Caçada escrita por Gabi Gomes


Capítulo 47
A Festa




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A imagem refletida no espelho me era estranha. O brilho vermelho tomava conta de quase tudo e a menina que me encarava parecia uma impostora com os cílios postiços e a unha pintada.

Aquela não era eu.

Depois de horas sentada em uma poltrona, apenas deixando que pintassem meus olhos, meus lábios e meu rosto, o resultado foi minha completa transformação para uma verdadeira boneca de plástico.

Todos os meus acessórios foram tirados e eu me sentia nua sem a pulseira de tigre ou o anel de rosa. Tudo o que ainda pendia em meu pescoço era o Amuleto de Damon, contrastando com todo o falso glamour do vestido.

Ainda sinto a sensação pegajosa do tecido carmim contra minha pele, como uma verdadeira jaula, comprimindo-me cada vez mais e tirando meu fôlego. Era como se as próprias mãos de Lokesh tocassem minha pele.

Fechei os olhos e tentei conter a sensação de enjoo que aquele pensamento me trouxe. Não podia falhar naquele momento, tudo dependia da encenação perfeita do meu papel aquela noite.

Respirei fundo e encarei mais uma vez o reflexo de mim mesmo no espelho de corpo inteiro.

A barra do vestido brilhante arrastava minimamente no chão, e quando eu andava, era como se um rastro de sangue me acompanhasse. A única forma de ver minhas sandálias de salto pretas era mexendo as pernas, para que o enorme rasgo lateral revelasse minha pele coberta por uma meia calça.

A cintura finíssima do vestido, a qual imaginava nunca entrar em meu corpo reto, moldou minhas curvas com perfeição, tornando meu corpo esbelto como se eu usasse algum espartilho.

O decote em coração fundo modelava meios seios, deixando-os maiores do que realmente eram. Olhando para o vale do decote, percebi que ele não deixava muito espaço para imaginação e por alguns segundos quis me cobrir.

O amuleto rústico e nada delicado descansava sobre o tecido vermelho, uma forma de me lembrar o verdadeiro objetivo daquela noite.

Meu rosto era o que mais me surpreendia, pois, aquela mulher não se parecia em nada com a Mia.

Não se parecia em nada comigo.

Nilima havia feito um longo e desgastante trabalho em meu rosto, usando milhares de produtos e marcando minha face com infinitos pincéis. A linha de meu rosto estava marcada com um vinco, como se eu tivesse emagrecido muitos quilos, os lábios se tornaram mais cheios, cobertos por um batom nude. Meus olhos estavam maiores e pareciam misteriosos cobertos por uma fina camada de sombra negra como a noite, deixando o azul em meus olhos mais vibrantes.

A mulher refletida no espelho parecia madura, sensual e pronta para conquistar.

Minhas mãos voaram para o meu pescoço, prontas para retirarem o colar do Amuleto, contudo fui interrompida pela porta de meu quarto abrindo-se lentamente, trazendo para dentro do ambiente vozes que vinham do andar de baixo da casa.

Pelo reflexo do espelho encontrei os olhos de pirata de Kishan me encarando e suspirei pesadamente, virando-me para onde o príncipe lindo estava.

Kishan, muito diferente de mim, parecia um verdadeiro modelo das revistas de casamento que as mulheres liam em salões de cabelereiro. O tigre negro usava um elegante smoking preto, que parecia feito para seu corpo, valorizando os lugares certos. A camisa branca por baixo era um contraste com sua pele oliva e a gravata borboleta estava um pouco torta, fazendo-me sorrir.

Não pude deixar de conter um suspiro com aquela visão em minha frente, e tudo o que eu queria naquele momento era levar Kishan para o seu quarto e tirar aquela linda roupa elegante.

Com os olhos de Kishan queimando em todo o meu corpo, dei alguns passos preguiçosos em sua direção parando apenas quando minhas sandálias encontraram os sapatos sociais lustrosos do homem. Levantei a cabeça apenas para encarar aqueles lábios carnudos que eu tanto amava.

Sorri de forma acanhada e levei minhas mãos até sua gravata borboleta, tentando deixa-las perfeitamente retas.

− Você está lindo, sabia? – murmurei, descendo minhas mãos por seu peito, segurando com carinho seu smoking preto. – Mais do que o normal.

O sorriso de lado que eu tanto amava apareceu em seu rosto e ele passou uma única vez a mão pelos cabelos negros, os quais até segundos antes estavam perfeitamente penteados para trás e alinhados.

Agora, eles voltaram a se tornarem revoltos como sempre.

Dedos firmes e longos tocaram meu queixo, fazendo-me voltar a levantar a cabeça e encarar os olhos dourados que pareciam confusos. Kishan ficou sério instantaneamente ao estudar meu rosto, como se não mais me conhecesse.

− Odeio ver no que ele transformou você – rugiu Kishan cheio de fúria contida em suas palavras, fazendo-me morder os lábios e querer me esconder de seu olhar. – Você está deslumbrante, mas não se parece com minha Mia.

Aquelas palavras tocaram meu coração de uma forma que doeu, mas eu sabia que era verdade, pois Lokesh havia me transformado na mulher parada em frente à Kishan.

Felizmente, eu só precisava encenar aquele papel por uma noite.

− Eu sei, Kishan – confessei, deixando que meus ombros caíssem. – Eu me sinto tão falsa dentro desse vestido. É como se toda essa maquiagem tenha me transformada em algo vazio.

− Não se esqueça que está diferente apenas por fora, pois eu ainda consigo ver a minha tigresa em baixo de toda essa tinta – Kishan brincou, tocando meus lábios pintados com o polegar, retirando um pouco do batom. – Tudo isso é apenas uma parte do plano.

O plano de Kelsey. Depois de passar o resto do dia anterior apenas arrumando os últimos detalhes, todos pareciam concordar que aquela era a única chance de finalmente nos livrar de Lokesh.

Todos pareciam concordar, menos Ren e Kishan, os quais foram os mais teimosos a aceitar que faríamos aquilo pela nossa segurança e para acabar com a maldição. Foi um duro trabalho de muita argumentação e a negociação de levar algumas armas extras para o caso de algo der errado.

Por causa dos irmãos, agora eu sentia o frio metal das minhas adagas pesas um pouco acima de onde o rasgo do vestido começava, amarradas em volta de minha coxa em um coldre de couro.

Senti as mãos de Kishan tocando os fios comportados de meus cabelos, que estavam jogados sobre meu ombro com um ondulado sensual, muito diferente dos cachos revoltosos que eles eram.

− Você sabe que independente do que acontecer hoje à noite... – Ele começou a dizer, mas selei seus lábios com os meus, iniciando um beijo intenso para apagar de minha mente os pensamentos confusos que me bombardeavam.

As mãos de Kishan envolveram a cintura pequena do vestido, esquentando minha pele e afastando a sensação de enjoo que tomara conta de mim desde que vesti aquele tecido carmesim.

Com os saltos altos, não precisei ficar nas pontas dos pés para ficar na altura de Kishan, portanto simplesmente passei meus braços em volta dos ombros largos do tigre, acariciando com as unhas postiças sua nuca arrepiada.

Um rugido abafado saiu dos lábios de Kishan no momento em que ele mordeu meu queixo, fazendo-me soltar um pequeno gemido e arranhar sua pele do pescoço. Meu corpo estava em combustão, mas meus pensamentos estavam enuviados.

Com um baque, senti quando Kishan nos empurrou para trás, até que minha cintura desse de encontro com a penteadeira de meu quarto. Algumas coisas haviam ido ao chão, mas eu não estava com vontade de conferir o que era.

Suas mãos em minha cintura me içaram até eu estar sentada na pequena penteadeira. Kishan afastou minhas pernas apenas para se posicionar melhor para mais perto de mim, e eu agradeci chupando seu lábio inferior.

Estava pronta para desistir de tudo apenas para continuar nos braços de Kishan, quando a porta do meu quarto foi aberta com um estrondo e o som de saltos batendo contra o chão nos fez afastar abruptamente.

− Alguém precisa dar um jeito em Ren! – a voz de Kelsey estava aguda, como se a menina se controlasse para não começar a gritar. – Ele me tira do sério!

Limpando as manchas de batom que ficaram em Kishan, arrumei seu smoking uma última vez antes de sorrir para o príncipe e sair de cima da penteadeira, voltando minha atenção para Kelsey, que parecia finalmente perceber o que estava acontecendo antes de entrar no quarto.

A menina de cabelos castanhos estava linda; o vestido que cobria seu corpo era de um tom escuro de azul, com um tecido leve na saia, o qual terminava perto do quadril; uma faixa azul dava início ao busto bordado com flores e folhas por cima de um tecido cor de pele, o qual a deixava delicado e encantadora.

Seu cabelo estava solto e jogado por cima dos ombros, contudo era visível pequenas tranças que envolviam sua cabeça, presos em delicados grampos de pedras. A maquiagem era leve e quase inexpressível, e por breves segundos eu bufei por ver que Kelsey parecia tão natural, enquanto eu parecia um manequim.

− Deveria ter batido antes de entrar – ela murmurou, corando levemente enquanto brincava com a bolsa de mão prata. – Mas Ren decidiu de última hora que não devo ir à festa com vocês.

Seus olhos queimavam de frustração e me senti em um impasse, pois tanto entendia o ponto de vista de Ren quanto o Kelsey. Ele queria protege-la, mas tudo o que ela queria era poder nos ajudar com o plano.

− Não decidi de última hora, prema, deixei muito claro ontem que não permitiria que se machucasse por nossa causa. – A voz de Ren era alta e firme e invadiu meus ouvidos antes mesmo do homem adentrar ao quarto, usando um smoking semelhante ao do irmão, mas na cor cinza escuro.

− Além de querer me deixar presa nessa casa, fica me chamando por esses nomes estranhos − Kelsey resmungou, voltando-se para o tigre branco com os olhos em fúria. – Eu não falo híndi, como posso saber que isso não é um xingamento?

Senti uma cotovelada de Kishan e olhei para o príncipe de olhos de pirata, que sorria para mim de forma cúmplice e soube que se lembrava do dia em que disse a mesma coisa para ele. Voltei minha atenção para os dois em minha frente, sem saber ao certo o que fazer para abrandar a fúria de Kelsey e Ren.

− Talvez eu esteja chamando você de inconsequente, porque é a mais pura verdade! – esbravejou Ren, jogando os braços para o ar; felizmente, eu podia ver a forma como seus olhos brilhavam ao olhar para a menina em sua frente. – Quer ir direto para a armadilha de Lokesh sem ter nenhuma preparação.

− Pare de usar essas palavras difíceis, eu vou junto com vocês e ponto final. – Kelsey voltou-se para mim, implorando com os olhos por um mínimo de ajuda, mas eu apenas abri a boca sem saber ao certo o que fazer.

− Não olhe para Mia em busca de ajuda, não vou deixar você ir àquela festa sem proteção – disse Ren, cruzando os braços sobre o peito e fazendo o tecido do smoking modelar todos os músculos.

Mordi o lábio inferior, tentando buscar em minha mente a resposta para aquele impasse, mas eu ainda estava um tanto avoada e levei a mão diretamente para onde eu sabia que sempre estava o amuleto de fogo. Havia se tornada um hábito buscar por aquele pingente mágico nas horas de nervosismo.

Contudo, naquele momento, ele foi a resposta para o pequeno problema.

− Talvez ela não esteja completamente desprotegida – disse baixinho, dando um passo incerto até Ren, mas o tigre branco ainda tinha toda sua atenção em Kelsey.

− Não me diga que você concorda com essa ideia maluca de leva-la conosco, Mia – resmungou Ren, o qual olhou para o irmão em busca de apoio, mas percebi que Kishan apenas abriu um sorriso de lado e apontou para mim.

− Sem Kelsey, não estaríamos aqui com um plano para acabar com Lokesh, acho que ela tem o direito de ao menos ir conosco – ponderei, levando as mãos até o Amuleto de Damon e o tirando de meu pescoço.

Por um instante senti-me completamente nua sem aquele colar que havia se tornado parte de mim, mas não exitei ao entrega-lo para Kelsey, que olhou para mim sem entender muito bem o que eu fazia.

Bilauta, o que está fazendo? – perguntou Kishan um tanto confuso, mas eu apenas sorri para ele.

− Eu não poderei levar o amuleto do fogo comigo. – Comecei a explicar, colocando o pingente nas mãos de Kelsey e fechando os dedos finos da menina sobre ele. – É muito arriscado tê-lo comigo com Lokesh por perto, mas Kelsey pode leva-lo dentro da bolsa e usar para se proteger, caso algo dê errado.

− Nada vai dar errado, Mia – garantiu Kelsey, tomando uma de minhas mãos nas suas, passando um pouco de confiança.

− Não sabemos, Kelsey – disse, sorrindo de forma forçada. – Com Lokesh nada é certo, mas concordo com Ren e não quero que você se machuque.

− Ainda não acho isso uma boa ideia – resmungou Ren atrás de nós duas, mas apenas olhei para o príncipe de olhos cobalto e mostrei a língua.

Observei enquanto Kelsey colocava o amuleto com cuidado em sua bolsa de mão, olhando para Kishan como se prometesse silenciosamente que não perderia o pingente do tigre negro. Afinal, Kelsey sabia que aquele havia sido um presente para mim do príncipe de olhos dourados.

O silêncio entre nós durou apenas alguns segundos, pois mais uma pessoa adentrava meu quarto, abrindo a porta de forma delicada. Meus olhos captaram a beleza exótica de Nilima tomando conta de todo o ambiente. A garota de pele oliva sorriu para mim, e seus lábios pintados de vermelho se encheram.

Tudo em Nilima era pouco extravagante, pois sua beleza natural era tudo o que ela precisava. Seu vestido era preto e sem muito volume, deslizando até o chão como seda. Ele tinha um decote alto e alças bem finas, deixando as costas com uma abertura até a base da cintura. Seus cabelos longos e negros estavam presos em um coque firme e bem trabalhado.

− Todos estão prontos? Kadam nos espera na sala – ela disse, olhando para mim de forma fraternal enquanto abria espaço para Ren passar pela porta escancarada.

Fui a última sair do quarto, parando ao lado de Nilima por breves minutos apenas para abraça-la com carinho antes de sussurrar.

− Você está linda, Nilima.

Pode ver o rosto da garota corar um pouco antes que eu estivesse descendo as escadas para o primeiro andar da casa.

Os últimos detalhes do nosso plano foram repassados por Kadam, que ajeitava constantemente o lenço comprido em seu pescoço, o qual combinava perfeitamente com a camisa social preta com alguns botões abertos.

Eu concordava com o velho homem toda vez que ele falava comigo, contudo minha mente estava muito longe, tentando imaginar como aquela noite seria. A sensação de vazio e enjoo não saía de mim, e era como se meu corpo avisasse que algo de errado aconteceria.

Senti a mão firme de Kishan envolvendo a minha e sua pele quente era extremamente contrastante com a minha fria e um pouco suada. Olhei para os olhos do príncipe por alguns segundos, apenas para encontrar as forças que eu precisava. Com o seu característico sorriso de lado, Kishan selou nossos lábios rapidamente.

E eu soube que independente do que acontecesse, ele estaria ao meu lado.

A viagem até Nova Deli fora mais rápida do que eu queria e o carro parecia um túmulo de silêncio. Fora necessária uma viagem em dois carros e enquanto Ren, Kelsey e Kadam abriam caminho pela estrada escura em uma grande caminhoneta preta alugada, Kishan a seguia com o já conhecido sedan luxuoso, comigo e Nilima no bando traseiro.

Não foi difícil descobrir onde a festa estava acontecendo, pois, após alguns minutos driblando o trânsito da cidade caótica, entramos em uma rua completamente iluminada pelas luzes do alto prédio espelhado.

Carros luxuosos chegavam e iam na porta do arranha-céu, deixando pessoas elegantes em vestidos e ternos.

− É aqui – anunciou Kishan, e pude perceber que sua voz era tensa. Rapidamente, toquei seu ombro em forma de confortá-lo, mas o príncipe de olhos dourados apenas suspirou pesadamente, parando o carro logo atrás de Kadam.

Toophaan era um prédio muito semelhante com ao que resgatamos Ren, pois seus andares pareciam intermináveis e pude jurar que ele tocava o céu. Toda a construção era feita com espelhos perfeitamente reluzentes, que pareciam ainda mais espetaculares refletindo as luzes que vinha de dentro.

Por fora, ele nada mais parecia do que um prédio comercial, com uma ampla entrada, por onde milhares de pessoas circulavam, se cumprimentando com sorrisos antes de entrarem. O jardim circundava um pequeno lago artificial, iluminado por pequenos pisca-piscas pendurados nas árvores.

Senti a mão de Kishan tocando a minha e olhei instantaneamente para meu tigre em busca de conforto em seus olhos de pirata. Olhando para todo o glamour que nos cercava, percebi que Kishan se encaixava muito bem naquele lugar. Suas roupas imaculadas, a beleza exótica e seu característico porte de realeza me fazia sentir como se estivéssemos indo a uma coroação.

− Será que essa bela dama me deixaria acompanha-la até a festa? – perguntou Kishan com um tom jocoso, o qual me fez rir ao mesmo tempo em que ele tomava meu braço no seu.

− Eu adoraria – respondi, tocando uma única vez seu braço forte. – Mas caso veja meu namorado por aí, me avisa, ele é muito ciumento.

A risada melodiosa de Kishan me envolveu e por alguns segundos, era como se não estivéssemos naquele lugar. Os lábios do tigre negro tocaram minha bochecha de forma carinhosa e provocativa, e o sorriso malicioso que eu tanto amava apareceu em seu rosto perfeito.

Kishan tinha um porte altivo e relaxado, mesmo que seus olhos transmitissem todo o seu nervosismo. Imaginei que toda aquela compostura era o resultado de anos participando de festas em seu reino.

Ainda bem que pelo menos um de nós conseguia parecer controlado, pois eu estava quase me descabelando.

Percebi de rabo de olho quando Ren e Kelsey se aproximaram, os dois de braços dados, enquanto Kadam ia até a neta, sorrindo para a mulher de vestido negro, o qual parecia reluzir.

− Estou me sentindo no tapete vermelho do Oscar – comentou Kelsey, olhando para todos os lados deslumbrada, enquanto o príncipe ao seu lado a olhava com curiosidade.

− O que é “Oscar”? – Ren perguntou, fazendo-me rir ao mesmo tempo em que Kelsey revirava os olhos.

− Todos nós sabemos o que fazer, estou certo? – disse Kadam, chamando a atenção de todos para o homem de cabelos grisalhos.

O ar em nossa volta pareceu se tornar carregado em um piscar de olhos e todos ficamos tensos. Agarrei o braço de Kishan com mais força, apenas para ter certeza de que ele continuava ao meu lado.

− Não podemos nos desviar de nosso plano em nenhum momento ou Lokesh descobrirá a verdade. – Prosseguia Kadam, mas tudo o que eu conseguia ver era o sorriso diabólico do anfitrião em minha mente, como se me provocasse.

Meu peito pareceu se fechar e tive dificuldades para respirar por alguns segundos, até sentir as mãos de Kishan tocando meu rosto, tirando-me daquela sensação de mal-estar. Pisquei algumas vezes e foquei meu olhar nas órbitas de pirata em minha frente.

− Caso algo aconteça com você, bilauta, chame-me, eu ficarei por perto. – A voz de Kishan era séria e eu não pude fazer mais do que assentir e rezar baixinho para que nada me obrigasse a acabar com o plano.

− Nada dará errado. – A voz de Kelsey quebrou nosso silêncio e eu sorri para a garota, mesmo que por dentro minhas células gritassem para que eu corresse para bem longe.

− Acho melhor entrarmos – murmurei, olhando por sobre o ombro para a entrada iluminada do prédio altivo. – Quanto mais rápido terminarmos isso, mas rápido iremos embora.

Ninguém disse mais nenhuma palavra, afinal, nada do que dissessem ia acabar com meu medo e nervosismo. Senti Kishan nos guiando para a entrada da festa e tentei deixar meus passos firmes e elegantes.

Você não pode se esquecer de encenar o seu papel, Mia. Seja Lokesh.

Aquelas palavras tinham sido ditas por Kelsey no dia anterior, no momento em que a garota explicava com determinação seu plano. Contudo, dizer parecia muito mais fácil do que fazer.

Com Kishan ao meu lado, não pude distinguir se os olhares surpresos dos homens e mulheres eram para mim ou para o príncipe, mas optei pela segunda. Estufei o peito e levantei o queixo, tentando passar a imagem de superioridade.

Era hora do show.

Olhei para o horizonte e tentei ao máximo ignorar os cochichos das pessoas ao nosso redor, afinal, se eu focasse minha tenção neles, perdia o controle de mim mesma e essa não era uma escolha no momento.

Se por fora Toophaan parecia um simples prédio comercial, por dentro ele podia ser facilmente comparado com um hotel luxuoso ou até mesmo um palácio antigo. O hall tinha um enorme lustre com pedras preciosas e um carpete desenhado com arabescos que combinava com as paredes de cor vermelha queimado. Móveis dourados completavam a decoração, com vasos de diversos tamanhos cheios de rosas brancas.

Pessoas se agrupavam em conversas animadas, enquanto garçons de smoking branco passeavam pelo lugar, com bandejas de comidas e taças de champanhe.

− Isso é o que eu chamo de festa! – exclamou Kelsey atrás de mim, pegando um taça reluzente quando um garçom baixinho passou por nós.

No momento em que abrira a boca para dar uma resposta brincalhona para Kelsey, um homem alto e musculoso surgiu do nosso lado, olhando-me de forma intensa. Kishan aumentou o aperto em meu braço de forma protetora.

Contudo, naquele momento, não podia deixar que Kishan perdesse o controle.

Soltar o braço do tigre negro com desprezo e voltar-me para o homem corpulento ao meu lado com o olhar entediado doeu mais em meu coração do que eu poderia demonstrar. 

− É muito bom vê-la aqui, senhorita Campbell. – O homem fez uma pequena mesura, como se eu fosse uma pessoa realmente importante. – Lokesh a espera com muito anseio.

− Espero que ele não se mostre um mal anfitrião me fazendo esperar muito tempo – disse de forma indiferente, mesmo que por dentro eu tinha vontade de gritar para que Lokesh nunca aparecesse.

− Ele nunca a deixaria esperar, senhorita – ele garantiu apressadamente, olhando para meus olhos brevemente antes de encarar Kishan ao meu lado. – Meu senhor ficará feliz em ver que trouxe seus amigos.

A forma como ele disse a palavra “amigos” me fez querer socar o rosto bruto do homem em minha frente, mas eu apenas sorri sem mostrar os dentes.

− Não poderia negar um pedido tão generoso de Lokesh – respondi, apontando para meu próprio vestido como se estivesse encantada por tudo o que o mago fizera por mim.

Respirei fundo na tentativa de controlar o enjoo, ao mesmo tempo em que ignorava o olhar faminto do homem sobre meu corpo. Pude jurar que um rugido baixinho escapou dos lábios de Kishan.

− Aproveitem a festa – disse o homem, dirigindo-se aos meus amigos sem ao menos olhá-los nos olhos. – Lokesh irá em seu encontro logo, senhorita.

Quando o armário ambulante se afastou de nós, respirei fundo e fechei os olhos, sentindo a mão de Kishan na base de minha coluna. Tudo o que eu queria era encostar a cabeça no peito do tigre negro e deixar que seus braços me envolvessem, mas não aquilo não era possível.

− Você foi muito bem, Mia – disse Ren, tentando encorajar-me, mesmo que seus olhos vibrassem de nervosismo e sua postura demonstrasse tenção.

− Só não sei por quanto tempo conseguirei fingir – confessei baixinho, olhando ao redor apenas para confirmar que ninguém nos observava.

− Não se esqueça que estaremos por perto, senhoria Mia. – A voz de Kadam era calma e por alguns segundos conseguiu me tranquilizar.

Com um aceno de cabeça, voltei-me para Kishan abri um pequeno sorriso tímido para o tigre, em uma tentativa de saber se meu ato anterior não o tinha magoado, contudo apenas vi compreensão em seus olhos dourados e a familiar paixão queimando nas órbitas de pirata.

− Vamos acabar com isso – disse, enganchando meu braço mais uma vez no de Kishan e caminhei com determinação até o enorme salão de festa, onde milhares de pessoas estavam espalhadas conversando, comendo e dançando.

A decoração do lugar era escassa, para liberar espeço aos convidados, mas o poucos móveis e vasos eram tão luxuosos quanto os do hall, todos dourados. Música alta abafava meus ouvidos e a batida eletrônica me fez franzir o cenho.

Aquilo não era nada parecido com o que eu tinha imaginado de Lokesh, pois a festa mais parecia uma balada.

− Temos de nos afastar agora – disse Kelsey, tocando meu braço que não estava preso no de Kishan; seu toque acalmou meu coração acelerado. – Kishan ficará com você, e estaremos perto do seu campo de visão.

Concordei rapidamente, olhando para as órbitas de cobalto de Ren, as quais demostravam ansiedade para ficar sozinho com Kelsey. O tigre branco percebeu que eu o estudava e apenas abriu um sorriso arteiro, piscando para mim antes de conduzir Kelsey para onde casais dançavam acompanhando a batida eletrônica.

− Vamos ver se você saber dançar, senhor tigre. – Consegui ouvir a provocação de Kelsey antes que os dois se afastassem.

Nilima sorriu para mim de forma carinhosa, antes de seguir Kadam em direção ao bar, onde um homem de avental preto fazia malabares com os drinks, recebendo aplausos e ovações das pessoas ao seu redor.

Finalmente sozinha com Kishan, subi minha mão de seu braço até o pescoço, acariciando discretamente os poucos fios de cabelo na nuca. O tigre me estudava de forma faminta e frustrada ao mesmo tempo e só tive tempo de perceber o que ele fazia quando seu corpo já estava inclinado sobre o seu, e os lábios cheios do príncipe esbarravam no lóbulo de minha orelha.

− Você não tem noção da vontade que estou de beijá-la aqui mesmo – ele sussurrou e a respiração quente batendo em meu pescoço arrepiou-me por inteira, obrigando-me a fechar os olhos por alguns segundos.

− Não fale isso ou acabarei com essa encenação em um piscar de olhos – confessei, passando a unha postiça pelo rosto anguloso de Kishan, vendo-o abrir seu sorriso de lado malicioso.

Kishan abriu a boca para responder e percebi que algo irônico ou cheio de segundas intenções sairia de seus lábios, contudo fomos interrompidos quando a música parou abruptamente, e todas as pessoas se voltaram para uma escadaria ampla e elegante no fundo do salão.

Meu coração parou e eu tive que me controlar para não me esconder atrás do corpo largo de Kishan, pois na base da escadaria de granizo reluzente estava Lokesh.

Seus olhos de leão vasculhavam todo o salão e soube que ele me procurava; ele usava um terno fino na cor chumbo e poderia se passar por um educado anfitrião se eu não soubesse que tudo aquilo não passava de uma farsa.

Tudo o que importava para Lokesh era poder ter-me em seus braços asquerosos.

Tendo seus olhos fixos nos meus, dei o primeiro passo até o homem parado no primeiro andar da escada, quando na verdade queria agarrar a mão de Kishan e implorar para que ele me levasse para longe de Lokesh.

O mago me encarava como se estivesse faminto e não disfarçava seu desejo ao passar a língua pelos lábios enquanto observava minha perna exposta pelo rasgo lateral do vestido extravagante.

Ignorei todos os olhares ao meu redor e continuei andando com os olhos fixos nas órbitas castanho claro de Lokesh. Só percebi que prendia a respiração quando parei em frente ao homem, que tomou minha mão nas suas de forma bruta, deixando um beijando em minha pele exposta.

− Fico mais do que extasiado em ver que aceitou meu convite – ele disse com a voz baixa a sedutora, mas que só me causou um enorme asco. Ele ainda tinha minha mão nas suas e acariciava minha pele com os dedos gelados.

− Nós tínhamos um combinado, não é mesmo? – Minha resposta fora firme e levantei o rosto para encara-lo nos olhos, algo que surpreendeu tanto a mim quanto a ele.

Com um sorriso diabólico, Lokesh tomou meu braço no seu, obrigando-me a circular por entre os convidados enquanto eles os cumprimentava com uma falsa carisma. No meu campo de visão, encontrei Kelsey e Ren em um canto afastado da pista de dança, o príncipe tinha as mãos nas cinturas da garota, enquanto ela envolvia os braços nos ombros dele. Ambos pareciam distraídos, mas a maxilar rígido de Ren denunciava.

− Você está estonteante, uma delícia aos olhos – ele sussurrou contra o meu ouvido, e tive que impedir meu corpo de se contrair ao sentir a respiração de Lokesh contra meu pescoço.

− Não me permitiria estar menos do que perfeita para hoje. – Era para minha voz sair confiante, mas deixei-me vacilar por alguns segundos e percebi que eu praticamente gaguejava.

− É prazeroso ver seu príncipe nos observando. – Com um movimento rápido, Lokesh tomou meus braços com força, fazendo-me ficar com o peito colocado contra o seu. Nossos rostos estavam a centímetro um do outro e tive que me segurar muito para não me encolher de medo.

− Eu estou aqui com você – respondi em um surto de coragem, afinal, tudo o que eu mais queria era acabar logo com aquilo.

Estufei o peito e senti os olhos de Lokesh descendo até meu decote exposto de forma gulosa, o aperto em meus braços ficou mais intenso, a ponto de doer. Sua perna roçava na minha descoberta pelo rasgo lateral e eu senti meu coração bater cada vez mais rápido.

Queria fechar os olhos e gritar, mas continuei firme.

− Todas essas pessoas não me importam – ele confessou, com os lábios quase encostando nos meus. – Essa festa é insignificante para mim. Tudo o que eu queria com essa noite era mostrar para os seus preciosos tigres que eu sempre consigo o que eu quero, eu sempre venço.

Por um instante em permite olhar para o lado, e meus olhos encontraram fatalmente com as órbitas de pirata de Kishan que eram uma mistura de raiva insana e descontrole. Se Kadam não estivesse ao seu lado, soube que nosso plano já haveria ido por água abaixo há muito tempo.

Seus punhos estavam fechados e ele respirava de forma rápida. Quis sussurrar alguma coisa para Kishan, mas naquele momento, era impossível com o corpo de Lokesh tão expressivo sobre o meu.

Eu estava tão concentrada em Kishan que só percebi o que Lokesh estava prestes a fazer quando um rugido estrondoso reverberou por todo o salão de festa.

Meu corpo foi puxado até eu estar colada no corpo do mago em minha frente, uma risada diabólica saiu de seus lábios quando sua mão puxou minha cabeça em direção a sua, unindo a única parte de nossos corpos que não se tocavam.

Lokesh havia me beijado.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Espero que todos tenham gostado desse capítulo assim como eu!
Não vejo a hora de Março chegar para eu poder postar a continuação! Deixem seus comentários sobre o que acharam da fanfic ;)
Até mês que vem.
Xoxo, Gabi G.



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