Eu vi você escrita por oneslasher


Capítulo 1
Oneshot




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Ele é magro de estatura mediana. Usa óculos de aro fino que nem se percebe, mas às vezes aparece com um modelo mais largo, bem nerd. Gosta de usar roupas leves que sejam confortáveis embora pareça carregar um grande peso naquela mochila preta que ele se recusa a largar.

E ele é incrivelmente pontual.

Sei disso porque é o primeiro que chega a biblioteca em cada dia que marca de vir para fazer um trabalho sozinho ou com os amigos da faculdade. Gosta de sentar em uma mesa que fica perto da janela em meio à luz fraca que atravessa as cortinas pesadas do ambiente.

Senta-se ali com as pernas abertas e deixa a tal mochila cheia de apostilas, cadernos e livros debaixo da cadeira protegida entre os pés e de lá a primeira coisa que faz é tirar o laptop preto para conectá-lo junto à rede wi-fi da biblioteca da faculdade.

O lugar é tranquilo como toda biblioteca deve ser. Mistura a modernidade de hoje com o antiquado conservado e gosto de imaginar que é por essa razão que ele vem para cá quase todos os dias para estudar com tranquilidade.

Soube pelas fichas de empréstimo dos livros que ele solicita que seu nome é Murilo Valentim, tem 21 anos e é estudante de arquitetura. O Meu nome é Theo Maia e também tenho 21 anos. Trabalho na biblioteca e tenho tempo livre o suficiente para conhecer os frequentadores mais assíduos, assim como ele.

O tempo estava nublado, uma ameaça de chuva cobria o céu desde o amanhecer. Era o começo da tarde quando Murilo adentrou a biblioteca em passos apressados para fugir dos primeiros pingos de chuva que finalmente resolveram cair sobre a cidade.

Pousei os olhos nele tão logo avançou para sentar-se em sua mesa habitual. Murilo vestia um conjunto simples de calça jeans e camisa casual branca de mangas longas e um colete azul claro. O cabelo escuro estava bagunçado da recente corrida e os tênis levemente molhados.

Recolhi uma pilha de livros da minha mesa que deviam ser devidamente guardados em seus lugares nas estantes enquanto o assistia de longe. Era mais algumas horas de estudo que ele gastaria entre os livros e o laptop. Era mais uma vez, eu, fitando-o de longe por entre as estantes repletas de livros.

Nunca trocamos uma conversa mais longa que o necessário. A verdade é que eu o observo tempo suficiente para saber que cheguei a um ponto que isso estava longe de ser o ideal para mim.

E isso estava me matando.

Não tinha ideia de como poderia me aproximar, não tinha ideia de como não assustá-lo quando soubesse que ando observando-o por todo esse tempo. Era a sua liberdade que eu estava invadindo. A sua privacidade que estava interferindo.

Mas afinal de contas, eu deixei para trás o bom senso e a discrição e não sabia mais conter esse sentimento dentro de mim que só crescia cada dia mais.

Eu o quero.

Para mim.

Nunca tive a sorte de encontrá-lo fora das paredes da biblioteca ou vê-lo fora do ambiente estudantil tão predominante nessa biblioteca. Não sei se existe uma namorada em sua vida, também nunca o vi com alguém.

Eu o observo todas às vezes quando aparece. Bebo sua imagem com olhos ávidos. Imagino a textura de sua boca, o sabor de sua pele, a maciez dos seus cabelos. Tudo nele me vicia. Tudo dele me embriaga.

Já deixei para trás o receio de ser discreto. O que antes eram olhares tímidos e curiosos em sua direção hoje me faz perder minutos sem fim admirando-o. Admirando, principalmente, como ele consegue ser tão centrado em seus estudos que nunca percebeu o meu olhar insistente diretamente sobre ele.

Volto o olhar para os dois livros restantes em minhas mãos. Livros de Física Quântica. A estante designada para eles fica a dois corredores de distância onde Murilo está sentado e é para lá que me dirijo. Mas antes volto o olhar outra vez para ele antes de seguir meu caminho.

Mas dessa vez algo aconteceu. Algo que não costuma acontecer e me surpreende a ponto de deixar os livros escorregarem de meus dedos tão logo me dou conta do acontecido. Murilo ergueu os olhos diretamente para mim como se soubesse que eu ali estaria e piscou os olhos. Lenta e curiosamente. Como se tivesse percebido a minha presença pela primeira vez. Os olhos castanhos mirados diretamente em mim por dois segundos tão rápidos quando o bater das asas de um beija-flor.

Tão logo aconteceu seu rosto estava voltado para os livros outra vez, uma das mãos coçando a nuca distraidamente enquanto folheava as páginas. Totalmente esquecido de mim. Como se nada mais houvesse acontecido. Como se não fosse nada mais que o normal fazer meu coração pular como estava fazendo agora.

E eu fiquei ali. Parado. Ofegante. As mãos pendendo inúteis ao lado do corpo. Os livros caídos no chão. Desorientado. Uma simples mirada, um simples encontro de olhares e eu estava sem fôlego como se tivesse corrido uma maratona.

Fiquei ali estático. A respiração normalizou gradualmente e abaixei o corpo para recolher os livros, guardá-los em sua estante e voltar para a minha mesa o mais rápido que pude. Murilo não voltou a erguer os olhos para mim outra vez. Eu nem esperava que isso acontecesse. As horas fizeram os ponteiros do relógio correrem, as luzes dos postes de luz lá fora iluminaram a noite que chegava e os poucos alunos que ali permaneciam recolheram seus pertences para irem embora.

Alguns dos estudantes vieram a minha mesa e ali fiquei entretido até perceber o tardio das horas. Desliguei o computador, tranquei as gavetas da escrivaninha antiga que usava e caminhei até as janelas para fechar algumas cortinas que tinham ficado abertas.

Foi quando eu o vi.

A luz do laptop iluminava os cabelos escuros. Ele tinha os braços cruzados nos livros abertos, a cabeça repousava em cima deles. Olhos fechados em um sono profundo, o corpo relaxado na cadeira.

Aproximei-me devagar. Meus olhos viciados na sua imagem registraram cada detalhe. Até ali com a sua aparência desleixada ele era lindo. Era a primeira vez que aquilo acontecia. Murilo sempre tinha me parecido muito cuidadoso com os seus horários e vê-lo ali dormindo em uma biblioteca pública era indício o suficiente para eu perceber que havia algo de errado.

Quis acordá-lo. Deitar minha mão em seu ombro e balançá-lo levemente para despertá-lo. Ali não era lugar para um cochilo, seu corpo poderia ficar dolorido da posição. A visão dele, no entanto, me era tão bela que não pude evitar sentar-me na cadeira ao lado dele e esperar que acordasse.

Não esperei muito. Murilo piscou algumas vezes antes de abrir os olhos de vez. Os olhos castanhos me encararam pouco tempo depois e pela luz clara do seu laptop pude ver um leve rubor cobrir sua face.

- Você caiu no sono, não tive coragem de acordá-lo – eu sussurrei quando notei que ele não falaria nada.

- Desculpe por isso – sua voz era tão baixa como a minha.

Abri um sorriso pequeno com o seu desconforto. Éramos os únicos na biblioteca, não havia a necessidade de conter o volume da voz, mas hábitos antigos são hábitos antigos e lá estávamos nós dois aos sussurros mesmo sabendo que não havia ninguém a ser perturbado por nossa conversa.

Murilo ergueu o rosto da mesa, coçou a nuca e bocejou abertamente. Alongou os braços para o alto e voltou a coçar os olhos para tentar espantar o sono. Silenciosamente começou a guardar os livros e eu o ajudei na tarefa.

Havia tanto que gostaria de falar que, agora, quando enfim a oportunidade se fazia valer, eu me encontrava mudo. Não sabia o que falar ou sobre o que falar. Tinha poucos minutos antes dele resolver ir embora, mas nada vinha a minha cabeça.

Mas para a minha total surpresa foi Murilo que falou.

- Eu vi você.

Voltei os olhos para ele assustado e temeroso. Ele me viu. Mas o que isso queria dizer? Que Murilo havia me visto hoje mais cedo olhando-o como costumava fazer todos os dias? Que havia me visto devorando sua imagem abertamente sem pudor algum de deter meus desejos? Eu sabia que estaria muito claro assim que ele notasse minha presença. Meus olhares em sua direção eram tão ávidos que seria impossível para qualquer um não notar. Era isso o que ele queria dizer, que havia finalmente notado minha presença?

Acho que ele estava esperando uma resposta minha. Eu não dei. De novo, não sabia o que falar. Eu vi você girando em minha cabeça com todas as possibilidades do que poderia significar e eu incapaz de escolher uma sequer. O silêncio reinou entre nós dois e os ecos mudos da biblioteca se fizeram presentes quando o vento da noite agitou as cortinas das janelas abertas.

Murilo relanceou os olhos para mim como tinha feito hoje mais cedo. Tão rápido que não notaria se não estivesse fitando-o tão fixamente. Ele deu um sorriso pequeno e tímido e deslizou os dedos pelo laptop para desligá-lo.

Pouco depois o som do Windows sendo encerrado fez-se ouvir e nós dois mergulhamos na semiescuridão da biblioteca. As luzes dos postes lá fora não me deixaram ver seu rosto propriamente. Eu teria que ir até minha mesa para acender algumas luzes, mas não me mexi. Fiquei parado e mudo sentado ao lado de Murilo que terminava de guardar seus pertences na mochila preta.

E nada mais falamos.

Ele arrastou a cadeira para trás a fim de levantar-se e imitei seu movimento.

Cara a cara na escuridão notei que tínhamos praticamente a mesma altura. De repente, não queria que ele fosse embora. Eu estava pateticamente mudo, sabia que não conseguiria falar nada digno de nota. Notei, porém, que se minha voz não funcionasse talvez minhas ações valessem à pena. Dei um passo à frente. Murilo não recuou. Ergui uma mão para acariciar sua bochecha na esperança de que ele não me repelisse, mas ele não deixou.

Tão logo meus dedos tocaram a maciez de sua barba por fazer, Murilo recuou o rosto fugindo do meu toque. Uma dor imensa atingiu meu peito no momento que ergui os olhos para ele. Meu braço estendido no ar, seu rosto longe do meu toque. O silêncio cortante me dilacerando por dentro.

Eu vi você gritando nos meus ouvidos dessa vez em acusação.

Murilo nunca esteve indiferente aos meus olhares. Eu que pensava que ele era apenas um estudante atento aos seus estudos, que nunca reparava no funcionário da biblioteca mais do que o necessário. Ledo engano. Ele sabia de mim. Ele sempre soube. Sabia dos meus olhares de fome para cima dele, sabia das vezes que o seguia pelas estantes de livros atrás de um fragmento de algo, de qualquer coisa, que me fizesse ficar mais perto dele.

Sabia da minha obsessão. Sabia do meu desejo. Sabia do meu amor.

Sabendo de tudo, Murilo nada disse e nada fez para mudar o fato de que eu estava me apaixonando perdidamente por ele. Sim, eu estava. E idiota que fui não me importei em esconder isso dele. Pelo contrário. Queria que Murilo soubesse. Na verdade, nunca fiz questão de esconder. Foi um grito mudo. Nos meus olhares, nas minhas vigias, no meu desejo e ardor e amor desenfreado que desenvolvi pelo estudante de arquitetura que quase todas os dias aparecia no meu local de trabalho para estudar.

Foi um grito mudo de amor. Todas as minhas ações gritavam o que sentia por ele. E como um grito ele ouviu. Ele notou sim cada palavra muda que eu tentei dizer e não tive coragem. Ele escutou todas as vezes, todos os dias.

Eu engoli em seco, peito ardendo de dor e os dedos subitamente gelados das minhas mãos. Abri a boca em busca de ar ainda incapaz de dizer uma palavra. Patético. Inútil. Destroçado.

E recuei o passo que timidamente avancei.

Neste tempo em que notava todas as suas ações que me passaram despercebidas Murilo não tirou os olhos de mim. Acho que ele também ouviu o desespero do meu silêncio de agora e a percepção de tudo o que não consegui entender antes. O rosto longe do meu toque era a sua resposta bastante clara.

- Shhh… - ele pediu por silêncio mesmo que nenhum som nos perturbasse. O passo que recuei ele avançou em minha direção. Agora era a sua mão estendida no ar que pousou no meu ombro e lá ficou.

Eu estava confuso. Não conseguia entender as suas ações. O que ele queria dizer com aquilo? Senti os dedos de sua mão apertarem meu ombro e, tão levemente quando pode o dedo polegar deslizou no meu pescoço. Um toque tímido, carinhoso, precavido.

Prendi a respiração e fechei os olhos. Dedos levemente gelados e, diferente dos meus, nada hesitantes. Depois quando abri os olhos o toque de mão era um fantasma. Ele já não me tocava mais.

E eu estava sozinho na biblioteca.

Soltei rápida a respiração não percebendo até então que a tinha retido por todo esse tempo. Meus dedos ganharam vida própria ao tocar meu pescoço onde poucos segundos atrás eram os de Murilo que me acariciaram. Tão rápido como um sopro. Tão leve como pluma. Um efeito tão forte em mim que me percebi arquejando.

Milhares de perguntas minaram minha mente colapsando qualquer ideia lógica. Uma torrente sem fim de pontos de interrogação e nenhuma resposta. O que aconteceu? Um momento atrás Murilo havia me feito entender que sabia dos meus sentimentos e me fez acreditar que os rejeitava. Tão logo a dor arremessou contra meu peito lá estava ele de novo contrariando suas ações… e me tocando.

Com carinho.

Definitivamente aquele era um toque de carinho.

Então eu entendi.

Pisquei os olhos repetida e mecanicamente. Voltei o corpo de volta para a porta de saída na esperança de Murilo ainda estar por ali, mas ele já tinha ido embora. Suspirei agoniado. Caminhei pela biblioteca, fechei as cortinas e peguei as chaves da porta sem me importar em ligar alguma luz para me guiar.

Saí de lá com a sensação de que Murilo poderia ter me pedido um cem número de coisas. Poderia ter me dito que não, poderia ter me pedido para afastar-se dele. Poderia, facilmente, ter rido da minha cara. Mas não. Primeiro veio o pedido de silêncio, depois o toque no ombro e o seu dedo escorregando no meu pescoço. Um pedido. Murilo estava me pedindo alguma coisa. Estava me pedindo tempo.

Se fosse tempo que Murilo precisava eu não hesitaria um segundo sequer.

Por volta das duas horas no dia seguinte Murilo chegou à biblioteca. A costumeira mochila nas costas, roupa descontraída. Dessa vez usava os óculos de aro mais grosso. Eu estava atendendo um grupo de estudantes que solicitavam livros de biologia marinha, estava ocupado separando fichas e nomes de livros quando ele passou direto por mim.

Por mais trabalho acumulado que estava tendo não perdi o momento que ele largou no chão a mochila e voltou os olhos na minha direção. Pelo gesto, tive certeza que ele sabia que eu estava olhando. Sem esboçar qualquer reação ele sentou-se na cadeira e abriu um grande livro que, reconheci, era o mesmo com o qual havia adormecido debruçado na noite anterior.

Confesso que esperei algo diferente acontecer. Alguma conversa puxada, um olhar mais demorado. Depois me dei conta de quão idiota estava sendo. Murilo tinha me pedido para ter paciência com ele e paciente era tudo o que eu não estava sendo.

Os dias continuariam como sempre foram. A mesma rotina do meu trabalho e olhares para cima de Murilo. Os estudos concentrados dele e muito ocasionalmente nossos olhares se cruzavam rapidamente. E isso, os nossos olhares cruzando-se com uma rotina que antes nunca tinha pensado que pudesse existir entre nós dois era a grande diferença que impactou os nossos dias.

Por ora era o máximo do que poderia esperar depois da noite anterior.

De repente, me dei conta de que a nossa conversa sequer foi uma conversa. Foi tudo tão estranho e repentino. Alguns murmúrios e gestos não significavam uma conversa propriamente dita. Poderia ter tudo isso sido uma alucinação deslumbrada de uma mente apaixonada?

Minha esperança, no entanto, estava tão euforicamente acesa que eu me recusava a acreditar que pudesse ter sido um engano. Não foi. Era fato que os olhares de Murilo me procuravam e isso nunca havia acontecido até aquele dia.

E eu estava feliz por isso.

Dias seguiram-se do mesmo jeito como eu havia previsto. Rápidos olhares trocados, às vezes sorrisos tímidos eram vistos entre ele e eu. Éramos discretos e cuidadosos em tudo mesmo que não quiséssemos ser. Estávamos ali para trabalhar e estudar e não qualquer outra coisa.

Era uma terça-feira que o percebi diferente.

Neste dia ele apareceu na biblioteca no período da manhã. Uma mudança já que ele sempre aparecia nos períodos da tarde. Não carregava a mochila e não parecia estar ali para estudar. Eu ergui os olhos diretamente para ele e para minha surpresa Murilo me olhou de volta abertamente sem fugir uma vez sequer do meu olhar. Senti que alguma coisa o perturbava, mas tinha receio de estar impondo uma intimidade que eu sabia não existir entre nós. De qualquer forma, eu sabia que ele estava ali porque precisava de mim. Dei dois passos em sua direção e ele imitou meus movimentos indo para mais perto de mim.

- O que aconteceu?

Ele apenas balançou a cabeça como quem dissesse que aquele não era um bom lugar. Sua mão agarrou a barra da minha camisa puxando o tecido para ele e pude sentir os dedos leves roçarem minha pele. Ele estava tão nervoso que estava me assustando.

- O que aconteceu, Murilo? Sabe que pode se abrir comigo, não é?

- Eu só precisava te ver um pouco. – e quando ele falou sua voz estava embargada do choro que estava segurando.

Segurei a sua mão que prendia minha a roupa tomando-a na minha.

- Vem, vou te tirar daqui.

Atrás da biblioteca haviam quiosques onde era permitido ler ao ar livre. Na parte da manhã poucas pessoas costumavam usar o local. Era um ótimo lugar para se ter uma conversa privada e foi para lá que levei Murilo.

Não me importei com o movimento da biblioteca. A manhã era relativamente mais sossegada com a maioria dos alunos chegando a tarde e havia outros funcionários que dariam conta da minha ausência por algum tempo. Escolhi umas das mesas que nos permitisse um pouco de privacidade. A mão de Murilo estava trêmula quando a soltei. Comecei a me preocupar seriamente com o que pudesse ter acontecido que o deixou tão abalado desse jeito.

Murilo sempre me pareceu ser uma pessoa calma e tímida. Algo o desestruturou, tirou-o de sua zona de controle e isso era visível. Internamente eu estava em êxtase por saber que ele veio me procurar por ajuda. Sabia que era uma atitude egoísta diante dos olhos assustados dele, mas não podia evitar sentir-me lisonjeado por ele ter vindo até ali. No que eu pudesse ajudar, e sei que moveria terras para isso, faria sem hesitar.

Murilo voltou a me surpreender quando voltou a puxar minha mão de volta e me segurou em um abraço apertado. Seus braços eram firmes em volta dos meus ombros. Ele não chorava, porém. E depois de algum tempo que não soube disser quanto durou começou a falar.

- Eu sei que somos praticamente estranhos. Sei tão pouco sobre você e você de mim. Sei que não está entendendo nada e mesmo assim sinto que está preocupado comigo. É apavorante essa ligação. Sei tão pouco, mas pouco o suficiente para dizer que sentir tanto. E só que… eu não aguento mais isso, Theo. – seus braços apertaram meus ombros com mais força e o abracei de volta pela cintura, meu corpo aquecendo-se no seu e apenas essa sensação era boa demais.

Mas minha mente era um quebra-cabeça.

- Não entendo, Murilo. Quero te ajudar, mas ainda não consigo entender o que acontece… - Senti seu rosto descansando no meu ombro, nós dois esperando que ele continuasse a falar.

- Acordei hoje de manhã pensando em você, pensando naquela noite que cai no sono aqui. Eu estou completamente… perdido. Não sei direito o que fazer, Theo. Queria te ver, desesperadamente, mais que qualquer outra coisa eu precisava te ver.

Eu também, Murilo, pensei.Meu peito contorceu-se de alegria. Sabia o quanto custava para Murilo dizer aquelas palavras. Ambos tímidos e sem saber dar o primeiro passo tínhamos chegado a esse ponto que, sendo sincero comigo mesmo, não era ponto algum. Não havia definição de relacionamento entre nós dois. Não éramos amigos, namorados, amantes… sequer colegas. Éramos como aquelas pessoas que se cumprimentam dando bom dia no elevador indo para o trabalho.

Inevitavelmente, esse estranho no elevador me atraiu. Inevitavelmente, eu esperava por ele para dividir o mesmo elevador. Inevitavelmente… ou talvez nem tanto assim. Murilo disse uma apavorante ligação e eu gostava de acreditar que ele estava certo.

Eu o queria mais do que tudo na minha vida. Tê-lo em meus braços, sentir seu perfume recém saído do banho, o cabelo ainda um pouco úmido. Seu corpo colado no meu, seus braços me sentindo… era a melhor sensação do mundo.

E então eu disse em voz alta.

- Eu também, Murilo. Eu também só queria te ver. – e meu suspiro foi aliviado e contente.

Ele levantou os olhos nos meus. A expressão assustada dera lugar à ansiedade, mas pude sentir seu corpo relaxar contra o meu quando ele sorriu.

E eu sorri de volta, incapaz de resistir.

Foi a minha vez de tremer de ansiedade quando ele ergueu as mãos para o meu rosto. Estávamos tão perto um do outro, as suas mãos me mantendo preso. Parados, prendendo a respiração, incapazes de desviar o olhar um do outro. E então Murilo descansou sua testa contra a minha e suspirou.

- Eu sempre soube. Eu sempre te vi. Desde o começo eu acho. Eu… eu só não tinha coragem suficiente para chegar até você e dizer que também sentia o mesmo. E então aquela noite. Não precisei dizer uma só palavra, mas você me entendeu perfeitamente. Respeitou minha insegurança, meus receios… você me ouviu.

- Nunca quis te impor nada, nunca foi minha intenção. – minha voz era tão baixa de emoção.

- Eu sei, Theo. Acho que entendo você mais do que deveria.

Não sei se foi a realização do que ele sentia por mim, por me corresponder ou me procurar, mas quando notei eu estava rindo. Rindo deliciosamente porque estava tão feliz e realizado com Murilo perto de mim. Por estarmos, finalmente, saindo de um faz de conta e dizendo tudo o que sentíamos sem receio, medo ou insegurança.

Eu ri e ele me seguiu.

Repeti o seu gesto segurando seu rosto em minhas mãos, encostando nossas testas juntas e rindo sem motivo algum e por todos os motivos do mundo. E de repente estávamos nos beijando. Um beijo que, apesar de todos os medos ditos ou não ditos, era completo em tudo aquilo que sabíamos sobre o outro. Murilo era leve e eu sorria em seu beijo.

Não me importava se estávamos em público, na luz do dia e que certamente havia estudantes da faculdade e da biblioteca nos observando de algum lugar. Não havia nada nesse mundo que me fizesse tirar os olhos de Murilo.

Lentamente nos separamos ainda que continuássemos em nosso abraço. Ele então voltou a mão para meu pescoço repetindo o gesto daquela noite acariciando com o polegar a minha pele. Como antes eu fechei os olhos embriagado nas sensações do seu toque. Mas quando abri os olhos Murilo ainda continuava na minha frente, sorrindo para mim. Ele não fugira como fizera antes.

E ele repetiu as primeiras palavras que me disse naquela noite deixando claro dessa vez o que elas realmente queriam dizer.

- Eu vi você.


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Notas finais do capítulo

É a inocência de um romance shoujo. Mas é yaoi. Espero que tenha gostado e que possa me dizer o que achou. É a primeira vez que posto uma fic original. Reviews = chocolate!