questionava a todo o momento se seria capaz de realizar apresentações qualidade semelhante ao que via, a maioria dos treinadores ali era muito boa.

                O garoto que a encarara foi chamado e se dirigiu à saída para a arena, pelo que ouvira seu nome era David Wood. Logo de cara ela percebeu que ele tinha certa experiência com público, pois parecia bem à vontade naquele ambiente. A aparência do garoto também encantava, cabelos loiros e lisos e olhos azuis por trás de óculos de armação vermelha. Vestia um elegante blazer branco por cima de uma camisa vermelha e calças jeans escuras. Retirou do bolso uma pokebola e lançou em campo, revelando um belo pokémon que logo de cara ela notou que não pertencia à região. Uma bela serpente de cores verde e bege, a evolução de um dos iniciais de Unova, Servine.

                Sob os comandos de seu treinador, o Servine deu um salto alto e começou a girar seu corpo ao mesmo tempo em que executou um ataque chamado Leaf Tornado. Diferente do que se era executado normalmente, produzido pela cauda do pokémon, este foi liberado em pequenas ondas esverdeadas de folhas que saíram de todo seu corpo; observando  aquele tipo de movimento Juliana percebeu que treinador e pokémon deviam ter passado por longas horas de treino.

                O segundo movimento utilizado foi um Mega Drain, realizado tão rapidamente após o primeiro golpe que foi o suficiente para conseguir o efeito desejado, absorvendo a energia das próprias folhas que o pokémon havia criado e fazendo-a caírem secas no chão junto a ele. Um movimento chamado Growth fez o pokémon brilhar levemente e crescer um pouco seu tamanho, produzindo uma bela cena final em que ele cumprimenta o palco com uma reverência.

                O público foi à loucura, sem dúvidas aquela havia sido a melhor apresentação até aquele momento na opinião do público e dela também. David vez o mesmo movimento que seu Pokémon e ambos saíram do palco, ele provavelmente passaria para a segunda parte e o sorriso em seu rosto demonstrava que o garoto sabia disso também. Mais um competidor foi chamado e finalmente ela ouviu seu nome ser proferido por Lilian.

                Com as mãos frias e trêmulas, ela se levantou e saiu pela porta por onde o garoto chamado David havia passado, se deparando com um curto corredor que dava para a arena de terra do estádio. Ela deu uma pequena pausa para controlar a respiração e limpou o suor das mãos que quase deixavam a pokeball escapar. Por fim, sem poder mais esperar, reuniu parte da coragem que precisava e saiu sob as luzes centrais da arena.

                Ela se espantou com a quantidade de gente reunida ali, apesar de ser algo já esperado pelas dimensões do lugar. Não conseguia encontrar nenhum dos amigos nas arquibancadas e também não procurou por muito tempo, todos aqueles rostos dirigidos a ela deixavam-na um pouco sem jeito. Em suas brincadeiras de infância, quando desfilava pelo quintal de casa se imaginando campeã do Grande Festival, tudo aquilo parecia bem mais fácil.

                Uma pequena campainha soou anunciando que ela podia completar sua apresentação. Ela segurou forte a esfera de Nigel e a lançou para o palco, liberando o pequeno pokémon bípede azulado. A reação do público ao pokémon foi positiva, a figura fofa daquele pokémon bebê não era tão comum de se ver entre os treinadores quanto sua evolução.

                – É hora de brilhar, Nigel! Comece com o seu Bubble Beam! – Ela ordenou ao pokémon o golpe que eles haviam treinado.  

                O roedor, porém, não respondeu aos comandos da negra. Na verdade, sequer parecia ter ouvido qualquer palavra pronunciada por ela, sua atenção se voltava totalmente para a arena onde ser encontrava. O pequeno corpo tremeu diante da multidão de olhos ansiosos que apontavam para ele, os ouvidos sensíveis captavam uma imensa quantidade de ruídos que se atropelavam e se misturavam em sua cabeça.

                – Vamos lá, Nigel – pediu mais uma vez, o nervosismo tomando conta de seu corpo.

                Novamente o roedor nada respondeu, seu corpo tremia cada vez mais. Subitamente, o pokémon virou-se e correu de volta para ela, iniciando um choro alto e incontrolável. Não pensava em apresentação ou em qualquer outra coisa, tudo que queria era voltar para a segurança de sua pokebola. O público, percebendo a reação do pokémon, começou a vaiar e pedir que ele fizesse alguma coisa, fazendo com que o choro da criatura se agravasse ainda mais.

                Percebendo a situação em que estava, Juliana sentiu suas bochechas se avermelharem com a sensação de ter feito papel de ridículo. Não pensou muito no que estava fazendo a seguir, apenas retornou o pokémon para a esfera bicolor e saiu correndo dali. As lágrimas pela vergonha agora começavam a cair como uma cascata, se ela pudesse entraria na terra como um Digglet e nunca mais sairia a luz do dia novamente. Mal viu enquanto passava porta atrás de porta indo em direção à saída.

                Acabou por chegar à saída dos fundos do lugar, onde não havia tanto movimento, todos provavelmente estavam concentrados no concurso que agora se desenrolava. Em sua frente havia uma larga escadaria de pedra que levava para as ruas mais baixas da cidade onde era possível ver o movimento de carros em ambas as direções. Ela sentou-se em um dos degraus mais altos, colocando os cotovelos sobre as pernas e levando as mãos ao rosto para tentar conter as lágrimas que caiam.

                Já devia esperar por isso, não acreditava em sua própria presunção em acreditar que conseguiria fazer aquele tipo de coisa. As coisas nunca davam certo para ela, porque dariam hoje? Por que tudo seria diferente? Viajar com outras pessoas, capturar mais pokémon, vestir um roupa bonita, nada daquilo mudava quem ela era.

                – Ju? – ouviu uma voz chamá-la baixinho e reconheceu como a voz de May, por isso não se virou para olhar. Não queria que nenhum dos amigos a visse assim.

                – Eu estou bem... Só preciso ficar sozinha um pouco...

                – Ju... – ela chamou novamente, porém mais próxima dessa vez – Não foi sua culpa, esse tipo de coisa acontece.

                Ela deu um sorriso irônico enquanto tirava a mão dos olhos que sabiam já estar vermelhos.

                – Não May, não acontece. Eu não deveria ter mandado o Nigel para se apresentar... Ele não estava pronto para isso. Pra falar a verdade, nem sei se um dia estará... Um Coordenador que não consegue nem fazer seu próprio pokémon se apresentar, parece até uma piada.

                – Ah, qual é... – Ela ouviu outra voz e se virou, dessa vez havia sido Lunna, que acompanhara os outros dois quando viu o que aconteceu – Para de bobagem, quem nunca fez esse tipo de coisa na vida? A gente erra e faz bobagem o tempo inteiro.

                – Você não tá ajudando muito – resmungou Brendan com as mãos no bolso.

                – E você está ajudando muito parado aí como um espantalho... – retrucou a mais velha em resposta.

                – Já ouviu falar da expressão, “bem ajuda quem não atrapalha”? Talvez você devesse...

                – Já chega, vocês dois! – gritou May e ambos se calaram, não era costume da treinadora elevar a voz. Ao ver que obteve o resultado desejado, ela tornou a falar em tom suave com a amiga – Entendo que você queira ficar sozinha, vamos te dar um tempo. Estaremos aqui perto caso precise de nós.

                Deu um abraço de lado um pouco sem jeito na amiga e levantou-se, indo em direção aos outros dois para dar mais espaço à negra. Ela não concordava com aquilo, queria ficar perto da outra, mas a verdade é que se tivesse perdido sua primeira batalha de ginásio, talvez quisesse o mesmo que ela pedia naquele momento.

                Um longo momento seguiu-se em silêncio enquanto ela observava os próprios dedos entrelaçados sob o colo. Sentiu uma presença se aproximar-se dela e imaginou que fosse um dos amigos, por isso não olhou para ver quem era. Um leve pesar pairava em sua consciência pela sensação de talvez tê-los tratado mal, afina, eles queriam apenas ajudá-la. A pessoa que se aproximara sentou-se então ao seu lado e ela ira se desculpar, quando uma voz inesperada a fez se calar.

                – Olá – disse a voz e Juliana virou o rosto para olhar para sua dona, quase não a reconhecendo de imediato – Espero que não tenha se esquecido de mim.

                – Ellie! – a negra abraçou a mulher que há poucos dias havia acolhido-os em sua casa após a difícil travessia da floresta de Petalburg.

                Naquela tarde, Ellie vestia roupas a trabalho, estava levemente suja e terra e mantinha os cabelos presos. Hoje, no entanto, sua aparência havia mudado, deixando muito mais evidente a idade jovem da mulher. Os longos cabelos castanhos estavam soltos, rosto levemente maquiado e roupas casuais evidenciavam a simplicidade que adotara como estilo de vida.

                – Como você está? O que veio fazer aqui na cidade? Como está o Jonas? Não deu nem pra vê-lo depois que chegamos aqui – continuou animadamente enquanto os eventos anteriores sumiam temporariamente de sua cabeça. A mais velha riu da garota.

                – Calma... Estou bem e Jonas também, ficou um pouco mais atrás conversando com a May e o Brendan. Vim para cidade para ver o concurso de hoje – Respondeu enquanto tentava se lembrar de todas as perguntas.

                A lembrança do contest voltou a sua mente e ela sentiu as lágrimas preencherem as pálpebras.

                – Então você viu aquilo – murmurou ajeitando a barra do próprio vestido.

                – Vi sim e sinto muito, mas não precisa fazer essa cara. É o seu primeiro concurso, certo?

                – É sim e provavelmente deveria ser o último. Que tipo de coordenador não consegue se quer que seu pokémon execute um simples comando no palco? – novamente as lágrimas voltaram a escorrer de seu rosto e ela limpou irritada.

                – Não diga bobagens, sei que parece horrível agora, mas foi só um concurso, o primeiro de muitos. – Ela cruzou as penas e ajeitou melhor a postura na estrada – Além disso, já vi acontecerem coisas piores. Sabia que uma coordenadora vomitou no palco na sua primeira apresentação? Ela não chegou nem a lançar seu pokémon. E adivinha quem foi a premiada?

                A negra deu de ombros, não conhecia muito sobre os grandes coordenadores de Hoenn, apenas sabia que o número era razoavelmente grande. A resposta da outra surpreendeu-a, apenas um simples gesto apontando para si mesma.

                – Isso é sério? – questionou Juliana, incrédula.

                – Seriíssimo. Você foi até melhor que eu, inclusive, pois teve coragem de se apresentar e se portar no meio de toda aquela gente. Eu fiquei simplesmente apavorada.

                – E você continuou participando de concursos?

                – Sim, participei por um bom tempo – respondeu a mais velha enquanto levantava-se – Então abandone essa postura triste e prepare-se para os próximos concursos, você ainda tem um longo percurso pela frente.

                Respirando fundo, a adolescente levantou-se e viu Jonas se aproximar com os amigos. Ele também se vestia de maneira mais casual, assim como a esposa, usando bermuda preta e uma camisa branca de mangas curtas. Carregava uma caixa em mãos e caminhava na direção dela com um sorriso, o rosto, no entanto demonstrava no fundo um leve ar de cansaço.

                – Ei, Juju... Como está? – perguntou ele com um tom levemente receoso.

                – Estou bem agora – respondeu com um pequeno sorriso enquanto olhava para Ellie. A verdade é que ainda estava triste, mas as palavras da mulher a fizeram se sentir melhor.

                – Que bom! – ele então estendeu para a garota a caixa que carregava – A Corporação Devon gostaria de agradecer a vocês toda ajuda prestada com os documentos roubados. O presidente, Sr. Stone, queria agradecê-los pessoalmente, mas infelizmente houve um contratempo que o obrigou a se ausentar da cidade por uns dias.

                Juliana pegou a caixa e abriu-a, no interior desta havia um objeto de cor amarela com detalhes laranja semelhante a um celular. Ela segurou o objeto com uma das mãos e movimentou-o, revelando uma tela que aparentemente era sensível ao toque.

                – É a última invenção de nossa companhia, um objeto para treinadores em jornada. Embora ainda esteja em fase de aprimoramento, já tem várias funções úteis como mapa, telefone e armazenamento de dados dos treinadores – explicou enquanto a adolescente ficava de boca aberta, nunca pensaria que teria condições de ter um objeto como aquele.

                – Obrigada! Eu adorei! – agradeceu enquanto abraçava o homem.

                Inesperadamente um toque se fez ouvir e Jonas sacou o celular, franzindo a testa ao ver a imagem em sua tela. Aparentemente havia sido uma mensagem de texto, pois ele apenas digitou algo em resposta e guardou o aparelho.

                – Com licença crianças, preciso resolver um problema. Foi um prazer muito grande reencontrá-los e mais uma vez agradeço pelos serviços prestados à empresa.

                – Jonas, o que aconteceu? – perguntou Ellie com feição levemente preocupada.

                – Algo razoavelmente sério, querida. Mais tarde converso com você.

                Os garotos se despediram agradecendo pelo presente e ele saiu andando rumo ao estacionamento do lado oposto. Uma ligeira gota de suor agora escorria por sua face.

                – Então, crianças. O que pretendem fazer agora? – questionou a mais velha, olhando para o estádio do qual acabaram de sair – Voltarão para ver o resto da competição? – Juliana negou com a cabeça.

                – Acho que prefiro ficar por aqui mesmo... – Com certeza aquele estádio, no momento, era o último lugar onde ela gostaria de entrar.

                – Vou ficar por aqui também – Anunciou May, em seguida olhou para Lunna que lhe deu um pequeno sorriso.

                – Eu vou voltar para o concurso também – piscou para a mais nova – A gente se vê por aí então. Até mais, Ju!

O grupo se despediu e as duas mais velhas voltaram para a arena, restando apenas o trio cujos membros ainda estavam sem saber o que dizer uns para os outros. Mais uma vez a negra sentiu certo pesar, ambos se preocupavam com ela, talvez tivesse sido rude demais. Abriu a boca para proferir palavras que pediriam perdão, mas foram outras que saíram de sua boca.

— Obrigada por estarem aqui .

— Onde mais nós estaríamos? – May riu e se dirigiu à escada, sentando-se nesta. Os outros a seguiram, mas assim que se acomodaram ao seu lado, ela levantou-se novamente de uma vez – Esperem um pouco!

Após o pedido saiu correndo do lugar em direção ao estacionamento. Os outros dois apenas se entreolharam sem entender o que ela fora fazer, mas logo a dúvida deles foi sanada quando a mesma voltou com algumas latas de algo que parecia ser refrigerante em mãos.

— Pra que isso? – perguntou Brendan ao olhar a lata – Eu detesto refrigerante de uva. Parece que estou ingerindo uma dose de diabetes.

— Eu amo! Pode deixar pra mim que eu bebo tudo – disse a negra já abrindo sua lata.

                – À vontade... – Disse ele colocando a lata no chão próximo a ela.

                – Espere! Segure-a de novo! – A mais velha ergueu o próprio refrigerante – Um brinde a nossa passada por Rustboro! Por todas as coisas boas e ruins que aconteceram aqui e por termos dado um importante passo para alcançarmos nossos sonhos!

                – Por sairmos também porque não aguento mais esse lugar – resmungou o menino.

                – Rumo a Dewford agora – completou May e os três bateram as latas.

                Fazia uma manhã bonita de céu azul e o sol esquentava o solo cada vez mais. A passagem dos treinadores por Rustboro havia chegado ao fim e agora eles deveriam escolher seu próximo destino e seguir em jornada.  Apesar da tristeza da primeira derrota, sentimentos bons passavam pelo coração da coordenadora após o apoio de seus amigos e de Ellie. Ainda haveria muitos concursos e muitas novas oportunidades que poderiam lhe dar um caminho brilhante no futuro, afinal, nossa verdadeira vitória está na capacidade de se levantar após uma derrota.


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Notas finais do capítulo

Essa fanfic é postada no blog: https://neo-hoenn.blogspot.com/



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