Frozen Heart escrita por Charlie Haddock


Capítulo 2
O frio nunca me incomodou


Notas iniciais do capítulo

Bom, caso esse negócio de agendamento de capitulo funcione, agora são 16h05 e estamos no domingo, certo? Espero que esteja certo. Agradeço aos reviews no capitulo anterior, e desculpe por não responder :s faço isso quando voltar de viagem ~coraçãozinho~ Estão aproveitando o carnaval?
Boa leitura!



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Sonhos são experiências que possuem significados distintos se forem ampliados em debates que envolvam religião, ciência e cultura. Para a ciência, é uma experiência de imaginação do inconsciente durante nosso período de sono. Em diversas tradições culturais e religiosas, o sonho aparece revestido de poderes premonitórios ou até mesmo de uma expansão da consciência.

Naquele momento, um sonho era a única resposta racional que Jack podia achar para explicar o que aconteceu na noite anterior. E, sinceramente, aquele tinha sido um sonho dos bem loucos. Ele estava lá e Elsa também. A loira era um tipo de feiticeira louca que lhe jogou um abracadabra que o faria morrer em um ano caso não encontrasse seu “amor verdadeiro”. Parecia até mesmo coisa de filme da Disney.

Jack abriu os olhos vagarosamente, suas retinas doendo com a claridade do quarto. Céus, suas paredes sempre foram tão brancas? Sentou-se bruscamente com a realização de que aquele não era seu quarto. Merda, o garoto pensou. Estava em um hospital. Odiava hospitais. Correu o olhar pelo lugar procurando alguém, qualquer um, que pudesse lhe explicar que diabos estava acontecendo. Felizmente, Sandy estava sentado na cadeira ao lado da cama, roncando.

— Sandy? — chamou o garoto que estava adormecido, e não recebendo uma resposta, jogou o travesseiro no outro – Acorda, Sandy!

O baixinho pulou de susto, quase caindo.

— Eu não estava dormindo. — defendeu-se, sua voz grogue pelo sono — Jack?

— Estava esperando outra pessoa?

— Você acordou! — sem cerimônias, abraçou o melhor amigo com força — Cara, vocês nos assustou!

— Assustei? Por quê? — afastou o outro garoto de si — Sandy, o que você esta fazendo aqui? O que eu estou fazendo aqui?

— Sua mãe me ligou mais cedo e pediu para vir ficar com você enquanto ela conversava com o médico. Esperávamos que você pudesse explicar o que aconteceu quando acordasse. Contar como você ficou... — o loiro hesitou, desconfortável — assim.

— Assim como? — questionou, o pânico começando a se tornar evidente em sua voz.

Jack começava a achar que a noite anterior não tinha sido um sonho.

— Um espelho. — murmurou — Eu preciso de um espelho.

O garoto saiu da cama em um pulo, dirigindo-se direto para o banheiro. Esqueceu momentaneamente de como se respirar quando viu seu reflexo no espelho. Seus cabelos estavam brancos, os olhos azuis como safiras e a pele pálida como se nunca tivesse visto o sol uma única vez em sua vida. Jack agarrou-se a pia, tentando ter alguma estabilidade. Seu corpo todo tremia enquanto ele tentava manter a calma.

— Jack... — Sandy se aproximou preocupado — Está tudo bem?

O loiro percebeu o desespero do melhor amigo, e isso o deixou ainda mais preocupado.

— Não foi um sonho. — Jack sussurrou, encostando-se na parede — Não foi um sonho.

O garoto escorregou até o chão e se encolheu.

— Eu vou morrer. — disse desamparado.

Sandy riu nervosamente.

— É claro que você não vai morrer, Jack. De onde tirou essa ideia? — perguntou — Olha... Só... Espera aqui, ok? Vou chamar sua mãe, a enfermeira, não sei. Só espera.

— Não, não, não. Sandy, não me deixa aqui sozinho! — pediu, mas o garoto já tinha saído.

Jack respirou fundo, as palavras "não entre em pânico, não entre em pânico" ecoando em sua cabeça como um mantra. Abraçou seus joelhos, encolhendo-se ainda mais enquanto balançava o corpo para frente e para trás. Talvez fosse apenas um pesadelo. Talvez fosse acordar em sua cama dentro de instantes e tudo estaria perfeitamente normal. Quase riu de si mesmo. A quem queria enganar?

Recolhendo todo seu auto controle, Jack se levantou do chão e foi até a o lavabo do banheiro, abrindo a torneira para jogar um pouco de água no rosto. Certo. Precisava agir normalmente e sair daquele hospital para poder ir atrás de Elsa. Era a única coisa que podia fazer.

— Jack?

Sophie entrou no quarto quase correndo, procurando por seu filho.

— Mãe.

A dentista suspirou aliviada e abraçou o garoto com toda sua força, sendo respondida com a mesma intensidade. Não pode deixar de sorrir ao ver que o filho estava bem. Com uma aparência estranha, claro, mas de pé. Firme e forte. Jack imaginava o que ela provavelmente havia passado nas ultimas horas. Não seria a primeira vez em que ficava em um hospital esperando notícias sobre um ente querido.

— Que bom que está acordado. — afastou-se do adolescente, segurando seu rosto com as duas mãos — Como isso aconteceu? — perguntou em um sussurro.

— Sra. Frost?

Apenas então Jack notou a presença de um homem de jaleco no quarto, Sandy parado ao seu lado.

— Filho, esse é o Dr. Harris. — Sophie apresentou — Ele gostaria de fazer algumas perguntas.

O tal Dr. Harris deu um passo a frente, estendendo a mão para Jack.

— Pode me chamar de William. — disse, e o garoto aceitou o cumprimento — Se importa?

O médico apontou para a cama e pediu para que o adolescente abaixasse a parte de cima do avental hospitalar que vestia. Jack obedeceu e se sentou, deixando que William o examinasse com seu estetoscópio. Apenas coisas simples que se costuma fazer quando uma criança vai ao consultório com suspeita de gripe. Só que Jack tinha certeza de que não estava resfriado.

— Sentiu algo diferente nos últimos dias? — perguntou — Algum tipo de queimação no corpo?

— Não.

William assentiu.

— Alguma coisa que explique a mudança de coloração nos olhos e cabelo? — "Uma louca me enfeitiçou", Jack pensou — Algum tintura?

— Não.

— Há quanto tempo tem a tatuagem?

— Que tatuagem? — franziu o cenho, apenas então lembrando-se do floco azul em seu peito — Ah. Você acreditaria se eu dissesse que ela não estava aí noite passada?

— Jack, preciso que seja sincero comigo. — William pediu — Saiba que não estou aqui para te julgar, apenas para ajudar. Então, diga-me a verdade, você esteve sobre o efeito de drogas nos últimos dias?

— O que? — perguntou incrédulo — Eu não uso drogas!

— Não quero ofendê-lo, Jack. Apenas preciso perguntar. Essas repostas são importantes.

— Eu não uso drogas. — repetiu.

— Certo. Eu acredito em você. — assegurou, puxando uma pequena lanterna do bolso. Jack quase reclamou quando a luz atingiu seu olho direito — Consegue enxergar tudo corretamente? Sua visão está embaçada?

— Enxergaria melhor se não tivesse essa luz no meu rosto. – respondeu ignorante.

William sorriu de canto. Estava acostumado com a ignorância de alguns pacientes. Nem todos gostam de ser examinados.

— Fizemos alguns exames ontem quando chegou, e, como esperado, os resultados apresentaram um baixo nível de melanina no corpo. — disse — O cabelo e pele brancos e os olhos azuis se encaixam em casos de Albinismo oculocutâneo do tipo OCA1. A incógnita da situação é que pessoas albinas nascem albinas, e não desenvolvem o quadro de um dia para outro aos dezesseis anos de idade. — explicou antes de se virar Sophie — Tem certeza de que não houve nenhum outro caso de Albinismo na família?

— Certeza absoluta. — respondeu como se fosse a milésima vez que fizessem a pergunta — Eu saberia se houvesse.

— Sinceramente, nunca vi nada igual. — foi sincero — A aparência física mudou, mas não causou nenhum dano à saúde. Geralmente, pessoas que apresentam o albinismo tendem a ter problemas na visão, variando de miopia até mesmo à cegueira. A visão de Jack parece estar normal, apesar de que solicitarei alguns exames. — avisou — Parece até mesmo mágica.

Jack se remexeu na cama, desconfortável.

— Não há nada que possamos fazer para que ele volte ao normal? — Sophie perguntou.

— Não sabemos ainda. Primeiro precisamos entender o caso para tentar revertê-lo. Talvez a cor do cabelo volte a ser castanho com o tempo, mas duvido muito que o mesmo aconteça com os olhos.

— Quando posso ir embora? — Jack questionou.

— Vamos mantê-lo em observação por mais um ou dois dias e fazer mais exames.

O garoto fez uma careta.

— Sei que ficar no hospital pode não ser a melhor coisa do mundo, só que é para o seu próprio bem, Jack. — William disse — Estamos tentando entender o que aconteceu com você para podermos ajudá-lo.

— Agradecemos pelo que estão fazendo, doutor. — Sophie disse.

William sorriu confiante para Jack e se despediu, dizendo que uma enfermeira apareceria mais tarde para encaminhá-lo para novos exames.

— Não quero ficar aqui. — o garoto comentou — Não podemos ir para casa?

— Você ouviu o medico. Ainda precisa fazer uns exames e...

— Eles não vão conseguir reverter isso, mãe. Eles não vão nem entender.

— “Isso” o que? — questionou séria.

Jack abaixou a cabeça.

— Jack... O que aconteceu? — Sandy perguntou — Nos conte a verdade.

O — agora — albino respirou fundo e tentou responder de melhor forma que pode sem que quisessem mandá-lo para a ala psiquiátrica. Não foi muito fácil, e muitas vezes parou no meio da frase, sem saber ao certo como continuar. Sandy e Sophie receberam as novas informações em silencio, esperando que Jack terminasse. A adulta foi a primeira a surtar. Porque, sinceramente, aquilo era loucura. Considerou a hipótese de que talvez o filho tivesse batido a cabeça com força quando caiu e agora estava tendo alucinações.

— Jack, por favor, diga que você não mentiu ao médico e que realmente não está usando drogas. — a dentista suplicou.

— Mas mãe, essa é a verdade!

— Não, você sabe que não é. Essas coisas não acontecem, Jackson. — disse claramente irritada — Magia, ou qualquer loucura dessas, não existe. Eu quero a verdade.

— Eu te avisei. — Sandy finalmente se pronunciou, chamando a atenção dos dois.

— Você acredita nessa maluquice? — a dentista questionou, incrédula.

— Eu conheço a Elsa, tia Sophie. Aquela garota não é... normal. Eu sei que pode soar loucura, mas é verdade.

— Vocês dois perderam o juízo.

— Mãe, me escuta. — Jack pediu — Como você explica isso? O cabelo, os olhos, a tatuagem... Tudo. Eu não mentiria pra você. Eu também estou assustado. Não sabe como queria que isso fosse um sonho ou brincadeira de mau gosto. — respirou fundo — Só que não é.

Sophie respirou fundo e contou até dez. Tentou encontrar um motivo pelo qual Jack mentiria para ela sobre algo tão sério. Viu a sinceridade transbordando dos olhos dos adolescentes a sua frente e decidiu arriscar.

— Vocês estão mesmo falando a verdade, não é? — perguntou derrotada.

Os dois confirmaram.

— Então, se essa tal de Elsa fez isso, ela pode muito bem reverter, não é? Só precisamos conversar.

Sandy e Jack se olharam incertos.

— Esperamos que sim. — o dono dos olhos azuis respondeu.

— Ótimo. — disse — Eu... preciso pensar.

A dentista saiu do cômodo sem mais uma palavra. Jack entendia que ela precisava de um tempo. O que ele acabou de contar não era fácil de absorver.

— Então... — Sandy começou — Se você não se apaixonar por alguém e for correspondido em um ano, vai morrer? – perguntou para confirmar.

— Aparentemente. — respondeu mal humorado.

— Isso é meio "A Bela e a Fera", não é? — comparou pensativo — Só que você não ficou feio, só albino.

— Eu não sou albino! — rebateu — Minhas sobrancelhas ainda são escuras.

— Acho que seria mais legal se seus olhos fossem vermelhos. — comentou coçando o queixo — Li uma matéria sobre isso as vezes. A falta de melanina na íris faz com que a luz reflita nos vasos sanguíneos e...

Jack jogou o travesseiro no melhor amigo pela segunda vez naquele dia.

— Idiota. — resmungou — Essa situação não tem nada de legal.

— Qual é! Não é tão ruim assim. Eu estou tentando ser positivo aqui. — se defendeu — Vamos conseguir reverter isso, você vai ver.

Frost sorriu minimamente. Sabia que o loiro só queria animar os ânimos e tentar descontrair um pouco. Apenas era difícil tentar se distrair com tudo que estava acontecendo.

Para o desgosto de Jack, ele foi obrigado a passar mais dois longos, horríveis dias no hospital, sendo submetido a uma bateria de exames que não resultavam em nada. Os médicos não conseguiam chegar a conclusão alguma, e como o garoto estava aparentemente bem, não tinham motivos para mantê-lo internado.

Sophie ficou mais que feliz quando Jack recebeu alta. Planejava levar o filho pra casa de uma vez por todas e deixá-lo descansando, mas o garoto insistiu que a primeira coisa que deveriam fazer era passar na casa de Elsa. Meio a contra gosto, a mulher dirigiu até o bairro da garota, seguindo as orientações de Jack.

— Tem certeza de que é aqui? — a dentista perguntou incerta.

A casa na qual pararam em frente era um total contraste com o bairro nobre em que estavam. Enquanto as construções vizinhas eram imponentes e bem cuidadas, aquela em especial tinha a pintura estava desbotada, vidros quebrados e janelas caindo aos pedaços. Uma mansão abandonada. Jack saiu do carro abismado, não acreditando em seus olhos. Tinha certeza de que aquele era o endereço que visitou tantas vezes nos últimos meses.

— Isso é impossível. — murmurou.

Jack se dirigiu até a varanda da casa, passando pelo portão quebrado. Quando esteve ali pela última vez, a construção parecia ser nova. Todavia, com os últimos eventos, o garoto parou de duvidar das coisas estranhas que podem acontecer. Por um momento pensou em tocar a campainha, mas duvidava que ela funcionasse. Optou por bater na porta. Um, duas, três vezes e nada. Sem resposta. Espiou pelo vidro empoeirado e tudo que conseguia ver eram cômodos vazios.

— Ei, garoto! — uma voz masculina gritou — O que esta fazendo ai?

Havia um homem lhe encarando do terreno vizinho. Segurava alguns enfeites natalinos em suas mãos, outros já pendurados na fachada da casa. Não parecia irritado nem nada com a presença do garoto, mas estranhou alguém entrando na propriedade dos Arendelle.

— Me desculpe, senhor, mas sabe me dizer onde posso encontrar a garota que mora aqui? — Jack perguntou.

— Ninguém mora aí há anos, meu jovem. — respondeu — O casal dono da casa morreu em um acidente de carro já faz sete anos. As filhas deles se mudaram para ficar com a tia ou algo assim.

— E elas nunca voltaram?

— Nunca. Quem voltaria, não é mesmo? — perguntou retoricamente, coçando o queixo — Bom, nunca mais mexeram no lugar. O que é uma pena. Costumava ser um ótimo imóvel.

— É, uma pena. — murmurou — Devem ter me passado o endereço errado. Desculpe pelo incomodo! E obrigado, de qualquer forma.

Jack acenou e voltou para o carro. Mal tinha fechado a porta quando Sophie perguntou.

— O que ele disse?

— Que essa casa está vazia há anos. Os pais de Elsa morreram em um acidente de carro e ela e a irmã se mudaram logo depois.

— E você não sabia dessas coisas? — perguntou incrédula.

— Ela sempre evitava falar da família. Eu nunca a pressionei. Sei como é não querer tocar em algum assunto. — Jack justificou e comentou logo em seguida com a voz baixa — Eu realmente não sabia nada sobre ela.

Sophie suspirou.

— E o que faremos agora?

— Eu não sei. — respondeu sinceramente.

Porque realmente não sabia. Estava por conta própria agora.

~*~

Jack descobriu da pior forma possível que o sol realmente era um problema para sua pele pálida. Mesmo ainda estando no fim do inverno, se viu obrigado a andar com um protetor solar —o mais potente que vendiam— na bolsa a fim de não ter novas queimaduras. E quando a primavera chegou, a situação apenas piorou. Não queria nem imaginar como seria o verão. Bom, pelo menos não morava na Flórida.

De qualquer forma, os cuidados triplicados com o sol não foram a única mudança na rotina do garoto. O garoto nunca teve coragem de voltar a sua antiga escola, sabendo que seria metralhado com perguntas que não conseguiria responder. Sua mãe concordou em mudá-lo de colégio. E agora estava estudando praticamente do outro lado da cidade, longe de Sandy ou qualquer outra pessoa que realmente conhecesse. E quatro meses após o acontecido, ainda não tinham encontrado uma maneira de reverter o feitiço.

De certa forma, as coisas estavam até indo bem quando uma coisa totalmente inesperada aconteceu numa manhã de sexta-feira. Frost nunca fez questão de socializar com os novos colegas de classe, e sua presença podia até ser comparada com a de um fantasma. Quase inexistente, mas não despercebida. Se um dia achou que Pitch e sua gangue de babacas eram irritantes, era porque ainda não havia conhecido Victor e seus seguidores. O ruivo era o típico valentão da escola. Quase do tamanho de um armário, gostava de impor autoridade e a maior parte dos alunos apenas abaixava a cabeça. Evitavam confusão.

Todavia, Jack não se deixava intimidar pelo garoto. Talvez por isso Victor tenha escolhido aquele albino para ser seu novo alvo. No começo, era fácil para o dono dos cabelos brancos simplesmente ignorar o outro e seguir normalmente com sua vida, mas quanto mais ele fingia que Victor não existia, mais insistentes ficavam as provocações. Jack agüentou o quanto pode, mas paciência tem limite. Em uma tarde de sexta feira, muito calma até aquele momento, foi quando as coisas começaram a dar errado. Era intervalo e os corredores estavam quase vazios. O garoto raramente ia até o refeitório, preferindo o silêncio dos corredores à gritaria dos adolescentes. Tinha o celular em mãos, conversando com Sandy por mensagens. Seja lá qual era o assunto, o loiro disse algo engraçado que fez Jack soltar uma pequena risada antes de responder. Jack estava tão focado em seu aparelho que nem sequer notou Victor e três de seus amigos se aproximando.

— Ora, ora. Quem diria, Frost? Você sabe sorrir! — Victor ironizou.

Jack respirou fundo, virando-se para encontrar Victor e seus três seguidores.

— Sai daqui, Victor.

— Ah, não seja assim, Jack. Somos amigos, não somos? — sorriu sarcástico — Com quem você está falando? Sua namorada?

Num movimento rápido, Victor se aproximou e tomou o celular das mãos do albino.

— Ei! Me devolve! — Jack tentou avançar, mas um dos garotos segurou seu braço com força, mantendo-o parado no lugar.

— Sandy? Quem é Sandy? — Victor questionou — Isso é nome de homem ou mulher?

— Me devolve, Victor!

— Calminha, Jack. Por que toda essa exaltação? — arqueou a sobrancelha — Ah, é um garoto, não é?

— É meu amigo. — o albino respondeu entre dentes, tentando se livrar do aperto em seu braço — Agora devolve o meu celular.

— Olha, eu achava quem você era muitas coisas, Frost, mas viadinho não era uma delas. Aposto que é você quem fica por baixo. — Victor riu malicioso — Vamos conversar com esse tal de Sandy. Talvez ele possa nos contar as coisas.

Antes que Victor pudesse digitar uma mensagem, Jack usou toda sua força pra empurrar o garoto que o segurava para o chão. Antes que os outros dois pudessem se aproximar, o albino avançou até o ruivo, acertando um soco no queixo do outro. Victor caiu no chão com o impacto, o celular voando alguns metros há frente. Jack se apressou em pegá-lo, procurando por qualquer dano que por sorte não aconteceu.

— Fique longe de mim. — voltou-se para o ruivo e avisou.

Victor o olhou com raiva de onde estava caído no chão. Seus três seguidores estavam parados pouco atrás, sem saber exatamente o que fazer.

— Ninguém encosta em mim e sai ileso, Frost.

O ruivo se coloco de pé num pulo, avançando contra Jack com fúria. Tentou acertar o garoto no estômago, mas Jack pulou para trás. Tentou acertar o outro mais uma vez, agora mirando o rosto.

— Eu disse pra ficar longe de mim! — Jack gritou empurrando o ruivo antes que o punho acertasse seu queixo.

Jack sentiu uma energia fluindo por suas veias e passando para Victor no momento em que suas mãos encostaram no tronco do outro, e como se tivesse levado um choque, se afastou imediatamente. O ruivo caiu no chão, um gemido dolorido saindo de seus lábios. Por alguns segundos, todos permaneceram parados, sem entender o que estava acontecendo. Victor arrancou o moletom que usava com força, revelando a camiseta parcialmente congelada que deixou Jack em choque.

Ele tinha poderes.

O desespero tomou lugar da raiva e Frost tentou se aproximar do garoto, suas mãos tremendo. Queria tentar reverter a situação. Victor se arrastou para longe, tentando criar a maior distância possível. O brilho em seus olhos era de medo.

— Fique longe de mim! — rosnou — Seu monstro!

Alguns professores que ouviram o conflito de uma das salas se envolveram na confusão e levaram os dois adolescentes dali, Victor para a enfermaria e Jack para a diretoria. O garoto explicou como a discussão começou para a diretora que não pareceu muito convencida. Ela perguntou sobre o gelo, mas Jack não soube explicar. Ninguém saberia. Nem mesmo os três garotos que testemunharam a cena e contaram sua versão da história, e ainda assim a situação continuava confusa.

E o pior de tudo era que Frost estava preocupado com o filho da puta do Victor. Queria saber se ele estava bem, se estava vivo. Não se perdoaria caso tivesse machucado-o gravemente, mesmo que ele merecesse.

Jack foi obrigado a ficar na diretoria até sua mãe aparecer, e para seu azar, Sophie chegou quase ao mesmo tempo que o pai do outro garoto. Daniel estava irado. Ele aparentava ser o tipo de pai que acredita que o filho é um anjo na escola quando a situação é claramente o contrário. Sem contar que Victor agora estava na enfermaria, e se algo grave acontecesse com o ruivo, Daniel iria fazer alguém pagar por isso.

O bate boca entre os parentes foi feio. Sophie se negava a aceitar Jack como o único culpado, afinal, Victor tinha começado a discussão. Daniel culpava Jack por danos físicos. A diretora teve que usar toda a sua autoridade para acalmar os ânimos enquanto o albino ouvia tudo de cabeça baixa.

— O problema já foi resolvido. — ela assegurou — Victor esta na enfermaria e já está bem.

Jack suspirou aliviado.

— Sr. Mills, seu filho está suspenso por três dias. — disse para Daniel, que não pareceu feliz — Sr. Frost, você está suspenso por uma semana.

— O que?! — os dois Frosts perguntaram ao mesmo tempo.

— Mas a culpa foi dele! — Jack argumentou.

— Victor pode ter iniciado, mas foi você que causou mais dano, Sr. Frost. — respondeu, e antes que Jack abrisse a boca para rebater, ela continuou — Minha decisão é final. — voltou-se para os dois adultos — Agora, sugiro que levem seus filhos para casa.

— Acho uma boa ideia. — Sophie disse ignorando o sorriso vitorioso de Daniel — Vamos, Jack.

O garoto pegou sua mochila e se levantou. Entretanto, foi impedido de sair da sala por Daniel, que segurou seu braço antes se saísse.

— Não sei o que fez com meu filho, mas as coisas não vão ficar assim. – disse apontando o dedo para ele — Fique longe dele ou...

— Ou o que? — Sophie se intrometeu, com fogo nos olhos — Esta ameaçando meu filho? Se atreva a fazer algum mal a ele e eu juro que...

— Mãe! — Jack chamou sua atenção — Vamos embora, por favor.

Sophie hesitou, mas atendeu o pedido do mais jovem. Ficar ali só traria mais problemas. Jack passou o caminho todo até o apartamento em silêncio enquanto sua mãe dizia poucas e boas sobre aquela escola.

— Deveríamos processar todos eles! — disse fechando a porta com força — A diretora, o tal de Daniel, até o Victor se pudermos! Francamente, aquele lugar não tem câmeras? Podemos provar que foi o garoto que começou tudo isso!

— Mãe...

— E assim que provarmos vou fazer questão de levar isso até o final. Ele deveria ser expulso!

— Mãe!

Sophie parou de falar, respirando fundo.

— O que foi, querido?

— Você acha que eles tinham razão? — Jack perguntou com um fio de voz.

— Razão sobre o que?

— Sobre mim. — respondeu exasperado — Eu quase congelei o Victor, mãe. Seja lá o que Elsa fez comigo, talvez eu realmente tenha virado um monstro. E se da próxima vez for pior? Ele podia ter matado-o! — quase gritou, e no segundo seguinte, continuou com apenas um fio de voz — Eu podia ter matado-o como matei Emma.

— Jack!

O garoto parou de falar, seus olhos azuis estavam marejados. Sophie se aproximou e envolveu o filho em um abraço.

— O que aconteceu não foi culpa sua, Jack. Em nenhum das duas vezes. Foi um acidente. Não vai ter uma próxima vez. — dizia, sua voz calma — Sei que você pode controlar isso. Vai ficar tudo bem, você vai ver.

— É bem irônico, não é? — perguntou com a voz embargada — Eu ter poderes de inverno. Sempre o maldito inverno.

— Ah, Jack. — apertou mais o garoto em seus braços.

Jack se permitiu chorar no ombro da mãe. De medo e frustração. Tudo que ele queria era que aquele pesadelo acabasse.

— Eu não quero voltar para lá. — murmurou.

— E não vai. — garantiu — Nós vamos sair daqui. Para algum lugar novo e recomeçar onde ninguém saiba nada sobre nós.

Sophie começou a acariciar os cabelos brancos do garoto, esperando que ele se acalmasse. Agora, o que precisava fazer era começar a procurar um novo apartamento.

~*~

Sophie cumpriu com sua palavra. Mais de uma vez, na verdade. Aquele ano foi um dos mais conturbados para a família Frost. O primeiro lugar para onde se mudaram foi Vancouver, no Canadá. Quando Sophie disse que iam se mudar, o garoto pensou que seria para outra cidade, quem sabe Augusta. Mas Canadá? Talvez a dentista estivesse sendo um pouco radical. Jack não queria nem sequer sair do Maine, quem dirá sair dos Estados Unidos. Sandy também foi contra a decisão —Jack era seu único amigo, e estudar em escolas diferentes já era ruim—, entretanto, Sophie tinha razão. O Canadá era longe e frio, um bom lugar para manter as habilidades de Jack escondidas.

No começo, foi estranho. Portland, mesmo sendo a maior cidade de Maine, ainda era uma cidade relativamente pequena, com pouco mais de 60 mil habitantes. Já Vancouver, com os seus 2 milhões de pessoas, era maior, mais barulhenta e com muito mais trânsito. É, cidades grandes não eram a melhor coisa. Com o tempo foram se acostumando.

O problema era que a dentista estava errada quando achou que o que aconteceu na escola não iria se repetir. Após dois meses em Vancouver, Jack se estressou com um professor e fez, acidentalmente, nevar no laboratório de química. Antes que levantassem mais suspeitas, fizeram as malas novamente e se mudaram, dessa vez para o Alasca. E foi lá que Jack descobriu que o frio já não lhe afetava, nem mesmo em temperaturas abaixo de zero. Acredite, ele testou.

Num belo dia nublado, saiu de casa vestindo apenas uma bermuda e regata. Quem o via na rua achava que era louco. Todavia, o frio realmente não o incomodava. Na verdade, era até agradável, de uma maneira estranha.

Naqueles seis meses que se passaram, Jack e Sophie tinham revirado cada livro empoeirado sobre supostas magias e falado com dúzias de pessoas que se diziam especialistas. Alguns não passavam de charlatões, outros até tinham seus dons, mas nenhum deles podia ajudar o garoto. Desistindo de tentar reverter o encantamento de outras formas que nunca funcionavam, Jack decidiu seguir as regras de Elsa e voltou a sair com as garotas que cruzavam seu caminho. Se apaixonar não devia ser tão difícil assim, certo? Ainda tinha tempo para isso. Tempo que julgava ser o necessário.

Foi em um desses encontros que o terceiro acidente aconteceu. O garoto achava que seus poderes só surgiam quando estava irritado, assustado ou algo do tipo, e se viu enganado ao congelar o braço de Gabby por acidente. Mal sabia como fizera aquilo. Eles só estavam no meio de uma sessão de beijos um pouco intensa, e boom. Pelos cobertos de geada e uma garota tremendo de frio.

Novamente, os olhares tortos e as acusações. O problema era que Sitka era uma cidade pequena —bem menor que Portland—, as fofocas voavam e as pessoas eram supersticiosas demais. Frost perdera a conta de quantas vezes fora chamado de monstro ou aberração. Ao final do terceiro mês no Alasca, se mudaram novamente, desta vez para a Suécia. Agora sim Sophie estava sendo radical.

O mês naquele país fora o pior para Jack até agora. Ele sentia que jamais se adaptaria ali. Primeiro que mal conseguia se comunicar com os outros ou ler placas na rua. Apesar do inglês ser uma língua obrigatória no país, o sotaque e falta de vocabulário atrapalhavam. De qualquer forma, depois de uma quadra congelada, se mudaram mais uma vez.

A próxima opção foi a Finlândia. A experiência foi quase tão ruim quanto a anterior. Jack nunca admitiria para a mãe que daquela vez o acidente não foi bem “acidente”. Só precisou se concentrar um pouco para congelar a gata do zelador. Descobriu que podia usar seus poderes caso se concentrasse um pouco. E aquela gata lhe dava arrepios.

E então, onze meses depois da noite no apartamento, Sophie tentou pela última vez. Estavam se mudando para a Noruega.

— Qual é o nome da cidade mesmo? — Jack perguntou entediado, observando a paisagem pela janela do quadro.

— Comuna. – corrigiu o filho, que murmurou um “tanto faz” — É Vardø. A única localidade na Noruega continental na zona de clima ártico. Vamos ver se você realmente é imune ao frio.

— Achei que já tínhamos descoberto isso na Suécia. — resmungou — E qual o próximo lugar para onde nos mudaremos? Pólo Norte? — debochou — Podíamos ir morar com o Papai Noel.

— Não vai ter próxima vez, Jack. O solstício é daqui um mês, caso não se lembre. Seu problema ainda não foi resolvido.

O garoto abaixou a cabeça.

— Desculpa. — murmurou.

Sophie respirou fundo, apertando os dedos no volante.

— Tem que se esforçar aqui, filho. É sua última chance.

— Eu me esforcei o ano inteiro! — respondeu frustrado — Parece que nunca da certo.

A mulher suspirou.

— Só... não desista.

O assunto morreu ali, e a viagem seguiu em silêncio, Jack voltando a observar a paisagem mudar pela janela. Noruega podia ser um país legal. Pelo menos era bonito. De acordo com o GPS, não estavam muito longe de Vardø – uma ilha ligada ao continente por um túnel submerso. Frost nunca foi fã de engenharia, mas aquele túnel era até impressionante.

A cidade era pequena, pelo que pode observar. A menor que já esteve. Sophie passou por poucas ruas até chegar no destino final, uma pequena casa branca. Parecia uma casinha de bonecas, na opinião do adolescente. Ajudou a mãe a tirar as malas do carro e levar até a sala. Com tantas mudanças, pararam de carregar móveis quando saíram do Alasca, optando por alugar casas já mobiliadas e levando apenas o necessário consigo.

A casa tinha uma mobília simples, grande parte dos móveis eram rústicos, o que dava um clima agradável aos cômodos. Já estava escurecendo quando chegaram, então a noite se resumiu em arrumarem as bagagens, comer algo e dormir. Jack tinha aula no dia seguinte. Não estava nem um pouco animado com a nova escola. Nunca estava. Sairia no lucro se dessa vez conseguisse alguém que falasse inglês fluentemente.

— Por que eu não posso ser educado em casa? — Jack resmungou enquanto tomava seu café — Ou eu podia simplesmente largar a escola! Não é como se eu fosse me formar. — terminou com o tom baixo, não querendo que Sophie o ouvisse.

— Estudar em casa significaria te arranjar um tutor, e não podemos arcar com isso no momento. E a nova escola não deve ser tão ruim. Tem sorte que essa cidade mesmo sendo pequena tem uma escola bilíngue.

— Sorte. Sorte seria aparecerem na minha frente e dizerem que não preciso nunca mais sair de casa e que vou ganhar dinheiro assistindo Netflix.

Sophie revirou os olhos e deixou o garoto reclamando sozinho.

O clima em Vardø era fechado e frio, as nuvens cinzas e a neve nas ruas não incentivavam o albino a sair de casa. Sophie teve que quase arrastar o garoto para e irem ao colégio. A secretaria já estava ciente da chegada do novo aluno, a dentista só precisava levar alguns documentos e o garoto podia ir para a aula.

Uma das senhoras que trabalhavam lá acompanhou Jack até a sala do terceiro ano B. Quarta-feira, primeira aula era de artes. A professora loira, Aba, recebeu o adolescente muito bem. Apresentou o novo aluno para a turma e indicou seu lugar – atrás de um garoto loiro que mais parecia um armário, o que fazia Jack se perguntar como enxergaria a lousa.

Tudo corria até bem no começo da aula. O americano tentou se manter com o pensamento aberto e positivo. E então Aba anunciou um trabalho em dupla. A sala toda protestou, e se Jack aprendeu algo nos últimos meses, era que alunos são preguiçosos em qualquer lugar do mundo.

O garoto tentou argumentar com a professora dizendo que preferia fazer o maldito trabalho sozinho, mas ela apenas discordou. Que droga. O albino mal tinha chegado na sala de aula, não sabia o nome de nenhum de seus colegas, e já estava sendo obrigado a trabalhar com algum deles.

— Tenho certeza de que pode fazer um ótimo trabalho sozinho, mas não é assim que as coisas funcionam aqui, Jack. — ela disse — Parte do trabalho é o seminário, e deve ser feito em dupla para encurtar o número de apresentações. Não posso te dar o privilégio de fazer sozinho.

Jack bufou.

— Eu não tenho uma dupla. — argumentou, olhando em volta e notando que a maioria dos alunos já tinham escolhido alguém, deixando-o sozinho.

— Isso não é problema. Podemos arrumar alguém rapidinho — sorriu — Deixe-me ver....

— Eu faço com ele, professora.

O albino olhou para trás, procurando o dono da voz. Um garoto moreno de olhos verdes tinha a mão levantada.

— Ótimo! — a professora bateu as mãos, alegre — Muito obrigada, Henry. Problema resolvido. — disse para Jack.

Anotou o nome dos dois na folha de controle e continuou a andar pela classe, anotando as outras duplas. Jack sorriu para o outro garoto na tentativa de parecer educado, e voltou a fitar o caderno em branco a sua frente. Talvez sua mãe ainda pudesse ser convencida sobre a ideia de aulas em casa.

Quando o sinal do intervalo soou pela escola, o americano preferiu permanecer na sala ao invés de se misturar com os outros pelos corredores ou pátios. Preferia o ambiente vazio. Ou que ele achava estar vazio.

O garoto de antes sentou-se na sua frente, aproveitando o local vago.

— Está livre na sexta? — ele perguntou.

Jack tirou os olhos de seu celular.

— Para...?

O outro revirou os olhos verdes.

— O trabalho. — respondeu — É pra semana que vem.

— Temos mesmo que fazer juntos?

— A intenção é essa. — disse como se fosse obvio.

— Posso fazer uma metade e você a outra.

— Aí não seria bem um trabalho em dupla, não é? Sem contar que temos que fazer o seminário, então seria meio que melhor se fizermos juntos.

Jack franziu o cenho, prestando atenção nas palavras do outro.

— Qual o problema? — o moreno perguntou confuso.

— Seu sotaque. — apontou — É quase normal.

O garoto sorriu.

— Minha mãe é canadense. Aprendi a falar inglês desde pequeno. — respondeu — Por isso me ofereci pra ser sua dupla. Não sei se você se entenderia com os outros.

— Faz sentido. — também sorriu — Obrigado por isso. Henry, não é?

— Hiccup.

— Como?

— Pode me chamar de Hiccup. É como todo mundo me chama.

— Esse é um apelido bem estranho. — Jack comentou e o moreno riu envergonhado.

— É uma longa história.

— Certo. — apertou os olhos — Então, trabalho na sexta?

— Isso! — Hiccup concordou — Tem uma folha? Vou te passar meu endereço.

Jack virou o caderno para o garoto, que escreveu o nome da rua e numero da casa.

— É bem fácil de chegar. Fica há uns quatro quarteirões daqui. Você já conheceu a cidade? Se quiser, posso te mostrar.

— Eu...

— Hiccup?

Uma loira apareceu na porta, franzindo o cenho quando viu o moreno falando com Jack. O albino teve a leve impressão de que a garota não tinha gostado disso. Talvez fosse a namorada de Hiccup?

— Kom igjen. — ela disse.

— Tenho que ir. — Hiccup avisou para Jack — Nos falamos depois.

O moreno saiu dali, deixando o outro sozinho. Jack colocou os fones e voltou a ignorar o mundo. Talvez até que não fosse não ruim fazer amizade com Hiccup. Afinal, seria bom ter alguém pra traduzir aquelas palavras estranhas que não entendia.

~*~

Em segundos momentos, Hiccup não falou com Jack exatamente. O cumprimentava na entrada e saída da escola, mas era isso. Não que Jack se incomodasse com esse fato , até porque não tinha motivos nenhum para estar incomodado. De certa forma, era até reconfortante ter alguém que pelo menos reconhecesse sua existência, coisa que não aconteceu nas últimas duas escolas que estudou.

De longe, o albino observava o moreno com seu pequeno grupo: o armário loiro da sala, um garoto de porte grande que fazia Jack se lembrar um pouco de Victor, gêmeos —um menino e uma menina— e a garota loira que o chamou na sala durante aquele intervalo. Chame Jack de desocupado, mas ele até que se divertia observando a interação dos noruegueses.

Quando sexta-feira chegou, Jack arrumou seus matérias no meio da tarde e foi até a casa do moreno. Não foi fácil de primeira, por mais que a cidade fosse pequena, ele ainda era novo lá. E, para seu azar, pedir informação não ajudava muito. Depois de certo esforço, chegou na frente da tal casa, checando o endereço dezenas de vezes apenas para ter certeza que era o lugar certo. Analisou a cara verde musgo antes de tocar a campainha e esperou. Tentou espiar algo pelas janelas do lado da porta, curioso. Quando ouviu o barulho de passos do outro lado, arrumou a postura e esperou que a porta fosse aberta. Uma mulher morena de olhos verdes o recebeu, e pela semelhança que ela tinha com seu colega de classe, Jack teve certeza de que estava na casa certa.

— Kan jeg hjelpe*? — ela perguntou. (*Posso ajudar?)

Jack franziu o cenho sem entender uma palavra.

— Hã... Hiccup está?

A mulher sorriu.

— Ah, você deve ser o amigo americano que ele comentou. — disse em um perfeito inglês — Desculpe, eu esqueci que era hoje...

— Tudo bem. — sorriu de volta — E a senhora deve ser a mãe canadense, certo?

— Ora, não me chame de senhora. Não sou tão velha assim. Me chamo linda Linda. Ah, entre.

Deu passagem para o garoto, que pediu licença antes de adentrar a casa.

— Pode esperar na sala. Vou chamar Hiccup.

Jack apertou a mochila contra os ombros, entrando no cômodo à esquerda.

Analisou a sala, curioso. Dois sofás escuros, uma TV no canto perto da janela, a mesinha de centro com um enfeite que parecia um dragão. A única coisa que chamou a atenção do albino foram alguns quadros sobre a lareira que não resistiu em se aproximar para ver melhor. Fotos em família. Cenas de um Hiccup pequeno, um casal sorrindo... A foto que se destacou aos olhos de Jack foi uma em que o homem ruivo, que deduziu ser o pai do colega de classe, segurava um bebê no colo desajeitadamente. A mulher —Linda— apenas ria da situação. Jack sorriu minimamente com a cena. Mal se lembrava qual era a sensação de ter uma família completa.

Esticou o braço direito para apenas encostar no porta retrato, sua curiosidade falando mais alto, só que antes que encostasse no objeto, o barulho alto de latidos fez com que pulasse para trás de susto. Na entrada que ligava a sala de estar com a de jantar, um pastor belga rosnava, pronto para atacar o intruso.

— Toothless!

Hiccup entrou na sala, indo ate o cachorro que ainda exibia a fileira de dentes para Jack de força agressiva.

— Calma, amigão. — acariciou a cabeça peluda, fazendo o animal se acalmar quase instantaneamente — Ele não é uma ameaça. — disse ao cão antes de se virar para Jack — Desculpe por isso. Ele não gosta muito de estranhos.

— Percebi. — respondeu, ainda mantendo uma distancia segura do cachorro — Para um banguela ele parece ter uns dentes bem afiados.

O moreno sorriu sem graça.

— Ele era banguela quando ainda era filhote. E eu não sou a melhor pessoa para escolher nomes. — justificou — Toothless não vai te morder. Pode até acariciar agora, se quiser.

— Acho que passo essa, obrigado. — sorriu amarelo — Então... onde vamos fazer o trabalho?

— No meu quarto. — respondeu — Acredite, se ficarmos aqui, minha mãe não vai querer parar de conversar.

— Por mim tudo bem.

O quarto do garoto era a segunda porta do corredor. Era simples e organizado, o que até impressionou Jack. Quantos adolescentes organizados existem por aí? De qualquer forma, o que realmente se destacava no pequeno cômodo era a parede oposta à da cama. Não era algo exótico ou estranho. Fotos e desenhos compunham o mural que ia quase do teto ao chão. Jack se aproximou para ver melhor, já maravilhado com todas as figuras.

— Pode deixar a mochila em cima da cama. — Hiccup avisou enquanto ligava o computador.

— Você fez tudo isso?

Haviam fotos de paisagens da ilhas e desenhos aleatórios de pessoas, animais e alguns abstratos. A mesma assinatura em todos levava Jack a concluir que o moreno era o autor. Tinha que admitir que o garoto tinha talento.

— É... foi. — coçou a nuca, um pouco tímido — Esse é meio que meu hobby. Fotografar, desenhar e tal...

— Você é muito bom. — Hiccup não pode deixar de corar com o elogio, fato que não passou despercebido para Jack. Era até fofo — Já pensou em seguir carreira?

— Quem sabe... — respondeu vagarosamente — Quero dizer, eu meio que sempre quis sair dessa cidade e conhecer lugares novos pra fotografar ou desenhar... Ver mais que neve, sabe? Enfim. Trabalho.

Jack sorriu e concordou. Tirou o notebook da bolsa, abrindo as pesquisas que havia feito em casa para agilizar. Hiccup tinha feito a mesma coisa, e como Arte Rupestre não era um assunto assim tão amplo, não faltava muita coisa. Jack achou que perderiam a tarde toda nesse trabalho, e em menos de uma hora a pesquisa já estava pronta. O problema seria escrever tudo. Jack realmente odiava trabalhos manuscritos. Ele foi o primeiro a copiar, escrevendo três dos sete tópicos. Hiccup não se importou em escrever um há mais.

— Cara, o seu nome completo é Henry Horrendous Haddock Terceiro? — Jack perguntou incrédulo enquanto fazia a capa do trabalho, a única parte que podia ser impressa — São vários H's. Acho que vou começar a te chamar de H ao cubo. — disse divertido.

Hiccup revirou os olhos.

— Disse o garoto que tem cabelo branco e sobrenome Frost.* — rebateu.

— Touché. — concordou — Mas é sério, tem até um terceiro no final concordando que seu nome é um H ao cubo.

Jack quase caiu deitado na cama desviando do livro que Hiccup fez questão de jogar em sua direção.

— Ok, ok. — levantou as mãos em sinal de rendimento — Nada de H ao cubo.

— Por que algo me diz que você não vai parar tão cedo? — o moreno perguntou mais para si mesmo que o outro.

— Talvez você esteja começando a me conhecer pela última hora que passamos juntos. — respondeu divertido.

Hiccup sorriu de canto e negou com a cabeça, ainda concentrado em terminar de copiar sua parte.

— Então.... Você nunca morou em outra cidade? — Jack perguntou depois de alguns minutos, cansado de ficar em silencio.

— Nunca. — respondeu sem tirar os olhos das palavras que copiava — E você, pelo contrário, parece ter se mudado bastante, não é?

— Alguns países. — deu de ombros — Não que eu goste. Sinto falta do Estados Unidos.

— Já pensou em voltar?

— Várias vezes. — disse desanimado — Mas não posso. Ainda não.

— Por quê?

Jack optou por não responder a pergunta do moreno, por algum motivo não queria mentir. Ao invés disso, tentou mudar de assunto, perguntando sobre o porta retrato ao lado do monitor do computador.

— São seus amigos, não é?

— Sim. Você já deve ter visto eles na escola. Da esquerda pra direita, Fishlegs, Tuffnut e Ruffnut, Snotloug, que na verdade é meu primo, e Astrid.

— Vocês realmente tem algo estranho sobre apelidos nessa cidade.

Hiccup soltou uma risadinha.

— São os nossos pais. Eles têm todo esse lance viking e tal, e acreditam que nomes feios espantam gnomos e trolls. — explicou.

— Você já foi atacado por um gnomo ou troll?

Hiccup franziu as sobrancelhas.

— Não?

— Então deve estar dando certo.

— Você acredita nessas coisas? — perguntou divertido.

— Digamos que tenho uma mente aberta. — respondeu com um sorriso de canto — A loira, Astrid, é sua namorada?

Hiccup corou fervorosamente e olhou incrédulo para o outro, o que arrancou uma risada de Jack.

— C-claro que não! Por que diabos você acharia isso?

— Eu só vi vocês andando pela escola. — deu de ombros — Formam um casal até bonitinho. Vai me dizer que não gosta dela?

— Eu não gosto dela! — apressou-se em dizer — Não mais, pelo menos. — terminou em um murmuro.

O americano arqueou a sobrancelha, curioso.

— Levou um fora?

— Não acho que pode ser chamado de fora. Foi só uma queda besta que eu tinha aos 14, 15 anos. Ela é minha amiga agora e tem esse tal de Eret. — respondeu —Águas passadas. — deu ombros.

— Se você diz....

— Terminei! — anunciou.

O moreno suspirou aliviado, soltando a caneta. Massageou a mão direita, dolorida por causa da escrita.

— Então só falta colocar a capa e pronto. — Jack disse — Ah, e separar as falas pro seminário.

— Nah, o seminário é só semana que vem. Acho que podemos relaxar agora.

— Então... O que vamos fazer agora? Ainda está cedo.

Hiccup pareceu pensar por um momento.

— Gosta de vídeo game? — perguntou para o albino.

— Pode apostar que sim. E devo avisar, sou invencível no Call of Duty.

— Isso é o que veremos. — sorriu divertido.

Jack sorriu de volta. Há muito tempo não jogava uma partida contra alguém.

~*~

Jack descobriu da pior forma que Hiccup era bom em vídeo games. O garoto teve que se esforçar para ganhar do outro em um x1 de Call of Duty, o que foi a primeira vez, já que sempre ganhava de Sandy com facilidade. O loiro não curtia muito esses jogos, o que levavam os dois a sempre optar por algo como Guitar Hero.

De qualquer forma, Jack também descobriu que Hiccup podia ser uma ótima companhia. Ele era um pouco sarcástico às vezes, mas mesmo assim ótimo de se conversar. Definitivamente melhor do que ficar sozinho. No ano que se passou, Jack praticamente não teve contato com as pessoas que conheceu nas novas cidades, o que tornava até estranha a sensação de estar fazendo amizade com alguém.

Antes de ir embora da casa de Hiccup, o norueguês voltou a se oferecer para mostrar alguns pontos da cidade para o estrangeiro no dia seguinte, e Jack acabou aceitando dessa vez. Conhecer um pouco de Vardø parecia mais interessante que passar o dia inteiro em casa sozinho em pleno sábado fazendo vários nada. Hiccup justificou que sempre saia para caminhar com Toothless, já que o cachorro não gostava de passar muito tempo trancado em casa, e era melhor andar por aí com algum objetivo ao invés de caminhar aleatoriamente pelas ruas.

O turismo não era o forte da pequena comuna, entretanto, Hiccup garantiu que essa área estava crescendo nos últimos anos e haviam alguns lugares dignos de serem conhecidos. O primeiro ponto em que passaram foi porto, o qual o moreno explicou que, apesar das baixas temperaturas, nunca congelava devido a corrente quente do Atlântico Norte. Grande parte da população vivia da pesca, fato que Jack já imaginava.

Logo em seguida, Hiccup disse que iriam visitar um memorial que ficava nos limites da zona urbana. Até que não parecia uma má ideia. Pelo pouco que o moreno comentou, Jack achou que o lugar parecia interessante. Todavia, o albino já estava começando a ficar cansado de andar, e o fato de ainda não era nem meio dia e tinham uma tarde inteira pela frente era um pouco desanimadora.

— Estamos chegando. — o moreno disse quando Jack perguntou pela terceira vez se estavam perto.

— Você disse isso há quinze minutos.

— Larga de ser preguiçoso, Jack!

— Você que tem muita energia! Sinceramente, acho que está gostando demais desse lance de guia turístico.

— Eu não sou um guia turístico. — rebateu.

— Você parece com um. Indo pra lá e pra cá e explicando sobre tudo.

— Não é minha culpa se são poucas as coisas para se saberem sobre essa cidade.

— Minha cidade natal também não é lá das maiores e mesmo assim eu não sabia nem o nome da rua depois da minha. — comentou.

— Isso é o que eu chamo de descaso.

Jack fez um gesto de desdém, sorrindo de canto.

— De qualquer forma, você realmente costuma sair pra andar com seu cachorro mais de três vezes por semana? Como alguém gosta tanto de caminhar nesse frio?

— Frio esse que parece não te afetar, não é? — arqueou a sobrancelha — Eu que me pergunto como você conseguiu sair de casa só de calça jeans e moletom. Sério. A temperatura média aqui nessa época do ano é -1ºC. E olha que ainda nem estamos no inverno mesmo.

Jack deu ombros.

— O que posso dizer? O frio não me incomoda.

Hiccup balançou a cabeça negativamente apesar do sorriso divertido em seus lábios e não deu continuidade ao assunto. De longe, já conseguiam ver o monumento. Frost imaginava algo diferente. Dois edifícios simples, um de vidro e aço e outro de madeira, que possuía andaimes suspensos que dão suporte ao casulo, logo ao lado. A construção comprida ficava próxima a beirada da ilha, onde o mar batia fortemente contra as rochas devido ao vento. Por um momento, Jack ficou observando as ondas quebrando, se perguntando qual era profundidade da água.

— Vai ficar aí admirando a paisagem? — o moreno perguntou, apoiado na rampa de madeira parcialmente coberta por neve que ia até a entrada do memorial — Bem-vindo ao Memorial Steilneset.

— É mais legal do que eu imaginava. — Jack comentou seguindo o garoto.

Antes de se afastarem, Hiccup pediu para Toothless esperasse por eles ali. O cachorro sentou obedientemente. Jack quase ficou impressionado. Nunca tinha visto um animal de estimação tão obediente.

A parte de dentro do casulo era um longo corredor, que devia ter mais ou menos uns 400 metros. O teto era cheio cheio de nervuras, as paredes repletas de pequenas janelas distribuídas aleatoriamente que eram iluminadas por lâmpadas suspensas que mais pareciam flutuar no ar.

— Noventa e uma mulheres foram mortas em Vardø sob a acusação de bruxaria no século 17. Cada uma dessas janelinhas representa uma delas, com uma biografia do lado. — Hiccup explicou enquanto o albino analisava o lugar mais atentamente.

— Não é um guia turístico, né? — Jack sorriu de canto.

— Quer saber? Eu também não falo mais nada. Pesquise na internet a partir de agora se quiser saber alguma coisa. — retrucou emburrado, arrancando uma risada do albino.

— Calma, Hic. Eu só tava brincando. Pode continuar, gosto de te ouvir falar.

— Sei, sei. — respondeu não muito convencido.

— Acredite no que quiser.

Por alguns minutos, ambos permaneceram em silêncio, Jack entretido em analisar cada janelinha.

— Já parou pra pensar como devia ser horrível viver naquela época? — Hiccup perguntou quebrando o silêncio.

— Sinceramente, não.

— As acusadas eram interrogadas e torturadas. Como teste final, as atiravam no mar; se o corpo afundasse, elas morriam afogadas, e se boiasse, era prova de culpa e a pessoa seguia para a fogueira. Elas estavam ferradas de qualquer forma. Sabe, esse memorial está localizado precisamente no lugar onde essas mulheres padeciam. Eu sei que é meio sinistro é tudo mais...

Jack ouvia atentamente as palavras do garoto que se distraia com os quadros espalhados. Tinha a leve impressão de que Hiccup já tinha visitado aquele lugar centenas de vezes a julgar pela forma como ele indicava uma vítima ou outra, como se conhecesse cada uma delas.

— Ei, Hic? — interrompeu o garoto — Você acredita nessas coisas? Sabe, bruxaria e tal.

— Cara, eu tenho um apelido esquisito porque meu pai acha que isso ajuda a espantar gnomos e trolls. — disse e Jack riu — Sei lá, acho que existem muitas coisas nesse mundo que não podemos explicar. Quero dizer, talvez exista, talvez não. Eu prefiro não duvidar.

Jack sorriu de canto com a resposta.

— Mas e você? Acredita?

— Acho que concordo com você. Nunca se sabe, não é?

Hiccup balançou a cabeça em concordância. Jack quase achou a situação irônica. Ele era a prova viva de que bruxaria existia de fato, mas não podia expor esse fato.

— Só que é triste pensar que muitas dessas pessoas podem ter perdido a vida injustamente. — o moreno comentou.

Frost não respondeu e voltou sua atenção aos quadros, o clima se tornando um pouco pesado.

— De qualquer forma! — Hiccup mudou o assunto — Você ainda tem que ver a outra construção. Tem essa cadeira de ferro e uma chama que nunca apaga. Sem contar os espelhos pendurados no teto que refletem o fogo. Eu sei que comigo falando parece estranho, mas é bem legal.

— É só mostrar o caminho.

Hiccup sorriu e foi até a saída, Jack o seguindo.

— Ah, e mais tarde podemos ir no museu ou no forte Vardøhus Festining. Eu disse que tem alguns pontos turísticos legais. — continuou animado — E espere só até março chegar! É quando acontece o Yukigassen, e é incrível!

— Março? Calma aí, cara. — pediu meio atordoado — Não faço planos a longo prazo. E o que é esse tal de Yukigassen?

— Pois deveria. Sério, Yukigassen é uma das coisas mais legais que acontecem nessa cidade. É uma competição de guerra de bolas de neve, pessoas do país todo vem pra cá e...

Hiccup ficou estático e parou de falar assim que cruzou a porta, notando que Toothless não estava mais perto da rampa, o que era estranho.

— O que foi? — Jack perguntou, notando algo de errado.

— Toothless sumiu.

O moreno correu pela rampa, olhando em volta a procura de seu cão. Ele não teria simplesmente ido embora. Toothless não fazia esse tipo de coisa.

— Talvez ele esteja por perto. — Jack disse tentando acalmar o outro — Talvez tenha visto alguma coisa e resolvido seguir, sei lá.

— Você não conhece Toothless. Ele não iria embora simplesmente!

E realmente não foi. Latidos foram ouvidos e os dois garotos viraram para a direção de onde o barulho vinha. Toothless estava nas rochas da baía, do lado oposto à praia. Hiccup correu para o limite do chão firme coberto de neve, chamando o animal.

— Toothless! Volta aqui, garoto!

O pastor belga parecia não dar ouvidos ao dono, atitude que o moreno estranhou.

— Acho que ele realmente encontrou alguma coisa. — Jack comentou tentando enxergar para o que o cachorro latia.

— Ele pode cair. — o outro disse preocupado — Essas pedras são escorregadias.

Hiccup avançou, sua intenção de se esgueirar no meio das pedras e ir ate seu cão, porém, Jack segurou seu braço.

— Ficou louco? Você pode cair! — seu tom era alarmado — Essa água poderia te causar uma hipotermia, Hiccup!

— Só vou buscá-lo. Vou tomar cuidado. — garantiu, se livrando do aperto.

— Por favor, não vai até lá.

O moreno ignorou o pedido de Jack, que começava a sentir o pânico crescendo como uma onda dentro de si.

— Volta aqui, Hiccup! — gritou.

Jack passou a mão nervosamente pelos cabelos brancos. O albino ainda se lembrava de como era a sensação de cair na água gelada, uma dor como se mil facas estivessem sendo enfiadas em seu corpo. Três anos atrás, o garoto tinha prometido para si mesmo nunca mais se aproximar de qualquer lago congelado ou lugar com água em temperaturas baixas, entretanto, o medo de ver algo parecido com aquele infeliz incidente acontecer novamente o impulsionou a seguir o moreno, que continuava tentando conseguir a atenção do cão, que agora se inclinava para morder algo.

Hiccup não conseguia ver nada que supostamente chamasse a atenção de Toothless. Colocou o pé direito em outra parte do rochedo e, por um descuido, desequilibrou-se. Sem ter onde se apoiar e evitar a queda, Hiccup caiu na água gelada.

— HICCUP!

Apesar de ter acontecido tão rápido, Jack viu a cena em câmera lenta. O som ao seu redor se tornou distante com o barulho do corpo magro do outro se chocando com a água, e por um momento, o albino jurou que pode escutar algo como gelo quebrando no fundo de sua mente, memórias que deixaram o garoto momentaneamente paralisado passando em frente aos seus olhos.

Em pânico, Jack tentou enxergar o Hiccup, que não voltou a superfície. O desespero tomou conta de si, e não pensou duas vezes antes de tirar o moletom e os tênis para pular atrás do moreno. Não deixaria aquilo acontecer novamente. O mar agitado dificultava seus movimentos e o sal ardia em seus olhos. Entretanto, para sua surpresa, a temperatura não lhe incomodava. Com a visão embaçada, conseguiu distinguir o corpo desacordado de Hiccup afundando. Frost segurou o braço do garoto com firmeza e o puxou para cima.

Emergiu da água, puxando o ar para seus pulmões com força. Olhou em volta, procurando a melhor saída. A praia estava longe demais para ir nadando naquela situação, e sua melhor opção era tentar colocar o garoto de volta nas pedras.

Nadar ao mesmo tempo em que segurava o corpo do adolescente era difícil, tentar subir nas pedras escorregadias mais ainda. Toothless, que agora estava o mais próximo que conseguia dos dois, procurava uma maneira de ajudar o dono. Jack empurrou o moreno para uma parte mais plana do rochedo e o cão mordeu a blusa do garoto, tentando puxa-lo para fora com sucesso. Frost segurou em uma falha na superfície, que foi o suficiente para conseguir firmeza e dar um impulso para sair da água.

Ainda alarmado, pegou Hiccup no colo e levou para longe da borda. O moreno continuava desacordado, seu corpo gelado e um fio de sangue escorrendo por sua testa, o corte de onde se originava indicando que tinha batido a cabeça.

— Vamos lá, acorda. — balançou levemente o corpo em seus braços — Por favor, cara. Não faz isso comigo.

Arrancou o agasalho e camiseta molhados do menor e vestiu-o com seu moletom azul que ainda estava seco. Ambos os celulares dos garotos estavam ensopados, deixando Jack sem maneiras de chamar alguém. Precisava levar Hiccup para um hospital o mais rápido possível. Sem se importar em calçar os tênis novamente, Jack se levantou e pegou o moreno no colo. Hiccup era leve, o que tornava aquilo mais fácil.

— Vamos, Toothless. — chamou o cão — Precisamos encontrar ajuda.

Agora era se apressar e torcer para que Hiccup ficasse bem.

~*~

Jack não parava de agitar as pernas na sala de espera e roer as unhas. Ficar sentado apenas esperando alguma notícia estava começando a deixá-lo maluco. Estava na sala de espera do hospital há mais de uma hora, aguardando algum médico ou enfermeira aparecer e nada. E não era o único aflito. Linda, Stoick e Astrid também estavam preocupados. Jack usou o telefone do hospital para ligar para sua mãe e avisar o que tinha acontecido. Teve que passar mais de dez minutos dizendo para Sophie que não era necessário que ela saísse do trabalho para ir até o hospital. Jack estava bem, afinal.

O garoto teve que explicar o acontecido mais de três vezes tanto para os médicos quanto para a família do colega, e todos pareciam convencidos do acidente, menos Astrid. Ela continuava encarando Jack como se ele fosse o culpado. O americano começava a achar que ela tinha algo contra a sua pessoa. O que era totalmente ridículo. Não tinham se falado nem sequer uma vez, e mesmo assim ela tinha aquele olhar torto para cima dele. Por vezes, ela se remexia na cadeira e murmurava algo em norueguês, que Frost tinha quase certeza de que eram ofensas.

— Se for me xingar, favor fazer isso em algum idioma que eu entenda. — alfinetou, cansado da atitude da garota.

— Pode ter certeza de que se eu fosse fazer isso, faria questão de usar palavras que você conhece. — a loira retrucou.

Jack revirou os olhos.

— Eu te fiz alguma coisa?

— Essa história esta muito mal contada. — resmungou — Sem contar que enquanto ele está com hipotermia, você está aqui, perfeitamente bem.

— O que você acha que aconteceu, então? Eu empurrei o Hiccup no mar gelado? — retrucou — E não tenho culpa se sou mais resistente ao frio.

— Mesmo em uma água de congelar?! — vociferou — Eu não confio em você, Frost. Sei que tem alguma coisa errada.

O albino apertou as mãos contra os braços do assento, controlando seus humores. Não era hora de congelar o lugar. Respirou fundo e contou até dez. Pense em coisas boas, pense em coisas boas, ficava repetindo em sua cabeça.

Finalmente, um dos médicos voltou a sala de espera e se dirigiu aos pais de Hiccup. Jack odiava não conseguir entender o que falavam, mas pelas expressões de alivio, deduziu que o moreno estava bem. Linda e Stoick foram até o quarto onde o garoto estava, voltando alguns minutos depois.

— Como ele está? — Astrid perguntou ansiosa assim que saíram.

— Bem. — Linda respondeu, aliviada.

— Posso vê-lo? — a loira pediu.

— Claro, querida. Mas antes... — a mulher se voltou para Jack — Ele quer falar com você.

Astrid bufou e voltou para a cadeira enquanto Jack foi até o quarto do moreno, mas não antes de lançar um sorriso vitorioso para a loira.

Hiccup já parecia melhor. Seu rosto voltou ao tom corado normal e os lábios já não estava arroxeados. O albino se sentiu aliviado com isso. Estava com medo de que o novo amigo não se recuperasse tão facilmente da hipotermia.

— Como você está? — perguntou ao moreno, sentando-se na cadeira ao lado da cama.

— Aquecido. — respondeu com um sorriso fraco — Vou ficar bem. Já passei por piores.

— Piores do que cair no mar congelante? — arqueou a sobrancelha — Não quero nem saber o que você já aprontou nessa vida. Você me preocupou, sabe.

— Desculpe por isso. — sorriu envergonhado — Eu sei que agi de forma, hã, meio irresponsável.

— Meio?

— Eu não deixaria meu cachorro cair naquela água.

— Colocando o bem estar dos outros a frente. Eu diria que é nobre se não tivesse sido estúpido.

Hiccup revirou os olhos.

— Você está bem?

— Na medida em que se pode estar depois de descobrir que o primeiro amigo que você fez em quase um ano tem tendências suicidas. — respondeu irônico — Por favor, Hiccup. Nunca mais faça algo parecido com isso. Nunca mais.

A seriedade no tom de Jack fez o moreno engolir o seco. Mesmo que tivessem se conhecido há pouco tempo, Hiccup tinha a impressão de que existia algo por trás da atitude que o albino estava tendo.

— Eu prometo. — disse, e Jack relaxou consideravelmente. Hiccup tentou amenizar o clima que tinha se estabelecido entre os dois fazendo uma pergunta em um tom divertido — Então nós somos amigos?

Jack sorriu de canto.

— Eu pulei atrás de você. Se isso não for amizade, não sei o que é.

— Dever se um cidadão que se importa com o próximo? — brincou.

— Calado. — riu de leve.

— Sabe... Me disseram que enquanto eu cheguei aqui com hipotermia, você estava em ótimo estado. — comentou, vendo Jack ficar tenso. — A água gelada não pareceu ter efeito nenhum em seu corpo.

O albino olhou para os lados, sem saber como fugir do assunto.

— Eu, hã, não sinto muito frio. — murmurou — Nunca foi um problema e tal.

Hiccup arqueou a sobrancelha.

— Uma coisa é não sentir frio, outra completamente diferente é pular numa água com aquela temperatura como se fosse nada.

O albino trincou o maxilar, desviando o olhar mais uma vez.

— Você não entenderia.

— Experimente.

Frost respirou fundo, sem saber como explicar. Não conseguiria colocar em palavras. A melhor maneira que encontrou de dar uma resposta ao moreno foi o copo de água no criado mudo ao lado da cama.

— Só... Só não conte a ninguém, ok?

Fechou os olhos e se concentrou. Sabia que podia fazer aquilo com um pouco de esforço. Encostou o dedo no vidro, que adquiriu uma camada de gelo que se espalhou e solidificou a água.

— O frio não me afeta por causa desses... poderes. — sussurrou.

Hiccup olhava maravilhado para a água congelada. O americano, entretanto, esperava qualquer tipo de reação negativa. Uma expressão de incredulidade, alguma acusação.

— Cara, isso é demais! — o moreno comentou por fim.

Jack franziu as sobrancelhas.

— Demais? — questionou — Isso não te assusta?

— Por que assustaria? — retrucou, confuso.

— Eu poderia congelar seu braço por acidente, sabia?

Hiccup deu ombros.

— Ou você poderia mergulhar atrás de mim em uma água congelante. — rebateu — De qualquer forma, o frio nunca me incomodou mesmo. E você acabou de salvar minha vida. Como eu poderia ter medo de você?

Jack sorriu.

— Acho que você é a primeira pessoa a ter essa reação.

— Quais foram as outras?

— Bom, uns apenas se afastavam, com medo. Outros me chamavam de monstro.

— Você não é um monstro. Está longe disso. Ser diferente nem sempre é ruim. — disse e então uma realização lhe atingiu — É por isso que vive se mudando?

O outro assentiu, e Hiccup pode perceber seu semblante triste.

— Eu nem sempre fui assim. Antigamente, não tinha esses poderes de inverno que ameaçava os outros. Talvez tudo fosse bem diferente se...

— Se...? — incentivou o outro a continuar.

Jack suspirou. Não queria contar aquela historia a Hiccup.

— Nada. Só estava pensando alto. — respondeu – Você precisa descansar. E acho que Astrid quer te ver.

— Entendo. Não quer conversar sobre isso.

— Hiccup, eu...

— Tudo bem. Se um dia precisar de alguém pra te ouvir, pode contar comigo, ok? — o moreno sorriu — E você confiou em mim para contar esse segredo. Acho que já é alguma coisa.

— Você é a primeira pessoa pra quem eu conto isso fora minha mãe e meu melhor amigo. — comentou um pouco envergonhado — Com certeza é alguma coisa.

— Me sinto honrado. — fez uma pequena reverência.

— Sei, sei. — revirou os olhos, mesmo sorrindo — Nos vemos na escola, seu maluco. Pare com suas tendências suicidas.

— Vou fazer o meu melhor.

Frost concordou e levantou-se, indo até a saída.

— Ei, Jack. — Hiccup chamou.

O garoto se virou antes de passar pela porta.

— O inverno também pode ser bonito. — disse — Não se esqueça disso.

Jack sorriu com a fala do garoto, e, pela primeira vez em meses, sentiu um calor reconfortante tomar conta de seu peito.


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Notas finais do capítulo

* Frost em inglês significa "geada", que é aquele orvalho congelado que, sob a forma de fina camada branca, recobre as superfícies onde cai.
Nah, cês gostaram? Acho que o capitulo ficou um pouco grande... É que não tinha como encurtar, sabe? Desculpe se isso é um problema pra alguém D: geralmente capítulos grandes são cansativos, sei lá. Gostaram? Eu to in love por esse final, véi ~coraçãozinho~ vemk que eu quero te morder, Hic. Enfim. Deixem reviews :3 vou ficar mt feliz com eles :3
xoxo,
Charlie
P.S.: o capitulo deve estar CHEIO de erros. Não tive tempo de revisar e to indo viajar, então, sem chance. Era postar com erros ou deixar vocês sem capitulo. Então, perdoem por isso. Até quarta!
EDITADO 03-11-2015: CARA! Antes de qualquer coisa: DESCULPA! Eu me empolguei. Esse capítulo foi de seis mil palavras pra mais de dez mil. Peço perdão por isso. Eu sei como capítulos grandes são cansativos, só que não tinha como dividir em duas partes. Prometo que não farei isso de novo hehe De qualquer forma! Nesse capítulo eu realmente mudei algumas coisas que considero importante, como por exemplo, inseri Emma Overland na história. Ela foi só mencionada assim como foi no primeiro, só que nesse já podemos entender mais ou menos o que realmente aconteceu, né? Isso é realmente importante como parte do desenvolvimento de personagem do Jack. Fora isso, aumentei e acrescentei alguns diálogos e informações até importantes e tentei ajeitar as coisas de forma que fizesse a história fluir mais normalmente. É, tentei. Obrigada por relerem. E sintam-se a vontade para me dizer o que acharam! E foi mal pelos erros de digitação. Escrevi no celular. Alguém quer seu meu beta?