– Ai. – foi a única coisa que consegui dizer antes de cair com tudo no chão.

Acordei com uma forte dor em volta do meu olho esquerdo. Tinha muita gente em volta de mim. Tipo, muita mesmo. Acho que toda a academia estava me olhando. Caramba, isso tinha que acontecer justo no primeiro dia? Ouvi Sam mandar todo mundo se afastar um pouco. Fui me sentar, mas Sam não deixou.

– Fique deitada menina, você levou uma boa pancada. – ele falou docemente. Antes de eu começar a protestar que eu estava ótima e podia muito bem me sentar sim, ouvi um Steve meio desesperado.

– Olivia, eu juro que eu não tive a intenção! Foi sem querer, sério! Eu não vi que você tinha abaixado a mão. Me desculpa, por favor. – ele gritava assustado.

– Calma, calma! Ai, não grita. Tudo bem, eu sei que foi sem querer. Está tudo bem, okay? – falei enquanto tentava me levantar apesar da cabeça latejando e dos esforços de Sam em me manter deitada.

Steve concordou com a cabeça e agora suas explicações eram dirigidas ao Sam. Sam não deu atenção a ele e voltou a mim.

– Olha, Olivia, acho melhor você ir embora agora e se você estiver melhor, volta na sexta. Eu te garanto que esse tipo de acidente não acontece todo dia aqui. – e riu cautelosamente.

– Claro, eu volto. – falei, já com a certeza que nunca mais voltaria àquele lugar. Quer dizer, o Sam era legal, os colegas eram simpáticos e o Steve era muito gentil – até a parte em que me nocauteou pelo menos - , mas sinceramente? Eu não acho que desmaiar seja uma coisa muito legal. E o que os meus colegas iriam pensar disso? Todo dia que eu viesse lutar eles já estariam me olhando como aquela idiota distraída. É, eu não ia voltar.

– Okay, eu vou ligar para sua mãe para vir te buscar.

– Não! – escapou o grito e todo mundo ficou me olhando como se eu fosse uma louca. – Quer dizer, acho melhor eu ir sozinha. Tudo o que estou precisando agora é de uma boa caminhada... – tentei enrolar, e pareceu funcionar.

Minha mãe nunca poderia saber que eu estava numa academia de artes marciais. Ela simplesmente enlouqueceria! Tudo bem que ela anda estranha nesses últimos tempos, mas não valia a pena arriscar. Ainda estava pensando em que mentira inventar para fazer com que ela me desse o dinheiro necessário para pagar a academia sem saber que a grana era para este fim, mas acho que não vai mais ser preciso.

– Tudo bem então. Te vejo na sexta. – Sam me conduziu até a porta.

– Aham. – falei e saí, olhando para baixo, envergonhada.

Me bati em alguém que vinha apressado na direção oposta, mas nem me dei ao trabalho de olhar para a pessoa ou me desculpar. Tudo que eu queria era chegar em casa, tomar um banho e nunca mais pensar em Muay Thai.

–----

Chegou sexta-feira e eu ainda não tinha certeza do que fazer da minha vida. Liguei para o Tyler para ver se ele me ajudava a tomar uma decisão.

“Vai desistir só por causa de um soquinho? Tu não tava achando que ia lutar Muay Thai e nunca ia ser acertada, né? Agora só porque foi na tua primeira vez, já vai parar? É assim que você quer bater em alguém depois? Acha que vão ter pena de ti? Que tu vai poder parar depois de começar porque não gosta de apanhar?...” – o que não me ajudou muito.

Liguei para Johanna, que tinha uma visão muito simplificada das coisas:

“Vai lá e dá um soco nesse Steve.”

No fim acabei resolvendo voltar na academia, para fazer um teste. Se tudo desse certo, eu aceitaria que o que aconteceu na quarta foi um fato isolado e continuaria a treinar. Se as coisas continuassem a dar errado, então eu poderia sair de fininho antes de me machucar feio e nunca mais voltar.

Dessa vez saí mais cedo de casa, e então não me atrasei. Na verdade, quando cheguei, só havia algumas pessoas ali e nenhum sinal de Sam ou Steve. Fui direto para o vestiário feminino e lá estavam as duas garotas da minha turma.

– Oi! – uma delas, a mais baixinha veio na minha direção. – Qual o seu nome mesmo?

– Olivia. – respondi. – Mas pode me chamar de Liv.

– Liv, entendi. Meu nome é Maya, e aquela ali é a Harper. – e apontou para a outra garota, que estava atando o cabelo e sorriu na minha direção.

– Mas como é que você está? Foi uma queda feia aquela... – Maya continuou.

– Ah, eu estou bem agora, só com um pouco de medo, haha...

– Entendo, mas não fica assim não. As primeiras aulas são sempre as piores e mais assustadoras. É que a gente ainda é muito inexperiente e é normal ficar meio perdida. A Harper, por exemplo, ficou tão roxa na primeira semana dela, que nem dava para diferenciar o que era pele, e o que era a roupa. – ela falou séria, mas eu ri. – Sério, mas daí ela continuou, e agora já ta até humilhando os garotos nas competições.

Isso me encorajou um pouco. Quer dizer, não tenho certeza se aquela história era verdade, mas ter aquelas garotas que nem me conheciam direito me incentivando a ficar, me deu forças para continuar. Maya não parou de falar um minuto, me contando sobre “tudo o que eu deveria saber”, segundo ela. Harper não falou muito, acho que porque Maya não dava espaço para mais ninguém dizer nada, então só sorria e confirmava enquanto continuava a se arrumar. Maya contou que todos os colegas eram legais e se davam muito bem e toda sexta-feira eles saíam juntos depois da aula para tomar um refrigerante e comer batatinhas.

– E hoje você vai junto, é óbvio. – Maya ignorou completamente meus protestos e rebatia cada um dos meus argumentos para não ir.

Resolvi deixar isso para resolver depois, enquanto ouvia-a falar sem parar dos garotos dali. Aparentemente ela era apaixonada por um tal de Olly e tentava jogar a Harper pra cima de um cara chamado Dake, porque eles estavam sempre juntos e elas também, então ficaria perfeito.

– Ahh! Harper! – ela olhou para Harper e pra mim como se tivesse descoberto a cura do câncer. – Agora sim que tudo vai ficar perfeito! – Harper pareceu entender do que Maya estava falando e concordou depois de ponderar um pouquinho.

– O que vai ficar perfeito? – perguntei curiosa.

– Ta, me deixa explicar. Na verdade, Olly e o Dake fazem parte de um trio inseparável, não uma dupla. Mas como Harper e eu só somos duas, tivemos que excluir o Tyler, coitado. Mas agora, com você aqui, fica tudo perfeito, já que eu gosto do Olly, a Harper do Dake – Harper discordou nesta parte, mas Maya não deu bola – , então só temos que te jogar para cima do Tyler!

E ela falou isso com a maior simplicidade do mundo.

– Ahn, eu não acho uma boa ideia... Além disso, já tenho Tylers demais na minha vida. – falei. Tudo bem, só havia um Tyler na minha vida, mas do jeito que ele me incomodava, valia por uns três.

– Você acha isso agora, espera só até ver ele, você vai babar! – Maya falou enquanto nós saíamos do vestiário. – Além disso, com este cabelo estiloso, não tem como ele não te notar.

–----

Sam ficou muito contente em me ver e fez questão de me apresentar aos alunos que haviam faltado à aula de quarta-feira, entre eles, Tyler. Fui dar “oi” e parei por um instante. Quando olhei para o tal de Tyler, juro que tive que verificar se havia conseguido manter minha saliva dentro da boca.

– Hey! Garota do cabelo azul! Lembra-se de mim? – ele disse animado quando me viu.

O quê? Ele me conhece? Como eu não me lembro dele? COMO EU NÃO ME LEMBRO DELE?

– Vocês já se conhecem? – Sam perguntou e eu neguei com a cabeça.

– Eu lembraria se eu o conhecesse. Com certeza. – falei e corei logo em seguida. – Você me conhece? – perguntei ao Tyler.

– Haha, não de verdade. Mas eu já te vi. Na quarta. – ele explicou e eu tentei achar algo em minha memória, mas não tinha nada. – Nós nos esbarramos ali na frente. – ele completou e eu subitamente me lembrei de ter batido em alguém quando saía, mas não olhei para a cara do sujeito. POR QUE, Deus, eu não olhei??

– AH! – foi tudo o que eu disse.

– Okay, pessoal, vocês tem tempo para conversar mais tarde. Agora, aquecimento! – Sam interrompeu-nos.

– O básico? – perguntei já cansada.

– O básico. – ele confirmou.

Depois do aquecimento, Sam veio de novo com aquelas ideias de duplas. Nem olhei para as garotas, pois era certo de que elas seriam uma dupla. Procurei entre os outros alunos o Steve, já que ele tinha sido meu companheiro uma vez, podia ser novamente, mas ele já estava conversando com outro menino.

Basicamente, havia quatro de nós, os sem dupla. Eu, um garoto magrinho chamado Bean, Jasper - eu acho -, era o outro, e Tyler.

– Como é, gente? São duplas, não quartetos! Vamos, quero duplas! – Sam reclamou.

Fiquei parada esperando para ver como eles se ajeitariam e quem sobraria para ser minha dupla. Para minha surpresa, antes de qualquer um escolher qualquer coisa, Tyler veio na minha direção. Ele me escolheu. ELE ME ESCOLHEU, MINHA GENTE! Okay, eu tenho realmente que parar de ficar emocionada com esse garoto.

– Olivia, certo?

– Certo. Mas pode me chamar de Liv. – falei, tentando soar indiferente.

– Hum, e posso te chamar de Olivia? – ele perguntou e isso me pegou de surpresa.

– Hum, claro. É meu nome, não é? Haha. – falei nervosa e ele sorriu e que sorriso!

Começamos a fazer os exercícios que Sam ia demonstrando e Tyler me ajudava nos que eu tinha mais dificuldades, o que era basicamente todos. Dessa vez não usamos as almofadas, porque os exercícios eram com aqueles sacos de pancadas grandes, um de cada vez. Achei melhor assim. Mais seguro.

Entre um soco e outro, eu e Tyler trocamos algumas palavras.

– Então... – comecei. – Por que você estava sem dupla? Ouvi dizer que você tem bastantes amigos aqui.

– Todos aqui somos amigos. – bem, não foi isso que eu quis dizer, pensei, mas acho que ele percebeu isso, porque continuou: - Mas eu tenho alguns grandes amigos aqui. Olly, Dake e eu estamos sempre juntos, mas para exercícios em dupla, nos revezamos. Hoje era dia deles.

Assenti. Isso provavelmente significava que não íamos ser dupla na próxima vez. Okay.

Considerando que no primeiro treino eu apenas aqueci e “dormi”, esse foi bem melhor. Considerando que tem um garoto muito bonito agora, foi muito melhor. Mas isso não foi tudo. Eu realmente gostei da aula e tudo nela. O professor, os colegas, a animação e parceria de todos ali (eles não paravam de fazer brincadeirinhas e rir o tempo inteiro) e deixa eu te contar, Muay Thai é uma coisa muito legal. Tipo, todos os golpes – não que eu tenha aprendido todos, é claro – são incríveis. Vou bater em todo mundo quando sair daqui.

– É isso aí por hoje, gente. Agora só o cumprimento e podem ir embora, pros vestiários, para o shopping comer batata frita e beber refrigerante, ou para onde vocês quiserem.

Casa seria ótimo, pensei. Mas provavelmente Maya não pensava assim, porque veio correndo e abraçou a mim e Harper pelos pescoços enquanto gritava animada:

– Shopping!