Foi em uma segunda-feira nublada, bem cedo de manhã, que o meu pesadelo começou. Meus pais estavam prestes a ir a uma viagem de negócios. Mas antes me deram a ótima notícia – só que ao contrário – de que dessa vez eu iria ficar na casa da minha prima Lorena.

– Minha filha, é só por um mês. O tempo logo passa. – Dizia minha mãe, tentando me confortar. Só tentando mesmo, porque não estava conseguindo.

– “Só”?! Sim mamãe, “só” um mês. Que vai parecer mais uma década naquele inferno! Não quero ir. Por favor, por favorzinho mamãe...! Peça a papai pra me deixar ir com vocês.

– Desculpe-me meu bem, dessa vez não vai dar. – Disse o meu pai, enquanto se juntava a nós no meu quarto.

– Mas... Pai, a Lorena me odeia!

– Deixe de conversa menina! Você já está muito grandinha pra esse tipo de bobagem. Já conversei com sua tia, e já está decidido.

– Se eu já estou grandinha, então me deixe pelo menos ficar aqui em casa.

– Não senhora! Não vai ficar aqui sozinha.

– Não se preocupe meu bem. – Mamãe voltou a falar. – Lorena era meio encrenqueira, mas isso foi há quase oito anos. Vocês cresceram!

– Sei... Não duvido nada que ela continue do mesmo jeito. – Eu disse emburrada.

Eu não estava brincando. Aquela menina era o cão encarnado! Não sei como uma garota de nove anos podia ser tão... Tão maquiavélica! Aposto que continua mimada como sempre.

Fui até o quarto do meu irmão mais velho, em busca de compreensão.

– Mano, você se lembra da Lorena, não lembra?

– Sim maninha, eu me lembro dela.

– Então, você sabe que eu não estou exagerando! Eu juro por tudo que é mais sagrado que aquela garota não gosta de mim. Por que tenho que ficar na casa dela? Por quê? – Fingi um desmaio, caindo na cama dele com a mão na testa.

– Dramática! – Falou rindo. Levantei-me de súbito, e o encarei com uma expressão séria.

– Dramática, eu?! Porque não é você que vai ficar lá. – Agarrei suas pernas e implorei por compaixão. – Por favor, me leve pra faculdade com você!

Ele continuava a rir, enquanto me empurrava.

– Eu não! Deus me livre de ter que te aturar vinte e quatro horas por dia.

Sentei na cama com os braços cruzados.

– Nossa, é assim que você demonstra seu amor pela sua irmã? Saiba que estou profundamente magoada com o senhor.

– Ah é? Que pena. Pois eu tenho uma barra de chocolate aqui, e como não estava com vontade de comer, ia te dar. Porém, você não quer mais saber de mim... Acho que vou dar pra outra pessoa. – Disse enquanto virava-se em direção a porta. Levantei rapidinho da cama e o puxei pela camisa.

– Você disse... Chocolate?

– Sim, mas você está com raiva. Vou deixá-la sozinha.

– Raiva? Quem está com raiva aqui?! Poxa maninho, eu te amo tanto.

– Interesseira! – Riu e me jogou na cama, despenteando meu cabelo. – Aqui está. – Tirou uma pequena barra de chocolate do bolso e me entregou.

– Poxa, só isso? Pensei que fosse uma grande.

– Ainda é mal agradecida! – Pegou a mochila e caminhou até a porta. – Cuidado hein, vai acabar ficando gorda. – Falou isso e saiu rindo, fechando a porta atrás de si.

Só o Rafa pra me fazer rir numa hora dessas. Mordi meu delicioso diamante negro, enquanto pensava no que faria naquela casa. Ah, a Lorena também tem um irmão. Lembro-me vagamente dele. Acho ele tinha uns quinze anos quando eu e Lorena ainda éramos crianças.

Desisti de tentar achar uma solução pra essa história, e desci até a cozinha onde todos estavam. Meus pais já estavam preparados para ir embora. Despedimo-nos e mamãe chorou um pouco, como normalmente fazia. O Rafa foi em seguida – ele estava voltando pra faculdade, depois de passar o fim de semana em casa –. Quando todos foram embora, subi até o meu quarto e comecei a me arrumar para ir ao colégio.