The Way You Look Tonight escrita por Clarisse Hugh


Capítulo 11
Ajudinha de um velho amigo


Notas iniciais do capítulo

I'm back...



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Os deuses trabalhavam. Poseidon, já parcialmente recuperado de seus machucados, devolvia vagarosamente os medicamentos para a caixa apoiada na penteadeira, uma vez que os curativos tinham sido refeitos. Atena, por sua vez, ajeitava os lençóis e conduzia uma meticulosa, embora natural e aparentemente rotineira, arrumação por seu quarto.

Embora houvesse muitas vozes tagarelando em suas mentes, o silêncio no cômodo era total. No entanto, para um observador atento, não seria difícil perceber que um novo clima espalhava-se no ar. Os movimentos eram atrapalhados, imprecisos e, na ânsia de evitarem qualquer tipo de contato, parecia que seus corpos se atraiam, mãos esbarravam aqui e ali. Havia tensão, mais tangível do que o normal, embora também mais doce.

A deusa parecia constrangida, bochechas permanentemente rosadas durante as primeiras horas daquela manhã. Como se a mais ínfima possibilidade de tocá-lo a aterrorizasse, como se qualquer coisa fosse capaz de tornar tudo ainda mais real. Temia falar com ele e perceber-se confessando tudo, e então, vê-lo se afastar e ficar só novamente, o amor escorrendo pelos seus dedos enquanto o perdia, sem nunca sequer tê-lo tido.

O deus dos mares não se saia muito melhor ao lidar com seu dilema interno. A diferença, entretanto, era que para ele faltavam palavras e – oh, como desejava encontrá-las! – mas a necessidade de falar com ela fazia-se urgente em si. Já praguejando pela falta de habilidade em conduzir uma conversa, apelou para a primeira coisa que lhe veio à mente.

— Espero que o contratempo de ontem não tenha atrapalhado seu evento, loira.

Nosso evento, Poseidon. – corrigiu-o com um acanhado sorriso – Você foi o deus escolhido para essa comemoração e, além disso, tenho de admitir que não me atrapalhou em nada por enquanto.

— Fico feliz em não ser um inútil, e não é como se tivesse sido um sacrifício. Posso ser legal às vezes e acredite, você é menos chata do que parece.

— Obrigada pela parte que me cabe. – a sobrancelha bem desenhada arqueara-se com a provocação familiar – Bem, o que interessa é que deixei tudo certo enquanto o senhor dorminhoco tirava sua soneca.

O moreno mexeu-se um tiquinho desconfortável na poltrona onde estava sentado e, cerrando os olhos como se ela o tivesse irritado, apontou para o inchaço do rosto sem dizer nada. Ela desdenhou da tentativa de causar-lhe pena e seguiu falando.

— Já fiz o depósito para os salgados que encomendamos com Pierre e confirmei os diversos bombons, chocolates e folhados de frutas vermelhas, que você sugeriu pela cor – ele assentiu, com orgulho de si mesmo – Ah! Consegui também as toalhas, enfeites e vasos preto e branco com Perséfone.

— E as flores?

— Lírios brancos na entrada. Pequenos arranjos com tulipas e rosas vermelhas nas mesas pares, enquanto que as mesas ímpares seguirão sua ideia do par de balões metalizados em forma de coração.

— O engraçado é que até estou gostando dessa história. Posso visualizar tudo!

— É, eu também.

Seguiu-se um suspiro e alguns segundos de contemplação. Atena olhou-o de esguelha e fingiu não tê-lo visto observando-a, desviando rapidamente a vista para as cortinas.

— Falta só decidir sua apresentação e ir checando o andamento das coisas gradativamente até o dia da festa, claro.

— Acho que posso resolver isso, então. Vem comigo.

E, ao deixar o quarto, seguiram por corredores e jardins, andaram calmamente lado a lado pela grama e pelo calçamento, envolvidos pela brisa um tanto gelada de junho. Poseidon diminuiu o passo ao ultrapassar uma das fontes da ala leste do Olimpo.

— Espere um pouquinho, vou buscar alguém para nos ajudar.

— Tudo bem, vou ficar por aqui.

Olhos azuis buscaram o reflexo do céu na água e seus dedos traçaram sua superfície, turvando a imagem, enquanto ele se afastava.

Foi ao encontro de Apolo e encontrou-o na varanda, de costas, dedilhando um violão escuro como mogno. Este, ao ouvir os passos ressoando no cascalho, virou-se para recebe-lo.

Subindo de dois em dois os degraus da entrada, o deus dos mares cumprimentou-o.

— O que o traz aqui, tio? Pensei que estava ocupado com o lance da festa e tudo mais.

— E estou, na verdade vim te pedir para usar a sala de música e talvez contar com um pouco de sua ajuda.

— Atena não está dando conta? – o semblante de verão de Apolo iluminou-se com seu riso, ainda que discreto.

—  Está sim. Aliais, está tudo bem encaminhado. Adiantamos tudo que podíamos – o uso do plural o fez sorrir.

O filho de Zeus olhou-o profundamente por um instante e assentiu como se confirmasse suspeitas interiores, mas nada disse além de concordar, seguindo de volta onde podia ver que Atena esperava.

—----*-----*-----

Os cabelos louros rebeldes pareciam ouro quando tocados pelo Sol, mas, apesar de toda luz, podia ver que Apolo caminhava como se algo lhe pesasse. Sei que para um observador desatento seu sorriso despreocupado convenceria, mas não a mim. Eu via que todos esses atos brincalhões eram somente a sombra do que ele já foi um dia. Preocupei-me, mas senti que não era algo do qual eu poderia falar na frente de outra pessoa, então segui calado, esperando a melhor oportunidade para trazer o assunto à tona.

O anfiteatro possuía os mais diferentes instrumentos adornando as paredes de pé direito altíssimo. A abóboda exibia belas pinturas e o ambiente era simplesmente inspirador. Chegando lá, o deus da música sentou-se de pernas cruzadas sobre a mesa e, apoiando o queixo em uma das mãos, perguntou-nos:

—Mas e aí? O que vocês têm em mente?

—Sabe, eu tinha pensado em algo que não fosse muito espalhafatoso. Quero cumprir com o papel de promover algum entretenimento sem ser o centro das atenções, se é que isso é possível... Você me entende?

—Hum... - Apolo me encarou de cima a baixo. Levantou uma das sobrancelhas impecavelmente loiras e, finalmente, anuiu com a cabeça. - Acho que tenho a coisa perfeita pra você. Atena?

A deusa, que observava os instrumentos de sopro, quieta e imersa em pensamentos, virou-se à menção de seu nome.

— Sim?

— Você parece estar com bastante coisa na cabeça. Acho que essa parte será simples, e depende exclusivamente de Poseidon. Se houver algo que você precise fazer, fique tranquila, eu cuido dele a partir de agora. Volte daqui a umas horas. Ficaremos trabalhando por aqui o dia todo.

—Ah... Então eu acho que... Talvez eu cheque se está tudo okay com os fornecedores...

Ela hesitava, como se algo a impelisse a não ir. E eu desejava que ela ficasse. Nos meus sonhos mais loucos eu imaginava que ela pudesse largar tudo para simplesmente estar comigo. Mas ela só me lançou um último olhar, meio saudoso, meio conformado, e se foi, porta a fora.

Eu permaneci lá, foco vidrado na maçaneta e meus pés desejando segui-la, mesmo que eu continuasse estaticamente parado, sem sair do lugar. Apolo repousou um braço acolhedor sob meus ombros, na tentativa de me tranquilizar.

—Você terá sua chance. Posso sentir isso. Agora venha, achei a música certa para você.

Segui-o até uma estante cheia de CDs e partituras. Nos primeiros passos, confesso que ainda não tinha notado nada, até que finalmente caiu a ficha.

—Espere. Terei a chance de quê?

—Ah, faça-me o favor, Poseidon. – revirou suas orbes azuis enquanto fuçava em alguns arquivos de discos - Eu sei como é ter um amor impossível. Posso vê-lo refletido em seus gestos e no jeito que a olha.

Suspirei profundamente, apoiando-me na estante, derrotado.

—Está assim tão óbvio?

—Só um tiquinho assim... – fez um gesto indicando um espaço cada vez maior entre o indicador e o polegar.

—Arg. O problema é que eu não sei o que fazer! Sinto como se ela fosse fugir se eu dissesse alguma coisa.

—Bem, se tratando dela, é sempre uma possibilidade. Mas, falando sério, não cometa o mesmo erro que eu. Não deixe este amor te sufocar e chegar a um ponto onde não há mais volta. Eu – seus ombros curvavam-se com o peso da desilusão – eu não tenho escapatória, mas você pode ao menos arriscar... Faça isso por você. Faça o que ninguém nunca pôde fazer por mim: se dê uma chance.

Assim que ele terminou de falar, soube de quem se tratava. Imaginei como poderia ser viver todos os dias da eternidade sabendo que lhe fora roubada a simples chance de tentar. Firmei a ideia, resoluto, de que nem que fosse para tomar o maior pé na bunda da história, era minha responsabilidade honrar a minha oportunidade, mesmo que fosse ínfima.

—Você é um bom garoto. Não acho que seu destino seja sofrer durante toda vida com esse amor sufocado no peito. Vou seguir seu conselho e arriscar, mas prometa-me que não irá desistir do seu sentimento, sim?

Mesmo sendo um deus de mais de três mil anos, Apolo nunca pareceu-me mais jovem. Ainda havia uma tristeza escondida, mas seu semblante voltou a sorrir.

—Chega de falar de mim. Vamos voltar pro garanhão aqui. Você tem que fazer aquela tal apresentação na festa e blá blá blá. Enfim, o clima já é de romance e, embora não tão boa quanto a minha, sua voz não é de todo má.

Em suas mãos estava um disco antigo do Frank Sinatra. Comecei a ficar animado enquanto a sugestão ganhava forma em minha frente.

—Eu pensei na música ideal para que você se declare.

Quase gargalhei ao deparar-me com o nome da canção.

Ela não podia combinar melhor.


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Notas finais do capítulo



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