Frozen Heart escrita por Charlie Haddock


Capítulo 4
E eu sei que a parte mais assustadora é desapegar


Notas iniciais do capítulo

FELIZ NATAL, SNOWFLAKES! ~só um pouco atrasada~ Trouxe esse capítulo de presente pra vocês :)
Eu juro, amizades, não sei porque ainda tento manter minha palavra. Lembram que eu disse que se o capítulo passasse de 6k palavras eu ia dividir no meio pra não ficar cansativo pra vocês e tal? Então, já no planejamento eu percebi que ia ficar muito grande, então dividi em duas partes, cortando na parte que achei que fosse um bom final pro capítulo, só que MESMO ASSIM acabou com mais de dez mil palavras A PRIMEIRA PARTE! Desculpa, gente, sério. Eu sei que fica cansativo, mas se eu continuar dividindo e dividindo a história, não vamos acabar nunca :(
De qualquer forma, espero que curtam o capítulo. E adivinhem só? Mais três leitores e atingimos a marca dos 100! Que orgulho desses fãs de HiJack do Nyah :3 bom, não vou ficar segurando vocês
Ah, e o ministério das fanfics advertem: esse capítulo pode magoar seus sentimentos. E ele também não respeita as leis da geografia.
Nos vemos lá em baixo!
P.S.: Uma música que me ajudou a escrever o capítulo foi "The Words" da Christina Perri. Coloquem ela para tocar se quiserem criar um clima mais bad :) HAHAHHA



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Um trauma psicológico é um tipo de dano emocional que ocorre como resultado de algum acontecimento. Pressupõe uma experiência de dor e sofrimento emocional ou físico. Como experiência dolorosa que é, o trauma acarreta uma exacerbação do medo, o que pode conduzir ao estresse, envolvendo mudanças físicas no cérebro e afetando o comportamento e o pensamento da pessoa, que fará de tudo para evitar reviver o evento que lhe traumatizou. Igualmente, pode acarretar depressão, comportamentos obsessivos compulsivos e outras fobias ou transtornos, como o de pânico.

Hiccup gostava de pensar que não tinha traumas apesar de algumas experiências que já viveu. Algo a ver com não chegar perto de um fogão ou fogueira ou qualquer coisa relacionada ao fogo atualmente. Talvez ele não gostasse muito do calor. E agora também tinha certo receio com temperatura baixas.

O garoto podia não se incomodar tanto com o frio, mas desde o acidente no memorial, preferia sair de casa com no mínimo duas blusas e um casaco. Não que elas fossem ajudar caso caísse na água de novo —e ele realmente esperava que não caísse—, mas agora ele sentia essa necessidade de estar sempre bem aquecido. Era quase como se ainda lembrasse-se do frio lhe perfurando até os ossos. E acreditem, não era uma sensação boa.

Felizmente, não demorou muito para ele ter alta no hospital dessa vez, mal ficou lá um dia, o que já era uma vitória comparado ao tempo que passou na UTI da última vez em que teve que ficar internado. Péssimas lembranças.

De qualquer forma, Hiccup ainda estava com o moletom azul de Jack. Provavelmente o garoto albino nem se lembrava desse detalhe, mas devolver a peça já parecia motivo suficiente para o moreno sair de casa. Ele realmente não gostava de ficar o dia inteiro em seu quarto sem ter nada pra fazer. Preferia ter ido à escola naquela manhã, porém seus pais insistiram em que ele ficasse descansando. Quantas vezes teria que repetir para que eles entendessem que estava bem?

De um jeito ou de outro, Hiccup agora estava parado na porta da casa de Jack. Hesitante, tocou a campainha e esperou. Estava nervoso. Não costumavair na casa dos outros, no máximo ia a casa de Fishlegs, que era seu amigo de infância, e às vezes para a de Astrid. O que era meio estranho, no geral. Tinha a impressão de que os pais dela não gostavam muito de si. Vai saber.

O garoto respirou fundo quando ouviu passos do lado de dentro da casa e arrumou a postura antes que Jack abrisse a porta. O albino pareceu surpreso em vê-lo parado ali.

— Hã, oi. — Hiccup sorriu tímido.

— H ao cubo. — Jack cumprimentou, encostando-se no batente da porta — Não foi à escola hoje.

— É... Meus pais acharam melhor eu ficar em casa. Pra descansar ou sei lá o que. Ainda tenho alguns dias de licença, mas acho que amanhã já devo estar de volta. — explicou — Odeio ficar em casa.

— Certo...

— Eu... Vim devolver seu moletom. — estendeu a peça de roupa da qual já estava se esquecendo — E agradecer por tudo mais uma vez.

Jack pegou a blusa azul.

— Obrigado. E de nada, eu acho. — sorriu torto — Você... Quer entrar?

— Claro. — aceitou.

Hiccup passou pela porta um pouco envergonhado e tirou o casaco que usava, colocando-o no cabideiro ao lado da entrada.

Mi casa es su casa. — Jack disse assim que fechou a porta.

— Obrigado. — sorriu — Sua casa... Até que está bem arrumada.

Jack arqueou a sobrancelha.

— O que quis dizer com isso? — cruzou os braços.

— Não quis dizer que vocês são bagunceiros ou algo do tipo! — se defendeu rapidamente, percebendo que o que disse soou errado — É só que vocês se mudaram recentemente e tudo mais, então eu esperava mais... Caixas, eu acho.

— Quando você se muda muitas vezes em um único ano, acaba parando de levar mobílias em certo ponto. Só trazemos conosco o essencial. — explicou — A casa é alugada, e a maior parte dos moveis já estava aqui.

— Entendi...

Hiccup adentrou a sala aberta, curioso. Sendo os móveis já daquela casa ou não, ela continuava tendo os toques pessoais. Havia alguns enfeites em formato de dentes sobre a mesinha de centro, aqueles do tipo que você sempre encontra num consultório odontológico, e Hiccup não pode deixar de achar isso fofo, mesmo. Poucos eram os porta-retratos expostos no armário perto da televisão ao lado de alguns globos de neve. O moreno se aproximou um pouco mais para ver as fotos. O que ele podia dizer? Gostava de fotografia.

No geral, eram aquelas imagens que você sempre encontra. Retratos da família, viagens e datas comemorativas. Todavia, a foto realmente que lhe chamou atenção era uma em que Jack estava abraçado com uma menininha mais nova do que ele, ambos com olhos fechados e sorrisos amplos no rosto. Parecia ter sido tirada auns cinco anos atrás, e o garoto tinha cabelos escuros, o que Hiccup não imaginava.

— Esse é você? — perguntou surpreso — Não sabia que tinha cabelo castanho antes.

— É... — Jack riu envergonhado — Faz um tempo.

— Essa cor ficava boa em você. — comentou — Mas o branco também é legal. E quem é a menina na foto?

O desconforto de Jack quase passou despercebido. Quase.

— Ninguém. — o albino respondeu baixo.

Devido ao tom do garoto, Hiccup resolveu não insistir no assunto. Ao invés disso, se virou para ver os globos de neve distribuídos em uma fileira. Cada um tinha uma cidade diferente em seu interior.

— Esses são todos os lugares que você já esteve? — perguntou curioso enquanto observava os objetos — Vancouver, Sitka, Estocolmo...

— São. — confirmou — Minha mãe insiste em comprar esses globos de neve idiotas.

Hiccup riu pelo nariz.

— Não são idiotas. — rebateu enquanto pegava o de Vancouver e agitava para ver os flocos brancos se espalharem — São até legais. Mas acho que não existem globos de neve de Vardø. Vocês vão ter que achar algum outro souvenir.

— Minha mãe provavelmente vai encontrar algo interessante. — Jack garantiu.

— Vocês... Pretendem ficar aqui por um tempo ou se mudarem logo? — questionou um pouco hesitante, mas ansioso pela resposta.

Jack ficou tenso com a pergunta.

— Nós... Hã... Bem... — pigarreou — Provavelmente vamos embora depois do Natal.

— O que?! — arregalou os olhos — Não vão ficar aqui nem um mês direito!

— É... Complicado. Nunca ficamos muito tempo no mesmo lugar.

— Por que não? — ficou inconformado — Você tem medo que alguém descubra sobre seus... poderes?

— É um pouco mais que isso. — coçou a nuca — Não me peça pra explicar, por favor.

O moreno hesitou, porém cedeu com um suspiro.

— Eu só... Acho que queria que ficassem mais tempo.

— Eu também. — respondeu em um tom triste.

— Como... Como eles são? — Hiccup perguntou após um momento de silêncio, tentando quebrar o clima um pouco pesado que se estabeleceu.

— O que?

— Esses países que você esteve. Como são?

— Ah. — sorriu envergonhado — Frios, no geral.

— Só isso? — arqueou a sobrancelha.

— É uma longa história.

Hiccup se sentou no sofá sem cerimônias.

— Eu tenho tempo. — respondeu com um sorriso.

[...]

Jack estava tendo um dia ruim. Primeiro, ele nunca gostou de seminários. Geralmente, a sala se divide em duas partes nessas situações: a primeira são aqueles que realmente prestam atenção e te deixam totalmente constrangido, e a segunda são os que pouco se importam e mexendo no celular ou dormindo, e te deixam irritado e com vontade de gritar "eu passei horas estudando essa merda pra explicar pra vocês, então prestem atenção, seus malditos!". Nenhuma das partes são legais. Seminários não são legais, ponto.

Agora, apresentar um trabalho para uma classe que quase não fala seu idioma é mil vezes pior. Jack gaguejou praticamente o tempo todo, o que era ridículo. Não deveria se importar muito com o que estava falando sendo que Hiccup traduziria tudo no minuto seguinte enquanto ele ficava parado esperando o outro terminar. Foi simplesmente horrível.

A professora ainda os parabenizou no final da apresentação e os alunos até bateram palmas como sempre faziam no final de um seminário, mas Jack sabia que provavelmente não tinha conseguido uma nota tão boa assim. Bom, pelo menos havia o trabalho escrito. Sinceramente, eram nesses momentos em que ele sentia falta dos Estados Unidos.

— Qual é, não foi tão ruim assim. — Hiccup disse assim que saíram da sala para o intervalo.

— Tá de brincadeira? Eu travei lá na frente!

— Mesmo assim. Você prestou atenção na apresentação do Siva? Ele sim travou! Não falou quase nada, Lily que explicou tudo.

— Você realmente acabou de me comparar com o nerd excluído da sala? — Jack se fingiu de ofendido.

— Não leve pro lado pessoal. — sorriu divertido.

— Você é uma péssima pessoa, Hiccup. Uma péssima pessoa.

O moreno riu do comentário.

— Muito obrigado. — respondeu antes de mudar de assunto — Eu vou pro refeitório com meus amigos. Não quer vir junto?

— Hã... — Jack colocou as mãos dentro dos bolsos de sua calça, nervoso — Eu... Acho melhor não.

— Ah, vamos lá. Você devia conhecê-los. Prometo que são legais. — garantiu.

— Tenho certeza que são. — concordou — É só que eu não sou muito bom em ser simpático com os outros e tudo mais. Sério. Obrigado por me chamar, mas passo.

— Tem certeza? — perguntou, e Jack acenou com a cabeça — Tudo bem então, anti-social. Nos vemos na saída?

— Claro. — sorriu de canto.

Jack observou Hiccup andar pelo corredor até sumir de vista. Suspirando, ele se virou para a direção oposta. O albino realmente não achava uma boa ideia se enturmar com os amigos do moreno. Primeiro, parecia que a maioria das pessoas naquela escola não era muito fãs de estrangeiros. Talvez fosse a questão do idioma, vai saber. E segundo, era certeza de que Astrid também estaria lá, e Jack preferia ficar o mais longe possível daquela garota. Desde o dia no hospital, os dois preferiam ignorar a existência um do outro, e as coisas eram melhores assim.

No final das contas, o americano mais uma vez se viu sozinho com seus fones de ouvido. Se não fosse pela questão do fuso horário, Jack optaria por ficar conversando com Sandy, mas já era de tarde no Maine e o loiro provavelmente estava nas atividades do clube de artesanato¹.

Então, realmente, agora as músicas eram sua única companhia. Não era tão ruim, sério. Só que ficar longe de Hiccup agora era quase desconfortável. Sinceramente, Jack quis se estapear com o pensamento. Estava ficando mal acostumado.

Sem ter nada melhor para fazer, Jack acabou passando o intervalo intero analisando os murais espalhados na escola. No geral, ele só viu as fotos mesmo, porque não entendia nada do que estava escrito. Norueguês parecia tão diferente de inglês que o garoto não conseguia nem chutar o que estava escrito. Isso até o incomodava um pouco. Não era a primeira vez em que estava em um país que não tinha inglês como idioma principal, e em nenhuma dessas vezes ele tentou aprender sequer o básico da língua local. Talvez fosse hora de aprender. Nem que fosse só para conseguir falar "oi" ou "tchau" para as pessoas.

— Você deveria me ensinar. — Jack comentou mais tarde naquele dia para Hiccup quando o encontrou nos armários

— O que? — Hiccup franziu o cenho, guardando seus livros.

— Norueguês. — respondeuencostando-se à superfície de ferro — Eu realmente gostaria de entender algumas coisas do que vocês falam por aqui.

Hiccup o olhou desconfiado.

— Para alguém que não pretende ficar, você até que está interessado.

— Conhecimento nunca é demais. — argumentou — E seria a primeira vez que eu tentaria aprender um idioma novo.

— Existe uma primeira vez pra tudo, não é?

— Acho que sim. Então vai me ensinar? — sorriu animado.

O moreno ficou pensativo por um momento, avaliando Jack.

— Não acho que alguma coisa consiga entrar nessa sua cabeça de vento, mas pareça lá em casa mais tarde que posso te ensinar algumas coisas. — respondeu fechando o armário — Agora eu tenho que ir para a biblioteca, então...

— Certo. Estudar. — concordou — Vai lá, nerd. Nos vemos mais tarde.

— Continue me chamando de nerd e vai passar a tarde com Toothless.

Jack sentiu um calafrio com a ideia.

— Aquele cachorro me detesta, eu juro.

— Ele não te detesta. Só não está acostumado com você ainda. — defendeu.

— Sei, sei. — murmurou — Então... Me manda uma mensagem quando estiver livre, pode ser?

— Por mim tudo bem. — sorriu — Até, Jack.

O albino sorriu de volta, ajeitando a mochila sobre os ombros.

— Até, Hic.

[...]

Hiccup sempre gostou de desenhar. Desde criança andava pra lá e pra cá com cadernos e giz de cera desenhando o que via no dia a dia, e seus pais não demoraram para perceber que o garoto realmente tinha talento. Então, nos anos seguintes, a maioria de seus presentes eram relacionados à arte. Lápis de cores, lapiseiras, pranchetas... A lista era grande. E conforme foi envelhecendo, começou a demonstrar interesse por fotografia também, e aos 14 anos ganhou sua primeira câmera profissional.

O adolescente não sabia explicar direito, mas sempre teve esse fascínio em tentar capturar a beleza do mundo, fossem em paisagens, animais, gestos ou sorrisos. Hiccup realmente pensava em seguir carreira na área, e fazer faculdade de artes ou fotografia. Ele já havia até mesmo considerado a hipótese de estudar fora do país. Claro, não seria fácil para ele sair de Vardø, sua família e amigos estavam todos ali, todavia, sempre teve esse desejo em conhecer o mundo.

Desligando seus pensamentos por um momento, Hiccup voltou a se concentrar no desenho que estava fazendo. Não era todo o dia que decidia fazer o retrato de alguém, mas resolveu abrir uma exceção para Jack. O albino realmente apareceu em sua casa naquela tarde, e até tocou no assunto sobre aprender Norueguês, só que assim que o moreno começou a explicar o básico do idioma, Jack acabou chegando a conclusão de que era mais complicado do que parecia. No final, o garoto acabou no puff do quarto do colega jogando CallOfDuty no modo zombie. Hiccup não estava tão afim de jogar naquela tarde, e seu caderno de desenhos estava lá dando sopa, então... Por que não?

Sem contar que Jack era bonito. O norueguês gostava do cabelo branco do outro, a forma como ele ficava arrepiado para cima mesmo se Jack o arrumasse, ou como seus olhos pareciam oceanos congelados e até mesmo a pele pálida. Era como se o garoto não tivesse defeitos, e isso era até um pouco frustrante. De um jeito ou de outro, Hiccup se pegou analisando cada traço do albino, tentando deixar seu desenho o mais fiel possível. O único problema era que enquanto desenhava, Hiccup tendia a ficar um pouco... distraído.

— Malditos sejam esses zumbis! — Jack praguejou pela milésima vez, quase lançando o controle do Playstation longe — Sabe, eu sempre me perguntei porque eles precisam ir atrás apenas dos vivos. Eles querem carne, não é? Por que não atacam uns aos outros?

— Não sei. — respondeu automaticamente, não dando muita atenção ao que o garoto falava. Estava mais concentrado em seu desenho.

Jack arqueou a sobrancelha. Hiccup estava mais que avoado naquela tarde. O moreno não parava de lhe lançar olhares o tempo todo, só que parecia estar em outra dimensão quando Jack falava alguma coisa.

— Sabia que eu já comi uma borboleta? — perguntou apenas para ver se conseguia uma resposta mais complexa do que uma ou duas palavra. Porque claro que nunca havia comido uma borboleta.

— Interessante.

— Certo... — apertou os olhos — Estou pensando em pintar o cabelo de roxo. O que acha?

— Legal. — respondeu ainda traçando na folha.

O albino revirou os olhos e puxou o caderno das mãos de Hiccup.

— Obrigado pela atenção, volte sempre. — ironizou.

— Jack, devolve! — Hiccup mandou irritado.

— O que você tanto desenha? — questionou intrigado, ignorando o outro.

O queixo de Jack caiu quando viu o desenho no papel, e Hiccup só queria que um buraco abrisse no chão e o engolisse. Isso era constrangedor.

— Esse sou eu? — ficou embasbacado.

— Bom... é. — Hiccup respondeu envergonhado.

— Isso é incrível, Hic! — exclamou animado — É sério, esse desenho está muito, muito bom. Cara, ninguém nunca fez um desenho meu antes. Tenho que admitir, estou impressionado.

— Certo, certo, agora me devolve.

Jack agarrou o caderno contra o peito, fazendo um bico.

— Mas eu gostei.

— Eu nem sequer terminei. — revirou os olhos.

— Posso ficar com ele quando terminar? — perguntou esperançoso.

— Por que você não volta a tentar matar zombies, Jack? — sugeriu.

— Mas, Hic! Eu quero ficar com o desenho.

— Prometo pensar no seu caso.

— Ah, por favor! — se aproximou do garoto, segurando seu braço, chacoalhando-o como uma criança irritante — Por favor, por favor, por favor.

— Ok! Você venceu! — empurrou o outro, pegando seu caderno de volta — Pelos deuses, você realmente sabe ser irritante quando quer.

— E mesmo assim você ainda gosta de mim. — sorriu vitorioso — Obrigado pelo desenho. Você é o melhor.

Dito isso, o albino se aproximou e depositou um beijo na bochecha do outro. Hiccup sabia que era só uma forma de agradecimento, mas isso não impediu de ficar vermelho que nem morango.

— E saiba que vou cobrar! — avisou.

Jack voltou a se sentar no puff, pegando o controle e dando play no jogo. Nem sequer percebeu que Hiccup ficou totalmente estupefato com aquela ação. O moreno tinha a mão sobre a bochecha corada e uma estranha sensação de formigamento na barriga. Balançou a cabeça, afastando qualquer pensamento estranho que pudesse ter. Não tinha sido nada demais. Suspirando, ele voltou a desenhar em seu caderno, ignorando os xingamentos que Jack desferia à tela da televisão.

[...]

Jack tinha passado pelos lugares mais frios que se pode imaginar no último ano, mas tinha certeza que nunca tinha visto tanta neve como em Vardø. Sério, havia neve em todo lugar e nevascas eram quase constantes. Isso porque ainda faltavam duas semanas para o inverno. Sinceramente, o albino se perguntava como as pessoas daquela cidade estavam tão acostumadas com a temperatura.

— Quando você nasce em um lugar assim, se acostuma desde sempre com o frio. Não é tão ruim. — Hiccup disse uma tarde enquanto estavam voltando da escola — Não é como se conhecêssemos o calor de, sei lá, da Flórida.

— Olha, eu também não conheço, mas já me disseram que é horrível. Abafado demais. Parece até que está respirando água.

— Viu? Pensando por esse lado o frio não deve ser tão ruim.

— Acho que qualquer temperatura extrema não é legal. — rebateu — Nem muito frio e nem muito quente.

— Você nem sente frio! — ralhou — Não sei do que está reclamando.

— Eu posso não sentir frio, mas isso não quer dizer que gosto de andar com os pés afundando na neve.

— Eu gosto de neve. — comentou.

— Você gosta, hm? — Jack sorriu divertido, tendo uma ideia.

— É divertido, sabe. — respondeu sem parar de andar — Fazer anjos, bonecos de neve, e também tem as guerras de...

Hiccup parou de falar ao sentir algo atingindo a parte de trás de sua cabeça. O garoto ficou paralisado por um momento. Vagarosamente, se virou para trás, vendo Jack parado há alguns metros, com uma expressão inocente no rosto e outra bola de neve nas mãos.

— Guerras de bola de neve realmente são legais. — sorriu.

— Você não fez isso.

— Será que despertei a fúria de um titã? — foi sarcástico.

O moreno jogou a mochila no chão e pegou um punhado de neve.

— Você está jogando um jogo muito perigoso, meu jovem. — Hiccup alertou formando uma bola de neve — Eu sou praticamente imbatível em guerras de neve.

— É mesmo? — Jack arqueou a sobrancelha — É o que veremos.

Jack não brincava de algo parecido há tanto tempo que admitia que estava um pouco enferrujado. Não que isso significasse que Hiccup ganharia dele. Ninguém vence Jack Frost nunca guerra de bolas de neve. Ainda mais no campo de batalha que tinham acabado de criar. A rua estava vazia, carros e caixas de correio viraram escudos. Jack rapidamente formou uma pilha de bolas ao seu lado, e lançava-as contra Hiccup toda vez que o garoto colocava alguma parte de seu corpo à mostra. Sua pontaria continuava boa.

O que ele não sabia era que a pontaria de Hiccup também era muito boa. O garoto tinha conseguido acertá-lo algumas vezes, porém, quando o albino se ergueu para lançar novamente, o moreno acertou uma bola em seu rosto em cheio. Jack ficou parado por um momento, estático.

— Ah, você é uma pessoa morta, Henry Horrendous Haddock Terceiro. — Jack avisou divertido, limpando a neve do rosto.

— Bem feito! — Hiccup riu, voltando a se esconder.

Jack sorriu e resolveu mudar de táctica. Hiccup agora provavelmente esperava que ele contra atacasse, e ao invés disso, o albino deu a volta por trás do carro e correu pela rua agachado, para que o outro não o visse. Parou ao lado da parte traseira do carro que Hiccup estava usando como escudo e esperou.

— Jack? — Hiccup ergueu-se um pouco para espiar por cima do capô.

O albino continuou em silêncio, tentando não chamar a atenção do amigo. Hiccup, estranhando o fato do outro estar escondido sem lançar bolas por tanto tempo, resolveu sair de sua proteção. No momento em que se colocou de pé, Jack saiu de trás do carro, correndo até o moreno.

— Te peguei!

Jack se atirou sobre o garoto, fazendo os dois caírem na neve fofa. O albino ficou por cima, segurando os braços do menor para que ele não fugisse.

— Acho que alguém venceu. — sorriu vitorioso.

— Ei, assim não vale! — o moreno reclamou — Jogar o adversário no chão é contra as regras.

— Não no Maine. — disse divertido.

— Você é um idiota, sabia?

— Aw, Hic, assim você magoa meus sentimentos.

Hiccup não aguentou e riu do albino. Jack não demorou a acompanha-lo. Nem sequer se lembrava da última vez que tinha se divertido tanto com uma simples guerra de bolas de neve. O garoto podia não admitir, mas sentira falta de se divertir no inverno.

— Deveríamos fazer isso mais vezes. — Jack comentou.

— Depende. Vai jogar limpo dessa vez?

— Não garanto nada.

Hiccup balançou a cabeça negativamente, um sorriso de canto em seus lábios.

— Você não presta.

A questão é, naquele momento, Jack percebeu que realmente gostava de ver Hiccup sorrindo. Esse pequeno ato fazia um calor se espalhar por seu peito e borboletas se remexerem em seu estômago. Ele nem sequer sabia como era aquela sensação até então. E, céus, eles estiveram tão perto o tempo todo? O albino conseguia ver cada detalhe do rosto moreno, os cílios compridos e curvados, as sardas que pareciam constelações espalhadas por suas bochechas, a pequena cicatriz no queixo, os lábios entreabertos... Jack realmente devia estar perdendo a cabeça.

Inconscientemente, Jack se aproximou um pouco mais. Ele podia fazer isso. Se inclinar e beijar os lábios rosados. Queria fazer isso.

— Jack? — Hiccup o chamou meio incerto — O que está fazendo?

O albino arregalou os olhos com a pergunta e se afastou subitamente.

— Merda. — praguejou — Eu...

Jack saiu de cima do garoto rapidamente, se levantando. Que diabos estava pensando?

— Nós... Nós deveríamos ir. Está ficando tarde. — disse sem olhar para o outro.

Hiccup continuava no chão apoiado em seus cotovelos, o coração batendo tão forte que ele achou que fosse sair do peito. Precisou de um momento para processar o que tinha acabado de acontecer. Ou quase acontecido. Jack realmente ia...? Bom, não era como se não quisesse fazer aquilo. Apenas foi pego de surpresa. Aquela sensação de formigamento se espalhou por seu estômago de novo e ele sentiu suas bochechas esquentarem.

— É. — concordou envergonhado — Deveríamos.

Jack sorriu torto e ajudou Hiccup a se levantar. O caminho de volta para suas casas foi feito em completo silêncio, os dois garotos perdidos demais em seus próprios pensamentos para dizerem algo.

[...]

Sandy estava preocupado. Jack lhe mandou diversas mensagens naquela tarde, praticamente implorando para o loiro entrar no Skype porque precisavam conversar, e agora estavam conectados há quase cinco minutos e tudo que o albino tinha feito até o momento era andar de um lado para o outro em seu quarto nervosamente.

Jack? — chamou pelo que deveria ser a décima vez — Jack, dá pra você parar de andar pra lá e pra cá e dizer o que está acontecendo?

O albino parou em frente ao computador, mas ainda sem olhar para a tela. Passou as mãos nervosamente pelos cabelos brancos, frustrado.

— Eu... — murmurou — Eu acho que estou gostando de alguém.

Sandy franziu o cenho, confuso.

Tem como você chegar mais perto? Não consigo te ouvir direito.

Jack respirou fundo e sentou na cadeira em frente ao computador, encarando seu melhor amigo.

— Eu acho que estou gostando de alguém. — repetiu mais algo.

Você.... — Sandy piscou umas cinco vezes assimilando a informação — Você tá falando sério?

— Sim. — respondeu envergonhado, escondendo o rosto com as mãos.

Você realmente está falando sério? — perguntou novamente, seu tom animado — Mas, Jack, isso é ótimo!

— Ótimo? — questionou inconformado — Isso é qualquer coisa, menos ótimo!

Tá de sacanagem? Essa é a sua chance de quebrar a maldição!

— Eu disse que estou gostando de alguém, mas não que a pessoa também gosta de mim.

Sandy fez uma careta.

Nunca se pode ter certeza disso. — comentou — Mas quem é ela?

Jack hesitou por um momento.

— Ele. — murmurou.

Certo. Por essa Sandy não esperava.

Então tá... — disse após quase um minuto em silêncio — O que você preferir. Deixe-me adivinhar. É o garoto que caiu na água, não é? Hiccup, acho.

— ...Talvez.

Olha, não vou mentir e dizer que não estou surpreso, mas fico feliz por você, Jack. Mesmo. Conte-me mais sobre isso.

— Bom... — o albino pensou por onde começar — É estranho, sabe? Quero dizer, mesmo depois que ele descobriu sobre meus poderes, continuou querendo ser meu amigo. Ele não ficou com medo, o que foi a primeira vez. Na verdade, ele me disse que acha isso legal. — sorriu de canto — E ele é inteligente, engraçado, e simpático... Um pouco sarcástico às vezes, mas continua sendo divertido. E toda vez que eu o vejo tenho essa sensação esquisita. Esse frio na barriga e é como se meu coração fosse sair do peito quando ele sorri.

Jack parou subitamente, envergonhado ao perceber tudo que disse.

Ora, ora. — Sandy começou divertido — Eu não acredito que realmente vivi para ver o dia em que meu melhor amigo finalmente se apaixona por alguém.

— Não tem graça, Sandy. — resmungou.

Eu não disse que tem. — levantou as mãos em sinal de defesa — Sério, só falta os corações nos olhos quando você fala dele.

— Há há. — revirou os olhos.

Mas, Jack... Você acha que ele pode gostar de você também?

— Eu... — parou pensativo, um bolo se formando em sua garganta — Acho que não.

— Por que não?

— Bom... — suas bochechas coraram — Eu posso ter quase beijado ele mais cedo.

Sandy arregalou os olhos.

Você o que?! — questionou — E qual foi a reação dele?

— Ele ficou lá me encarando como se não soubesse o que estava acontecendo. — murmurou — Foi péssimo. E aí eu me afastei e disse que era melhor irmos embora. Ele concordou.

Talvez ele só tenha ficado surpreso. — sugeriu.

— Ou talvez ele não me veja dessa forma.

Não tem como saber disso com certeza se não tentar, Jack. Você deveria falar com ele. — disse calmo.

Jack pareceu avaliar a hipótese.

É sério, Jack. Essa pode ser sua chance.

— Talvez. — respondeu enfim — Obrigado, Sandy. Por ouvir.

E com isso, Jack se despediu do loiro, desligando a chamada. Tinha muito no que pensar.

[...]

O problema é: Jack achava toda essa situação injusta.

Em sua vida toda ele nunca sentiu mais que uma simples atração por alguém, e agora, nas vésperas de sua suposta morte, estava se apaixonando por um amigo. Talvez essa fosse sua oportunidade de se salvar a acabar com a maldição, porém, algo o dizia que não era esse o caso. Hiccup o via como um amigo, nada mais. Tinha gratidão por ter salvado sua vida, mas era isso. Sem contar que ele provavelmente ainda tinha sentimentos por Astrid. Jack nunca perguntou sobre isso, e Hiccup não parecia aberto para falar sobre o assunto, então o albino não o pressionou.

O albino realmente pensou sobre o que Sandy disse, avaliou a hipótese de contar a verdade para Hiccup, mas que bem isso traria? E foi em meio a esses pensamentos que o garoto percebeu que o que estava fazendo era errado. Pelo amor de Deus, ele estaria morto em menos de duas semanas. Hiccup gostando dele ou não, os dois estavam formando um laço de amizade, e Jack sabia que seu sumiço repentino magoaria o moreno. Talvez ele nem sequer chegasse a saber sobre o destino do amigo, o que era ainda mais injusto. Basicamente, a situação toda era uma merda.

E nessa altura do campeonato, a única coisa que Jack podia fazer era tentar se afastar. Ele sabia que era um ato covarde, mas não tinha alternativa melhor. As coisas seriam melhores assim. Hiccup continuaria andando apenas com seu grupo de amigos e Jack voltaria a vagar pela escola como se fosse um fantasma, da mesma forma que fez em todas as outras. Estava disposto a fazer com a vida de Hiccup fosse como se os dois nunca tivessem se conhecido. E por uma semana inteira, até que estava dando certo.

Jack começou parando de responder as mensagens de Hiccup. E depois fez todo o possível para ser o último a entrar na sala de aula e primeiro a sair todos os dias, evitando assim que o moreno tivesse a chance de conversar com ele. Encontrava um esconderijo novo em todos os intervalos e ficava lá até o sinal bater. E toda vez que via o outro nos corredores da escola, virava para o lado oposto e andava o mais rápido possível sem parecer que estava fugindo. E sinceramente, ele até achou que pudesse seguir com essa até as folgas de fim de ano, só que mais cedo ou mais tarde Hiccup conseguiria encurralá-lo. E, para o azar de Jack, essa hora chegou.

O albino tinha acabado de fechar seu armário e estava pronto para ir para casa quando viu o moreno se aproximando. Jack entrou em estado de alerta máximo, virou-se de costas e começou a andar rápido.

— Jack, espera! — ouviu o garoto chamar.

Merda. — praguejou.

A primeira porta que apareceu em sua frente foi a do laboratório de química, e Jack entrou automaticamente, o que realmente não foi uma boa ideia. Ia embora por onde? Começou a andar de um lado para o outro, pensando numa saída. Talvez pudesse sair pela janela?

— O que está fazendo?

Hiccup estava parado na porta do laboratório, seus braços cruzados sobre o peito parecendo irritado.

— Hiccup! Oi. — Jack tentou ser descontraído — O que estou fazendo? Nada. Eu só... — olhou ao redor, procurando por uma desculpa — Estava procurando meu livro, acho que esqueci aqui.

O moreno apertou os olhos.

— Está mentindo. — acusou.

— Pufffft. — riu nervosamente — Por que você acha isso?

— Talvez, sei lá, pelo fato de que você me ignorou a semana inteira? — questionou entrando na sala com uma expressão de poucos amigos.

Agora Jack tinha certeza de que Hiccup estava irritado.

— Te ignorar? Eu não te ignorei. É impressão sua.

— Você praticamente corria pra longe de mim toda vez que me via e não respondeu nenhuma das minhas mensagens. — apontou — Eu... Eu fiz alguma coisa de errado?

— Não! — respondeu rapidamente — Você não fez nada.

— Então o que é? — perguntou frustrado — Eu quero a verdade.

Jack esfregou as mãos em seus lados e respirou fundo, derrotado.

— Não é nada pessoal. Eu só acho que seria melhor se ficássemos longe um do outro. — respondeu.

— O que? — franziu as sobrancelhas — Por quê?

— Olha... Eu vou me mudar em breve, e nós provavelmente nunca mais vamos nos ver, então será que podíamos já adiantar esse processo? — suplicou.

Hiccup abriu a boca incrédulo, quase não acreditando nas palavras que o outro disse.

— Por que você faz isso?

— Isso o que? — Jack questionou confuso.

— Afastar as pessoas. Estava tudo bem, e do nada você simplesmente resolve me afastar.

— Hic, eu... Me desculpa. É melhor assim.

— Como pode ser melhor assim? — perguntou incrédulo — Por que você não me conta a verdade?

— Você não entenderia.

— Talvez eu entenderia se você simplesmente conversasse comigo! — rebateu irritado.

— Mas eu não quero, ok?! — gritou de volta.

Jack respirou fundo, tentando se controlar.

— Eu deveria ir. — murmurou — Eu realmente deveria.

— Então vai fugir como um covarde? — Hiccup foi ríspido.

— Sim, é exatamente o que vou fazer. — respondeu indiferente, mesmo que as palavras do moreno tivessem magoado-o.

Decidido a acabar com a discussão, Jack foi em direção à porta, pronto para ir embora.

— Jack, espera!

Hiccup avançou, tentando segurar o braço do outro.

— Não encosta em mim! — Jack gritou.

E no segundo seguinte, Hiccup voou para o outro lado da sala com uma rajada forte de vento, batendo com força na parede. As bancadas e cadeiras do laboratório criaram uma camada de gelo sobre elas, e a temperatura do ambiente caiu drasticamente apesar do aquecedor.

Jack permaneceu parado, em choque. Não, não, não. Isso não podia ter acontecido. Não com o Hiccup. Não com o Hiccup. O corpo inteiro do albino estava tremendo, uma expressão de pânico em seu rosto.

— Hiccup? — chamou com a voz trêmula.

O moreno tentou erguer o corpo, gemendo de dor.

— Aí meu Deus. — deu dois passos pra frente, hesitante — Eu sinto muito. Eu sinto muito mesmo.

— Que merda foi essa?! — uma terceira voz perguntou.

Jack sentiu seu coração parar. Astrid estava na entrada do laboratório, seus olhos arregalados e a boca aberta em choque. Não conseguia acreditar no que tinha acabado de ver.

— O que você fez?! — gritou para Jack.

— Eu não... Foi um acidente. — respondeu em pânico — Eu não quis...

— Astrid... — Hiccup chamou a garota fracamente.

Instintivamente, Jack foi para frente, querendo chegar perto do outro, mas Astrid correu para ficar no caminho entre os dois.

— Você fica longe dele, sua aberração. — ergueu o braço.

— Eu não quis machucá-lo.

— Isso não faz muita diferença agora, não é? — rebateu.

O albino sentiu um aperto no peito, pânico subindo por sua garganta, e ele não conseguia respirar. Em desespero, saiu do laboratório correndo, sem olhar para trás, nem quando Hiccup gritou seu nome. Precisava sair dali o mais rápido possível, e ir para longe, muito longe, algum lugar que pudesse respirar.

Quando se viu fora do prédio, puxou o celular do bolso e discou o número de Sophie rapidamente. Cada toque do celular o deixava mais apreensivo, até que a mulher finalmente atendeu.

— Mãe? — chamou desesperado.

Jack? — Sophie soou preocupada do outro lado — O que aconteceu?

— Mãe, precisamos ir embora. O quanto antes possível. Nós realmente precisamos ir.

O que? — perguntou confusa — Jack, o que aconteceu?

O albino respirou fundo, tentando se acalmar, suas mãos tremendo tanto que mal conseguia segurar o celular.

— Eu machuquei Hiccup, mãe. — respondeu com a voz trêmula — Foi sem querer, nós estávamos discutindo, e Astrid viu tudo. Ela vai contar para todos, mãe. Ela vai contar, e todos vão saber a verdade sobre mim. Precisamos ir embora.

Jack, calma. Respira. — pediu — Preciso que fique calmo e vá pra casa. Eu vou tentar sair mais cedo do serviço.

— Não podemos ficar. — exasperou-se — Não podemos ficar aqui.

Filho, está tudo bem. — tentou tranquilizar o outro — Vá pra casa. Tente relaxar. Prometo que vou chegar o mais cedo possível e nós vamos conversar sobre isso, ok? Nada vai dar errado.

— Já deu errado. — murmurou.

Você não sabe disso ainda. Apenas vá pra casa. Respire. Hiccup é seu amigo, tenho certeza que vai falar com a garota.

— Ela não parece ser do tipo que pode ser convencido.

Se esse for o caso, amanhã nós resolvemos o que vamos fazer, ok? Mas tente pensar positivo, Jack. — houve uma voz distante do outro lado da linha chamando Sophie — Eu preciso ir. Faça o que falei, ok? Estarei em casa logo.

— Ok.

Hesitante, Jack encerrou a chamada e fez o que lhe foi mandado.

[...]

Astrid sempre tinha razão. Desde o momento em que viu Jack Frost, ela sabia que havia algo de errado com aquele garoto. Era como se tivesse uma pequena voz em sua cabeça dizendo que ele era problema. A loira não gostou nem um pouco quando Hiccup decidiu bancar o amigável com o estrangeiro, e as coisas só pioraram depois que ele se recusou a cortar sua pseudo-amizade com o albino apesar do acidente no memorial. Algo cheirava mal, muito mal.

O que ela não sabia era que além de esquisito, Jack era algum tipo de ser sobrenatural. Sério, essas coisas não deviam existir fora de contos de fada ou de a Hora de Aventura. Se qualquer outra pessoa tivesse contado uma coisa dessas para Astrid, a loira teria dado risada e dito para a pessoa procurar um psicólogo, mas ver com seus próprios olhos tornava tudo diferente.

— Que diabos acabou de acontecer? — perguntou exasperada, se ajoelhando do lado do amigo assim que Jack sumiu pela porta — Você está bem?

— Estou. Só bati minhas costas e a cabeça, nada demais.— respondeu, massageando a área dolorida de sua nuca — Astrid, você não pode contar pra ninguém o que viu.

— Tá de brincadeira?! Olha o que esse garoto fez, Hiccup! Não podemos deixar as coisas assim.

— Me prometa que não vai contar a ninguém. — suplicou.

— Eu não vou fingir que isso não aconteceu! — esbravejou.

— Me prometa!

— Ok! — gritou irritada — Eu prometo!

Hiccup suspirou aliviado.

— Obrigado. — murmurou.

— Não me agradeça. — respondeu amarga — Deveríamos ir na enfermaria. Colocar gelo na sua cabeça.

— Não precisa. Estou bem, sério. — garantiu, se levantando — Eu deveria ir atrás dele.

— Nem ferrando! — rebateu — Agora você vai ficar o mais longe possível dele. Não queremos piorar a situação. E será que dá pra me explicar o que diabos foi isso?

Hiccup hesitou, sem saber como responder. Tinha prometido a Jack que não contaria a ninguém sobre seu segredo, mas Astrid tinha visto.

— Jack... Ele meio que tem poderes.

Poderes? Tá falando sério? — questionou como se fosse loucura — O que diabos ele é? O Rei Gelado²?

— Eu também não sei direito, ok? Ele não fala sobre isso exatamente. — resmungou.

— Como assim "não fala sobre isso exatamente"? O que você tem na cabeça pra continuar falando com esse garoto mesmo sabendo dessas coisas, Hiccup?!

— Olha, eu sei que é estranho e confuso, mas o Jack é um cara legal.

— "Estranho e confuso"? — repetiu — Você sequer está ouvindo o que sai da sua boca? O garoto é uma aberração!

— Não fale assim dele. — avisou em tom de alerta.

— Por que está defendendo-o? — questionou frustrada.

O moreno não respondeu, não porque não quis, mas porque realmente não sabia como. Astrid avaliou o amigo, tentando ligar os pontos. Ah, não.

— Você gosta dele. — afirmou, apesar de ter soado como uma dúvida.

Hiccup desviou o olhar.

Você gosta dele. — repetiu, seu tom indo para um lado mais irritado — Eu não acredito que você gosta dele.

— Eu não sei, ok?! — ralhou — Sem ofensas, Astrid, mas mesmo que goste, isso não é da sua conta.

— Pro inferno que não é da minha conta. — a loira rebateu — Ainda sou sua amiga, apesar de você parecer ter se esquecido disso nos últimos dias. E Hiccup? Esse garoto é um problema!

— Você nem sequer o conhece! — gritou.

— E não preciso! Desde que ele chegou, só tem causado problemas. Você quase morreu de hipotermia por causa dele, Hiccup. E agora isso! — apontou para o laboratório — Ele quase congelou uma sala inteira e ainda te machucou. Eu sabia que havia algo de errado, apenas não imaginava que ele fosse algum tipo de monstro.

— Ele não é um monstro. O que aconteceu no memorial não foi culpa dele, nem de ninguém. Foi um acidente. Assim como o que aconteceu hoje.

— Você realmente acredita nisso?

— Eu sei disso. Ele nunca machucaria ninguém de propósito, Astrid. Saberia disso se simplesmente tentasse ser amigável com ele ao invés de agir dessa forma rude.

Irritado, Hiccup passou pela loira e saiu da sala determinado a encontrar Jack, deixando Astrid para trás inconformada.

[...]

Hiccup não era do tipo que desistia fácil. Tinha uma cabeça dura como pedra, e quando colocava algo lá dentro, ninguém tirava. E naquele momento, ele estava determinado a falar com Jack. Pelo pouco que sabia sobre como o último ano tinha sido para o garoto, tinha certeza de que o albino estava se sentindo péssimo pelo que aconteceu mais cedo. E Hiccup também estava sentindo-se culpado pelo que disse. Precisava pedir desculpas por isso.

Qualquer outra pessoa em seu lugar teria se afastado, como Jack queria que ele fizesse e Astrid disse que era o melhor. Porém, Hiccup sentia que não podia fazer isso. Até conhecer Jack, o garoto não fazia ideia que alguém podia causar um impacto tão grande em sua vida em tão pouco tempo. Parecia coisa de filme, sério. A verdade era que, sim, Astrid tinha razão. Hiccup gostava do albino. Mais do que como amigo. Ele não sabe exatamente em qual momento isso aconteceu, mas se tornou impossível de ignorar depois da tarde em que tiveram uma guerra de bolas de neve. Foi naquele dia que o moreno realmente percebeu seus sentimentos pelo amigo, e por um momento achou que talvez Jack os correspondesse pela forma que agiu. Estava errado, aparentemente.

Hiccup não sabe descrever exatamente como se sentiu quando o outro começou a ignora-lo. Ele ficou confuso, um pouco irritado, e sem entender o que diabos estava acontecendo. Estava tudo bem entre eles antes, não estava? Então por que Jack simplesmente cortou relações da noite pro dia? Hiccup tentou não pensar muito sobre isso, talvez o garoto estivesse ocupado ou algo assim e ele não podia exigir atenção, mas quando percebeu que Jack estava praticamente correndo de si nos corredores, chegou à conclusão de que realmente tinha algo de errado.

Sua intenção era confrontar o albino sobre isso, de fato, mas tentar manter uma conversa calma e civilizada. Não queria que as coisas tivessem saído de controle como saíram.

De qualquer forma, agora Hiccup estava disposto a tentar concertar as coisas, e esperava que Jack colaborasse. Por isso estava fora de casa no meio da noite, uma mochila cheia e pesada nos ombros e Toothless ao seu lado. Não sabia se ir até a casa de Jack era exatamente uma boa ideia, mas estavam naquela época do ano de novo e seria legal mostrar algo novo para o garoto. E eles podiam conversar. Acabar com as diferenças. É, estava com confiança.

— Espere aqui, amigão. — acariciou a cabeça do cachorro assim que chegaram em frente à casa branca, e Toothless se sentou na calçada pacientemente.

Hiccup deu uma olhada rápida ao redor, ficando aliviado ao ver o carro ainda parado em frente à casa. Pelo menos eles não tinham, sei lá, saído da cidade. Parecia um pensamento meio doido, mas mesmo assim cruzou sua mente. O moreno respirou fundo e foi até a porta. Pensou duas vezes antes de tocar a campainha. Já estava um pouco tarde, e eles provavelmente estavam dormindo. Não queria acordar ninguém, principalmente a mãe do amigo. Ainda não conhecia Sophie, e fazer com que ela levantasse da cama no meio da noite não iria causar uma boa primeira impressão. Mas mesmo assim, já estava ali e tinha todo um plano... Recolhendo toda a coragem que tinha, apertou a campainha levemente, não querendo prolongar o barulho e enfiou as mãos dentro dos bolsos.

Quando ouviu barulho de dentro de casa e uma brecha de luz pela porta, passou a recitar internamente "não seja a mãe dele, não seja a mãe dele, não seja a mãe dele". E felizmente, não era. Jack abriu a porta de pijama, e já parecia pronto pra mandar quem quer que fosse embora, mas quando viu Hiccup parado a sua frente, as palavras morreram em sua garganta.

— Graças aos deuses, você que atendeu. — Hiccup suspirou aliviado — Espero que eu não tenha te acordado.

— O que você esta fazendo aqui? — Jack perguntou alarmado, dando dois passos para trás.

— Vim falar com você, obviamente.

— Não temos nada pra conversar. Você deveria estar em casa. Ou o mais longe possível de mim.

— Jack, sobre o que aconteceu mais cedo...

— Eu podia ter te machucado. — cortou o outro — Ainda posso. Não é seguro, Hiccup.

— Eu sei que não vai fazer nada. Hoje as coisas... Saíram um pouco do controle. Eu também disse coisas que não deveria e queria me desculpar por isso.

— Você não fez nada de errado. — garantiu — Foi minha culpa. E você realmente devia ir pra casa.

— Qual é! — ficou frustrado — Não foi nada demais. Você não consegue controlar seus poderes, Jack, ok, mas isso não quer dizer que nunca vai aprender. — argumentou — E eu estou aqui pra ajudar se quiser.

— E se eu nunca aprender?

— Você tem que parar de ser tão negativo, sério. — revirou os olhos — Tenho certeza de que vai conseguir se se esforçar. E Jack? Afastar as pessoas não vai te ajudar em nada.

— Mas eu...

— Me fale sobre uma vez em que fugir te ajudou em alguma coisa. — pediu, e Jack permaneceu em silêncio — Você passou um ano todo indo de país em país por medo. Não acha que é hora de parar?

— É mais complicado que isso. — murmurou.

— Olha, eu não estou bravo pelo que aconteceu. E Astrid prometeu não contar a ninguém. Ok?

Jack hesitou por um momento, incerto.

— ...Ok.

Hiccup sorriu a apertou a mochila que carregava contra os ombros.

— Quero que venha comigo. — foi convicto.

— Como? — Jack franziu as sobrancelhas — Hic, são dez da noite e eu não sei se é uma boa ideia. Pelo menos... Pelo menos hoje é melhor que você fique longe de mim.

— Você não vai se livrar de mim assim tão fácil. — rebateu — Agora vai se trocar porque vamos sair. Coloque uma roupa confortável, vamos andar bastante e provavelmente passar a noite acordados.

Jack o olhou hesitante.

— Eu não vou sair daqui enquanto não fizer isso. — cruzou os braços — É sério. Vou acampar na porta da sua casa se for necessário.

— Ele também vai? — o albino apontou para Toothless que ainda estava sentado no mesmo lugar.

— Ele não vai te machucar, eu já disse isso. — revirou os olhos.

— Não é sobre isso que estou preocupado.

— Não vai dar nada errado, relaxa. — garantiu — Agora vai logo. Você tem cinco minutos ou vou entrar para te buscar. Não é brincadeira.

Hiccup falou de forma tão séria que Jack soube que ele realmente não estava brincando. Derrotado, o albino deu o braço a torcer e foi até seu quarto trocar de roupa enquanto o moreno o esperava do lado de fora.

[...]

Jack estava realmente começando a se perguntar se Hiccup era um tipo de nômade ou algo assim, porque só pelos deuses, o garoto não cansava de andar. Quando o moreno disse mais cedo para colocar uma roupa confortável porque fariam uma longa caminhada, o albino não achou que fosse tanto. Até Toothless não parecia incomodado pelo exercício. Bom, pelo menos não era ele quem estava carregando uma mochila que parecia pesada. Jack estava curioso sobre ela, a propósito.

Os dois adolescentes — e o cachorro — tinham deixado os limites da cidade há alguns bons minutos, andando numa estrada estreita que acabou numa imensidão de neve que era iluminada apenas pela luz da lua. Nem assim Hiccup parou. Continuou em frente e pelo menos a camada branca não estava tão grossa dessa vez. Jack preferia andar sem que seus pés afundassem, muito obrigado.

— Chegamos. — Hiccup anunciou animado.

Jack olhou em volto um tanto incerto. Estavam no limite da ilha, a terra sendo cercada pelo mar metros à frente. E, por incrível que pareça, não estavam sozinhos. O albino não tinham notado as outras pessoas até então. Haviam alguns grupos pequenos espalhados por todos os lados, a maioria deles com câmeras e barracas, parecendo prontos para passarem a noite inteira ali olhando para o céu, o que deixou Jack no mínimo confuso.

— O que essas pessoas estão esperando? — perguntou.

— Não vai te graça se eu te contar, não é? — Hiccup sorriu enquanto tirava um tipo de colchonete da mochila e o estendia sobre a neve, Toothless mal esperando seu dono terminar de estendê-lo antes de deitar sobre uma das extremidades — É uma surpresa. Agora senta aí. Eu trouxe café pra nós.

Jack hesitou, mas se sentou no chão logo depois do moreno, ainda mantendo uma certa distância de segurança.

— O plano é ficarmos acordados a noite toda? — questionou enquanto o norueguês puxava uma garrafa termina e duas canecas da mochila.

— Meio que sim. — Hiccup respondeu estendendo a bebida para o outro — Talvez você tenha sorte e não precisemos esperar tanto. Nunca se sabe.

— Agora você realmente está me deixando curioso.

— Apenas relaxe, Jack. Relaxe e curte as estrelas.

— Então tá. — deu de ombros — Mas sério, o que estamos esperando?

— Shiiiu. — colocou o dedo sobre os lábios, pedindo silêncio.

Jack fez uma careta e virou para o lado. Sem ter muito o que fazer, realmente optou por admirar as estrelas. O albino nunca foi o que pode ser considerado fã de astronomia — poucas foram às vezes em que passou a noite à céu aberto—, mas tinha que admitir que era bonito. E a falta de poluição na pequena cidade tornava a noite ainda mais bonita. Em qualquer outro dia, Jack podia se distrair fácil com a visão, porém, ter Hiccup do seu lado o deixava desconfortável. Não de uma forma ruim, apenas como um lembrete do que havia acontecido mais cedo. O albino sentia-se mal consigo mesmo, e não sabia nem por onde começar para pedir desculpas.

— Hiccup... — chamou a atenção do outro — Sobre mais cedo... — Jack engoliu o seco, apreensivo — Eu... Sinto muito. Mesmo. Eu não queria que as coisas tivessem saído de controle dessa forma.

— Eu sei. — Hiccup respondeu compreensivo — Eu também não. E... Eu também falei algumas coisas que não devia. Desculpe por ter te chamado de covarde.

— Não tem problema. É o que eu sou, de qualquer forma. — disse amargo.

— Não é verdade, Jack...

— É, sim. — rebateu — Fugir foi o que eu fiz o ano inteiro, só porque estava com medo de mim mesmo.

Hiccup suspirou.

— Eu... Posso fazer uma pergunta? — foi hesitante.

Jack deu de ombros.

— O que quiser.

— Porque você não tenta aprender a controlar seus poderes?

— Não é tão fácil quanto parece.

— Eu nunca disse que parece fácil.

— Bom... Eu não sei. — foi sincero — Eu já consegui controlar algumas vezes. Fazendo pequenas coisas, sabe? Mas na maior parte do tempo eu prefiro ignorar que eles existem. E também não é como se eu fosse continuar a tê-los por muito tempo... — completou em um tom baixo que Hiccup quase não ouviu.

— O que quer dizer? — questionou confuso.

— Nada. Foi só um pensamento alto.

Hiccup apertou os olhos, desconfiado. Sabia que Jack estava escondendo algo. Ele quis perguntar sobre isso, mas havia dito no hospital que esperaria pelo dia em que Jack se sentisse a vontade para contar a verdade sobre o que aconteceu consigo. Então, era melhor não insistir.

— Me desculpe por ter ido embora daquele jeito também. Eu... Entrei em pânico. — Jack justificou — Mas Astrid... Ela ficou com você, não é?

— Sim. Ela ficou. — usou um tom amargo ao se lembrar da discussão que teve com a loira naquele dia, e o albino não deixou de notar esse fato.

— Aconteceu alguma coisa?

— Nós... Meio que discutimos.

— Por minha causa? — Jack sentiu seu estômago afundar.

— Mais ou menos. Ela só... Astrid é uma pessoa difícil de se lidar às vezes.

— Nem me diga. — resmungou — Mas ela... Parece uma boa amiga. Pelo menos pra você.

— Ela é. — respondeu rapidamente — Na maior parte do tempo, quero dizer. Ela é meio mandona, perfeccionista, e acha que tem sempre razão, mas se importa com os outros de sua própria forma. Mesmo que seja meio... distorcida.

— Ela parece se importar muito com você.

— Bom... Nós somos amigos há uns anos.

— Só amigos? — Jack perguntou tentando soar descontraído. Mas, na verdade, ele realmente queria saber sobre isso. E também mudar de assunto. Rápido.

Hiccup riu fracamente.

— Você ainda insiste nisso? Já disse, não gosto dela. Não desse jeito. Eu... Tinha essa queda por ela quando tinha uns 14 ou 15 anos, só que quando a conheci melhor... Percebi que era só uma paixonite boba. — explicou.

— Ela te deu um fora, não é? — arqueou a sobrancelha.

— Sim, ela deu. — respondeu com uma risada seca — Que merda, não é?

— É, não é deve ter sido legal. — concordou — E depois disso você só superou?

— Bom, demorou um tempo. E também foram necessárias várias caixas de chocolate, mas é, eu superei. Somos melhores como amigos.

— E depois disso?

— O que?

— Nunca mais se interessou por ninguém?

Hiccup sentiu suas bochechas esquentarem.

— Eu... É... Eu... Não sei. — passou a mão na testa — Essas coisas são estranhas pra mim.

— Como você não sabe algo assim? — perguntou inconformado.

— Eu só não sou muito bom com sentimentos. — deu de ombros.

— Essa é uma cosa que temos em comum.

— Sentimentos são complicados. — sorriu de canto, pensativo — Mas e você?

— Eu?

— É. Deixou alguma namorada pra trás durante esse ano?

Jack não pode deixar de achar a pergunta irônica.

— Não exatamente. — respondeu — É complicado.

— Sabe, você dá essa resposta para várias perguntas.

O albino riu sem humor, abaixando o rosto envergonhado.

— Eu sei.

— Jack. — Hiccup chamou.

— O que? — franziu a sobrancelhas.

— Olha. — disse, apontado para o céu.

A primeiro momento, o garoto não entendeu o porque da expressão admirada de Hiccup, mas quando ergueu os olhos para o noite estrelada, seu queixo caiu. Ainda era discreto, porém, somente um cego não veria o brilho verde e rosado se formando no céu em uma linha horizontal.

— Puta merda. — exclamou atônico.

Jack se lembrava de ter visto fotos e vídeos de tal fenômeno na internet inúmeras vezes, mas uma câmera nunca conseguiria pegar a verdadeira beleza daquilo. As luzes coloridas oscilavam no céu, ganhando e perdendo intensidade. Em alguns momentos, era como se estivessem tentando tocar o chão. E as estrelas cintilantes ao fundo só completavam a imagem surreal.

— Isso é...? — Jack começou incerto.

— Aurora boreal, sim.

Jack continuava boquiaberto, seus olhos brilhando enquanto encarava o céu.

— Wow.

— Eu sei, não é? — Hiccup sorriu — Não importa que eu as veja quase todos os anos desde que nasci, elas nunca perdem a beleza.

— Eu também não acho que deixaria de achar isso incrível algum dia. — concordou — Eu nunca vi nada parecido.

— Foi o que pensei. — sorriu de canto — Por isso te trouxe aqui para vê-las. Você provavelmente consegue ver de qualquer ponto da cidade, mas é mais bonito daqui.

— Então devo te agradecer? — perguntou divertido.

— Você que sabe. — deu de ombros — Não sei o quanto você sabe sobre isso, mas a Aurora Boreal é um fenômeno óptico que pode ser observado nos céus noturnos nas regiões polares, por causa do impacto de partículas de vento solar com a alta atmosfera da Terra, canalizadas pelo campo magnético terrestre. — explicou — Geralmente ocorrem de setembro a outubro e de março a abril.

Jack franziu as sobrancelhas.

— Mas estamos em dezembro.

— Exatamente. — concordou — Mas mesmo assim, nessa parte da Noruega, todos os anos elas aparecem perto do solstício de inverno. Ainda não encontraram uma explicação científica.

— Isso é... Meio que legal.

— É bem legal. — afirmou — Minha mãe era astrônoma antes de se tornar professora de ciências. Dezenove anos atrás, veio pra cá com um grupo de pesquisa pra saber mais sobre a aurora. Foi então que conheceu meu pai. Ela me disse que eles se detestavam no começo. — riu — Meu pai não era muito fã de pesquisadores e tal. Talvez tenha a ver com todo o lance da mitologia nórdica. Mas mesmo assim eles acabaram se apaixonando em certo ponto.

— E ela ficou por ele? — Jack perguntou maravilhado.

— É... Ela ficou. — Hiccup sorriu — Não foi uma decisão fácil, mas ela não se arrepende. E, sabe, toda vez que eu vejo essas luzes... Penso que se não fosse por elas, eu não estaria aqui. Então... esse é meio que o começo da minha história. É a parte mais emocionante, sério. — comentou, e Jack riu fracamente — Mas... Continua sendo importante.

— É uma boa história. — Jack disse.

— É... — sorriu de canto, antes de se virar para o outro garoto — Qual é a sua história, Jack?

Jack desviou o olhar, encarando o céu estrelado. Por um momento, ele analisou a pergunta. Qual era a sua história? O albino sentia como se tivesse muita coisa e ao mesmo tempo nada para contar. Seu passado sempre foi algo que guardou para si mesmo, decidido a jamais compartilha-lo com outras pessoas. Entretanto, ele também sabia que Hiccup era alguém digno de sua confiança, que não o afastou ou julgou mesmo depois de tudo, e sentia que, lá no fundo, devia a ele pelo menos a verdade. Um pouco hesitante, ele suspirou antes de falar.

— Meu nome completo é Jackson Overland Frost. — começou, seus olhos distantes — Nasci e passei quase minha vida toda em Portland, Maine. Meus pais não se conheceram de uma forma extraordinária, na verdade, tinham algumas aulas em comum na faculdade. Eles se casaram logo após da formatura e eu nasci um ano depois. Éramos uma família pequena, mas feliz. Emma nasceu quando eu tinha três anos. Céus, como ela chorava nos primeiros meses. Ninguém conseguia dormir no andar inteiro do prédio. — sorriu nostálgico.

— Eu não sabia que você tem uma irmã. — Hiccup comentou — Ela é a garota da fotografia?

Jack suspirou e confirmou com a cabeça.

— Meu pai morreu em um acidente de carro quando eu tinha cinco. Foi difícil, sabe? Éramos tão novos. Eu tenho poucas lembranças dele, enquanto Emma nem sequer saberia como era seu rosto se não fosse pelas fotos. E minha mãe passou por maus bocados naquela época. Viúva com dois filhos pequenos. Muitas pessoas disseram que não conseguiria, mas ela nunca desistiu. Ela... É a pessoa mais forte que eu conheço.

Hiccup se aproximou, envolvido na história.

— Só que... Ninguém é de ferro. Às vezes, eu ouvia ela chorando de noite. Eu via como ela parecia cansada toda noite e toda manhã, mas mesmo assim sorria enquanto nos levava pra escola antes de ir para o consultório. E por esse motivo eu sempre tentei animá-la. Eu era uma criança bem alegre, tentando deixar todos ao meu redor felizes, por mais impossível que isso soe.

— Devo dizer, você acabou bem rabugento pra uma criança que era alegre. — o moreno brincou.

Jack riu sem humor.

— Eu sei. É complicado... — suspirou — Mas na época, eu realmente gostava de espalhar diversão. Sabe, quando eu tinha uns doze anos, haviam essas crianças no prédio em que morávamos, amigos da Emma, e todo fim de semana nos reuníamos, e eu ficava contando histórias pra eles. Eles realmente gostavam disso. Eu também gostava. Aqueles olhos grandes e curiosos, as risadas... Era incrível. Carregamos essa tradição por muito tempo, até que...

Jack parou de falar, sem coragem de prosseguir com a história.

— Até que...? — Hiccup o incentivou.

— Emma morreu três anos atrás. — completou, sentindo um bolo se formar em sua garganta.

Hiccup abriu a boca em choque, sem fala. Céus. Ele não conseguia imaginar como aquilo foi para o garoto.

— Sinto muito, Jack. — murmurou.

— Também sinto. — respondeu — Nós... Nós costumávamos patinar num lago que ficava nos limites da cidade todo inverno. Quase ninguém conhecia aquele lugar, era o nosso segredo, sabe? Mas um dia...

Jack respirou fundo, com receio de continuar. Hiccup, para a surpresa do outro garoto, segura sua mão e a apertou levemente, tentando passar apoio, seus olhos nunca deixando os de Jack. O albino encarou seus dedos entrelaçados por um segundo, pensando se deveria ou não afastar o outro garoto. No final, decidiu devolver o aperto antes de prosseguir.

— Houve uma tarde, que deveria ter sido igual a todas as outras, em que fomos patinar. O inverno ainda estava frio, e mesmo assim o gelo do lago estava fino. Ele rachou sobre os patins de Emma, e eu não consegui puxá-la a tempo. Ela caiu na água. — disse com a voz embargada, seus olhos se enchendo de água — Eu pulei atrás dela, mas a água era gelada demais. Eu não conseguia me mexer, ou respirar, ou pensar. Você sabe como a sensação é. — murmurou, e o moreno sentiu um arrepio em sua espinha — Eu não fui forte o bastante para tirá-la de lá. Eu só... Apaguei. E quando acordei, estava no quarto de um hospital. Eu devia ter ficado internado por alguns dias, mas me deram alta no dia seguinte para que pudesse ir ao enterro de Emma. Estavam todos lá. As crianças do prédio. Elas choravam por Emma, mas em momento algum olharam para mim. Porque sabiam a verdade. Emma morreu, Hiccup. Ela morreu por minha causa.

Com isso, Jack não se importou mais em segurar suas lágrimas. Ele odiava chorar na frente dos outros, de fato, porém, aquela era a primeira vez que contava aquilo a alguém. Envergonhado, virou o rosto para o lado, escondendo seu choro enquanto Hiccup ainda processava tudo que lhe contara. Ele nem sequer imaginava que algo assim tivesse acontecido com o garoto. E agora tudo fazia sentido. A reação de Jack quando se aproximou do mar gelado naquele dia no memorial, ou seu comportamento no hospital. Reviver aquelas memórias devia ter sido mais doloroso que o moreno podia imaginar.

Hiccup apertou a mão de Jack levemente, tentando chamar a atenção do garoto que se recusava a olhá-lo. O norueguês sabia que o que aconteceu havia sido horrível, todavia, mesmo assim ele não conseguia ficar parado e observar Jack se culpar por algo que não tinha como ter evitado.

— Jack. — chamou levemente — Olha pra mim.

O albino balançou a cabeça negativamente.

— Por favor. Olha pra mim.

Hesitante, Jack virou-se, e a imagem dos olhos azuis avermelhados pelas lágrimas fazendo o estômago de Hiccup se afundar. Cuidadosamente, levou sua mão livre ao rosto do outro, limpando os traços de água com o polegar.

— O que aconteceu não foi culpa sua.

— Foi sim. — respondeu amargamente — Foi minha ideia ir patinar naquele dia. Eu não a puxei a tempo. Se não fosse por isso, ela ainda estaria aqui.

— Você não pode realmente acreditar nisso. — sussurrou tristemente.

— É a verdade. Você não sabe como eu queria voltar para aquela tarde e sugerir que assistíssemos um filme ao invés de sair. Ou que, pelo menos, tivesse puxado ela a tempo e caído em seu lugar. Ela merecia viver, não eu.

— Jack! — Hiccup o repreendeu — Você tentou salvá-la. O que aconteceu foi uma tragédia, mas não foi sua culpa. Você merece viver também.

— Você não entende. Eu não mereço. Depois que ela morreu, você não tem ideia do que me tornei. Antes disso tudo, eu era Jackson Overland. O garoto alegre que tinha como hobby contar histórias pra crianças. Mas depois? Virei Jack Frost, o coração de gelo que todos odiavam. Eu me tornei ignorante, indiferente às pessoas, quase todos os meus colegas de classe nem sequer me suportavam, e eu quebrei mais corações que consigo me lembrar. — aumentava o tom de voz conforme falava, aquela raiva acumulada finalmente saindo para a superfície — Usava bebidas e garotas pra tentar me esquecer dos meus problemas, tudo porque não conseguia mais viver comigo mesmo. Eu virei o pior tipo de babaca, e agora estou pagando as consequências por isso. Eu sempre machuco as pessoas com quem me importo, e talvez fosse melhor se eu realmente desaparecesse!

Jack tinha a respiração pesada, seu rosto distorcido em uma expressão de raiva. Quando percebeu tudo que disse, abaixou a cabeça, mordendo o lábio para conter um soluço. Hiccup o afastaria agora. Perceberia o quão quebrado ele era, e desistiria. E novamente ele perderia alguém importante para si. Talvez fosse melhor assim. Hiccup estaria seguro se mantivesse sua distância, não se machucaria mais, tanto fisicamente quanto emocionalmente.

Hiccup, por outro lado, não pensava em se afastar. Mal conseguia acreditar que Jack pensava tudo aquilo de si mesmo. Ouvir aquelas palavras doeu no garoto. Ele queria fazer com que Jack escutasse, entendesse como ele era importante. Queria poder abraçar o albino e secar todas as suas lágrimas, mantê-lo perto até a angústia passar. Porém, ao invés disso, ele resolveu compartilhar algo que também evitou por muito tempo, com a intenção de fazer com que Jack talvez compreendesse.

— Quando eu tinha 15 anos, houve um incêndio na minha antiga casa. — começou, chamando a atenção do outro que o olhou confuso, não sabendo onde queria chegar — Até hoje não sabem o que o causou exatamente, se foi algum problema no gás ou com a fiação... De qualquer forma, isso não é importante. Ninguém devia estar em casa naquele horário, e por causa disso as chamas teriam sido inofensivas, e apagadas sem que alguém se machucasse. Só que naquela tarde, meu pai me pediu para buscar alguns documentos sobre um caso da delegacia que ele passou a noite analisando e acabou esquecendo de pegar pela manhã. Então, depois da aula, ao invés de ficar na biblioteca estudando como sempre fazia, eu voltei para casa.

Jack apertou a mão do outro, apreensivo, já imaginando onde a história estava indo.

— Eu ainda não sei como o fogo se espalhou tão rápido. Havia fumaça na casa toda, e eu não conseguia respirar direito. Toothless estava latindo feito um louco, mordendo minha camiseta e tentando me tirar de lá, só que eu não podia sair sem meu portfólio. Sei que deve soar estupido, mas todos os meus desenhos e fotos estavam lá, e eu não queria que eles fossem destruídos pelas chamas. Voltar para buscá-los foi meu pior erro. Eu tinha acabado de sair do quarto quando um pedaço do teto desabou e caiu sobre mim, prendendo minha perna. Eu não conseguia sair, e ninguém ouvia meus gritos de socorro. Toothless tentava me puxar para longe, mas os escombros eram pesados. Eu gritava pra ele sair de lá, a fumaça estava prejudicando-o também. Meu peito queimava e, aos poucos, eu estava perdendo a consciência. Pode parecer clichê, mas eu juro que vi minha vida passar diante dos meus olhos. E naquele momento, quando não aguentava mais me manter acordado, eu aceitei que ia morrer e fechei os olhos.

Jack abriu a boca em horror, não conseguindo imaginar o moreno em tal situação.

— E então, para minha surpresa, eu os abri novamente. — Hiccup continuou — Estava na UTI do hospital, diversos aparelhos conectados em mim e meu corpo quase todo enfaixado. Minha perna quase teve que ser amputada, estava com queimaduras de terceiro grau e o médico disse que pela quantidade de fumaça que inalei, era um milagre que tivesse sobrevivido. — explicou — Por isso eu não gosto de passar muito tempo em casa, principalmente sozinho. Ainda tenho cicatrizes das queimaduras e pesadelos sobre aquele dia. Passei semanas no hospital, e meu pai não deixou meu lado por um minuto. Ele não dormia, não comia direito, e tinha os olhos marejados sempre que alguma enfermeira vinha trocar meus curativos. Ele se culpava pelo que aconteceu comigo, afinal, se não fosse por seu pedido, eu não estaria em casa durante o incêndio. Se não fosse por seu pedido, eu não teria quase morrido. Ele disse que eu deveria culpá-lo por meu estado. Me diga, Jack, você concorda com ele?

Jack hesitou, avaliando a história antes de negar levemente com a cabeça. Stoico não tinha como saber o que aconteceria.

— Eu não o culpei também. A questão é que, Jack, o que aconteceu comigo não foi culpa de meu pai, assim como o que aconteceu com Emma não foi culpa sua. Estávamos apenas no lugar errado na hora errada, e não sabíamos melhor que isso para evitar o que aconteceu. Eu sei que você sente falta da sua irmã, e sei que isso deve doer pra caralho, mas pense que ela não gostaria de ver você pensando dessa forma. Você a amava, e queria o melhor para ela. E tenho certeza de que Emma também queria o melhor para você. Ela gostaria que você fosse feliz, Jack. Não se esqueça disso.

As palavras de Hiccup acertaram Jack em cheio, e ele agora mordia os lábios com força tentando controlar seu choro. Sentia-se patético por sua situação. Porém, ao mesmo tempo, também sentia que como se a cada lágrima que escorria, o peso em suas costas diminuísse. Por anos, carregou a culpa em seus ombros e por vezes achou que ela era tão forte que acabaria esmagando-o. Inúmeras foram às vezes que se pegou imaginando o que Emma pensaria se o visse agora. Preferiu acreditar que ela teria vergonha do que ele tinha se tornado, porém, lá no fundo, sabia que a menina faria de tudo para ajudar seu irmão mais velho. Animá-lo. Porque os dois sempre foram assim. Não havia nada neste mundo que não fariam um pelo outro, e Jack se sentia envergonhado de ter esquecido disso.

— Obrigado, Hic. — Jack sussurrou após um momento — Mesmo. Obrigado por tudo.

— Não por isso. — sussurrou de volta — Você pode contar comigo, Jack. Sempre.

Jack concordou e tentou afastar as lágrimas, voltando a observar as luzes brilhando no céu. Os dois passaram o resto da noite em silêncio enquanto admiravam a aurora boreal, sem nunca soltarem as mãos um do outro.

[...]

Por muito tempo, Jack evitou ver os vídeos que sua mãe adorava gravar quando ele e Emma eram mais novos. Um dia eles foram divertidos, mas agora não passavam de memórias dolorosas. Jack não se orgulhava disso, porém, ele evita a lembrança de sua irmã caçula, a culpa pesada demais. Não falava sobre ela, desviava o olhar de porta retratos e nunca dava play naqueles malditos vídeos. Mas naquela madrugada, ele sentiu que era hora de parar de fugir.

Fingir que Emma nunca existiu não faria com que a dor fosse embora, e lá no fundo, por mais que Jack esperasse que sim, ele sabia disso. E a memória de sua irmã era preciosa demais para que ele simplesmente esquecesse. Ele sentia como estivesse traindo-a por fazer isso.

Jack sabia que Sophie guardava todos esses vídeos caseiros em uma caixa de metal que ficava sempre perto do aparelho DVD. Alguns anos atrás ela tinha convertido as fitas para CDs, mas o garoto nunca realmente parou para assisti-los. Pegou o primeiro que encontrou, que estava escrito "verão de 2005" em letras azuis. Colocou-o no aparelho, apertou o play e apenas esperou.

Como na maioria dos vídeos, apenas Jack e Emma apareciam nas imagens. Sophie era sempre quem estava filmando, e o máximo que se tinha dela nas gravações era sua voz. O dia em questão era uma tarde ensolarada. Jack se lembrava dela. Estava tentando ensinar sua irmã caçula a andar de bicicleta há horas. Emma tinha seis anos, enquanto ele tinha nove. Tinha perdido a conta de quantas vezes a menina caiu em sua missão de ficar equilibrava na bicicleta que parecia quase impossível.

— Vamos lá, querida! Você consegue! — Sophie gritou.

— Você vai conseguir dessa vez. — Jack garantiu — Eu vou te soltar na contagem de cinco, ok?

— Ok. — Emma concordou apesar de parecer assustada.

— Vai dar tudo certo. Olhe pra frente e não pare de pedalar. Pronta?

— Pronta.

— Então lá vamos nós. — empurrou a bicicleta, e Emma começou a pedalar — Cinco... Quatro... Três... Dois... Um!

Jack soltou o banco da bicicleta, deixando a caçula ir sozinha. E, incrivelmente, dessa vez ela conseguiu manter o equilíbrio.

— Jack, olha! — a menina gritou alegre — Sem as rodinhas!

— Está indo bem, Emma! Continue assim!

A imagem focou no rosto de Jack nessa cena, e ele parecia tão orgulhoso. O que durou poucos segundos, pois no momento seguinte Emma perdeu o equilíbrio e caiu no chão. Jack sorriu de canto ao se lembrar de como correu para ver se Emma tinha se machucado e encontrou a menina rindo do tombo. Era como se tivesse sido ontem.

O garoto estava tão distraído que não percebeu quando Sophie entrou na sala ajeitando uma blusa sobre os ombros, ainda bocejando.

— Jack? — chamou sonolenta — Pensei que você não fosse voltar hoje. Tem ideia de que horas são?

O garoto permaneceu em silêncio, e Sophie se aproximou, querendo saber o que o filho assistia de forma tão séria.

— O que está vendo? — perguntou.

— Eu odeio esses vídeos, sabia?

Sophie sentiu o ar escapar de seus pulmões quando percebeu que eram os vídeos de Emma.

— É só que... Tudo parecia tão simples e alegre naquela época. Como se nada de ruim pudesse nos atingir de novo. — explicou, apertando os punhos — E ela tinha esse sorriso contagioso, e todos a adoravam. E ela se foi. Ver esses vídeos é como se alguém esfregasse isso na minha cara.

Jack respirou fundo, já sentindo seus olhos arderem.

— Eu sinto falta dela, mãe. — disse com a voz embargada — Eu sinto tanto a falta dela.

— Ah, Jack.

Sophie abraçou o filho, sentindo seus próprios olhos se encherem de lágrimas. Nos últimos anos, Jack mencionou Emma um número de vezes que podia ser contato nos dedos. A mulher sabia o quão difícil tinha sido para o garoto assim como para ela mesma, e como a morte da caçula havia destorcido o garoto. O pior de tudo foi ver Jack se afundando em sua própria tristeza e não poder fazer nada para ajudar o filho. Sophie tentou, ela realmente tentou, mas Jack simplesmente evitava o assunto. Dizia que estava tudo bem e mudava o assunto.

Em certo ponto, Sophie resolveu esperar. Talvez um dia o garoto se sentisse pronto para falar sobre isso, e quando esse dia chegasse, ela estaria lá para ouvi-lo, e eles poderiam superar isso juntos, como uma família.

— Eu só... — Jack continuou — É como se eu a visse em todo lugar. Especialmente quando ainda estávamos em Portland. Eu imaginava como seria quando ela finalmente entrasse no ensino médio, e estivesse nas mesmas salas que eu estava. Eu a imaginava cercada de amigos e se divertindo com eles. Eu... — fungou — eu não consigo parar de imaginar como a vida dela teria sido se não fosse por mim.

— Jack, você não fez nada de errado. Aquele foi um dia normal em que vocês fizeram o que faziam todos os invernos. Não tinha como você ou ela saberem que o gelo estaria fino.

— Foi um acidente, não foi? — perguntou incerto.

— É claro que foi, filho. O que aconteceu foi horrível para todos nós, mas... Ela não gostaria que você passasse sua vida se culpando por isso.

Jack soluçou, mais lágrimas escorrendo.

— Eu a quero de volta.

— Eu sei. Eu também quero. — admitiu com a voz embargada — Todos os dias. Mas Emma não vai voltar. Não importa o quanto queiramos. E... Está tudo bem. Você não precisa deixar de amá-la ou esquecê-la, Jack. Nunca. — murmurou, afagando os cabelos brancos do garoto — Emma sempre vai estar em nossos corações. Mas você precisa deixá-la ir. O que aconteceu não foi sua culpa.

Jack apertou a camisa da mãe entre os dedos, respirando fundo.

— Eu sei. — respondeu com a voz falha — Eu sei.

— Tudo vai ficar bem. — beijou a testa do outro — Você vai ver.

E pela primeira vez em muito tempo, Jack acreditou.

"And I know the scariest part is letting go

Cause love is a ghost you can't control

I promise you the truth can't hurt us now

So let the words slip out of your mouth"

(Christina Perri – The Words)


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Notas finais do capítulo

¹ sei lá, levando em consideração que o Sand Man é aquele personagem dos sonhos que faz aquelas formas super incriveis com areia dourada, achei que artesanato combinava com ele ~coração~
² Personagem de Adventure Time
O QUE ACHARAM? Me falem, pelo amor de todos os deuses. Eu realmente gostei do resultado desse capítulo, mas é a primeira vez que escrevo algo com tanta carga emocional, então estou preocupada sobre se ficou bom de verdade ou não. Então, eu vou APELAR e pedir que comentem como meu presentinho de natal ~coração~ HAHAHA ~como se fosse adiantar~
Ahhh, e vocês viram que eu mudei a capa da história? Achei a foto desse guri no WeHeartIt e achei ele parecido com o que imagino do Jack, aí coloquei spoksposk sei lá, mil tretas
Mas sério, amigos. Comentem, recomendem, me mandem mensagem, um tweet (@charlieplusg), sinal de fumaça... Apenas apareçam.
Nos vemos no próximo que será O ÚLTIMO CAPÍTULO DE FROZEN HEART! *todos choram*
xoxo,
Charlie
P.S.: VAMOS FALAR SOBRE O FATO QUE EU FINALMENTE POSTEI ESSE CAPÍTULO DEPOIS DE QUASE DOIS ANOS? HAHAHAHA sério, não to acreditando
P.S.2.: e caso alguém tenha ficado interessado na aurora boreal da Noruega: https://www.youtube.com/watch?v=5MVXCzChWnk