Garotas Mágicas escrita por RTM


Capítulo 11
Capítulo 11 - Um novo trabalho




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Um novo trabalho

Durante três dias a cidade permaneceu coberta de nuvens. Uma chuva fina e gelada caía o tempo todo, como se houvesse um reservatório de água infinito no céu. Obviamente nem mesmo a chuva poderia mudar o incansável ritmo da cidade de Tóquio. Por todos os lados pessoas em roupas sociais andavam sob guarda-chuvas de cores sóbrias, carros entupiam as ruas e as lojas anunciavam promoções tentando atrair os pedestres no horário de almoço. O movimento também era grande em um prédio um pouco afastado do centro da cidade. Kazumi parada ao lado da porta, observando homens entrarem com materiais de construção e saírem com entulho de dentro de seu escritório. Aquela reforma iria custar uma pequena fortuna. Se não conseguissem um serviço rapidamente eles não teriam dinheiro para pagar por tudo. Mas por enquanto estavam salvos, pelo menos até os vinte e cinco cheques que Kazumi assinou retornarem voando.

Kazumi se surpreendeu com a eficiência da empresa de reparos. Uma hora depois o teto e as paredes estavam como novos e algum tempo depois todo o chão estava limpo, livre de todo o entulho. Era assim que funcionava a cidade, tudo andava em grande velocidade, sincronizado como um relógio atõmico. Se algum dia você passasse em frente a um terreno baldio, as chances eram grandes de que uma semana depois houvesse um prédio de lojas de departamento naquele mesmo lugar. Qualquer pessoa que estivesse apenas visitando a cidade se espantaria com a velocidade com que as coisas mudavam, mas os habitantes de Tóquio já estavam acostumados a viver neste ritmo.

A sala vazia tinha um ar melancólico. Do antigo escritório só havia sobrado uma cadeira, um quadro de recados e uma velha estante que Kazumi usava para guardar os "troféus" de suas batalhas contra garotas mágicas. Lá ela guardava sua primeira arma, a Magnum .44. Ela ganhou aquela pistola de um antigo amigo e foi com ela que iniciou sua carreira de caçadora de garotas mágicas. Na época Kazumi ainda era uma estudante do colegial. Ao lado da pistola haviam algumas varinhas de diferentes tamanhos e formatos, duas tiaras, brincos e outros adornos típicos de garotas mágicas. Talvez ela devesse vender alguns destes troféus para conseguir algum dinheiro. Kazumi havia ouvido falar que existia um verdadeiro mercado informal, de pessoas que vendem e compram este tipo de coisa pela Internet. Mas essa não era uma boa idéia, a estante de troféus era um bom chamariz para os clientes. Sempre que um cliente entrava no escritório, a primeira coisa que via na parede oposta era a velha estante. Isto parecia dar aos clientes uma sensação de segurança.

Depois de alguns minutos Ryo entrou no escritório carregando algumas cadeiras empilhadas. Kazumi desceu e o ajudou a trazer a mesa. Então Ryo pegou um prego e o martelou na parede.

- Que está fazendo? - perguntou Kazumi.

- Espere aí pra ver. - disse Ryo, piscando o olho.

Em seguida Ryo abriu a mala que tinha trazido, tirou de dentro uma placa redonda com um alvo desenhado em linhas vermelhas e brancas e o pendurou na parede.

- Como agora temos bastante espaço no escritório, achei que seria legal ter alguma coisa pra fazer enquanto os clientes não vêm. - Ryo pôs um punhado de dardos na mão de Kazumi.

TOK

- Ei! O que está fazendo? - gritou Ryo depois de dar um salto.

O dardo estava preso na parede atrás de Ryo. Kazumi pegou outro dardo e atirou na direção de Ryo.

TOK

O dardo errou por pouco a perna direita de Ryo, que foi correndo na direção do banheiro.

TOK

Se não fosse pela porta do banheiro, o dardo teria acertado em cheio a cabeça de Ryo.

- Fique calma! - disse Ryo. - Só achei que o escritório precisava de um ar mais informal.

- Volte aqui para eu testar estes dardos, baka! - gritou Kazumi, lançando outro dardo.

Algum tempo depois Ryo saiu do banheiro, cuja porta havia sido redecorada com várias pequenas setas vermelhas. Kazumi estava sentada com os braços cruzados e os pés sobre a mesa.

- Ahn... foi mal. - desculpou-se Ryo ao ver sua parceira de cara fechada.

- Você devia se preocupar mais com as contas que temos que pagar. - Kazumi se levantou e andou até a janela.

- Não adianta se preocupar demais com isso. - disse Ryo, puxando os dardos presos na porta do banheiro. - Não vai demorar muito pra conseguirmos um novo trabalho. Talvez se colocássemos outro anúncio no jornal...

- O último anúncio que colocamos foi o que provavelmente trouxe aquelas Guardiãs Mágicas malucas até o nosso escritório. - disse Kazumi.

- Mas desta vez temos um ás na manga. Temos nossa própria garota mágica. - disse Ryo sorrindo.

- Essa sua idéia de usá-la para nos ajudar pode sair pela culatra.

- Ah, não seja tão pessimista, Kazumi.

- Você é que é otimista demais, Ryo. Eu ia dizer pra ela quebrar a varinha, mas aí você teve essa idéia absurda. Ela provavelmente nem sabe usar os poderes.

- Confie em mim, vai dar tudo certo. - disse Ryo, dando um largo sorriso.

TOK

O dardo jogado por Ryo atingiu em cheio o centro da placa. No mesmo instante alguém bateu à porta.

- Entre. - disse Kazumi.

A porta se abriu e instintivamente Kazumi tirou o rifle que havia escondido embaixo da mesa.

- Ahn... Olá? - disse Ayumi, olhando para o rifle que estava apontado para sua cabeça.

- Ah, peloamordedeus, não apareça aqui vestida como garota mágica! - disse Kazumi guardando o rifle. - Não é sempre que eu consigo controlar meus reflexos.

- E pode tirar esse sorriso do rosto. - Kazumi acrescentou. - Eu não vou matar você de graça!

- Tá. - disse Ayumi, um pouco desapontada.

- Só por curiosidade. - Ryo dirigiu-se a Ayumi. - Onde está o seu mascote mágico? Eu suponho que toda garota mágica tenha um.

- Ah... bem, nós... meio que tivemos uma discussão. Ele queria que eu seguisse o exemplo dessas garotinhas que lutam contra demônios, youmas, sei lá como se chamam. Mas eu sempre achei um absurdo colocar crianças pra lutar contra seres tão perigosos. Por acaso não é crime deixar crianças cuidar de um trabalho tão perigoso?

- Hum... É, você tem razão. - disse Kazumi.

- Então por que eles não escolhem soldados adultos, treinados pra batalhas? - perguntou Ayumi.

De repente Ryo caiu no chão dando gargalhadas. Kazumi e Ayumi olharam para ele curiosamente. Alguns minutos depois ele se levantou e retomou fôlego:

- Hahaha... Eu não acho uma boa idéia dar magia pra soldados. Imaginem só a cena: centenas de soldados enfileirados, marchando seriamente em ritmo marcial, com varinhas em punho, uniforme de colegial e mini-saias coloridas. Wahahahaha !

Kazumi também imaginou a cena e não pôde conter o riso. Ayumi olhou para eles com seriedade:

- Vamos, parem com isso. Não tem graça. Eu estava falando de um assunto sério! - Ayumi parecia zangada.

- Wahaha... tá bom... haha. - Ryo tomou fôlego novamente. - Na minha opinião, as meninas são escolhidas porque adultos não são tão fáceis de convencer e controlar que crianças, sabia?

- Que horrível! - disse Ayumi, cobrindo a boca com a mão. - Então eles se aproveitam da ingenuidade das crianças.

- Ou isso, ou quem quer que esteja criando garotas mágicas por aí é um completo pervertido. - disse Kazumi, se recobrando do surto de gargalhadas.

- Então vocês não sabem quem dá os poderes às garotas mágicas? - perguntou Ayumi.

- Infelizmente não conseguimos tirar muitas informações das garotas mágicas. - respondeu Kazumi. - Afinal, nosso trabalho é matá-las, não interrogá-las.

- Nós esperávamos que você pudesse nos dar alguma informação. - completou Ryo.

- Ah... Pakkun nunca me disse nada. - disse Ayumi, referindo-se ao seu mascote mágico.

- E eu imagino que ele também não teria muita disposição para contar qualquer coisa para caçadores de garotas mágicas. - Kazumi observou.

- Hum... Posso perguntar por que o seu escritório estava todo destruído quando eu vim aqui semana passada?

- Ah, é uma longa história. - respondeu Kazumi.

- Tudo bem, eu não tenho aula hoje. - respondeu Ayumi, puxando uma cadeira.

Kazumi então contou a Ayumi a briga que ela e Ryo tiveram contra as quatro garotas mágicas. Ryo observou em silêncio que Kazumi havia acrescentado alguns detalhes à história como troca de tiros, explosões dignas de filmes de hollywood e de como ela havia resgatado Ryo heroicamente das garras de uma garota mágica cuja descrição era bastante próxima a de um demônio de filmes de terror. No final da história Ayumi parecia bastante impressionada. Era a mesma impressão que geralmente os clientes deles tinham no rosto quando Kazumi lhes contava histórias para convencê-los de que haviam contratado a pessoa certa para o serviço.

Foi então que alguém bateu à porta. Kazumi rapidamente puxou Ayumi pelo braço e a jogou dentro do armário oculto, afinal não seria legal assustar um possível cliente com a visão de uma garota mágica. Rapidamente Kazumi voltou à mesa e sentou-se em sua cadeira:

- Pode entrar.

Um homem abriu a porta. Ele parecia ter por volta de trinta anos, tinha o cabelo cuidadosamente penteado e vestia terno e gravata, como um membro importante de alguma empresa. Ele carregava uma pasta executiva e varreu toda a sala com o olhar antes de falar:

- Com licensa. Vocês devem ser Ryo e Kazumi. Meu nome é Mashida.

- Sente-se, por favor. - disse Kazumi polidamente. - Há algo em que podemos ajudá-lo?

- Ah, sim. Quero contratar seus serviços. - o olhar de Mashida deteu-se na estante de troféus atrás de Kazumi. - Eu tentei ligar, mas o telefone parecia estar desativado.

- Sentimos muito por isso. - respondeu Kazumi. - Nosso telefone está com defeito.

Mashida então olhou na direção de Ryo e rapidamente voltou-se para Kazumi. Ryo estava de pé ao lado de Kazumi, com o peito estufado e fazendo a cara mais séria e mal humorada que ele era capaz. Segundo Kazumi, os clientes se sentiriam mais confiantes ao ver um "guarda-costas" anti-social, já que dificilmente acreditariam que uma mulher seria capaz de pôr a mão na massa em um trabalho desse tipo. Por isso Kazumi era quem conduzia as conversas, fazendo o papel do cérebro da dupla. Ryo não se incomodava de bancar o guerreiro da dupla, pois ele não era tão bom quanto Kazumi em barganhar com os clientes.

- Tudo bem. - disse Mashida, ajeitando o cabelo e olhando mais uma vez na direção da estante de troféus. - Eu tenho a certeza de que fiz a escolha certa ao procurar vocês.

- Sim, pode contar conosco. Nós somos profissionais em resolver problemas com garotas mágicas. - Kazumi disse sorrindo. Era mais prudente usar o eufemismo “resolver problemas” do que “eliminar”, pois os clientes podiam se sentir incomodados.

- Eu trouxe aqui todas as informações que pude coletar sobre nosso... problema. - disse o homem, abrindo a pasta e despejando sobre a mesa vários papéis e fotos. - Nós tivemos alguns de nossos empregados fazendo um levantamento de dados.

Kazumi apanhou uma das fotos. Era uma tradicional garota mágica, com roupa de princesa de conto de fadas e cajado mágico. Ela estava voando sobre o cajado e tinha a aparência de uma garota de 9 ou 10 anos. Como não podia deixar de ser, em seu colo estava sentado o mascote mágico, que parecia um pequeno urso de pelúcia amarelo com asas brancas. O cliente aparentemente havia feito um belo trabalho de inteligência, o que pouparia muitas horas de trabalho de Kazumi e Ryo. Aquela garota mágica tinha uma aparência tão bonitinha e fofinha que Kazumi sentiu vontade de vomitar. Mas então engoliu seco e disse:

- O senhor então deve saber que nossa taxa é de setecentos mil...

- Sim, sim. Dinheiro não é problema. - o homem respondeu rapidamente. - Só preciso que cuidem deste problema o mais rápido possível.

Kazumi não gostava de clientes que diziam que dinheiro não era problema. Geralmente isso significava que o trabalho seria muito difícil ou então que o cliente queria encobrir algum negócio sujo dele. De qualquer maneira, ela realmente precisava do dinheiro, então resolveu não fazer perguntas que poderiam embaraçar o cliente.

- Podemos começar a partir de amanhã. De que tipo de prova o senhor precisa?

- Uma foto deve bastar. - respondeu Mashida.

“Ainda bem.”, pensou Kazumi. “Geralmente os clientes pedem a cabeça ou então alguns mais doentes pedem roupa ou acessórios.”

- Muito bem então, negócio fechado. - disse Kazumi, estendendo a mão para Mashida.

O homem apertou a mão rapidamente, se despediu curvando-se levemente e abandonou o escritório sem dizer mais nada.

- Então, o que acha, Ryo? - perguntou Kazumi.

- Parece um trabalho fácil. - Ryo respondeu, esfregando o rosto com as mãos, pois havia ficado com cãibra de tanto fazer cara de mau. - Vamos levar Ayumi junto?

- Talvez seja bom, pra ela começar a aprender o trabalho. Mas você vai junto pra garantir que ela não faça nenhuma besteira. - disse Kazumi.

Ryo suspirou e abriu o armário oculto e Ayumi saiu para se juntar a eles.


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