Tic-Tac, Tic-tac.

Depois dos dez primeiros minutos encarando fixamente o ponteiro do relógio, totalmente entediado, tinha a sensação de que meus olhos saltariam das órbitas se fosse obrigado a aguentar mais um minuto sequer.

Onde aquela criatura se meteu? Ela não ia só pegar a bolsa?!

Bufei irritado ao cruzar os braços e me encostar na pilastra mais próxima. Já estava quase indo ao quarto dela para saber o que tinha acontecido, porém nem foi necessário ensaiar o ato. Ao passar os olhos displicentemente pelo corredor vejo Atena Vindo em minha direção. Mas, sem dúvida, não a mesma de hoje de manhã. Não há chance dessa ser a mesma deusa que eu conheço. Quer dizer, não que ela esteja assim tão diferente, mas enquanto vem caminhando um tantinho furiosa ao meu encontro -reconheço de longe essa expressão dela- sou capaz de perceber que seu vestido azul escuro florido, antes longo, agora estava acima do joelho. Posso jurar que o salto de sua sandália cresceu uns cinco centímetros e ela, com certeza, passou maquiagem. Wow, parece que quanto mais ela se aproxima, mais perfeita fica! Espera aí, Poseidon. Você pensou “perfeita”?

– Nem comente nada. Afrodite me encontrou no meio do caminho e transformou minha roupa, além de ameaçar encolher o comprimento de todo meu guarda-roupa se eu tentasse “voltar ao normal”!

– Eu acho que você está muito bem assim... – suas bochechas já ruborizadas ficaram ainda mais vermelhas.

– Poupe-me dos seus comentários. Vamos logo às compras.

Ofereci, então, o braço à ela, daquela maneira antiga, piscando sugestivamente:

– A senhorita me daria a honra de sua companhia?

Senti-me o ser mais abençoado do universo ao ver surgir aquele belo e arrebatador sorriso em seus lábios rosados e, foi com uma discreta e delicada mesura, que ela aceitou meu convite e entrelaçou nossos braços.

– Será um prazer, milorde.

Adentramos o elevador onde tocava uma romântica música antiga.

– Hum... “Milorde”... Gostei disso. Pode começar a me chamar assim, eu deixo...

Balançando a cabeça e rindo levemente ela deu um tapa, de brincadeira, em meu braço.

– Convencido!

A porta do elevador se abriu, fazendo com que a luz do sol refletisse nos loiros cachos de Atena, e foi tanta clareza e brilho que encontrei naqueles olhos acinzentados, que por um segundo, senti que ela era uma estrela – minha estrela – e que, talvez, a partir daquele momento meu mundo passasse a girar em torno dela. “Será que...?”. Pisquei rapidamente, decidindo ater-me a pensamentos depois. Somente apertei sua mão mais forte e saí correndo como se fosse um adolescente. Ela sorria, segurava a barra de seu vestido e me encarava em um misto de indignação, surpresa e expectativa.

Gritei assim que alcançamos a rua, contra o vento da estação que carregava pequenas pétalas colorindo o ar:

– O primeiro a chegar no carro vence! – disparei cidade a dentro.

Após uns dois minutos avistei meu porsche azul, impondo-se sobre o cinza daquela parte de Nova York. Ao chegar lá, ofegante, encostei-me no capô para espera-la. Suas bochechas haviam adquirido um adorável tom vermelho devido ao recente esforço físico, curvou seu corpo para frente, apoiando os braços nos joelhos, na típica pose de alguém que se cansou de tanto correr.

– Okay, você ganhou! Como pode ser tão rápido?!

Dei de ombros, dirigindo-lhe uma piscadela.

– Vem sempre aqui, gata?

Ela levantou uma sobrancelha e olhou-me com expressão um tanto incrédula.

– Isso é sério? Porque sou mais esperta do que essa cantada ridícula. Você precisaria de muito mais para chegar perto de me “conquistar”.

Abri a porta para ela e me encaminhei para o lado do motorista concluindo:

– Eu sei. – disse soando até um pouco decepcionado e triste – Por isso que, se eu pudesse, compraria sua inteligência, só pra poder roubar seu coração...

Dessa vez seu típico revirar de olhos foi mais suave e uma pequena mancha rosada ameaçava tomar conta das maçãs de seu rosto. Resolvi não dizer nada e foi suspirando, satisfeito, que dei a partida, rumo as luzes do horizonte.