Eu devo ter caído no sono enquanto chorava, pois fui acordada pela língua de Kishan lambendo meu braço. Abri meu os olhos com muito esforço, pois eles ardiam devido as lágrimas.

Me espreguicei e dei de cara com duas bolas douradas me encarando. Abri um pequeno sorriso e estendi minha mão para acariciar a cabeça do tigre, que fechou os olhos e ronronou.

Bom dia, Kishan. Sussurrei.

Levantei da onde eu passará a noite e, ainda um pouco cambaleante, fui até minha mochila e procurei a pequena garrafa de água que eu tinha pego no refeitório do circo. Meu estômago roncava de fome, mas eu não tinha trazido nada para comer.

Muito inteligente, Mia

Sei que deve estar cansada e com fome, Mia, mas temos que chegar o mais rápido possível até a reserva.

A voz masculina de Kishan, a qual eu ainda não tinha me acostumado, me fez dar um pulo de susto, deixando a garrafa de água cair no chão. Girei meus calcanhares e senti meu peito saltar quando encarei o homem parado em minha frente.

Desculpe te assustar, esqueci que você ainda não se acostumou comigo. Kishan da alguns passos para traz.

Não tudo bem... Quero dizer, sim, eu me assustei mas... Percebi que ele estava rindo da minha confusão. Pare de rir!

Desculpe. Ele dizia em meio ao risos, enquanto eu tentava bater em seu braço.

Você pede muitas desculpas. Bufo, voltando a mexer na mochila.

Me... Desculpe? - Kishan pendeu a cabeça, me observando.

Resmunguei baixinho e comecei a tirar a minha blusa de frio, ficando apenas com a camiseta fininha que vestia por baixo. Colocava a mochila nas costas, quando senti algo roçar em minha perna.

Não precisei olhar, pois sabia que era o meu tigre fazendo manha.

Ok! Eu desculpo você! Recebo um rugido baixo como resposta.

Olhei em volta, para ter certeza de que não deixava nada para traz e me voltei para Kishan, que parecia impaciente para sair logo dali.

Tenho um milhão de perguntas para você, senhor príncipe. Zombei. Mas é melhor nós irmos embora rápido.

Meu olhar pousou no caminho atrás de nós e comecei a ficar nervosa em pensar no que poderia estar acontecendo no circo, agora que eu sabia sobre Lokesh, comecei a temer por Lavander e Matt.

O rugido de Kishan me tirou do devaneio e, quando eu vi, meu tigre já estava se distanciando de mim, então tive que correr para acompanha-lo.

Tudo bem, Kishan. Mostre o caminho!

Andamos por horas e ainda parecia que não saímos do lugar. A paisagem da floresta não mudava, sempre as mesmas árvores altas com arbustos rasteiros. Mas fazia muito calor ali, e depois de alguns minutos eu já estava suada.

Algumas vezes, pequenos animais cruzavam o nosso caminho e, quando isso acontecia, Kishan parava e se aproximava de mim, ficando em posição de ataque, mesmo se fosse um pequeno esquilo inofensivo.

Sabe, Kishan, eu estava pensando. Comecei a falar, tentando acabar com silencio entre nós. Porque será que a maldição te transformou em tigre? Porque não um dragão? Ou até mesmo um dinossauro?

Kishan parou de andar por um segundo e se virou para me encarar com seus olhos dourados e eu podia jurar que o vi revirar os olhos.

Você é um tigre sem senso de humor! Resmunguei e voltei a segui-lo.

Já devia passar do meio dia, quando finalmente Kishan parou de andar. Ele farejou a área antes de finalmente se deitar na grama e apontar o espaço ao seu lado com a cabeça.

Entendi aquilo como um pedido para que eu descansasse, então, me joguei no chão ao seu lado e repousei minha cabeça em suas costas, sentindo a respiração pesada do tigre.

Onde nós estamos, Kishan? - Sussurrei, acariciando seu pelo.

Nós chegamos na fronteira com a reserva.

Soltei um grito quando percebi que Kishan tinha se transformado em homem e agora eu me encontrava apoiada em seu peito, com os braços dele em volta de mim.

Corei violentamente e tentei me afastar, mas seu abraço era forte.

E-e porque não vamos para a reserva? - Tentei controlar meu nervosismo.

Kadam pediu para que esperássemos até o final da tarde, quando os turistas tiverem ido em bora.

Eu tentava prestar atenção em suas palavras, mas o seu perfume delicioso me deixava meio zonza. Suas mãos acariciavam lentamente minhas costas e sua pele quente me fazia ficar arrepiada. Levantei meus olhos para encará-lo e vi seus lábios secos e rachados.

Você está com sede. Foi mais um afirmação que uma pergunta. Desculpe, a única garrafa de água que eu tinha você me fez derruba-la.

Cutuquei seu peito com o dedo e finalmente consegui me soltar de seus braços, desviando meus olhos dos seus.

Tudo bem, Mia, eu vou ficar bem. Ele suspirou antes de continuar. Estou mais preocupado com você, que andou horas nesse calor.

Fiquei arrancando as graminhas com a mão, tentando não olhar para Kishan, ainda envergonhada com o que tinha acontecido.

Eu vou sobreviver. Sussurrei em resposta.

Um silêncio constrangedor se fez entre nós e tudo o que eu queria era que Kishan voltasse para sua forma de tigre, para eu não ter que encarar o belo homem ao meu lado.

Isso não fazia muito sentido, mas eu ainda me sentia melhor com o tigre do que com o homem.

Você não quer fazer algumas perguntas? Ainda tenho uns minutos como homem. Kishan quebrou o silencio.

Eu queria negar, e continuar em silêncio, mas minha curiosidade gritou mais alto e finalmente voltei a olhar seus olhos dourados.

Há quando tempo você... Bem... É um tigre?

Faz 300 anos que eu vivo com essa maldição... Ele sussurrou, cansado.

E quantos anos você tinha quando isso aconteceu?

20.

Ficamos novamente em silêncio, enquanto eu processava aquela informação. Três séculos tendo que viver na forma de tigre. Eu provavelmente não aguentaria.

Mas... Se você é tão velho assim, como você não envelheceu? - Pergunto.

A maldição me protege do envelhecimento e também cura qualquer ferida que eu venha a ter. Kishan explicou.

Agora fazia sentido porque o pequeno corte que eu tinha feito em sua testa já não era mais visível.

Eu ouvi Lokesh falando sobre seu irmão, Dhiren, certo?

Não sabia se devia perguntar essas coisas para ele ou não, pois aquilo podia ser um pouco sensível para Kishan.

Sim, você ouviu certo. Uma expressão triste correu pelos seus olhos. Ren é um ano mais velho que eu e depois da morte de nossos pais, nós brigamos e nos separamos. Quando Kadam me contou que Lokesh tinha conseguido aprisiona-lo, fiquei furioso e fugi, mas acabei sendo pego por caçadores que me venderam para um circo russo.

E você vive em circos desde aquela época?

Sim.

E porque nunca tentou se comunicar com esse seu amigo? - Perguntas não paravam de bombardear minha cabeça.

Eu tentei muitas vezes, mas enquanto vivia nos circos, nunca consegui me transformar em homem, não sei explicar o porquê disso, mas só consegui me transformar de novo ontem à noite, depois que fugimos do Benzini Brothers.

Eram tantas informações para processar em tão pouco tempo que eu já estava ficando com dor de cabeça.

E esse seu amigo... Eu ia formular uma nova pergunta, quando vi Kishan fazendo uma careta de dor.

Sinto muito, Mia, meu tempo está acabando. Kishan resmungou.

Não sabia como responder, então apenas balancei a cabeça. Kishan estendeu a mão e tocou minha bochecha antes de fazer outra careta de dor.

Nós vamos voltar a conversar, bilauta.

E quando eu vi, o homem tinha dado lugar ao grande e majestoso tigre negro, que agora apoiava sua grande cabeça em meu colo, ronronando baixinho.

Espero que isso que você me chamou não seja nenhum tipo de xingamento, Kishan. O adverti, passando meus dedos pelas suas orelhas peludas.

Kishan rugiu e depois nós dois mergulhamos em silêncio, enquanto milhares de coisas passavam pelos meus pensamentos.

Finalmente a noite começou a cair e o tigre negro se pôs de pé, pronto para finalmente entrar na reserva. Também me levantei e peguei minhas mochila, limpando a terra do meu jeans.

Andamos por poucos minutos até chegar em uma pequena trilha de pedrinhas, onde algumas planas informavam aos turistas para não jogarem lixo no chão e não entrarem na floresta. Kishan parou e ficou olhando para todos os lados, enquanto eu apenas tentava ficar ao seu lado, esperando algo acontecer.

Ouvi barulhos de passos e gelei, levando minha mão automaticamente para as costas de Kishan, que parecia ansioso.

Do final da trilha, um homem alto veio andando em nossa direção. Sua pele era cor de oliva, os cabelos e barba eram brancos e olhos, castanho escuros, quase negros.

Dei alguns passos para traz, receosa, mas o meu tigre saiu correndo em direção ao homem, como um cachorrinho que não via o dono a muito tempo.

O homem sorriu ao ver o tigre e depois de falar algumas coisas em uma língua desconhecida, ele voltou seus olhos bondosos para mim.

Não precisa ter medo de mim, senhorita Mia! Eu vim ajuda-los. Acho que Kishan já lhe falou algo sobre mim, mas deixei-me apresentar, sou Anik Kadam e é um prazer finalmente conhece-la.

Continua...