Capitulo 28 — Scarlett Romanoff

— Fiquei surpresa com sua mensagem, tão cedo.

É a primeira coisa que Lorraine diz ao aparecer do nada na sala, como sempre faz, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo.

Ela não tem noção de como isso me irrita.

— Cara, vou te contar uma novidade bem interessante: Nós temos uma porta em casa, e seria bem legal se você usasse de vez em quando.

Sua expressão continua como sempre, quando me viro para encará-la, mas vejo que algo a preocupa assim que me vê.

— Você está com uma cara péssima. — Ela diz naturalmente, se aproximando.

Uma das coisas que eu mais gostava em Lorraine, era sua sinceridade brutal. Ela nunca foi o tipo de pessoa que escolhe as palavras, apenas diz o que vem a mente.

— Muito obrigada por notar. — Respondo sarcasticamente. — Não dormi muito bem hoje, se quer saber.

— Isso é bem evidente. — Ela me analisa com seus olhos verdes. — A tempestade te deixou assustada? Sabia que eu devia ter passado a aqui ontem...

— Engraçadinha. — Rio de sua ironia, impedindo-a de terminar. — Precisa parar de andar comigo, você já está aprendendo a usar o sarcasmo da forma certa.

Lorraine sorri e continua a me encarar.

— Recebi suas mensagens ontem...a Mayday e a Zen estão bem?

— Sim, estão.

— Eu achei que a Zen pudesse dar algum trabalho, mas...

— Não me chamou aqui pra isso, o que foi? — Ela me corta, se referendo a nossa conversa. — O que foi? Qual o problema?

Olho para minha amiga, desistindo de adiar o assunto e então suspiro pesadamente.

— Vem comigo, eu acho melhor você ver com seus próprios olhos. — Digo seguindo em direção ao meu quarto, com Lorraine logo atrás de mim.

Quando abro a porta, mesmo não conseguindo ver seu rosto, posso sentir seu espanto ao olhar para dentro do cômodo, que está coberto de gelo. A única parte que se salvou foi a minha cama, na qual eu estava até pouco tempo atrás.

— O que aconteceu aqui? — Lorraine passa por mim, entrando no cômodo, sem tirar os olhos do lugar. — Foi você quem fez isso?

— Não, a rainha Elsa entrou no meu quarto e fez isso ontem a noite. — Respondo de forma irônica, porém, isso não mexe com Lorraine. — Mas é claro que fui eu quem fez isso. Quem mais seria, Lorrie?

Lorraine, como sempre, decide ignorar minha fala.

— Como isso aconteceu?

— Eu não faço a mínima ideia. — Me encosto na parede do corredor. — Eu tive um pesadelo, só isso. Nada fora do normal. Mas quando acordei, meu quarto estava.. assim.

— É a primeira vez que isso acontece?

— Sim.

Lorraine me encara novamente.

— Conte-me exatamente o que aconteceu no seu pesadelo.

— Vai dar uma de psicóloga agora? Por acaso eu vou ter que...

— Por favor, só responde.

Suspiro derrotada.

— A mesma coisa de sempre, você sabe. — Começo. — Nada acontece realmente. Só estou em um lugar cheio de gelo, sem sentir frio. — Lorraine ouve com atenção. — Nas primeiras vezes, eu não fazia ideia de onde eu estava, mas agora eu tenho um palpite.

— Eu também tenho um palpite. — Ela completa, e sei que nos duas pensamos no mesmo lugar. — Mas só isso acontece?

Rio secamente

— Você quer que tenha mais coisas? Tipo o que, seu irmão maluco? — Recebo um olhar irritado de Lorraine. — Você tem que ser mais especifica, só isso.

Lorraine não diz nada por vários segundos, apenas volta a olhar para meu quarto congelado. Então eu decido começar com as perguntas

— E então? O que está acontecendo comigo, hein?

— Por que você acha que eu sei mais do que você?

Ok. Eu não estava esperando por essa resposta. Eu realmente acreditei que Lorraine poderia me ajudar de algum modo, mas ela parece tão confusa quanto eu.

E acho que foi por isso que virei minha raiva sobre ela.

— Porque eu acho isso? — Uso o tom mais ríspido que eu consigo. — Porque foi o seu pai que ferrou com a minha vida, pra começo de conversa!

Percebo na hora que minha acusação faz Lorraine se retrair, desconfortavelmente. Mas, por alguma razão, eu não dei a mínima para isso.

— Você sabe que eu não tive e não tenho absolutamente nada a ver com isso.

Ela se defende e, mesmo com raiva, me obrigo a me acalmar.

— Tem razão, nada disso é culpa sua. — Frustrada, tento pensar no que fazer, sem obter nenhuma resposta. — Olha, só me ajuda a arrumar isso aqui, beleza? Não quero que meus pais vejam isso.

Achei que Lorraine fosse protestar, já que ela vive dizendo para eu contar aos meus pais o que anda acontecendo. Mas por algum motivo, ela apenas concorda, voltando sua atenção para meu quarto, mexendo uma das mãos.

O bom de se ter uma amiga que mexe com magia, é que ela sempre consegue fazer uma coisa dessas, como voltar as coisas ao normal em um piscar de olhos.

Assim que meu quarto volta ao normal, voltamos para a sala em silêncio.

— Primeiro as alucinações, e agora isso. — Quebro o silêncio, fazendo minha amiga olhar para mim. — O que vamos fazer?

— Eu estou pensando. — Ela responde, antes de acrescentar. — Tem certeza que somente isso está acontecendo?

Penso por um instante, antes de responder.

— Minha pele não fica azul nem nada do tipo, se quer saber,doutora Lorraine.

Minha resposta sarcástica apenas a faz suspirar sem muita paciência.

— Qualquer coisa que me ajude a te ajudar vale.

Reviro os olhos

— Vou ficar te devendo essa resposta então, porque eu realmente não sei o que responder. Achei que você já soubesse como me ajudar.

Lorraine se joga no sofá ao meu lado, ficando calada por alguns momentos.

— Eu não sei o que está acontecendo. Acho que você já percebeu que isso tudo não vem com um manual de instruções.

— Claramente.

— A única coisa que consigo pensar para ganhar tempo até descobrirmos como lidar com isso, é você parando de usar seu poder. — Não era a primeira vez que ela propunha isso, por isso começo a rir.

— Ah, claro. Porque eu me controlo muito enquanto estou dormindo.

— Eu estou falando sério, Scarlett.

— Eu também.

Lorraine fecha os olhos.

— Meu deus, como é difícil falar com você, Scarlett! — Minha amiga reclama. — Só pare de usar isso, o máximo que puder, pode ser?

Não contenho um sorriso.

— Isso é meio complicado, sabia? Já me acostumei com isso, parar agora vai ser difícil. — Recebo um olhar reprovador de Lorraine, então mesmo relutante, decido ceder. — Caramba, você parece minha mãe! Mas tudo bem, vou tentar, ok?

— Ótimo. — Lorraine pensa por vários segundos antes de continuar. — Já pensou em contar ao Logan? Ele pode ajudar.

— Já pensei e minha resposta continua sendo não. — Respondo. — Não vamos envolver ele nisso. E você sabe muito bem o porquê.

— O problema é seu, então você decide. — Lorraine diz, cedendo como todas as outras vezes.

— Isso mesmo. — Sorrio vitoriosa. — Mas, você ainda vai me ajudar, certo?

— Você sabe que sim. Já disse que estamos nessa juntas, mesmo com sua teimosia enorme.

— Valeu.

Lorraine se levanta, olhando para seu celular, com sua expressão impossível de se ler.

— Preciso voltar. — Ela me informa. — Quer vir junto comigo?

— Não, estou bem por enquanto. — Dou de ombros.

— Tem certeza que vai ficar bem?

— Absoluta. — Lorraine me olha com descrença, então decido acrescentar. — Relaxa, não vou ficar sozinha. Acabei prometendo pro Kevin que iria dar mais umas aulas de arco e flecha pra ele. E sabe o que é pior? O garoto é bom com o arco. Quer dizer, na idade dele eu já era muito melhor, mas ele aprende rápido.

Lorraine sorri

— Se precisar de alguma coisa...

— Sei onde te encontrar, mana.

Acenando brevemente com a cabeça, Lorraine simplesmente some e me deixa novamente sozinha com meus próprios pensamentos.

[x]

— Tudo bem, agora tenta com essa aqui, e tente acertar naquele alvo ali. — Entrego uma flecha para Kevin e aponto para um alvo relativamente distante de onde estamos. — Arrume a postura e levante um pouco mais seu braço esquerdo.

Kevin obedece na hora. O garoto mira por alguns segundos e então, solta a flecha que, por muito pouco, não acerta quase o centro do alvo.

— Nada mal, Kev. — Digo apenas para não dizer que estou tremendamente surpresa por ele estar indo tão bem com um arco em mãos. — Ok, agora…

— Quando vou poder usar as explosivas? — Kevin mira seus olhos azuis em mim, animado.

Rio ironicamente.

— Não vou te deixar usar uma flecha explosiva pirralho, pelo menos não agora.

— Mas eu estou indo bem. — Ele argumenta. — Quando você começou a usar elas?

— Você não pode se basear em mim, sou bem melhor do que você. — respondo, fazendo uma flecha de gelo com as mãos. — Você ainda precisa de treino, muito treino.

Ele me olha com curiosidade, sem tirar os olhos da flecha de gelo.

— E essas? Posso usar?

Giro a flecha entre os dedos e aponto para ele com a ponta.

— Quando você tiver poderes de gelo, pode usar. — Minha resposta faz com que ele me olhe com irritação, o que apenas me faz rir.

— É sério, Scarlly.

Penso por um instante e então estendo a mesma para ele.

— Pode tentar, mas duvido que vá conseguir. Você não vai aguentar segurá-la muito tempo.

Kevin parece pensar se quer ou não arriscar, e antes que possa responder, miro em um dos alvos no final da sala, soltando a flecha que acerta bem no meio do boneco.

— Parabéns, você acabou de matar o boneco, ruiva!. — Ouço uma voz que me faz revirar os olhos na hora. — Aposto que ele tinha meu nome.

— Exatamente, Sammy, aquele boneco era mesmo você.

Me viro para encarar Sam, e logo percebo que ele não está sozinho. Megan está ao seu lado, com um sorriso no rosto. Estreito os olhos ao encarar os dois.

— Olha só, alguém conseguiu se desgrudar do irmão, que milagre. — Brinco com Megan, voltando minha atenção para outro alvo, que acerto sem esforço nenhum.

— Olha só, alguém não consegue ficar 5 segundos se encher o saco de alguém. — Quem responde é Sam, com um tom irônico.

Abaixo o arco e me viro para eles.

— O que os dois estão fazendo aqui, afinal? — Inquiro, analisando Megan e Sam com curiosidade, abrindo um sorriso provocador logo em seguida. — Vocês, por acaso, estão saindo juntos?

Megan revira os olhos, irritada, enquanto Kevin ri da situação.

— Porque, está com ciúmes? — Sam provoca.

— Ciúmes de quem? De você ou da Maggie?

Nós dois travamos uma batalha com nossos olhares, sendo dispersos pelas risadas de Megan e Kevin.

— Megan me disse que você não tinha muita paciência pra ensinar.

Volto a olhar para os alvos.

— Ela anda te contando muitas coisas, pelo visto. — Solto outra flecha, e Sam nem se move. Olho para ele com o canto do olho. — Que foi? Quer aprender arco e flecha também?

— Não, só estou pensando...você é só uma boa arqueira, ou sabe lutar também? — Sam me provoca, indo em direção ao ringue de lutas. — Só te vi usando o arco até agora, e não vou negar que você é ótima com ele, mas, você sabe lutar tão bem quanto a sua mãe?

Sam e olha de modo desafiador, fazendo-me deixar meu arco na mesa para ir até sua direção.

— Quer uma aula de luta então, pra provar que sou melhor que você até nisso?

Antes que Sam consiga responder, Megan interfere.

— Tá de brincadeira, não é Sam? — Olho para minha amiga com uma sobrancelha erguida, e ela nem me dá atenção. — Vamos perder nosso horário! Desce daí! Vou avisar ao meu irmão que vamos sair, e damos o fora daqui.

Sam concorda com a garota, dando as costas para mim, ia fim de se juntar a mais velha.

— Ei, aonde vocês vão?

— Não é da sua conta. — Sam e Megan saem pela porta, e eu os acompanho, com Kevin logo atrás.

Abro um sorriso zombeteiro, quando começo a segui-los com Kevin atrás de mim.

— Caramba, Maggie, essa foi rápida...já superou o Jimmy?

A garota nem se dá ao trabalho de olhar pra mim para fazer um gesto nada amigável.

Acho que Sam deve ter feito algum comentário sobre isso, mas não prestei muita atenção, porque, conforme andávamos, me foquei em observar os corredores da SHIELD, onde percebi que muitos agentes andavam mais apressados do que o normal.

Aquilo me chamou a atenção, e eu não faço ideia do porquê. Mas pode ter sido apenas a minha imaginação, afinal, os agentes estão sempre apressados. Decido, então, ignorar isso e volto a prestar no grupo, que percebo ter sido reduzido a mim e a Sam, que me encarava, sem parar de andar.

— Ruiva? O que foi? Agora decidiu me ignorar?

Olho para ele, sem revelar o que eu penso, pois não preciso que ele me achasse paranoica. Então tento prestar atenção em suas palavras.

— Na verdade sim, estou tentando te ignorar. — Respondo olhando para ele. — E o que eu já disse sobre me chamar pelo meu nome?

— Como quiser, Scarlett. — Ele sorri e então retoma o que estava falando. — Então, como eu ia dizendo...ele parece seu irmão mais novo.

Me viro, andando de costas para encará-lo.

— Quem? O Kevin?

— É, ele mesmo. Vocês dois se parecem um pouco.

Solto uma risada.

— Ah, por favor! Não seja...

No momento em que me viro para o caminho no qual seguimos, bato de frente com alguém.

A pessoa me segura, impedindo eu caia e a leve junto.

Quando levanto os olhos, dou de cara com uma mulher alta, loira e com olhos azuis. A mesma mulher que estava com Jemma e Leo ontem.

Ela sorri ao me ver.

— Foi mal, eu...

— Não tem problema. — A mulher diz, com os olhos grudados em mim. — Scarlett Barton, certo?

Concordo com a cabeça, tentando me lembrar, sem muito sucesso, de onde nos conhecíamos.

— Você é...?

A mulher ri antes de responder.

— Não te culpo por não se lembrar de mim, você era muito nova quando nos vimos. Meu nome é Bobbie Morse, sou amiga dos seus pais.

No momento em que ela revela seu nome, me lembro que eu já havia conhecido ela, há muito tempo atrás.

— Me lembro dos dois por aqui ontem. — Ela comenta, olhando para Sam. — Esse é o seu namorado?

— Eu? Não, não. — Sam se apressa ao dizer. — Meu nome é Sam Barnes, não sou namorado dela.

A mulher maneia a cabeça, com uma expressão intrigada.

— Eu realmente gostaria de conversar com vocês, mas no momento não posso. — Ela passa por nós, apressada. — Tenho uma reunião agora, e o Coulson não gosta de ficar esperando. Nos vemos por aí, Scarlett e Sam.

Assim que ela sai, não deixo de pensar que, definitivamente, alguma coisa estava rolando por aqui, eu só não sei o que. As opções eram infinitas, afinal, estamos na SHIELD. Porém, não posso aprofundar minhas dúvidas, pois recebo uma mensagem de Logan, pedindo para encontrá-lo. Meu sorriso aumenta quando respondo que estava a caminho. Quando levanto meus olhos, vejo que Megan reaparece, andando até nós.

— Já avisei meu irmão, podemos ir. — Ela diz para Sam, que sorri de volta para a garota, que se vira para mim. — O Kev ficou com o Mason, então, está livre por hoje, Scarlly. De nada por isso.

— Ótimo. — Respondo, verdadeiramente animada pela primeira vez no dia. — Divirtam-se no encontro de vocês.