The Way You Look Tonight escrita por Clarisse Hugh


Capítulo 17
E então, a calmaria


Notas iniciais do capítulo

Retomamos a programação de fofura habitual. Em caso de suspeita de leves sintomas de angst, uma ficwriter deverá ser consultada. ;) hahahah

Ciça, um maravilhoso e feliz aniversário para você! Te amo, amiga! ♥



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Após deixar o quarto da irmã, apesar das passadas firmes de sempre, Ares tinha o corpo mais leve. Não tão perceptível para quem atentasse unicamente à pele recoberta de cicatrizes, à camiseta vermelho-sangue, quase negra, ou ainda aos punhos aparentemente cerrados de modo permanente, como se prontos para uma boa briga mesmo quando esquecidos ao longo de seu tronco. Mas para quem houvesse reservado algum tempo para conhecê-lo bem, notaria os músculos de suas bochechas suavemente inclinados para cima.

Dificilmente confessaria, pois prezava bastante por sua fama, mas a conversa com Atena e toda essa certa reconciliação sendo orquestrada por ele o deixava bastante orgulhoso de si. Quer dizer, isso se a outra parte da equação estivesse sob controle. Restava somente conferir o andamento das coisas e, para isso, dirigiu-se para o outro lado dos dormitórios, onde ficava o templo de Ártemis.

Essa baixinha é uma figura. Não deixou de atestar, mesmo que a distância. A ruiva guardava a entrada de seus aposentos como quem fora delegada a uma importantíssima função, altivez exalando de cada um dos poros de sua face lunar. Era toda fria e distante, de facetas tão ocultas quanto o próprio astro ao qual era relacionada, mas seus cabelos de fogo não negavam a chama viva de energia que compartilhava com seu irmão.

— Ares. – Em seus olhos tão focados havia reconhecimento, mas também um fundo de consternação, como se não lhe fosse possível associar os últimos acontecimentos a qualquer lógica que fosse – Fiz como pediu, obriguei-o a dormir, mas foi necessário preparar um chá. Dos fortes. Não pude deixar de perceber uns resquícios de hematomas na pele dele, além de não compreender como Poseidon chegou a esse estado. Pelos deuses!

— Não se preocupe. Já falei com Atena. Acho que só os dois sabem de toda a história e espero que possam se entender. Talvez ela venha vê-lo ainda hoje, mas não sei... Bem, acho que se alguém é capaz de saber pelo que ela está passando é você, então...

— Como disse?

— Ah! Di immortales! Eu não sou um brutamontes tão idiota quanto pareço, sabe? – Seu revirar de olhos desta vez foi um pouco menos paciente, um suspiro de pura exasperação preenchendo o ambiente antes de prosseguir, diante de uma deusa da caça um tanto perdida e, por que não?, assustada – Tenho convivido com Afrodite por anos! Aprendi a ver as coisas sob outra perspectiva, muitas vezes enxergando sinais que a maioria ignora. Além do mais, conheço bem o ódio e a sede por batalha, talvez por isso mesmo tenha me mostrado bom em reconhecer quando me deparo com o sentimento contrário.

Ártemis absorve o silêncio por um instante, balançando a cabeça ao tentar permanecer impassível, embora seja quase possível presenciar sua batalha interior.

— Você não entende... - ela diz por fim, e em sua voz há quase uma súplica para permanecer na ignorância.

— Artie, eu acho é que são vocês que não estão entendendo, então vou ser bem direto. O que sente pelo teu irmão não é o mesmo que por mim ou qualquer outro de nós. E você bem sabe que não é só uma fraternidade de gêmeos. Nem perca seu tempo tentando discutir comigo, porque estou cansado de ter que lidar com esse tipo de situação hoje, só acho que você e Atena devem considerar a possibilidade de enfrentarem o que lhes aflige ao invés de ficar se escondendo sob um juramento que no fundo nem desejam cumprir.

—*-*-

Algum tempo depois, Atena decide-se por procurar Poseidon. Não há muito o que se fazer quando a relutância em si só já mostra-se uma causa perdida. Depara-se com Ártemis na porta, esta última muito calada, sentada de cócoras atirando pequenas pedrinhas a perder de vista. As duas se encaram profundamente, compartilhando uma compreensão mútua e não muito consciente. Só se olham e se leem, mesmo que o texto não lhes possa ser compreendido de todo. Sem fazer menção de mover-se, a caçadora permite-lhe a passagem e é decidida, embora bastante temerosa, que a loira adentra o templo de número oito.

A princípio seu tio ainda dormia, um sonho irrequieto e cheio de murmúrios, é verdade, mas optou por deixa-lo descansar tanto quanto pudesse, acabando por acomodar-se numa cadeira ao lado da cama, onde fosse capaz de velar por ele durante seu repouso. Logo ao acordar, Poseidon percebe a presença tão desejada, mas hesita um instante, pensando se tratar de mais uma ilusão.

Poucos segundos foram necessários para que tal hipótese fosse desconsiderada: nenhuma miragem lhe presentearia com aquele aroma tão tangível, desprendendo-se naturalmente da pele morna de origem até chegar a si. Tantas desculpas e explicações lhe comprimem a garganta, mas foram palavras mal colocadas que o conduziram até ali, então não consegue verbalizar nenhuma. Poderia fazer menção de levantar-se, mas tem consciência do peso em seus ombros e de seus movimentos desjeitosos. Apequena-se diante do cinza inquisidor dos olhos femininos, mas eles de certa forma também lhe dizem baixinho para que não se preocupe.

É Atena quem se move, ao abraçar os próprios joelhos, e, quando efetivamente rompe o silêncio, suas palavras ecoam muito claras, apesar do timbre baixo.

— Ares me contou tudo.

A quietude mais uma vez os envolve, suave como um cobertor; pesada como a força de todas as palavras não ditas.

— Desculpe mesmo assim. – Depois de tanto ouvi-lo suplicar do lado oposto da parede, quando a frase a atinge diretamente naquele cômodo, parece assumir outro significado.

— Pelo quê? - e ela, já tão certa de sua inocência, não compreende a função deste período com ares de confissão.

— Porque aquilo talvez realmente fosse algo que eu faria antes. – A frase lhes penetra a pele, os dois deuses imbuídos por sua força na própria corrente sanguínea. – Mas agora eu nunca...

— Eu sei, Poseidon. Se não acreditasse nisso, não estaria aqui. – Era a verdade primordial, a qual ambos conheciam. A única regra estabelecida desde o princípio. Confiança abarcando velhos inimigos numa longa jornada mais uma vez. – Abri a porta durante a madrugada, sabia? Só uma frestinha, para ver se você já tinha ido embora. Aí te vi lá, meio cochilando e, no fundo eu acho soube que você não estaria ali se aquilo que ouvi fosse verdade, mas estava confusa demais, então voltei a trancar.

O mar serenava, afinal. Era uma quietude agridoce, mas não há volta neste tácito acordo com o destino: jamais se recupera algo jogado em suas águas, mesmo que por acidente. Atena, toda juíza, pelo contrário, parecia interpretar a sentença de forma diferente. Não que ele pudesse ver seu sorriso sutil, com os olhos fechados.

— Te vejo amanhã, na nossa sessão cinema?

O rosto de Poseidon ilumina-se ao assentir, agradecido, e é como se a luz do Sol encontrasse um jeito de tocar o oceano mais profundo ao vê-la encaminhando-se para saída.

— À propósito, não acho que você realmente fosse capaz daquilo, pescador. Mesmo antes. Aprendi que no fundo você é um cara legal.

Com esta última frase, a trégua planava leve no ar, delicada como uma borboleta recém-saída de sua metamorfose. Entretanto, embora ainda muito frágil, nunca uma oferta de paz se fez tão doce.


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Notas finais do capítulo



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