Caçada escrita por Gabi Gomes


Capítulo 32
O Resgate


Notas iniciais do capítulo

Hey, tigers!
Para compensar a angústia pela qual deixei vocês passarem no capítulo anterior, aqui está um novo capítulo de Caçada, que ficou meio grandinho.
Quero agradecer à todos os lindos comentários que vocês deixaram!
Boa Leitura



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O barulho da sirene agora se multiplicara, tornando-se muito mais alto e fazendo com que meus ouvidos zunissem. Vozes e gritos vinham do lado de fora, e meu corpo estava em alerta de perigo, enviando torrentes de adrenalina por todos os meus músculos tensos.

Entretanto meus olhos haviam sido presos pelos azuis cobaltos sem brilho e que demonstravam uma imensidão de dor, enquanto o tigre estudava-me com o olhar sem muito entusiasmo, soltando um barulho estranho e baixinho antes de afundar a cabeça entre as patas novamente.

Meu peito apertava-se a cada vez que eu olhava para o corpo maltratado do belo animal, e minhas mãos posadas em meu colo formigavam pelo contato com o pelo branco do tigre. Ainda imóvel, o barulho alto muito semelhante à um tiro chamou minha atenção, e rapidamente comecei a respirar de forma acelerada, antes de estender o braço até o enorme animal em minha frente.

Com a percepção de meu movimento, Ren levantou-se com dificuldade, fazendo as correntes em suas patas tilintarem, e o tigre rugiu para mim, mostrando os dentes afiados em uma expressão feroz, enquanto afastava-se de mim o máximo que as correntes permitiam.

Percebi que o tigre branco achava que eu era mais uma das pessoas que o torturariam, o que me fez pensar nas horríveis coisas que Lokesh submetia Ren, e logo fechei os punhos, na tentativa de controlar a raiva.

− Ren, eu estou aqui para ajuda-lo, mas precisamos ir – sussurrei, tentando mais uma vez aproximar-me do tigre branco, ao mesmo tempo em que controlava meu corpo a beira de uma explosão.

Raiva queimava por todos os meus ossos, e eu seria capaz de quebrar o nariz de Lokesh caso ele aparecesse em minha frente, e todo aquele sentimento apenas aumentava com a imagem desoladora do tigre em minha frente. Além de tudo, uma enorme admiração pelo majestoso tigre branco fazia-me pensar sobre meu recente apego com felinos.

Ren rugiu novamente, enquanto os gritos continuavam lá fora, e a porta chacoalhou várias vezes, assustando-nos e dificultando minha aproximação com o tigre. Rapidamente minha mente voou para Kishan, e eu imaginei que ele estaria segurando os capangas de Lokesh que tentavam chegar até mim, e soube que tinha de me apressar.

− Eu estou aqui com seu irmão, Kishan – disse, puxando de dentro de minha camisa o amuleto de fogo, tomando-o em meus dedos e o aproximando do tigre, que estudou-me novamente com dúvida. – Esse amuleto é dele, e o seu está com Kadam, certo? Estamos aqui para resgatar você, Dhiren.

Minha voz estava baixa e controlada, como se eu falasse com uma criança, mas eu não me importava, pois apenas queria que o tigre desconfiado não mostrasse mais os dentes afiados para mim, pois mesmo estando muito fraco, poderia ferir-me.

Mordi o lábio com angustia e olhei para a porta quando Ren apenas afastou-se, olhando-me como se ponderasse sobre eu estar falando a verdade ou usando aquelas palavras para confundi-lo.

Mexi meu corpo em impaciência, ao mesmo tempo que obrigava minha mente a pensar em alguma memória dos irmãos que os dois compartilhavam, e rapidamente um episódio voltou em minha mente e eu tentei não corar enquanto voltava minha atenção para o tigre branco.

− Lembra-se do treinamento militar que você e Kishan passaram? – perguntei, escondendo um sorriso ao perceber que minhas palavras o pegaram de surpresa. – Todos os guerreiros que se formavam tinham de passar pelo desafio da Casa da Rainha, não é?

Ouvi um barulho que parecia algo entre um ronrono e uma bufada, e quase bati palmas com o progresso de minha conversa com Ren. O tigre se aproximou e já não possuía a expressão feroz no rosto, mas parecia atento a minhas palavras.

− Você foi pego muito antes de conseguir chegar lá, mas Kishan apenas voltou no dia seguinte, gabando-se que havia conseguido passar a noite na Casa da Rainha, lembra-se? – Nas últimas palavras, minha voz não era mais que um sussurro, pois agora o tigre estava parado em minha frente, a poucos centímetros do meu rosto, e por alguns segundos, perdi-me mais uma vez na imensidão azul de seus olhos.

Sorri quando ele abaixou a cabeça, e estendi o braço para tocar em sua cabeça peluda, afundando meus dedos ali e suspirando de alívio. Acariciei Ren rapidamente, sentindo meu corpo arrepiar-se.

O tigre afastou-se novamente, e eu me levantei, já planejando como quebrar aquelas correntes de ferro tão grossas que o prendiam ao chão, mas algo chamou minha atenção e ao olhar para onde o tigre branco deveria estar, encontrei um homem alto e muito magro, com cabelos negros bagunçados e um pouco maiores que os de Kishan.

Arregalei os olhos quando o homem sentado ao chão levantou a cabeça e olhos azuis humanos me estudaram com cautela, antes de um sorriso convencido abrir-se em seu rosto magro e marcado.

− Desculpe-me pelos maus modos, senhorita, sou Dhiren. – Sua voz era profunda, e percebi que todas as vezes que tentei criar a figura de Ren em minha mente, nunca consegui chegar perto do príncipe.

Ele era mais alto que Kishan, e sua pele não era do moreno ébano do irmão. Os cabelos eram mais lisos e estavam mais cumpridos, e roupas brancas de algodão escondiam um corpo esquio e sem muitos músculos, mesmo que Ren aparentasse fome com sua pele tornando-se cadavérica.

Mas nada disso chamava mais atenção do que seus olhos azuis, e me senti uma impostora com os meus olhos cor de céu, pois eles nunca chegariam na cor vibrante e vívida das de Ren.

− Mia – sussurrei, impressionada com a existência de minha voz. – Mas acho que estamos sem tempo para apresentações elegantes, alteza.

Não queria parecer zombeteira, mas naquele momento a ironia era a única coisa que impedia que eu desmanchasse em lágrimas, deixando que a covardia tomasse conta de todo o meu corpo. Felizmente, ouvi uma risada nasal de Ren enquanto eu me encaminhava até os braceletes de ferro que prendiam seus pulsos marcados.

− Tem alguma ideia de como posso abrir isso? – perguntei, olhando para o homem com um olhar desesperado, mas ele apenas balançou a cabeça.

− Teria feito caso soubesse – ele garantiu, puxando as correntes com a pouca força em seus braços. – Mas elas não arrebentam nem mesmo com a força do tigre.

− Não temos tempo. – Minha voz saiu agonizada, e meus olhos voaram para a porta quando um estrondo ressoou pelo cômodo além das sirenes, muito semelhante com o barulho de um corpo batendo.

Meu coração apertou e minha mão voou rapidamente para o pequeno tigre em meu pulso, enquanto mordia os lábios com força. Percebi os olhos de Ren no pingente, e o cobalto brilhou com algo que não consegui decifrar.

Senti as lâminas das adagas negras contra minhas pernas, e rapidamente uma ideia estúpida veio em minha mente, e eu tirei uma das adagas da bota, olhando para Ren com esperança.

− Fazem isso o tempo todo em filmes, certo? – perguntei, mesmo sem querer uma resposta, pois encaixei a ponta da lâmina no buraco da chave que travava os braceletes ao pulso do homem.

− Como agora posso ficar mais tempo como humano? – Ren sussurrou a pergunta, olhando com curiosidade para minha mão que remexia na fechadura, ouvindo pequenos estalos.

− Antes de virmos em sua busca, conseguimos quebrar a primeira parte da maldição, e agora vocês têm seis horas como humano – expliquei, forçando o máximo que conseguia, sem nenhum resultado.

− Tive que esconder isso – disse Ren, que parecia muito empenhado em distrair-me com sua voz, e agradeci mentalmente, pois os barulhos de corpos contra a porta me deixariam louca. – Os capangas de Lokesh ficariam muito empolgados caso descobrissem que poderiam me torturar na forma humana por horas.

Quando fui responder um sinto muito para o tigre que havia sofrido por tantos anos, senti sua mão envolvendo a minha, e sua pele lisa estava quente. Desviei o olhar, pois sabia que meu rosto pálido estava ficando vermelho, mas ao sentir seus dedos fechando sobre os meus, olhei esperançosa para a fechadura.

Sua força combinada com a minha fez com que a lâmina quebrasse a fechadura por dentro, e um pequeno estalido foi ouvido antes que o bracelete de metal caísse ao nosso lado, libertando Ren.

Sorrimos um para o outro, enquanto o tigre mexia o punho com satisfação por finalmente estar livre, e eu quis abraça-lo sem motivo aparente, apenas para esvair toda a empolgação que tomava meu corpo.

Ainda nos encarávamos sorrindo quando a porta foi aberta com um estrondo, e ambos olhamos para onde Kishan estava, encarando-nos com os olhos de pirata sério enquanto respirava de forma ofegante.

Seus olhos brilhavam com algo que não pude decifrar, mas um aperto em meu peito fez-me levantar do chão, ainda encarando seu rosto duro como pedra, com um pequeno corte na bochecha que escorria sangue, mas que rapidamente se fechava.

− Precisamos ir, mais guardas estão chegando – ele disse com a voz grossa, dando passos curtos em nossa direção.

Achei que os irmãos iriam se abraçar, ou trocar palavras carinhosas, mas Kishan apenas olhou para Ren e fez uma mesura com a cabeça, em respeito ao irmão mais velho, a qual foi respondida da mesma forma.

− Preciso solta-lo – eu disse, quebrando o silêncio e tentando conter a confusão que aquele reencontro me deixou.

Peguei o braço ainda preso de Ren, e coloquei a adaga na fechadura, mechando ali com força e pressa, até que senti mais uma vez mãos cobrindo a minha. Não precisei olhar para saber que era Kishan, pois seu toque deixou uma pequena onda de quentura em minha pele, além de sua respiração quente atrás de mim.

− Você precisa carrega-lo enquanto fugimos – disse Kishan quando já estávamos de pé. Sua voz ainda parecia dura e eu queria bater em seu peito e gritar para que ele agisse normalmente.

− Não irei aguentá-lo, Kishan – protestei, sabendo que mesmo fraco, Ren ainda era muito mais pesado do que eu.

− Eu estou aqui – reclamou Ren, chamando nossa atenção. – Posso andar sozinho.

Olhamos para o homem magro em nossa frente que apoiava-se com dificuldade nos joelhos, usando um dos braços como suporte antes de içar seu próprio corpo para que ficasse ereto, entretanto, as pernas fracas falharam e Ren quase cairia caso Kishan não tivesse segurado o corpo do irmão, passando um braço em volta da cintura.

− Leve-o – disse, girando a única adaga em minhas mãos. – Eu dou cobertura.

A expressão de Kishan mostrava que caso ele não estivesse dando suporte ao irmão, teria ido ao meu lado, abrindo um sorriso travesso enquanto roubava-me um beijo, mas naquele momento ele apenas assentiu sem muita convicção.

Coloquei a cabeça por fora da porta, apenas para encontrar o corredor vazio, com luzes vermelhas piscando enquanto a sirene ainda tocava, mesmo que forma mais baixa. Franzi o cenho e ajudei os irmãos à passarem pela porta, para seguirmos o lado contrário pelo qual chegamos.

Tínhamos de descer trinta andares e fugir pela porta principal, mas não tinha mais certeza se conseguiríamos ir pela escadaria. Seguimos até o fim do corredor, cujo dava em largar portas de elevador, e naquele momento elas se abriram, revelando dez homens de aparência assustadora, todos com a mesma tatuagem de dragão e empunhando armas letais.

Postei-me em frente dos dois príncipes enquanto os homens se aproximavam gritando coisas em híndi, e balancei a cabeça para que Kishan afastasse-se.

O primeiro homem – da minha estatura – atacou com um enorme porrete, mas eu rolei par longe e joguei a adaga que fincou-se em seu ombro, levando o homem ao chão. Desarmada, ataquei o próximo guarda com as mãos livres, protegendo meu rosto enquanto tentava lhe acertar socos no rosto deformado.

Ele sorria para mim de forma abusada, e meu estômago revirou de enjoo, logo acertei um chute entre suas pernas, batendo a cabeça do homem no piso uma única vez para que ele ficasse inconsciente.

− Ela luta muito bem para uma menina tão baixinha. – Ouvi a voz melodiosa de Ren ao mesmo tempo em que girava meu corpo para acertar um chute na cabeça do terceiro capanga, mas tenha quase certeza que um rugido escapou de Kishan.

Meu pé foi segurado pelo homem, e os outros riram em minha volta enquanto eu tentava equilibrar-me. Rangi os dentes e grunhi, jogando meu corpo para trás e realizando o mesmo movimento que havia feito durando o treinamento.

Antes que eu completasse a estrelinha para trás, o homem soltou meu pé com a surpresa, e deixei um chute certeiro em seu queixo antes de pousar ao lado do guarda que ainda tinha a adaga presa no ombro.

− Mia! – Kishan gritou, chamando minha atenção para o homem zangado que vinha em minha direção empunhando uma espada. Girei meu corpo para escapar da mira da lâmina brilhante, mas ela pegou meu braço de raspão, abrindo uma enorme ferida que sangrou.

Um grito de dor escapou de meu braço, e cobri o ferimento com a mão enquanto mordia o lábio devido a ardência. Joguei minha adaga no homem que se aproximava de forma rápida, mas minha mira foi falha, e a lâmina negra caiu a poucos passos do guarda.

Ele tinha cabelos verdes e olhava meu corpo com cobiça, fazendo com que eu me encolhesse e buscasse forças para acerta-lo com um chute. No último momento, um enorme corpo com vestes pretas colocou-se entre mim e o homem, acertando-o com um soco.

Kishan voltou-se para mim com presa, tirando o amuleto de dentro de minha camisa e o apertando em minhas mãos.

− Cure-se – ele sussurrou, beijando minha testa antes de correr até os homens que ainda restavam, segurando as duas adagas negras.

Olhei para trás e encontrei Ren com uma expressão de dor encostado na parede, e rapidamente apertei o amuleto, sentindo a quentura familiar correr meu corpo e postar-se na ferida do braço.

Kishan colocava o último homem no chão, enquanto eu procurava pela porta de incêndio que levaria às escadarias. As portas do elevador haviam se fechado mais uma vez, e conseguia ouvir vozes vindo de todos os lados.

− Precisamos correr! – gritei, apontando para onde uma porta mais larga que as outras estava, com um puxador pintado de vermelho que combinava com a luz de incêndio sobre ela.

Kishan voltou a segurar Ren e corremos em direção à porta, no momento em que o elevador deixava uma nova leva de homens com armas. Escancarei a porta para Kishan e os ajudei a passar enquanto tomava as adagas em minhas mãos.

− Vocês têm que ir – disse, voltando para encarar os olhos de pirata de Kishan. – Eu vou segurar eles.

O tigre negro rosnou para mim e balançou a cabeça furiosamente; ele tentou aproximar-me mas eu apenas balancei a cabeça, apontando para os homens furiosos que vinham em minha direção.

− Vocês precisam chegar ao primeiro andar, e eu estarei seguindo-os – garanti, mordendo o lábio inferior ao olhar para a expressão angustiada de Kishan.

− Não vou deixar você aqui – ele grunhiu, apoiando o irmão na lateral de seu braço enquanto estendia o braço para raspar os dedos em minha bochecha.

− E não vamos ter chance caso fiquemos juntos. – Apontei com raiva para o grupo de homens que se aproximavam de nós. – Vá logo, tigre, eu não vou deixar que me tirem de você tão facilmente.

Vi um pequeno sorriso brotando em seus lábios, enquanto ele tocava o amuleto em meu peito, colocando-o de volta para dentro da camisa. Sorri confiante para ele, girando as adagas na mão, mesmo que pânico corresse por meu corpo.

Gritos chamaram minha atenção e empurrei Kishan de volta à escadaria, fechando a porta atrás de mim e postando-me em sua frente. Franzi o cenho ao perceber que os capangas não pareciam eufóricos para me atacar, mas andavam com lentidão, formando uma parede que escondia algo por trás de seus corpos musculosos e tatuados.

− Ora, rapazes, deixem-me vê-la – A voz aveludada e predatória fez meu corpo tremer, e meus olhos se arregalaram quando Lokesh abriu passagem entre os capangas, vindo em minha direção com um sorriso malicioso.

Ele vestia um terno preto como no dia em que apareceu no circo, mas a barba agora aparecia no rosto e os olhos castanhos queimavam em meu corpo.

Naquele momento, arrependi-me de mandar Kishan embora, pois sozinha eu não teria forças de enfrentar aquele homem.

− Você não é mais aquela menina assustada e idiota que eu conheci no circo, não é mesmo? – ele perguntou, abrindo os braços de forma convidativa enquanto sorria com um falso carinho nos olhos.

− O que você quer? – perguntei com a voz baixa, mas agradeci mentalmente por não gaguejar. Senti o amuleto queimar em meu peito, mas em nenhum momento os olhos de Lokesh pararam ali, e suspirei aliviada ao perceber que ele ainda não sabia.

− Eu que deveria perguntar isso à você, menina insolente. – Sua voz agora estava dura e furiosa, e os homens em sua volta sorriram de forma cruel. – Você e seu tigre acharam que podiam invadir meu prédio e saírem vivos?

− Nós não achamos. – Cuspi as palavras, agarrando as adagas com força para conter minha raiva. – Nós vamos sair daqui e tirar Ren de suas garras sujas.

Os olhos de Lokesh arregalaram-se por um milésimo de segundo, mas logo ele me encarou com admiração, deixando-me surpresa. Dei alguns passos para trás quando ele se aproximou, e minhas costas bateram contra a porta da escadaria.

− Você teria sido perfeita – ele ponderou, sussurrando enquanto me estudava como um leão. – Se eu tivesse uma filha como você, e não como a inútil de Yesubai, todos os meus planos teriam sido muito mais fáceis.

− Como ousa falar assim de sua própria filha? – gritei, sentindo meu ódio por aquele homem queimar a cada palavra suja que ele dizia.

− Ela era uma menina burra e frágil como a mãe – ele disse, como se conversasse comigo sobre o tempo ou as últimas notícias do jornal. – Minha esposa não conseguira dar-me o filho homem que eu tanto desejei, e ainda morreu no parto da menina.

− Você é um monstro – sussurrei, ainda incrédula com as palavras sem nenhum carinho pela filha ou pela esposa.

− Mas eu posso ver a força dentro de você, e o poder crescendo a cada minuto. – Sua voz era cheia de cobiça, e eu quis gritar por Kishan. – Entendo porque o tigre negro afeiçoou-se tanto com você.

− O que você quer de mim? – gritei, enjoada de ouvir suas palavras venenosas, que afetavam meu corpo da pior maneira possível.

− Junte-se a mim− ele gritou, fazendo com que sua voz reverberasse pelo prédio como um trovão, e eu encolhi o corpo contra a porta. – E eu darei todo o poder que você merece.

Uma de minhas mãos voou até a maçaneta da porta, e eu estava pronta para fugir no segundo em que Lokesh tirasse os olhos de mim. Pensei em Kishan e Ren, e implorei mentalmente para que eles não fossem atacados.

− Eu nunca me juntaria à você, seu monstro – rugi, surpreendendo a todos quando abri a porta de incêndio.

Os capangas de Lokesh gritaram e correram em minha direção, e soube que se não me apressasse, não teria nenhuma chance contra aqueles homens furiosos. Entretanto, a voz aveludada que me causava pânico surpreendeu-me quando eu já descera cinco degraus.

− Deixem-na ir e achar que escapou. –Houve uma pausa, mas não parei de descer, controlando meu coração que batia de forma acelerada. – Eles não vão longe, e logo ela estará de volta.

Senti lágrimas escorrendo por minha bochecha, mas continuei com um ritmo constante, olhando em placas coladas na parede apenas para constar que já descera dez andares. Tentei controlar meu corpo para que não despencasse, mas tudo o que queria naquele momento era sentir os braços de Kishan me confortando em um abraço.

As escadarias estavam silenciosas, e nenhum barulho de gritos ou passos vinham das portas de cada andar que eu passava. Tudo aquilo parecia muito confuso, mas não quis entender o que passava pela mente doentia de Lokesh.

Faltavam três andares até o térreo quando encontrei Ren sentado em um dos degraus, encostado na parede, sem nenhum sinal de Kishan por perto. Corri até o homem e agachei-me em frente de seu corpo, sendo encarada com alegria pelos olhos cobaltos.

− O que houve, Mia? – Ren perguntou, arregalando os olhos frente à minha visão chorosa e em pânico. Senti seus braços magros envolvendo minha cintura, e meu coração bateu mais forte quando ele me apertou em um abraço sem jeito. – Está tudo bem?

Apenas balancei a cabeça e deixei que minhas lágrimas escorressem por sua camisa branca, enquanto eu agarrava o tecido com os dedos trêmulos. Confortei-me em seu abraço enquanto tentava colocar minha cabeça em ordem, até que olhos dourados apareceram em meus pensamentos.

− Onde está Kishan? – perguntei abruptamente, olhando no fundo dos olhos tristes de Ren, que tocou gentilmente em uma mecha de meus cabelos que caía pelo rosto.

− Ele foi averiguar se o primeiro andar está seguro para sairmos – ele sussurrou, passando as mãos pelas minhas costas enquanto eu tentava controlar os soluços.

Passos vinham em nossa direção, e logo meu corpo voltou a ficar tenso, olhando para onde uma cabelereira negra surgia da curva da escadaria, parando em nossa frente enquanto observava Ren e eu abraçados.

− Mia? – Kishan perguntou, e pareceu que um enorme peso saíra de seu corpo quando ele me olhou, e o brilho familiar estava de volta em seus olhos dourados.

Ri e corri em sua direção, tomando seu rosto em minhas mãos enquanto ele estudava meu corpo de forma meticulosa, em busca de algum ferimento grave.

− Ele estava lá, Kishan – murmurei, puxando o corpo firme do tigre contra o meu. – Lokesh apareceu quando vocês foram embora, e eu tive tanto medo.

− O que ele fez com você? – Kishan rugiu a pergunta, fechando os punhos com força enquanto adotava uma expressão ameaçadora.

− Ele queria que eu me juntasse a ele – respondi, sentindo um calafrio percorrer meu corpo com a lembrança, e logo Kishan puxava-me de volta a seus braços. – E quando eu neguei, deixou-me ir.

− Lokesh deixou você ir? – Ren perguntou, chamando nossa atenção para o homem de olhos azuis ainda sentado na escadaria.

− Eu fiquei confusa também, mas ele acha que eu voltarei – expliquei, vendo os dois irmãos fazendo expressões de nervosismo, e logo Ren forçava seu corpo a levantar.

− Precisamos sair daqui logo – ele resmungou, aceitando a ajuda de Kishan que passou o braço de Ren por seus ombros.

− A saída está guardada por apenas um guarda, acha que consegue, bilauta? – Kishan perguntou, fazendo meu corpo relaxar frente ao seu chamamento carinhoso.

Descemos os últimos degraus com cautela, e assim que passamos pela porta branca e pesada, saímos em um amplo saguão espelhado, com alguns vasos de planta e sofás de couro branco. No balcão da recepção estava escorado um homem de cor muito alto e musculoso, que vestia-se de forma normal em comparação aos outros capangas de Lokesh, mas exibia uma tatuagem de dragão no braço.

Apontei para que Kishan e Ren esperassem na porta, e fui até o guarda com passos silenciosos, pois ele apenas percebeu minha presença quando estava parada eu sua frente, com a adaga próxima de seu pescoço.

− Mande uma mensagem minha para Lokesh, certo? – perguntei com a voz baixa e ameaçadora, acertando o ombro do homem com a lâmina negra. – Eu nunca irei me render à ele.

Enquanto o homem gritava palavras misturadas com gemidos de dor em seu rádio de comunicação, os irmãos e eu corremos porta a fora, pisando na calçada vazia da rua cheia de carros.

Um suspiro de alivio saiu de meus lábios quando estávamos longe de Ajagara, correndo em direção ao velho Ford estacionada na esquina do prédio em frente. Despistamos os carros e motos com facilidade, e minhas mãos voaram para a porta da caminhonete, que estava aberta.

Pulei para o banco do motorista, encontrando a chave na ignição, enquanto Kishan ajudava o irmão a se sentar no banco do meio, ao meu lado.

− Eles estão vindo! – gritei no momento em que Kishan fechou sua porta, e eu liguei o carro, engatando a primeira marcha e pisando no acelerador com força.

Cortei carros e entrei em ruas, fazendo zigue-zague enquanto os capangas de Lokesh nos seguiam com motos cinzas. Kishan me guiava por ruas estreitas, até que acabamos entrando em uma avenida larga e movimentada, com carros indo e vindo de todas as direções, luzes fortes de todos os lados e pessoas disputando espaço com os automóveis.

− Vamos despistá-los aqui e seguir para a floresta – disse Kishan, olhando para trás em busca das motos cinza.

Segui até o final da avenida, recebendo muitas buzinadas por todas as ultrapassagens malucas que eu fazia, mas logo seguíamos por uma rua completamente vazia, e suspirei aliviada quando não houve sinal de nenhum dos capangas de Lokesh.

Acelerei até chegar ao fim da cidade, entrando em uma rodovia cercada por florestas densas e fechadas. O carro continuou em silêncio no momento em que entrei por uma enorme trilha para dentro da mata, sendo engolidos pela escuridão.

O carro balançava e chiava a cada tronco esmagado ou pedra em nosso caminho, mas finalmente parei o velho Ford quando já estávamos no coração da floresta. Respirei fundo e deixei minha testa bater contra o volante fino do carro, antes de voltar meus olhos para Ren que estava tenso ao meu lado.

− Acho que não nos apresentamos da maneira correta, alteza – disse, vendo um sorriso formando-se no rosto do tigre branco. – Amélia Campbell, mas não conte para ninguém qual é o meu nome, pois atendo por Mia.

− Acho que pretendo conhecer muito mais sobre você, Mia – Ren sussurrou, fazendo com que seu sorriso aumentasse, e eu desviei o olhar de sua expressão de divertimento.

Um barulho baixo chamou minha atenção, e percebi que Kishan abrira a porta do carro com força, bufando enquanto ajudava o irmão mais velho a sair do carro, e eu pulei para fora, olhando para a carroceria do Ford.

Uma mochila encostada ali chamou minha atenção, e rapidamente peguei-a e abri seu zíper, encontrando garrafinhas de água, uma pequena barraca e sanduíches embalados como Nilima costumava fazer, além de algumas pomadas e remédios.

− Kadam deixou isso para a gente. – Corri até onde os tigres estavam, encarando-se como se trocassem pensamentos. E pela expressão dos dois, não eram pensamentos muito alegres.

Senti a tenção entre os dois e mordi o lábio inferior, deixando a mochila cair aos meus pés, quando vi todos os músculos de Kishan se contraírem quando ele olhou para Ren, abrindo os lábios para dizer alguma coisa.

− Como vocês está irmão? – Ele não parecia sincero com a preocupação da pergunta, e o rosto de Ren tornou-se sombrio em uma careta de raiva.

− Como ousa perguntar isso depois de tudo, Kishan? − gritou Ren, levantando-se da pedra em que estava de forma cambaleante, mas mal consegui piscar, e um enorme tigre branco saltava em Kishan, rugindo enquanto ataca o moreno assustado.

− Kishan, não! – gritei em desespero quando me tigre negro apareceu, interceptando o salto do branco em pleno ar, e os dois tigres caíram no chão com um baque pesado, enquanto rolavam e rugiam um para o outro. – Parem com isso!

Meu peito batia com força, e meu corpo explodia em agonia enquanto via os dois irmãos mordendo-se e arranhando a pele um do outro; os tigres pareciam ferozes, e eu não conseguia entender o que acontecera para um estar atacando o outro.

− Vocês não podem continuar essa reunião familiar sem se matarem? – perguntei, bufando em frustração enquanto assistia impotente o tigre branco e o tigre negro engalfinhando-se pela floresta.

Continua...


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