Caçada escrita por Gabi Gomes


Capítulo 52
Templo da Terra


Notas iniciais do capítulo

Hey, tigers!
Aqui estou de volta para postar mais um capítulo de Caçada em nossa maratona.
Peço desculpa pela semana que se passou sem capítulo, mas eu tive que escrever minhas matérias pautadas e meu dead line estava muito apertado.



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Tudo em minha volta estava silencioso. Nada de sons de passos ou respirações pesadas; lá fora, o som dos grilos junto com o chiar o vento parecia uma conversa mística. Meus olhos estavam focados há horas no teto branco do quarto, iluminado pela lua redondo e altiva.

As portas da varanda estavam abertas, fazendo com que o ar gelado do inverno me envolvesse. Rapidamente, puxei os cobertores recém tirados do armário até o rosto, cobrindo meus lábios e nariz gelados.

Já era madrugada e eu ainda não havia conseguido pegar no sono, sendo que no momento em que o Sol nascesse, todos deveriam estar arrumados e preparados para enfrentar o que nos esperava no templo da Terra.

Suspirei pesadamente, olhando para o lado vazio de minha cama, completamente gelado.

No momento em que propus a Kishan que dormíssemos em nossos próprios quartos, para que nenhuma distração nos deixasse cansados no dia seguinte, pareceu uma boa ideia.

Agora, já nem tanto.

Meu estômago estava embrulhado e uma sensação de ansiedade e nervosismo percorriam todo o meu corpo, deixando minhas extremidades completamente geladas. Mesmo vestindo meias felpudas e um conjunto de pijamas para o inverno, a sensação era de estar nadando em um lago congelado, completamente nua.

Cansada que ouvir a serenata dos grilos e encarar o teto imóvel, afastei as cobertas para longe, sentindo os pelos de meu corpo se eriçando quando joguei as pernas para fora da cama, indo em direção à porta de meu quarto.

Olhei para os lados do corredor vazio, ponderando por alguns segundos se deveria ou não entrar no quarto de Kishan e me enrolar em seu corpo quente, na tentativa de dormir as poucas horas que ainda restavam da noite.

Balançando a cabeça, comecei a descer os degraus até o andar de baixo da casa, tendo meus passos abafados pelas meias. Eu não sabia para onde estava indo até que minhas mãos envolveram as maçanetas das portas da biblioteca e a sensação de calmaria me invadiu quando adentrei ao local, sentindo o cheiro de folhas gastas e livros abertos.

A sensação de calmaria durou poucos segundos, pois meus olhos capturaram a silhueta de uma pessoa sentada nos fundos biblioteca, em uma das poltronas de couro.

Meu peito bateu mais forte e eu prendi a respiração, forçando meus olhos a se acostumarem com a escuridão, até finalmente poder distinguir as feições da pessoa em minha frente.

ꟷ Kelsey? ꟷ Finalmente soltei todo o ar que estava preso em meu peito, sentindo os olhos da menina finalmente se voltando para mim.

Kelsey tinha uma coberta nas pernas, local onde ela repousou o livro em suas mãos, voltando-se para mim com um sorriso cúmplice.

ꟷ Parece que alguém também não conseguiu dormir ꟷ ela disse, enquanto eu andava em sua direção, deixando meu corpo desabar em uma das poltronas ao seu lado.

ꟷ Nunca fiquei tão nervosa para enfrentar um dos desafios do Amuleto de Damon como agora ꟷ confessei ao mesmo tempo em que tentava decifrar qual o título do livro nas mãos de Kelsey.

ꟷ Imagine como eu estou me sentindo ꟷ Kells brincava com a coberta em suas pernas, parecendo tão ansiosa quanto eu. ꟷ Tudo o que eu tenho é minha imaginação e ela não está ajudando a melhorar meus ânimos.

Tanto os príncipes quanto eu tentamos relatar com o máximo de detalhes o que enfrentamos nos dois templos de Durga para Kelsey. Os monstros, as criaturas mitológicas e os desafios da deusa foram completamente jogados em cima da menina nos últimos dois dias.

Com toda certeza a mente de Kells deveria estar a ponto de explodir.

ꟷ Tudo vai dar certo ꟷ disse, tocando o braço da menina de forma reconfortante, mesmo que eu mesma não estivesse tão convicta de minhas palavras.

Não eram as criaturas que estariam por vir que me assustavam, mas a incerteza do que Durga nos mostraria. Por algum motivo, toda a vez que eu tentava imaginar o que estaria por vir, meu corpo se arrepiava.

ꟷ Eu vim até a biblioteca pegar outro livro, já que meus pensamentos não me deixavam dormir e todos os exemplares de minha estante foram lidos ꟷ ela explicou, passando as mãos pelas capa trabalhada do livro em seu colo.

Aquilo me deixou surpresa, afinal, apenas dois dias tinham se passado desde que Kelsey havia ganhado seu novo quarto e nesse período, a menina passou grande parte do dia treinando com o arco em diferentes situações.

Comecei a imaginar como ela conseguiu tempo para ler o nada singelo número de livros de sua nova estante.

ꟷ Você gosta de ler? ꟷ perguntou Kelsey, fazendo-me voltar a realidade e focar os olhos nela, cuja expressão no rosto era mais calma e menos aflita.

ꟷ Prefiro clássicos e alguns livros sobre história ꟷ respondi um pouco sem jeito, afinal, aquela pergunta havia me pego de surpresa.

ꟷ Qual o seu favorito? ꟷ A menina de olhos castanhos realmente parecia interessada, pois brincava com a trança bagunçada.

ꟷ Provavelmente algo como O Morro dos Ventos Uivantes ꟷ Minhas palavras saíram mais como um pergunta do que como uma afirmação, mas Kelsey apenas assentiu algumas vezes com a cabeça, colocando o livro de suas mãos em uma mesinha redonda entre nossas poltronas.

Alguns segundos se passaram em silêncio, não algo desconfortante, mas apenas duas pessoas perdidas nos próprios pensamentos confusos.

ꟷ Eu tenho medo do que poderei descobrir ꟷ Kelsey confessou e sua voz era como um sussurro, fazendo-me inclinar sobre ela apenas para ouvir melhor.

Suspirei pesadamente, pois naquele momento, alguém parecia realmente entender o nervosismo que me assolava naquela noite gelada.

Não sei qual momento paramos de conversar ou qual caímos no sono, mas só voltei a recobri a consciência quando o Sol morno da manhã bateu em meu rosto, fazendo com que uma careta se formasse em meu rosto, ao mesmo tempo em que meu corpo se remexia, buscando uma nova posição confortável.

Todos os músculos de meu corpo gritavam de dor enquanto eu me afundava cada vez mais contra a poltrona de couro, completamente encolhida devido ao frio.

ꟷ Não consigo imaginar o porquê delas estarem aqui ꟷ Foi a voz de Ren que finalmente tirou-me do estado de sono e eu abri os olhos, bagunçando os cabelos enquanto estudava as duas pessoas em minha frente.

Ren tinha os braços cruzados sobre o peito, olhando para nós como se fossemos algum tipo de equação muito complicada de se resolver. Kishan apenas tinha um sorriso de menino no rosto, colocando as mangas do suéter cinza que usava para cima dos cotovelos.

ꟷ Bom dia, bilauta ꟷ disse o príncipe de olhos dourados, recebendo de mim apenas um resmungo sem sentido. Meus cabelos escondiam grande parte de meu rosto, mas naquele momento não me importei, só queria voltar a dormir. ꟷ Você com certeza não imagina a confusão que fizeram quando descobrimos que vocês não estavam nos quartos.

ꟷ Ninguém pensou que eu poderia ter fugido com um lindo senhor Darcy? ꟷ O resmungo de Kelsey chamou nossa atenção, mas a menina parecia em um estado de sonambulismo, agarrado as cobertas enquanto os cabelos soltos da trança cobriam-lhe o rosto.

ꟷ Ela está tendo delírios com Orgulho e Preconceito ꟷ murmurou Ren para o irmão, que parecia pronto para ter um ataque de gargalhadas. Pude jurar que se Kishan tivesse uma câmera, ele estaria filmando aquele momento.

ꟷ Nós não conseguimos dormir ꟷ disse, passando a mãos pelo rosto amassado, na tentativa de recobrar algumas lembranças da noite anterior. ꟷ Estávamos conversando sobre alguns clássicos e devemos ter caído no sono logo em seguida.

ꟷ Kadam estava bastante descontrolado quando saímos à procura de vocês ꟷ disse Ren, mas seus olhos ainda estavam pousados em Kelsey de forma curiosa. O tigre a observava com bastante minuciosidade, com se quisesse guardar aquela imagem na mente.

ꟷ Deveríamos estar a caminho de Goa ꟷ completou o irmão, fazendo com que automaticamente meus olhos se arregalassem e todo o meu corpo terminasse de acordar.

Com um salto, puxei o braço de Kelsey em direção à porta da biblioteca, mesmo que a garota estivesse um pouco zonza, sem saber o que se passava a sua volta. Subi as escadas de dois em dois, entrando em meu quarto já retirando minhas calças do pijama, sem me importar em tomar banho.

ꟷ Isso está sendo bastante interessante ꟷ Uma voz rouca e masculina chamou minha atenção, fazendo-me olhar para trás ao mesmo tempo em que tentava fazer minhas pernas entrarem no par de jeans azuis.

Kishan estava parado há pouco metros de mim, escorado na porta fechada de meu quarto enquanto me encarava com bastante malícia. Caso houvesse tempo, eu teria me deixado apreciar com a vista do príncipe usando suéter, jeans e um par de botas de caminhada, mas apenas revirei os olhos e fechei o zíper de minhas calças, correndo para o closet em busca de uma blusa de mangas quentes.

ꟷ Eu até poderia bater em vocês, mas todo o meu corpo está gritando de dor ꟷ confessei, com as palavras saindo abafadas, pois eu tentava encaixar um suéter preto por meu pescoço.

ꟷ Eu tive uma noite de sono revigorante ꟷ disse Kishan de forma pomposa, fazendo-me revirar os olhos enquanto calçava os tênis brancos para logo em seguida prender meus cabelos revoltos em uma faixa preta.

Por alguns segundos me arrependi por não ter me esgueirado até o quarto de Kishan na noite passada.

Olhei-me no espelho uma única vez apenas para arrumar o laço da faixa no topo da cabeça, além de colocar o colocar de Nilima e o amuleto de fogo para dentro do suéter.

Descemos até a cozinha apenas para encontrar todos devidamente prontos. Senhor Kadam parecia realmente aliviado por saber que nós não havíamos fugido ou sido capturadas. Nilima tirava alguns biscoitos do forno, os quais devorei rapidamente com a ajuda de Kelsey, sem ao menos esperar que esfriassem.

A menina parecia finalmente desperta, usando um par de leggins cinza e botas de cano alto pretas, sem salto. Todo o seu corpo estava envolto em um groso moletom cor de terra, sem nenhuma estampa. Naturalmente, os cabelos chocolate estavam presos em uma trança, com a fita azul.

ꟷ Nunca imaginei que a Índia poderia ser tão fria ꟷ comentou a menina, dividindo o último biscoito de chocolate comigo.

Uma longa correria se sucedeu nos seguintes minutos, com Kadam acomodando armas e uma pequena mochila na traseira do Jeep enquanto Kelsey, os irmãos e eu discutíamos sobre quem iria ocupar qual lugar no carro.

Nilima parecia se divertir com nossa discussão, parada no batente da entrada da casa.

Acabei ficando espremida entre os dois irmãos no banco traseiro, enquanto Kelsey parecia bastante agitada no banco da frente, ao lado de Kadam que já manobrava o Jeep em direção à pequena trilha na floresta.

ꟷ Estou me sentindo um pouco sufocada aqui ꟷ comentei com sarcasmo, retorcendo-me no banco quando finalmente adentramos na rodovia vazia.

Apenas por implicância, Kishan jogou um de seus braços sobre meus ombros e Ren abriu as penas, deixando-me ainda mais encurralada entre os dois príncipes. Kelsey nos observava com bastante divertimento, enquanto prestava atenção nas palavras de Kadam sobre a longa viagem que faríamos.

Aparentemente, estávamos há seis horas de distância de Goa e do Templo da Terra, horas que foram gastas com longas discussões sobre as possíveis criaturas que encontraríamos em nossa frente.

ꟷ Todas as mitologias possuem criaturas dos mais variados poderes ligados à Terra ꟷ disse Kadam, tamborilando os dedos contra o volante do Jeep. ꟷ Acredito que possam enfrentar desde ciclopes até ninfas.

ꟷ Por favor, nada mais de criaturas tentando seduzir Kishan e Ren ꟷ resmunguei, fazendo com que o tigre branco soltasse uma risada abafada e o irmão, bufasse.

O tópico que foi decidido de forma unânime foi a necessidade de Kadam se afastar o máximo possível do templo de Terra, afinal, não tínhamos como saber se Lokesh pretendia atacar.

Com alguns resmungos teimosos, o velho homem finalmente concordou com a cabeça, voltando a atenção para a estrada. Lembrei-me das palavras de Lokesh sobre como ele pretendia fazer Kadam se afogar nas águas do templo de Durga.

Um arrepio correu por meu corpo e eu suspirei pesadamente, sentindo a mão de Kishan sobre o ombro acariciando minha pele por cima da roupa, como se o príncipe soubesse o que se passava em minha mente.

A longa viagem pareceu se arrastar, como se até mesmo o tempo soubesse o que estaria por vir e tentasse adiar o máximo possível. Tudo estava em silêncio quando finalmente adentramos na cidade de Goa.

Olhei pelas janelas, mas a paisagem tropical estava imaculada como um quadro pendurado em uma parede. O Sol brilhava alto sobre nós, deixando a cidade com um tom alaranjada. As construções praianas me fizeram sentir como se estivéssemos em Los Angeles.

Nenhum pássaro ou qualquer outro animal era visível, mas ao longe, meus olhos captaram um aglomerado de pessoas ocupando os espaços vazio na areia da praia, mesmo que o clima não fosse favorável para um banho de mar.

Suspirando, por um segundo imaginei como seria estar no meio dos turistas, sem preocupação alguma.

ꟷ O templo de Goa fica entre uma cadeia de montanhas bastante íngremes ꟷ A voz de Kadam tirou-me dos devaneios, fazendo com que meus olhos se focassem na direção em que o dedo do velho homem apontava.

No horizonte, uma cadeia de montanha rochosas parecia em harmonia com o Sol. O verde encobria o relevo até certo ponto, deixando o pico completamente desnudo, com pedras amareladas expostas.

Sendo inverno, aquela região tinha uma cor de verde escuro, quase tornando-se marrom, fazendo-me imaginar como aquele local deveria ser lindo na primavera.

ꟷ Não vejo nada além das montanhas ꟷ disse Kelsey, a qual tinha o corpo jogado sob o painel do Jeep, como se aquilo fosse fazê-la ver melhor.

ꟷ O templo fica escondido pelo relevo, é algo muito comum em templo tão antigos quanto o de Goa ꟷ explicou Kadam.

ꟷ Os antigos hindus acreditavam que o templo dos deuses deveria estar longe do olhar dos espíritos malignos, assim eles sempre estariam protegidos ꟷ completou Ren, fazendo com que todos olhassem para ele, surpresos; o príncipe, contudo, apenas deu de ombros com um sorriso envergonhado no rosto.

O caminho até o templo da Terra foi feito em completo silêncio, pois todas as pessoas naquele carro pareciam tão nervosos quanto eu, e não apenas pelo fato da estrada ser simplesmente um estreio caminho esburacado entre as montanhas e a floresta, mas também pela expectativa que apenas aumentava à medida que nos aproximávamos.

Quando o Jeep finalmente parou, meus olhos capturaram toda a beleza em nossa volta. Entre o encontro de diversas montanhas baixas, uma enorme construção em cores vermelha e branca se destacava na paisagem.

Pulando para fora do carro logo após Kishan, percebi que a imensa construção era muito semelhante à um monastério, diferente de todos os templos que havíamos visitado. Como uma casa colonial, o lugar tinha vários cômodos ao redor do que parecia ver uma torre de observação, em formato circular.

Não haviam estátuas ou nada que enfeitasse o pequeno pátio de cimento do templo; tudo era rústico como o elemento que aquele lugar representava.

ꟷ Não estou vendo nada que se pareça com um templo ꟷ disse Kishan, pegando nas mãos sua lâmina curva bastante familiar, girando ela no pulso.

ꟷ Esse é um dos monastérios mais antigos de Índia ꟷ explicou Kadam, ajudando Kelsey a colocar a aljava no ombro. ꟷ Os monges protegem o templo de Durga, o qual está no subsolo da construção.

ꟷ Como vamos entrar com pessoas protegendo o local? ꟷ perguntei, pegando minhas adagas negras e as prendendo na cintura, enquanto observava Ren estudar a própria lâmina.

ꟷ Estamos agendados como um grupo de visitantes ꟷ explicou Kadam, entregando à Kelsey algo semelhante à uma capa de chuva, capaz de esconder as flechas em suas costas. ꟷ Escolhi o dia em que um número menor de monges estará no templo.

ꟷ Afinal, alguém tem que fazer as compras ꟷ ironizou Kelsey, jogando a trança por cima da capa de chuva amarela chamativa.

ꟷ Quando entrarem, peçam para o monge um minuto de privacidade no templo para orações ꟷ instruiu Kadam, parecendo não ter ouvido a pequena brincadeira da menina de cabelos castanhos.

Os irmãos haviam se postado ao lado de mim e de Kelsey, arrumando com cautela as armas por baixo de suas blusas. Senti os dedos de Kishan brincando com os meus e olhei para os olhos dourados do príncipe uma última vez, antes de um homem baixinho e careca viesse em nossa direção, sorrindo.

ꟷ Imagino que vocês sejam o grupo de visitantes ꟷ disse o homem, o qual vestia uma túnica cor de terra e nada mais. Por alguns segundos, lembrei-me de Phet. ꟷ É difícil termos visita em um dia como esse.

ꟷ Como havia lhe explicado antes, esses jovens tem grande interesse em antigo templo da deusa ꟷ disse Kadam com um sorriso amigável, estendendo a mão para o monge, que a apertou com carisma.

ꟷ É muito difícil encontrar jovens tão interessados no hinduísmo nos dias de hoje ꟷ O monge juntou as mãos como um prece para o céu, abrindo um genuíno sorriso para nós. ꟷ Não vamos nos demorar muito aqui, então.

Olhei para trás e recebi um sorriso cloroso de Kadam, o qual já entrava no Jeep, ligando o carro e engatando a ré. Senti uma mão gelada segurando a minha no momento em que subimos às escadas até o monastério. Olhando para baixa, percebi que era Kelsey quem me segurava pelos dedos e por alguns segundos, senti o nervosismo da menina em seu aperto.

Por dentro, a enorme construção nada mais era do que um aglomerado de corredores, os quais levavam para os quartos e para as áreas comuns. Os monges não se rodeavam de nada que não fosse necessário, percebi.

Um enorme pátio circulava a torre que eu vira do lado de fora. Três monges, muito parecido com o que nos acompanhava na visita, estavam sentados no chão cimentado da área externa, de olhos fechados e balbuciando algo que se parecia com uma reza.

ꟷ Essa torre foi a construção principal, sendo que o monastério foi construído em volta, muito anos depois ꟷ explicou o homem, o qual até aquele momento, não havia nos revelado o nome. ꟷ Os primeiros monges da região usavam o observatório como forma de proteção ao templo, cuja localização estava exatamente em baixo da alto construção.

Olhando com mais cuidado, percebi que as mesmas escadas que levavam até o topo da torre, também levavam até o subsolo, onde o templo de Durga deveria estar.

ꟷ Não vamos nos demorar muito ꟷ disse o monge, nos levando em direção à torre com o passo lento e calculado. ꟷ É curioso que a moça esteja usando capa de chuva em um dia tão limpo como hoje.

O comentário do monge nos pegou de surpresa, fazendo com que os dois irmãos se entreolhassem e o aperto de Kelsey se intensificasse em meus dedos. Por alguns segundos, apenas ficamos em silêncio, ouvindo nossos próprios passos enquanto descíamos as escadas apertadas até o subsolo do monastério.

ꟷ Ela é uma garota bastante prevenida ꟷ A resposta de Ren pareceu relaxar a menina de cabelos castanhos, a qual soltou um longo suspiro.

Os olhos do monge se focaram no tigre branco, como se o velho homem soubesse de algum segredo. Seus olhos brilharam e o um sorriso cúmplice se abriu no rosto enrugado, ao mesmo instante em que ele tocou no enorme broche, que parecia segurar suas vestes cor de terra.

Broche, o qual, eu não havia percebido antes, mas que me deixou sem ar quando o estudei com atenção. A imagem entalhada no círculo de metal era mais do que familiar, pois uma parte daquela figura estava pendurada em meu pescoço.

O acessório do monge nada mais era do que a figura do yin-yang formado por tigres, um branco e um negro. O amuleto de Damon completo.

Com os olhos arregalados, encarei Kishan, mas o príncipe parecia bastante focado na tarefa de descer as escadas sem tropeçar, devido à escuridão que o local havia se tornado. Ninguém além de mim pareceu notar a pequena peculiaridade presa na roupa do monge.

Quando meus pés tocaram no último degrau, o espaço em minha frente tomou conta de meus olhos, fazendo-me soltar um pequeno ofego de surpresa.

O templo de Durga nada mais era do que uma gruta escavada em pedra bruta, diretamente da montanha. Algumas pedras tinhas vincos, os quais eram presas as tochas que iluminavam o local.

Musgos cobriam quase todas as paredes desregulares, deixando o ar do templo pesado. Ao fundo direto da gruta, uma enorme pedra servia como base para uma estátua de Durga muito rústica, entalhada na mesma rocha que nos rodeava. Não havia muitos detalhes na deusa, contudo seus olhos eram pintados de vermelho e um pequeno tigre estava aos seus pés, como sempre.

Voltei meus olhos para o príncipe negro, o qual parecia estudar o templo assim como eu. O local rústico parecia combinar muito bem com Kishan, e o perfume amadeirado do tigre, misturado ao cheiro forte de musgo deixou-me um tanto zonza.

O velho monge terminava de acender as tochas e voltou-se para nós, ainda sorrindo de forma enigmática. Ren estava pronto para dizer algo e imaginei que pediria alguns minutos de privacidade, como Kadam instruiu, mas o homem baixinho e enrugado já estava subindo as escadas para o topo, deixando-nos sem nada ser dito.

Tudo o que se ouvia eram quatro respirações descompassadas, e pude perceber que meu corpo se retesava em expectativa, esperando que algo acontecesse como todas as outras vezes.

Não havia entrada de ar para o templo e mesmo no frio, comecei a suar, sentindo os primeiros sinais de falta de ar.

ꟷ O que vem agora? ꟷ perguntou Kelsey, tirando a capa de chuva agilmente e arrumando a aljava que lhe caía pelos ombros.

ꟷ Geralmente um monstro aparece ou algo do tipo ꟷ disse Kishan, levando as mãos até as costas, da onde tirou seu lâmina negra e afiada de dentro do suéter.

Meus olhos captaram os movimentos de Ren, cuja mão começou a buscar algo dentro do bolso da calça, tirando de lá uma corrente de couro, o qual sustentava o amuleto da Terra. O príncipe de olhos cobalto voltou-se para Kelsey, surpreendendo a garota ao colocar o colar no pescoço fino e delgado da menina.

ꟷ É melhor que você fique com ele, por proteção ꟷ disse Ren, deixando que o amuleto pousasse sobre o tecido que cobria Kelsey, a qual parecia um pouco atônita.

Os dedos da garota se fecharam sobre a lasca deformada e me perguntei se ela sentia a mesma sensação de pisar na grama molhada como eu havia sentido.

Kelsey entreabriu os lábios, mas nada saiu de seus lábios, pois com um timing perfeito, a gruta começou a transmutar.

A sensação de falta de ar devido ao espaço aperto se esvaiu, pois, as pedras da gruta já não existiam mais, abrindo-se para o que parecia ser uma densa floresta, muito semelhantes às da Índia.

O ar era quente e muito úmido, típico de uma vegetação tropica, fazendo-me xingar por não ter colocado uma roupa mais fina por baixo do suéter de frio.  Olhei em volta e não reconheci nada que lembrasse de Goa ou do monastério, apenas árvores e plantas rasteiras, as quais se fechavam quase em um casulo.

ꟷ Mia! ꟷ O grito de Kishan me fez perceber, pela primeira vez, que estava completamente sozinha, rodeada por nada mais do que verde.

Tirei as adagas presas em meu corpo e segurei os cabos com força, tentando seguir o som da voz do tigre negro, que gritava meu novo repetidamente. As lâminas negras cortavam cipós e galhos baixos.

ꟷ Kishan! ꟷ Foi a vez do grito de Ren tomar conta da floresta, fazendo com que alguns pássaros saíssem de seus refúgios das árvores.

De alguma forma, enquanto o templo mudava de forma, todos nós fomos separados. Meus instintos gritavam como uma sirene de ambulância, enquanto eu continuava a seguir o caminho de voz dos irmãos.

O chão começando a tremer chamou minha atenção, fazendo com que todo o ar de meus pulmões escapasse. Não era possível que um terremoto estivesse nos atacando.

Um grito feminino tomou conta do ar silencioso e ao perceber que ele pertencia à Kelsey, comecei a correr por entre as árvores, tropeçando em troncos e pedras.

ꟷ Kelsey! ꟷ gritei, mas minha voz foi abafada quando todo o meu corpo foi de encontro com algo rígido e eu caí no chão.

Correndo como uma louca, não percebi quando Ren apareceu em minha frente, correndo de forma tão descontrolada quanto eu. O príncipe também estava ao chão, com a lâmina de sua espada repousando na grama.

ꟷ Ren? Você está bem? ꟷ engatinhei até o homem, o qual balançava a cabeça, em uma tentativa de recobrar os sentidos. Os cabelos negros do tigre se agitaram como uma cortina negra.

ꟷ Mia? ꟷ Sua voz ainda era um pouco fraca e me perguntei se eu havia o acertado com tanta força. ꟷ É bom vê-la.

Tomei Ren em meus braços em um abraço rápido, sentindo-me um pouco mais leve por finalmente ter encontrado alguém, mesmo que Kishan e Kelsey continuassem perdidos no meio da floresta densa.

ꟷ O que está acontecendo? ꟷ A voz de Ren fez-me afastar do corpo do tigre por alguns segundos, olhando em volta enquanto o chão continuava a tremer.

ꟷ Não faço ideia, mas temos que achar os outros ꟷ No momento em que minhas palavras foram ditas, um forte rugido cortou o ar e meu peito se apertou. ꟷ É Kishan!

Quando percebi, já estava de pé, com uma das mãos de Ren envolvendo a minha enquanto me puxava floresta a dentro. Nós corríamos de forma apressada, desequilibrando-nos algumas vezes quando o chão voltava a tremer.

ꟷ Estamos pertos ꟷ disse Ren, virando a cabeça em minha direção enquanto corria, com a lâmina afiada na mão livre. ꟷ Posso ouvir Kishan e sentir Kelsey.

Não discuti com o príncipe, afinal, eu não possuía os poderes sensitivos de um tigre, portanto, apenas assenti com a cabeça e preparei para qualquer ataque que estivesse por vir.

E veio.

No momento em que pisamos para fora da floresta, meus olhos piscaram com a claridade que vinha da gigantesca clareira a nossa volta. Quilômetros de grama nivelada e cadeias montanhosas nos cercavam.

Outro rugido chamou minha atenção e foquei meus olhos onde o enorme e conhecido tigre negro estava, ao lado de Kelsey, em posição de ataque. Tentei ver do eles se protegiam, mas a luz forte ainda queimava minha retina.

ꟷ Por que eles estão atacando as montanhas? ꟷ perguntei para Ren, sentindo o aperto da mãos do tigre branco se apertar na minha.

ꟷ Não são montanhas, Mia ꟷ murmurou o príncipe um tanto surpreso, apontando para a direção das cadeiras rochosas como se me incentivasse a olhar com mais atenção.

Minha boca se abriu em um perfeito “O” e sem pensar, dei um passo para trás quando a imagem em minha frente começou a tomar forma. Entre o emaranhado de montanhas pequenas e grandes, duas formas se moviam com brutalidade.

Ali, com mais de cinco metros, estavam gigantes deformados, com corpos humanos; a textura de suas peles era como cascas de árvores e pedras, os membros eram enormes e musculosos. Os rostos eram o que mais causava espanto, pois no meio de suas testas, apenas um olho enorme nos encarava. Os dentes saiam da boca como presas e um par de chifres pequenos adornavam as cabeças.

ꟷ Ciclopes? ꟷ perguntei para Ren, mesmo sabendo a resposta. Uma das criaturas levantou as pernas enormes, tentando pisar no tigre negro em sua frente sem grande sucesso, pois os movimentos lentos não eram páreos as agilidades felinas de Kishan, contudo, o chão estremeceu quando o pé do monstro tocou o chão.

ꟷ E eles não parecem nada contentes ꟷ disse o tigre branco, olhando para mim uma última vez antes de transformar-se em sua forma animal, correndo em direção ao irmão e à Kelsey, sendo seguido por mim.

Kelsey não percebeu nossa chegada, pois estava muito concentrada em tentar acertar os ciclopes com as flechas, infelizmente, as pontas afiadas cravam-se nas peles grossas das criaturas e nada faziam.

O tigre negro, por outro lado, focou os olhos dourados em mim no momento em que me aproximei dele, tocando-lhe o torso peludo como uma forma de buscar forças. Kishan parecia muito aliviado de me ver ali, pois soltou um rugido baixo.

ꟷ O que aconteceu? ꟷ gritei, pois os ciclopes agora gritavam urros de raiva, vindo em nossas direções de forma desajeitadas. Kelsey praguejou e correu para longe das criaturas junto conosco, olhando-nos pela primeira vez.

ꟷ Quando o templo começou a mudar, Kishan e eu viemos parar aqui ꟷ disse a menina, colocando mais uma flecha no arco, disparando-a em direção ao olhos de um dos ciclopes, contudo, o monstro conseguiu desviar. ꟷ Acho que acordamos eles quando começamos a chamar por vocês.

ꟷ Isso é completamente loucura! ꟷ disse, esquivando-me de um tronco de arvore gigante que um dos ciclopes jogou em minha direção. ꟷ Nunca poderemos vencê-los com nossas armas.

ꟷ Vamos acabar pisoteados se não acharmos uma forma ꟷ A voz de Kishan chamou minha atenção e eu olhei para o lado, encontrando o homem em suas vestes negras empunhando a lâmina curva, a qual eu não como apareceu.

ꟷ Eu poderia acertá-los com um flecha nos olhos, mas eles não param de se mexer ꟷ resmungou Kelsey, olhando para a aljava nas costas e percebendo que os as flechas estavam acabando.

Novamente o chão tremeu e percebi que os ciclopes estavam muito próximos de nós, segurando árvores nas mãos como machados. Nunca conseguiríamos lutar com os dois ciclopes juntos, contudo, separando os dois, talvez houvesse uma chance.

ꟷ Temos de deixa-los separados! ꟷ gritei, agarrando o braço de Kishan o meu lado e o puxando para a esquerda, vendo Kelsey fazer o mesmo com o tigre branco, só que levando-o para o lado oposto.

Não parei de correr por um segundo, sentindo meus pulmões doendo devido ao esforço, mas ao olhar para trás, percebi que minha tática estava certa. Os dois ciclopes pareciam em um embate, pois olhavam para os lados como se decidissem quem perseguir.

Os dois juntos eram uma força imbatível, mas no momento em que se separaram, poderiam ser vencidos.

Alguns metros separavam Kishan e eu do enorme ciclope e minha mente começava a ferver, tamanha quantidade de ideias que me bombardeavam naquele momento. Por alguns minutos, não conseguia pensar em nada que pudesse deter aquela criatura enfurecida e apenas continuei a correr, ao lado do tigre negro.

E de forma abrupta, simplesmente parei quando uma ideia um tanto perigosa invadiu minha mente. O tigre de olhos dourados olhou para mim, rugindo como se tentasse avisar que o ciclope estava quase nos alcançando.

ꟷ Kishan, preciso que você se esconda e ataque quando o ciclope estiver distraído ꟷ disse, já agarrando o punhal de minhas adagas com mais força.

O príncipe não pareceu nada satisfeito quando percebeu que eu pretendia ser a isca para o monstro, mas eu apenas o olhei com nervosismo, apontando para o começo da floresta escura e densa. Local perfeito para que o pelo negro do tigre se camuflasse.

ꟷ Vá! ꟷ gritei com uma determinação nunca antes demonstrada, deixando Kishan um pouco surpreso, correndo em direção às árvores sem nenhuma reclamação.

Minhas pernas tremiam à medida que o ciclope se aproximava, brandindo a árvore no ar de forma brutal. Tentei respirar com regularidade, mas nada conseguia me acalmar, portanto, apenas me coloquei em posição de luta, pronta para qualquer coisa que pudesse acontecer.

ꟷ Ei! Você mesmo, grandão! ꟷ Confesso que querer confrontar um monstro de cinco metros não foi uma ideia tão boa. ꟷ Você já pensou em tomar banho, porque você está literalmente fedendo!

No quesito insultar alguém, eu nunca consegui criar algo que realmente fosse um insulto e quando aquelas palavras saíram de minha boca eu apenas revirei os olhos, xingando-me por ter criado aquele plano estúpido.

O ciclope não pareceu me ouvir ou se ouviu, não deu muita atenção, pois continuo avançando em minha direção, com as pernas criando pequenos tremores no chão.

Eu não tinha escapatório, pois precisava entreter a criatura até ele não estar prestando atenção a nada ao seu redor, portanto, simplesmente segurei uma das adagas pelo cabelo negro e mirei no peito da criatura antes de lança-la.

A lâmina, assim como a flecha de Kelsey não surtiu grande efeito e apenas fiquei assistindo enquanto a adaga batia no peito de pedra do ciclope e caiu inerte no chão. Infelizmente, aquilo pareceu enfurecer o monstro, que urrou de raiva e jogou a árvore para longe, avançando em minha direção com as mãos estendidas, como se pretendesse me agarrar.

Em uma situação como aquele, com toda certeza uma pessoa normal correria, contudo, aquela talvez fosse a única chance de distrair o ciclope e apenas fiquei parada onde eu estava, sentindo os dedos enorme da criatura se fechando sobre meu corpo, apertando minhas costelas como um graveto.

Caso todo o ar de meus pulmões não tivesse sido jogado para fora, eu teria gritado no momento em que o ciclope me levantou até perto de seu rosto, urrando com força, fazendo todo o meu cabelo ser jogado para trás.

ꟷ Eu realmente não quis chamar você de fedorento ꟷ murmurei, tentando sem muito sucesso, me soltar dos dedos do monstro.

Aquilo apenas o enfureceu mais e o ciclope apertou ainda mais a mão contra meu corpo, fazendo-me guinchar de dor. Por sorte, Kishan percebeu que aquele seria o momento ideal para sair da floresta e atacar a criatura por trás, pulando em suas costas e cravando as garras nos ombros do monstro.

Não sei o que me deixou mais surpresa, o enorme pulo que o tigre negro havia dado ou susto levado pelo ciclope, o qual girou o corpo com fúria, se debatendo e me deixando zonza. Kishan lutava para se manter preso ao corpo do monstro, rugindo tão alto quando ao seu alvo.

O gigante tentava arrancar o animal de suas costas com a mão livre, mas o príncipe estava preso no exato lugar em que os braços não o alçariam. Com dificuldade, libertei minha mão que segurava a outra adaga e comecei e perfurar os dedos do ciclope com ela, tentando tirar a atenção dele de Kishan.

O que pareceu dar certo, pois o tigre começou a escalar as costas do monstro até a nuca, o qual parecia completamente indeciso entre continuar me esmagando ou tirar o animal incomodo de suas costas.

Infelizmente para mim, ela achou que seria mais divertido me apertar como um tomate.

Com um grito de dor sufocado em minha garganta, vi quando Kishan chegou até os ombros do ciclope, dando um rugido feroz antes de abocanhar o pescoço do gigante, área que parecia ser a mais sensível, pois no momento em que os dentes do animal fincaram na carne, sangue começou a escorrer.

O ciclope urrou de dor, mas o ataque de Kishan não cessou, pois, o tigre continuava a dilacerar a garganta do monstro. Devido a dor, os dedos que me prendia afrouxaram, deixando cair em queda livre de cinco metros até o chão.

Fechei os olhos e soltei o grito que estava preso em meu peito, balançando os braços no ar como se fosse possível encontrar algo com o qual poderia me agarrar. Para minha surpresa, senti braços me envolvendo como uma bola e o perfume amadeirado de Kishan me invadiu.

Eu quis gritar para que ele me soltasse, pois nenhuma de nós nos salvaríamos de uma queda daquele tamanho, mas o príncipe apenas protegeu minha cabeça e meu tronco, girando no ar até estar com as costas para o chão.

Os últimos metros foram rápidos e quando percebi, meu corpo chocou-se contra o de Kishan quando encontramos o chão. Um barulho de ossos quebrando embrulharam meu estômago e eu gemi, percebendo que o barulho não vinha de mim, mas do príncipe.

Os braços de Kishan que envolviam minha cintura, caíram moles no chão e ele gemeu, respirando de forma ruidosa, como um fumante.

Com coração na garganta, rolei meu corpo para longe, percebendo que graças a Kishan, nada havia acontecido comigo. Minhas mãos tremeram quando meus olhos se focaram no corpo estirado do príncipe, cujo tronco parecia um tanto afundado.

ꟷ Kishan ꟷ murmurei, correndo meus dedos sobre seus cabelos sem ao certo saber o que fazer naquela situação.

ꟷ Mia, você está bem? ꟷ Sua voz saiu entre uma tosse, a qual liberou algumas gotículas de sangue nos lábios grossos do príncipe, naquele momento, comecei a pensar que talvez algum órgão avia sido perfurado pela costela quebrada e caso eu não agisse logo, nem mesmo os poderes de cura de Kishan o ajudariam.

ꟷ Você está todo ferrado e ainda pergunta se eu estou bem? ꟷ Minha voz saiu como um guincho, enquanto eu levava as mãos desesperadamente para dentro de meu suéter, buscando o amuleto de Damon enquanto lágrimas começavam a descer por minhas bochechas.

Atrás de nós, o enorme ciclope havia caído no chão, com a garganta praticamente toda destruída. O baque do corpo da criatura no chão gerou um enorme tremor na terra, mas eu não estava prestando atenção.

ꟷ Não seja boca suja, bilauta ꟷ Kishan sussurrou mas eu apenas fechei seus lábios com meus dedos, apavorada de que qualquer ação do príncipe agravasse seus ferimentos.

ꟷ Segure o amuleto, Kishan, por favor ꟷ disse, buscando uma das mãos do tigre de olhos dourados, envolvendo-a contra as minhas, as quais seguravam o amuleto de fogo com força.

ꟷ O tigre irá me curar ꟷ O príncipe olhava para mim com um brilho de travessura nos olhos e eu apenas balancei a cabeça, tentando entender como Kishan ainda conseguia agir como um garoto inconsequente até em situações tão extremas.

ꟷ Não faça isso comigo! ꟷ praticamente berrei, puxando o braço do tigre até que nossas mãos unidas tocassem meu coração. A sensação do fogo percorrendo minhas veias me aqueceu, mas a sensação se esvaio, como se todo o poder do amuleto estivesse saindo de mim e indo para Kishan.

Fechei os olhos e rezei para Durga como nunca havia feito antes. As lágrimas gordas rolavam por meu queixo, caindo no chão gramado. Por alguns segundos, pensei que o poder da deusa não poderia ajudar Kishan no estado em que ele estava, pois, o corpo do príncipe se tornou imóvel ao meu lado e eu quis gritar.

Felizmente, os lábios de Kishan se abriram como se ele mesmo fosse gritar, mas nada saiu. As órbitas douradas se arregalaram e o corpo do tigre sofreu espasmos. O peito inflou, como se as costelas voltassem a se conectarem e um rugido alto escapou do peito do príncipe, fazendo abrir um pequeno sorriso de alívio.

Encostei minha testa contra a de Kishan enquanto esperava que o poder do amuleto curasse tudo o que a queda havia causado no meu tigre. Ouvi a pulsação forte do homem e quis chorar mais uma vez, dessa vez, de felicidade.

Pega de surpresa, senti o braço livre de Kishan envolvendo minha cintura e o príncipe de olhos dourados levantou o tronco, sentando-se como se nada houvesse acontecido. Nossas mãos ainda estavam envolvidas no amuleto de fogo e era como se o calor envolvêssemos ambos.

Sorri ao senti os lábios grossos do tigre em minha têmpora, deixando um beijo tranquilizador, voltando a respirar de forma normal.

ꟷ Você me salvou, bilauta ꟷ murmurou Kishan contra meu rosto, afagando os curtos cabelos de minha nuca.

ꟷ Foi o amuleto ꟷ disse, balançando a cabeça sem conseguir esconder o sorriso bobo que se formava em meus lábios, enquanto o tigre continuava a deixar beijos em meu rosto.

Kishan abriu a boca, mas ele não conseguiu dizer nada, pois naquele instante um som ensurdecedor de um elefante tomou conta de meus ouvidos e percebi que ele vinha da direção em que Ren e Kelsey haviam corrido.

Todo o meu corpo se retesou e não precisei olhar para Kishan, pois logo ambos estávamos de pé, correndo em direção ao som pavoroso, sem ao menos ter ideia do que estava por vir.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Esse foi o novo capítulo de Caçada, espero que todos tenham gostado.
Não se esqueçam de deixarem suas opiniões sobre o capítulo!
Até a próxima.
Xoxo, Gabi G.



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