Problem Temptation escrita por Boow, Brus


Capítulo 5
The Sun Rose Square




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— Você está bem? – Eu já havia perdido as contas de quantas vezes Oliver havia me perguntado aquilo desde que me arrastou para o seu chalé. Ashley precisava de um banho tanto quanto eu e, sinceramente, eu não estava disposta a dividir o chuveiro com ele. Não, com certeza não. Então decidimos que eu tomaria banho no chalé de Oliver e quando a chuva acalmasse, eu voltaria. Ash não questionou. Na verdade eu nem tinha certeza de porque eu havia explicado isso a ele.

— Estou Oliver. Já disse. – Falei irritada tomando um remédio que Danny havia me dado. Minhas roupas estavam na secadora e nesse momento eu vestia as roupas do gêmeo de Megan. Ele não estava nem com a metade da preocupação de Oliver. Na verdade, ele nem sequer parecia preocupado. Cedeu-me as roupas e o comprimido e voltou para o sofá na frente da cama para assistir televisão.

O chalé simples era o que eu realmente designaria como descrição para a palavra chalé; não havia paredes divisórias, a não ser as do banheiro. De onde estava a cama de Oliver podia-se ver perfeitamente o sofá e a pia com louças sujas na qual eu duvidava que um deles pudesse mexer nesse verão para pelo menos tentar lavá-las. A cama de Danny dava a vista para o mesmo lugar, mas com um ângulo melhor para poder ver o fogão e o frigobar. Não havia mesa. Quem quisesse comer teria que se sentar no chão usando a mesa de centro da sala como apoio para o prato ou teria de se virar no sofá.

Me joguei atravessada na cama de Oliver e ele fez o mesmo. Eu não havia reparado o quanto estava cansada até então. Meus olhos pesavam e de repente eu podia sentir a dor de cada músculo reclamando por todo o serviço. Mesmo que tenha sido Ashley a fazer a maior parte dele. Meus olhos não aguentando mais nem sequer o peso dos meus cílios, se fecharam por completo.

Já se passava das dez horas da noite quando eu rumei de volta para o chalé de Ashley. Eu havia comido pizza com os garotos e minha roupa já estava seca. Eu esperava que Ashley estivesse acordado ou pelo menos deixado a porta aberta, uma vez que eu não estava com a minha chave do chalé. Em resposta as minhas preces, de longe eu pude ver a porta do chalé 12 escancarada. Não chovia e nem ventava mais, então não existiam grandes problemas em deixar a porta assim, no entanto, ainda assim me parecia estranho.

Entrei no chalé em silêncio vendo que as luzes da sala, cozinha e corredor estavam acesas. A televisão também estava ligada, mas Ashley não estava em canto algum. Bati na porta do seu quarto e abri devagarzinho. Não que estivesse fazendo algo escondido, mas por via das dúvidas achei que seria melhor assim. Meus olhos tentaram enxergar algo em toda aquela escuridão, mas eu não via nada que estivesse além do meu nariz. Eu não havia estado no quatro de Ashley antes, nem passado pela sua frente quando a porta estava aberta. Fui arrastando a mão de leve a procura do interruptor até encontrá-lo.

Meus olhos demoraram a se adaptar aquele banho de luz tão recente. Mas assim que acharam um ponto para se focar todo o meu corpo estremeceu. Ashley estava deitado no chão. Eu diria que ele estava caído, pela posição em que se encontrava. Talvez desmaiado, não sei. Ao seu lado havia um livro de capa desconhecida por mim. O título parecia estar em outro idioma, e ao lado dele um canudinho.

O que Ashley fazia desmaiado no chão com livros e um canudinho?

— Ash? – Chamei a espera de que talvez ele estivesse só um pouquinho consciente. – Ashley você está bem? – Ouvi um grunhido da parte dele, fazendo seu peito estufar mais com o movimento de seus pulmões. Só naquele momento eu percebi que Ashley não vestia nada além de uma calça de flanela azul-marinho. Não pude impedir meus olhos de vislumbrar cada limite da sua pele exposta e todas as contrações suaves que seu peito nu fazia ao respirar. Eu quase podia ver que ele estava sonhando. O que pra mim era um alívio pelo simples fato de saber que se ele estava sonhando, então deveria estar bem.

Juntei o livro e o canudinho do chão e os ajeitei por cima do criado-mudo de Ashley. Sabendo que nem nascendo de novo eu teria força o suficiente para levantá-lo até a cama, peguei um dos cobertores e o estiquei sobre o chão. Com algum esforço fiz Ashley se deitar sobre ele, e quando ele pareceu confortável o suficiente para se ajeitar sozinho e colocar seu peso todo sobre o lado direito, meus olhos travaram sobre um pequeno espaço de pele em suas costas. Algo estava gravado em preto no ombro direito. Era uma linha curta com uma pequena frase em letras cursivas das quais eu não identificava o sentido. Estava em outro idioma, não parecia algo que aprendíamos na escola. Por fim, quando finalmente desviei minha atenção da parte traseira do ombro de Ashley, repousei sua cabeça sobre um travesseiro e o deixei no quarto. Era a minha vez de desmaiar em um lugar confortável.

***

— Erin? – ouvi a voz baixinha saindo por entre a porta do quarto de Ashley. Eu estava vestida com as roupas de ginástica pronta para sair rumo a minha caminhada matinal quando aquela voz rouca e baixa rompeu próximo de mim.

Tentei enxergá-lo no escuro, mas eu não via nada. Apenas uma fresta da porta estava aberta então conclui que ele estava em pé em algum lugar próximo a ela, em outro caso eu nunca o escutaria me chamando com aquele tom de voz.

— Sim? – Perguntei me aproximando da porta e a empurrando devagar. A cortina estava aberta, mas o sol ainda não havia começado a nascer, no entanto todo o quarto era banhado pela pouca claridade do sereno matinal. Meus olhos passaram pela cama de Ashley e continuava tudo como eu havia deixado na noite passada. A única diferença era o fato de o edredom no qual eu havia estendido sobre o chão não estar mais lá.

— Eu preciso de um favor. – Ouvi a voz de Ashley e meus olhos percorreram uma trilha seguindo o som. Senti aquela terrível sensação na boca do estômago palpitando que algo estava muito errado. Pelo menos foi isso que pensei ao ver Ashley sentado no chão com o cobertor enrolado em si, e seus joelhos um pouco mais elevados que as pernas, chegando a altura do peito. Abaixei-me no mesmo instante e coloquei minhas mãos no rosto dele para levantar sua cabeça. Ele estava quente. Muito quente.

— Meu Deus! – Eu disse deixando por alguns segundos que o pavor me dominasse. Ashley estava ardendo em febre. Ele tremia de frio e seu corpo se contraía. Ele parecia estar sentido dor, ele poderia estar delirando. – Você está bem? – Foi a pergunta mais idiota que eu poderia fazer. No entanto, não sabia o que era certo perguntar naquela situação. – Ashley, olhe para mim – Ele levantou a cabeça devagarzinho como se não tivesse certeza de que ela ainda continuava por lá, presa ao seu pescoço.

— Eu estou ótimo, Erin. – A sua voz rouca não me permitiu entender se aquilo era sarcasmo ou apenas ele tentando ser durão. Maldito dia que inventamos de correr no meio de um temporal. – Eu só preciso que fale para tia Rose que não posso trabalhar hoje. Pelo menos acho que não poderei no horário da manhã. Fale com ela que estou bem, entendeu?

— Você precisa de remédio Ashley. Um antigripal ou algo que abaixe sua febre. – Ele deu um risinho de canto. – Eu vou até a farmácia comprar algo, tudo bem? Você acha que pode ficar aqui sozinho? Quer que eu chame a senhora Fell ou seus primos?

— Faça o que eu pedi, Erin. – Ele continuava com o tom de voz rouco. – Não preciso de remédios, vai passar. – Eu não discuti. Aquilo provavelmente não passaria tão cedo quanto ele imaginava, mas eu não colocaria o assunto em debate. Eu compraria os malditos remédios e se fosse necessário o forçaria tomá-los.

Ajudei Ashley a se levantar e ir para a cama. Ele não se contorcia apenas de frio. Eu sabia disso porque ele soltava resmungos e gemidos baixinhos. Cogitei a possibilidade de ele ter uma pneumonia, mas acredito que pessoas que tem uma dessas crises não ficam tão conscientes quanto Ashley estava. Deveria ser essa a consequência de uma maratona na chuva.

—Você vai ficar bem sozinho? – Perguntei e ele resmungou algo como um sim. Hesitei em deixá-lo lá, mas sabia que se continuasse esperando por um milagre nada aconteceria.

Eu não sabia onde a senhora Fell morava. Ela não ficava na pousada. Tinha uma casa em algum lugar de Palm Springs, mas eu não tinha ideia de onde poderia ser. Por esse motivo peguei o capacete da moto e sai o mais rápido que podia em direção ao estacionamento. A senhora Fell costumava chegar por volta das oito horas, foi isso que o segurança da recepção havia me dito. Ainda restavam quarenta minutos. Perguntei a ele onde era a farmácia mais próxima e ele disse que a única que eu encontraria aberta a esse horário, ficava a cerca de oito quilômetros da pousada. Anotei mentalmente o endereço e acelerei.

Malditos sinais de trânsito. Se eles não existissem a viagem teria muito menos que quarenta minutos. Qual a grande vantagem de se ter uma moto, afinal? Você não pode correr porque há limites de velocidade. Não pode se desesperar porque há sinaleiras por todos os lados. Ashley poderia ter uma convulsão a qualquer momento por minha culpa e eu não podia fazer nada além de parar em uma maldita sinaleira. Pedi ao segurança para avisar a senhora Fell de que Ashley não estava bem para trabalhar e eu cobriria seu serviço, pelo menos com as coisas que eu sabia fazer. O que era um número relativamente pequeno se comparado ao número de coisas que Ashley fazia com maestria.

Voltei para o chalé e tudo estava em seus perfeitos conformes. Silencioso e calmo demais. Fui em silêncio até o quarto de Ashley e abri a porta devagarzinho como da última vez. As dobradiças me denunciaram, fazendo um barulho estranho. A luz do sol de início da manhã já adentrava o quarto, me permitindo ver Ashley deitado na cama. Aproximei para vê-lo melhor e o cobertor o qual eu havia cuidado para que o cobrisse por inteiro, agora deixava mais da metade de seu corpo descoberto. Seus olhos estavam fechados e sua expressão neutra. Não havia dor. Ele estava pacífico como uma criança estaria ao deitar-se para um sono profundo.

Coloquei minha mão sobre sua testa e ainda havia resquícios de uma camada úmida de suor pela pele anormalmente quente. A febre parecia ter baixado, o que me parecia bom. Talvez por isso ele estivesse tão calmo. Cogitei acordá-lo para que tomasse o antitérmico, mas me dei conta de que não fazia ideia de quanto tempo ele estava sentado ao lado da porta com as costas apoiada na parede fria, esperando para pedir ajuda. Talvez fosse melhor deixá-lo descansar.

Fui até meu quarto para poder pegar o travesseiro, e voltei para onde Ashley estava. Joguei meu travesseiro no chão e me deitei sobre a passadeira florida esticada por lá. Não estava com sono e sabia que não dormiria, no entanto não correria o risco de deixar Ashley sozinho e não ouvi-lo pedindo por ajuda novamente.

Passaram-se vários minutos até algo acontecer, ou algum barulho atingir meus ouvidos. Não era Ashley, era a senhora Fell. Ela adentrou no quarto e se aproximou do sobrinho, só depois se dando conta da minha presença deitada sobre o tapete no chão do quarto.

— Ele está bem? – Eu perguntei como se os poucos segundos que a mulher olhou para o sobrinho fossem o suficiente para ter um diagnóstico pronto. Ela suspirou e se voltou em minha direção.

— Vai ficar. – Disse a mulher em resposta a minha pergunta. A senhora Fell mantinha no rosto uma das expressões mais sérias que eu já havia a visto carregar no curto período de tempo em que estou aqui. – Você ficou aqui o tempo todo? – Me perguntou enquanto me levantava.

— Sim. – Respondi. – Quer dizer, eu estava indo caminhar quando ele me pediu para avisar a senhora que não poderia ajudar com a pousada hoje, então eu vi que ele estava quase aos delírios com a febre e corri para comprar um antitérmico que ajudasse, mas quando eu cheguei ele estava melhorando e também já estava dormindo, eu não quis acordá-lo. – Ela deu um sorriso de canto.

— Ashley não toma antitérmicos. – Me contou. – Eu acho que por algum motivo antitérmicos não fazem o mesmo efeito nele, como fazem em nós, entende? – Balancei a cabeça positivamente apesar de não entender de verdade. – No entanto, Ashley tem uma ótima imunidade. Acredito que até o fim do dia ele estará recuperado.

— Então ele não estava brincando quando disse que logo estaria melhor? – Perguntei, ela franziu os lábios e olhou de canto para o sobrinho. Então se afastou sem me responder.

— Tenho um serviço especial para você hoje. – Comentou quando já estávamos indo a caminho do corredor. – Na verdade é Ashley quem costuma fazê-lo, mas acho que você será uma ótima substituta. – Disse parando na sala onde poderíamos manter uma conversa no volume normal, sem acordarmos Ashley. – Você vai ao centro com Megan pagar as contas. Eu poderia ir, mas hoje é dia que os hóspedes chegam e não posso deixar Sidney sozinha na recepção. – Eu concordei.

— É seguro deixá-lo sozinho? – Falei me referindo a Ashley no quarto ao lado. Ela deu de ombros.

— Digamos que pode não ser o mais seguro, mas Ashley sabe se virar. Além disso, ele costuma ter o humor muito afetado quando... fica doente desse modo. Acredite, estou fazendo um bem para todos deixando ele sozinho por algum tempo. – Eu balancei a cabeça positivamente concordando com ela. – Encontre-me na recepção às nove horas. Vou falar com Megan.

Eu precisei de um banho de quarenta minutos para me livrar da alta temperatura que o calor matutino já me provocava. Vesti uma roupa adequada para ir até o centro da cidade e peguei o celular na cabeceira da cama. Quatro chamadas não atendidas, duas mensagens não lidas. Certifiquei-me de que Ashley estava bem - ou pelo menos vivo - e sai do chalé

Corri para a recepção com o celular na mão e assim que cheguei até Megan, um nome brilhou no visor: Gabriel. Meu corpo automaticamente paralisou e eu fui abraçada pela culpa. Como eu pude esquecer? Gabriel me mataria. Terminaríamos assim que eu dissesse o ‘alô’. Ele deveria estar me odiando, e tinha todo o direito disso.

— Está tudo bem com você? – Megan perguntou com um olhar um pouco preocupado. Eu engoli em seco murmurando qualquer coisa para minha melhor amiga e indo em direção ao estacionamento. A ligação parou. Meg entrou no banco do motorista e eu fui de carona ao seu lado. Ela falava alguma coisa sobre como estava feliz, como Noah vinha sendo o melhor noivo do mundo e também como sentiu minha falta ontem. Deixei de prestar atenção quando o celular começou a tocar novamente. – Gabriel? – Perguntou com uma certa nota de desprezo, eu e Gabriel estávamos juntos por causa dela... e se ela ainda tivesse esse poder sobre mim, hoje em dia estaríamos separados por sua causa também. Balancei a cabeça positivamente levando o celular lentamente em direção a orelha.

— Alô. – Disse um pouco hesitante. Demorou dois segundos para ele se dar conta de que eu finalmente havia atendido.

— Erin? – Parecia nervoso e ao mesmo tempo aliviado. – Estou te ligando desde as sete horas da manhã e você não me atendia. Tem noção das coisas que eu achei que podiam ter acontecido com você? Eu imaginei você com a sua mania irritante de sair para correr de manhã cedo em uma cidade estranha e sendo sequestrada ou algo assim! – Se Gabriel fosse uma garota, então sem dúvidas ele roubaria o Oscar de Megan no quesito histeria/exagero. – Você está bem, não está?

— Estou. – Disse lentamente, eu não esperava que fossemos falar de mim. E também não estava gostando de ser o assunto. – E você... está bem? – Eu perguntei tentando evitar o assunto ‘meu namorado é um presidiário’, ao lado de Megan. Eu não precisava iniciar uma discussão com ela logo cedo.

— Eu dormi em uma jaula, Erin, vi o sol nascer quadrado! Eu não diria que isso é estar bem. – Ele de repente parecia irritado. – Esperei sua ligação a tarde inteira e você não deu um sinal. O que aconteceu? Você falou com Danny?

— Gabriel, desculpa eu... tentei. – Menti, não fazia isso com frequência, mas a situação pedia por medidas drásticas. Era pelo bem do meu relacionamento. – Mas Danny estava com o dinheiro contado. Não tinha novecentos e setenta e cinco dólares disponíveis para um empréstimo. Ele e Megan estão bancando a viajem com o dinheiro deles. As diárias e todo o resto, sabe? – Engoli em seco esperando que ele não se lembrasse da parte onde dias antes da minha viagem eu havia me queixado sobre como teria que trabalhar para ter um teto.

— Hum... tudo bem. – Ele disse em um suspiro. – Megan também não tinha a grana? – Agora ele parecia desconfiado. Os gêmeos Fell, não eram o tipo de pessoas milionárias, mas tinham suas poupanças bem alimentadas com uma mesada dos pais. Seria difícil pelo menos um deles não ter o dinheiro. Eu olhei de canto para Megan que olhava para a auto-estrada tentando dar privacidade para mim e Gabriel, mas, no entanto, não disfarçava sua cara de “Meu Deus, Erin Hagen está mentindo para o namorado!”. Ela deveria saber que a conta bancária do irmão andava tão em alta como a sua.

— Ela meio que... Está odiando você ainda, então acho que mesmo que tivesse a grana, não emprestaria. – Falei e bom, dessa vez Megan esqueceu da privacidade e me encarou séria. Não era mentira, Megan odiava Gabriel desde que terminamos a escola e isso não era um segredo.

— Tudo bem. – Ele tinha um ar estanho na voz. Uma nota de irritação e mágoa. – Eu preciso dormir um pouco. Vou tentar pegar as matérias que eu perdi antes das aulas de amanhã. E tenho que tentar falar com a senhora Hobbin para que ela me permita entregar um trabalho atrasado. Tudo bem?

— Certo. Boa sorte. – Disse dessa vez soando realmente sincera. Senti-me um pouco aliviada por fazer isso. – Amo você, Gabriel.

— Eu também gatinha. – Então desligou.

Deixei que o celular caísse em meu colo e dei um suspiro forte. Eu provavelmente queimaria no inferno depois disso. Passei a mão pelo cabelo e olhei para Megan. Ela variava o olhar entre mim e a estrada.

— Anda, pode falar, você estava mentindo descaradamente para o Gabriel. Não me diga que ele estava internado em um hospital precisando de grana e você disse pra ele que eu não emprestei porque o odeio. Erin, eu tenho coração! – Ela parecia indignada como se realmente cogitasse a hipótese de meu namorado estar internado em um hospital e eu estar batucando os dedos no colo em uma tentativa falha de imitar o ritmo do baterista do Green Day.

— Ele não estava internado em um hospital. – Disse olhando para o vidro, imaginado até onde minha melhor amiga me pressionaria para que eu contasse tudo. Resolvi poupar nosso tempo – Ele estava preso desde a madrugada passada e precisava de novecentos e setenta e cinco dólares para a fiança. Ele disse que houve uma festa ilegal no campus com a fraternidade dele, alguém denunciou e ele e mais alguns caras foram presos. – Olhei para Megan que revirava os olhos ao mesmo tempo em que suspirava uma entoação disfarçada para que eu não notasse como ela estava chamando meu namorado de babaca. – E eu estava falando com Ashley ontem, não sei se devo te contar isso porque você provavelmente não ajudará, mas acho que eu preciso contar a alguém... – Ela me olhou tentando demonstrar que estava tudo bem contar, era para isso que melhores amigas existiam. Eu tinha que contar. – As pessoas da universidade não são presas por quebrarem regras, elas pagam com serviços comunitários na universidade. Gabriel não podia estar preso porque a fraternidade fez uma festa sem autorização. Eu acho que ele... mentiu.

— Não seria a primeira vez. – Foi o único comentário pouco bem-vindo que Megan soltou antes de estacionar o carro no centro da cidade para pagarmos as contas em uma lotérica.

Aquilo havia me magoado, claro que havia. Megan deveria me confortar ao invés de pôr ainda mais dúvidas na minha cabeça. No entanto, ela não mentia. Se Gabriel estivesse mentindo, não seria a primeira vez. Nem mesmo a segunda. No entanto, por que diabos ele poderia estar preso? Ou quem sabe não estivesse, talvez precisasse apenas de novecentos e setenta e cinco dólares para outra coisa. Mas ele não teria me dado um prazo tão curto se não estivesse realmente em uma emergência, e eu queria acreditar que pelo menos a mágoa em sua voz dizendo que “dormiu em uma jaula” pudesse ser real.

Megan fez um ótimo papel em me distrair entrando e saindo de lojas, conferindo preços e produtos. Fez uma lista mental de coisas que deveríamos ou não comprar enquanto estivéssemos em Palm Springs e quais lojas devíamos visitar esse final de semana. No entanto, quando voltamos ao carro os mesmos pensamentos voltaram a me assombrar. Ele realmente podia mentir?

A volta foi tediosa. Silenciosa também, porque eu acho que Megan reconhecia que essa não era uma boa hora para conversar. Tentou algumas vezes usando Ashley para iniciar algum assunto, perguntou se estávamos nos dando bem e o que houve com ele hoje de manhã. Mas eu não queria conversar. Gabriel estava mentindo. Como mentia quando estava em Miami. Mas de algum modo suas mentiras pareceram ter tomado uma proporção muito maior em Nova York. Meu namorado agora tinha um antecedente criminal, o que me levava a crer que eu podia ser namorada de um criminoso. Gabriel Austine, um criminoso. Esse não se parecia com o mesmo Gabriel de anos atrás.

Chegamos à pousada vinte minutos depois. Era onze e meia e ainda me restava uma hora de trabalho para que eu pudesse almoçar. A senhora Fell disse que preferia que eu fosse para o chalé e verificasse se Ashley estava bem. Assim o fiz, a tarde eu poderia começar meu trabalho.

Assim que entrei no chalé pude logo identificar o paradeiro de Ashley, ele estava de frente para a televisão ligada sem volume algum, como de costume. Eu podia ver a cabeça de Ash e uma parte dos ombros que não encostavam no sofá. Ele parecia relaxado. Bem. Talvez bem demais para quem se contorcia de dor pouco antes.

— Ashley? – Chamei com calma e ele virou sua cabeça em minha direção dando um sorriso de canto. Encostei a porta e coloquei minha bolsa sobre a bancada da cozinha indo me juntar a ele no sofá. – Está se sentindo bem? – Ele deu de ombros.

— Nunca estive melhor. – Aquilo não parecia verdade. Havia resquícios de olheiras ao redor dos seus olhos que estavam levemente avermelhados. Aproximei minhas mãos do seu rosto e ele pareceu achar graça daquilo, mas não me impediu de tocá-lo. Sua pele ainda estava quente e seu corpo suava frio. Ele continuava com febre. E sua barba quase invisível começara a crescer

— Está sentindo alguma dor? Eu deixei antitérmicos no seu quarto. Você deveria tomar um agora, ainda está com febre. – Ele sorriu de canto. Daquele jeito que fazia algo no meu cérebro dizer que era um sorriso profundamente errado e ao mesmo tempo perfeito. Não era um sorriso desconfortável daqueles caras que querem te levar para a cama. Era apenas um sorriso torto de dentes alinhados e uma covinha única com o poder de prender minha atenção por alguns vários segundos. Talvez fosse eu a errada.

— Eu já tomei um deles. Obrigado. – Falou voltando seus olhos para a televisão, eu me levantei do sofá e fui para o quarto. Separei alguma muda de roupa que desse para trabalhar no período da tarde e me joguei embaixo do chuveiro. Eu teria que fazer uma grande contribuição à conta de água desse lugar.

Eu estava exausta, mesmo sem ter feito nada eu me sentia exausta. Talvez fosse o calor ou quem sabe apenas o fato de não conseguir me encarar no espelho porque todas as vezes que me olhava, sempre me deparava com uma garota de cabelos indomáveis que depois de pegar tanto sol tinha a marca temporária de uma regata estampada em sua pele. Eu estava ridícula. Vesti-me e deixei o banheiro a tempo de ver Ashley sair do quarto com uma nova camiseta branca de colarinho v e sem estampa alguma. Sua correntinha com a cruz dourada ainda pendia do pescoço. Por segundos me perguntei porque diabos ela a mantinha lá, convenhamos, Ashley podia ser um cara bastante razoável, mas nem de longe seria um exemplo de cara religioso. Talvez vaidoso, mas religioso com certeza não.

— Está tudo bem? – Perguntei. – Você me parece meio pálido. – Ele sorriu de canto e balançou a cabeça sem dizer nada, pegou uma escova de dentes e o creme dental e de forma super sexy começou a escovar os dentes. Para mim, qualquer cara que cuidasse dos dentes era o tipo de homem perfeito para casar. Gabriel sempre usava fio dental.

— É sério, eu estou bem. – Ele disse com a boca cheia de espuma fazendo com que eu precisasse me esforçar para entendê-lo, talvez tenha dito aquilo porque assim como eu, ele notou que eu não fazia nada além de encará-lo do meio do corredor. Balancei a cabeça positivamente e voltei para o quarto. Me joguei na cama e tentei usar os jogos do celular para tentar me distrair do ronco em minha barriga. Eu estava morrendo de fome. A lembrança de que eu ainda não havia comido nada me distraiu e a fome dobrou, sai do quarto e fui para a cozinha buscar alguma coisa aproveitável. Ashley estava novamente assistindo televisão.

— Quais são as chances de eu encontrar uma bolacha sem recheio ou um macarrão daqueles que se prepara em micro-ondas por aqui? – Ouvi-o gargalhar. Eu estava morrendo de fome, não tinha graça. Ashley apertou um botão no controle remoto e a imagem da televisão se dissipou dando espaço para o nada, ele veio em direção ao balcão e pegou as chaves do carro e sua carteira.

— Vamos ao restaurante. Terá coisas mais saudáveis pra você naquele lugar. – Era engraçado, ele não queria dizer a palavra saudável como se realmente estivesse ligando que eu preferisse comer alface ao invés de biscoito recheado. Ele parecia estar mais interessado em debochar de mim por ele desfrutar das calorias de um biscoito enquanto me via sendo torturada por saladas e comidas controladas.

— Você está bem para ir até lá? Eu posso pegar algo pra você comer e trazer aqui, não acha melhor? – Ele soltou uma risada nasal já saindo pela porta sem me dar ouvidos. Peguei a bolsa na bancada e joguei-a sob meu ombro. Ashley Evans era um mistério.

Estávamos sentados na mesma mesa da última vez, próxima a uma grande janela que me fazia ter o pressentimento de que a qualquer momento alguém passaria a mão pelo vidro aberto e sairia andando com meu prato de comida em suas mãos. Mas logo passei a acreditar que esse tipo de coisa só acontecia em Miami. Ashley não falava nada, não fazia nada, não comia nada. Para ser mais exata ele chegou ao restaurante, sentou-se, tirou o celular do bolso e ficou trocando torpedos com o desconhecido durante todo o tempo. Mastiguei o pedaço de frango em minha boca e o empurrei com o suco natural de laranja.

— Você deveria comer alguma coisa. – Eu disse olhando para Ashley. Seus olhos desviaram do celular por segundos até a sonora vibração de um novo torpedo roubar a atenção dele novamente. Aquilo estava me irritando. Girei o liquido amarelo no copo de vidro fazendo o titilar irritante dos gelos e Ashley me olhou novamente, provavelmente já havia respondido a última mensagem recebida. – Tomar remédios de estômago vazio não é uma boa coisa a se fazer.

— Não estou com fome. – Ele disse dando de ombros, mas sem deixar de me olhar. Queria saber o porquê de ele ter saído da pousada para ir até ali se aparentemente não estava com fome. E como se ouvisse meus pensamentos Ashley respondeu: – Eu só vim para encontrar um conhecido, se importa de me esperar até eu resolver uns assuntos pendentes com o cara sentado no outro canto do restaurante? – Meus olhos movidos pela curiosidade passaram a vasculhar todos os outros cantos do ambiente. Havia um cara, talvez com a mesma idade que Ashley usando uma blusa azul da cor dos olhos e uma touca preta na cabeça deixando poucos dos seus fios negros aparecerem. Parecia o tipo de cara normal, e era fácil imaginá-lo como amigo de Ashley, quer dizer não que Ashley parecesse ter um tipo, mas eles emitiam a mesma aura proibida, o mesmo olhar de ‘afaste-se’. Notei que o desconhecido também tinha um celular nas mãos e encarava as costas de Ashley tão concentrado que nem sequer se dava ao trabalho de olhar para mim. Imaginei que o tempo todo fosse o outro cara recebendo e enviando torpedos para Ashley. Dei de ombros em resposta a ele.

— Sem problemas. – Falei antes de me dar ao luxo de entornar o último gole do suco de laranja, observando cuidadosamente cada movimento que Ashley fazia para atravessar o pequeno restaurante e sentar-se na mesa com outro cara. Quando permiti que meus olhos deixassem Ashley para ver o desconhecido, notei-o acenando para mim.


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