Problem Temptation escrita por Boow, Brus


Capítulo 4
Blackout




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— Ashley? – Perguntei ainda sobressaltada com o susto. Ele estava sentado sobre uma das quatro cadeiras da bancada e parecia amassar algo pequeno nas mãos. Olhei novamente para o seu rosto e pude ver seus olhos dilatados e vermelhos, talvez pelo cansaço, se esforçando para ficarem abertos em um ambiente recém-iluminado. – Desculpe, eu não quis incomodar. Achei que estivesse dormindo. – Ele não disse nada, apenas voltou a olhar para a bancada. – Eu vou correr. Volto antes das nove horas para ajudar você.

Peguei uma maçã na fruteira ao lado de Ashley e saí sem nem mesmo apagar a luz. Eu tinha quase certeza que ele não se importaria em apagar, contanto que eu desaparecesse daquele lugar o mais rápido o possível. Deixei o chalé e fui em direção a saída principal, a recepção estava aberta e um homem não muito jovem estava disposto no balcão de informações. Ele deveria ser o segurança que ficava por lá durante a noite até que os outros chegassem.

— Algum problema? – Ele me perguntou desviando os olhos de seja lá o que ele estivesse fazendo e me encarando de forma interrogativa, balancei a cabeça negativamente com um sorriso simpático e ele retribuiu, então eu deixei a pousada.

Eu não conhecia muito o lugar. Tudo bem, eu não conhecia absolutamente nada, mas meus instintos me diziam que eu não conseguiria me perder naquela cidade. Não que ela fosse pequena ou algo do tipo, mas para todas as direções haviam placas indicando caminhos, inclusive o que levava até a pousada.

Segui por um caminho qualquer optando por curvas aleatórias. As sete horas o lugar não parecia tão quente como de costume. Talvez fosse pela falta de raios do sol. Não havia muitas pessoas na rua, vez ou outra alguém me desejava bom dia, ou velhinhos que preservam a saúde passavam por mim com suas bicicletas. Alguns acenavam, outros ignoravam. Em Miami todos ignoram. Parei de correr e segui um ritmo mais lento, à minha frente tinha uma praia. Era linda. Não tínhamos muitas praias boas em Miami, talvez duas no máximo e nem de longe elas tinham aquela aparência. A areia era fina e o mar calmo. O sol fraco refletia na água turva pelo movimento que o vento lhe causava. Era um dos lugares mais lindos que eu já havia visitado. Praguejei por não poder bater uma foto, seria uma boa recordação. Algo para dizer que no fim as férias de verão não foram exatamente ruins.

O caminho de volta para a pousada pareceu mais longo. Talvez porque minhas pernas já estivessem cansadas e meu fôlego acabado. Eu não saberia dizer. Na recepção o homem já havia ido embora e a senhora Fell ocupava seu lugar em frente ao computador, ela sorriu para mim assim que me viu adentrando pela porta larga.

— Erin, bom dia. Que bom que chegou! – Ela sorriu simpática. – Ashley me perguntou se eu havia visto você chegar ou sair. – Franzi o cenho, ele não me parecia tão preocupado quando avisei que estava de saída. Talvez eu tenha o irritado de verdade essa manhã e ele resolveu que seria melhor eu dormir no celeiro. Junto com os cavalos. – Vejo que tem bons hábitos. Eu também amo caminhar, mas estou enferrujada para fazer isso com tanta disposição como você, ou talvez tenha preguiça demais para movimentar as pernas por tanto tempo. – Comentou com um ar brincalhão e eu ri. Olhei no relógio preso em meu pulso, e já passavam das oito e dez. Despedi-me da senhora Fell e rumei para o chalé.

Tudo parecia em perfeita ordem por lá. As janelas estavam abertas assim como as cortinas, deixando o lugar fresco. Não havia sinais de Ash, mas deduzi que ele estava em seu quarto contando que a porta estava fechada. Uma xícara suja de café estava na pia e de onde eu estava podia ver o que deduzi ser açúcar na bancada. Não me importei por limpar. Talvez isso contasse alguns pontos pelo que fiz hoje cedo.

Quando a xícara já estava estava lavada e a bancada limpa, avancei pelo corredor indo para o meu quarto. Separei a primeira roupa mais fresca que me apareceu e olhei o celular sob o criado-mudo. Havia uma mensagem e uma chamada não atendida. Os dois de Gabriel, a mensagem era em resposta ao meu desejo de boa noite na noite passada. Porém a ligação havia sido há vinte minutos. Raramente Gabriel me ligava nesse horário. Retornei a chamada.

— Gatinha? – A voz dele parecia um tanto hesitante, o que me fazia desconfiar que não teríamos boas notícias. Arrumei minhas coisas para ir ao banheiro ao mesmo tempo que falava com ele.

— Oi – Disse um tanto inconformada por ele ter resolvido reciclar aquele apelido depois de tanto tempo esquecido. Estávamos no segundo ano quando ele me chamava assim. – Aconteceu alguma coisa? – Perguntei um pouco preocupada.

— Eu acho que sim... – Ele disse com uma voz baixa. – Quer dizer, eu tenho certeza que sim. – Falou e o tom em sua voz era quase de quem estava se sentido culpado por algo.

— Gabriel, você está bem? – Senti que minhas mãos suavam e eu parei no meio do corredor de frente para a porta do banheiro. – Aconteceu alguma coisa?

— Eu estou preso. – Ele entregou ao mesmo tempo que eu abri a porta do banheiro sendo pega totalmente desprevenida. E eu não estava falando sobre as recentes revelações do meu namorado. Eu falava sobre um Ashley semi nu em minha frente com uma toalha enrolada na cintura mostrando os ossos de quadril.

Ele estava de frente para o espelho com o lado esquerdo do rosto coberto por creme de barbear e uma gilete pendia em sua mão. Assim que me olhou pelo reflexo do espelho a espuma branca assumiu um tom avermelhado. Droga! Eu havia feito ele se cortar.

— O que você está fazendo aqui? – Ele pareceu um tanto desesperado ao fazer aquela pergunta pela segunda vez no dia. Só eu achava que talvez eu não fosse tão bem-vinda naquele lugar como imaginava ser?

— Ah meu Deus eu... – Eu estava sem palavras olhando ele praguejar o corte e me encarar pelo espelho ainda assustado. Eu não sabia o que fazer.

— Erin? – Ouvi a voz no outro lado da linha. – Tem um cara com você? Com quem você está falando? Eu ouvi uma voz de homem, Erin! – Gabriel deixou rapidamente que o ciúme desse rumo a suas acusações. Eu balancei a cabeça negativamente para Ashley esperando que ele entendesse aquilo como um pedido de desculpas.

— É, eu estou assistindo televisão. Na verdade eu estou bem perto dela. – Disse e Ashley levantou uma das sobrancelhas com um meio sorriso no rosto como se tivesse começando a entender o que estava acontecendo ali. – Eu ia falar que... – Desviei o olhar do reflexo de um Ashley atoalhado e com espuma de barbear na cara para conseguir me lembrar do que falávamos. De repente o pânico voltou para a minha voz. – Como assim você está preso? – Berrei sem rodeio algum. Tive que olhar para Ashley novamente apenas para garantir que ele não havia se cortado novamente. Para o bem de nós dois eu deixei o banheiro. – Por que diabos você está preso Gabriel?

— Eu... hum... – Ele parecia nervoso. – Houve uma festa ontem com o pessoal da fraternidade... – Ele começou a explicar. – Festas das fraternidades precisam de autorização para acontecer. E a nossa não tinha. Alguém denunciou e eu e alguns caras fomos para a delegacia. Vamos ter que ficar até amanhã se não pagarmos a fiança. Eu to liso e queria saber se você... se você podia fazer uma transferência de novecentos e setenta e cinco dólares pra minha conta. – O tom de súplica em sua voz era quase palpável.

— Você ficou maluco?! – Eu gritei outra vez dando voltas ao redor do sofá. – Não sei se você se lembra, mas você é o que tem as melhores condições financeiras. Não eu.

— Eu sei Erin. Eu sei meu amor. Me desculpa, mas eu não posso simplesmente ligar para o meu pai e pedir novecentos e setenta e cinco dólares para ele poder pagar minha fiança. Eu seria um cara morto, e além disso ele me faria voltar para Miami no primeiro voo. – Engoli em seco. Eu sabia que se formar em economia era o sonho de Gabriel. E eu o amava o suficiente para pagar a maldita fiança. Mas amá-lo não me fazia uma pessoa rica e nem mesmo com novecentos e setenta e cinco dólares para esbanjar.

— Se eu ligar para o seu celular mais tarde você ainda vai poder me atender? – Perguntei esperançosa.

— Não, mas você pode ligar para a delegacia e pedir para falar comigo. – Ele me passou o número do lugar.

— Eu vou falar com o Danny, talvez ele possa pagar, mas prometa pra mim Gabriel, que você vai repor o dinheiro o quanto antes.

— Assim que eu receber, meu amor. Eu prometo. – Eu suspirei.

— Tudo bem. Falo com você mais tarde. – Encerrei a chamada e me joguei no sofá. Eu não podia acreditar, Gabriel Austine estava preso e me pedindo dinheiro emprestado. Ele estava preso. O Gabriel que eu havia conhecido no colegial nunca seria preso. Nunca pediria dinheiro emprestado também.

Minha vontade de arremessar o celular contra a parede e descobrir em que momento da minha vida as coisas mudaram tanto foi tão grande que eu precisei me segurar no sofá. Aquele pano que cobria o estofamento deveria ser realmente forte, caso contrário eu tinha certeza que minhas unhas já teriam penetrado o tecido.

— Problemas no paraíso? – Ouvi a voz irromper no fim do corredor e antes de me virar olhei o reflexo na televisão para ter certeza de que ele estava decente. Não custava me prevenir. Olhei para Ashley me levantando e balançando a cabeça ao mesmo tempo que suspirava em confirmação. – Namorado?

— Exatamente. – Concordei. – Ele está preso em alguma delegacia de Nova York, e precisa que eu faça uma transferência de novecentos e setenta e cinco dólares para pagar a fiança. – Ashley soltou um assobio, como se igual a mim, concordasse que isso era muito dinheiro.

— Você vai fazer? – Ele perguntou.

— Não dá. Nesse momento me resta só oitocentos dólares na conta, do meu último salário de balconista em uma loja de cd's. – Ele balançou a cabeça como se estivesse entendendo. – Vou falar com o Danny, talvez ele tenha o dinheiro.

— Por que seu namorado foi preso? – Ele perguntou quando eu já estava indo para o banheiro com as minhas coisas. Eu tinha certeza que já passavam das nove e meia e do horário em que deveríamos começar a trabalhar. No entanto eu me negava a sair daqui sem antes ter o direito de um banho frio.

— Parece que os caras da fraternidade dele na faculdade fizeram uma festa ontem sem a autorização para usar o campus. Alguém denunciou e eles foram presos. – Ashley franziu o cenho. – O que foi? – Perguntei.

— É estranho. As faculdades costumam ter uma política interna sobre quebra de regras. Os alunos que cometem delitos não vão para delegacias de verdade. É meio que um distrito dentro do campus onde alunos fora da lei ficam até que arranjem uma punição adequada para eles. Geralmente é algo como limpar o campus ou algum tipo de serviço pesado para a faculdade. Eles não são presos. Não existe fiança. – Eu olhei para ele um tanto atônita com tudo aquilo. Então Gabriel estava mentindo? O que diabos ele poderia ter feito para estar em uma delegacia de verdade, ou então para que ele precisaria de tanto dinheiro? – Não esquenta, daqui para o outro lado do país as regras podem mudar. – Eu concordei, mesmo que me perguntasse se aquilo era realmente possível. Tinha que ser. Gabriel tinha que estar falando a verdade.

O serviço não era exatamente um sacrifício. Na verdade eu estava indo muito bem ajudando Ashley a limpar o terreno e arrumar alguns encanamentos em cabines que ficaram muito tempo sem estadia. Ele até havia me ensinado a trocar uma válvula de junção de canos e me mostrou a diferença entre uma chave de fenda e uma chave-inglesa. Ele não parecia o mesmo cara de hoje cedo, aquele que havia sido rude comigo. Por algum tempo eu me questionei que talvez ele fosse sonâmbulo.

— Você comeu alguma coisa além da maçã? – Ele perguntou de repente limpando o suor da testa com as costas da mão livre, enquanto a outra segurava a caixa de ferramentas. Eu balancei a cabeça de forma negativa. – Sabe cozinhar? – Perguntou dessa vez olhando diretamente para mim.

— Se você estiver afim de comer macarrão meio queimado ou meio cru, eu posso dizer que sei. – Ele gargalhou de forma quase melódica.

— Seu namorado não me parece ter escolhido a melhor dona de casa disponível no mercado. – Ele riu e eu não pude deixar de acompanhar, era óbvio que ele estava certo. – Vamos tomar um banho e ir num restaurante aqui perto. Chame os outros se quiser.

O restaurante era realmente próximo da pousada, mas Ashley se recusou a ir caminhando, por isso ele me apresentou orgulhosamente ao seu carro do ano. Eu não sabia especificá-lo, mas aos meus olhos parecia um modelo esportivo com vidros fumê, teto solar e um pouco rebaixado. Era daqueles que fariam Oliver babar um pouquinho. Por falar em Oliver, ele e Danny estavam dormindo quando eu fui convidá-los para ir almoçar, e os outros, vulgo minha melhor amiga e o seu noivo ruivo, pareciam já ter saído para algum restaurante muito antes de nós. Quanta consideração.

— Eu achei que você fosse daquelas pessoas que só comiam saladas. – Ashley comentou sentado em minha frente admirando a minha disputa para conseguir cortar um pedaço do bife em meu prato com uma faca pouco afiada. Não se tratava de um lugar chique ou algo do tipo, estava mas para um restaurante de beira de estrada onde os trabalhadores costumam vir na hora da folga para forrarem seus estômagos vazios. No entanto, não havia muitas pessoas lá, talvez apenas quatro ou cinco mesas ocupadas além da nossa, quem sabe isso se devesse ao horário passando da uma da tarde, ou então não existam tantos trabalhadores esfomeados por aqui.

Eu ergui as sobrancelhas de forma curiosa olhando Ashley enfiar um pouco da salada de batatas na boca e mastigar. Dei um gole no suco de laranja obrigando o bife a descer por minha garganta e decidi que talvez teria sido melhor se eu tivesse escolhido apenas saladas.

— Por que? – Disse rindo de canto e empurrando a carne do meu prato para o outro lado desistindo de comê-la. Meu plano dentário não deveria ter contrato com nenhum dos dentistas da cidade. Eu não poderia correr o risco de perder um dente com um pedaço de carne. Não na frente de Ashley.

— Não sei. – Ele disse dando um gole no refrigerante do seu copo. – Você come maçãs no café da manhã, sai para caminhar as seis da manhã e toma suco natural de laranja. Achei que também só comece saladas. – Eu ri. Eu não podia negar que sim, havia uma época que meu prato se baseava em arroz, alface e tomate. Eu não suportaria a ideia de aumentar o número do meu manequim. No entanto, com o tempo eu resolvi abrir uma exceção para algumas comidas.

— Eu não sou vegetariana. – Disse rindo. – Na verdade sou uma fã incondicional de frutos do mar. – Limpei minha boca com um dos guardanapos antes de voltar a falar. – No entanto, eu não como muitas frituras, não sou fã de doces e não tomo refrigerantes. – Ele arregalou os olhos como se eu acabasse de dizer o maior absurdo que podia falar. Ele deu um gole na bebida do seu copo antes de assim como eu limpar sua boca em um guardanapo.

— Então você se priva das melhores maravilhas do mundo? – Ele perguntou cético com um ar brincalhão e continuou. – Nada de drive-true, sem chocolate ou sorvete e... cacete, você não toma coca cola? – Eu ri com a expressão dele. Era como se eu fizesse algo que mais ninguém conseguisse fazer.

— Exatamente. – Disse sorrindo. Ele balançou o braço chamando pelo garçom. Não demorou muito para que um cara com expressões cansadas e um cheiro forte de fritura se aproximasse de nós.

— Desejam algo mais? – Perguntou por questão do ofício com seu bloquinho de notas na mão esquerda e na outra uma caneta brincando em seus dedos.

— Tem algum tipo de sobremesa sem açúcar? – Ashley, para a minha surpresa, e também para a do garçom, pareceu perguntar como se realmente esperasse que houvesse algo do tipo naquele lugar. Vendo que o homem permaneceu impassível encarando Ashley como se talvez ele fosse algum tipo de aberração, meu caro colega resolveu cancelar o pedido. – Deixa pra lá, a conta por favor. – O cara saiu em direção ao balcão e eu encarei o moreno disposto na cadeira em minha frente. – O quê? – Ele perguntou como se olhar para ele naquele momento fosse algum tipo de crime.

— Você realmente perguntou aquilo? – Ele riu dando de ombros e se dirigindo para o balcão junto ao garçom.

A tarde o serviço na pousada foi muito mais fácil que trocar canos. Pelo menos para Ashley. Nosso cronograma pedia que limpássemos o celeiro. Meu coração logo acelerou e imagens sobre como eu seria pisoteada por uma manada de oito cavalos começaram a vir em minha mente. Ashley não estava colaborando.

— Eles não vão tocar em você a menos que você toque neles, Erin. – Explicou enquanto saltava pela raiz de uma árvore na trilha para o celeiro. De manhã, ou pelo menos à luz do dia, aquele lugar parecia bem menos perigoso do que ao anoitecer. Nos dois casos Ashley parecia ter o dobro da minha facilidade para pular os obstáculos naturais que apareciam a nossa frente.

— Nós vamos limpar o celeiro. Isso incluí as baias. Eu não posso simplesmente entrar num cubículo de cinco metros quadrados e não encostar em um cavalo. – Falei com uma voz quase histérica. Ashley deu gargalhadas.

— Ok, respira, não se apavora. – Ele disse pulando a baixada de onde eu havia caído na noite anterior. Era quase como um degrau com pouco menos de um metro, como se caminhássemos o tempo todo por uma rocha e ali fosse o seu fim. O que não era nem de longe verdade, pois a pousada se erguia em solo firme e plano e estava nítido que o lugar onde existia a baixada, deveria ser apenas um pedaço de chão castigado pelo tempo no qual sua terra cedeu. Ashley ficou parado me esperando até ter certeza que eu havia chegado ao chão inteira e de preferência em pé, ao invés do que eu havia feito na noite passada. – Fazemos assim: eu ajudo você a tirar o feno velho de dentro do celeiro, você me espera limpar as baias e depois espalhamos o feno novo, ok? – Falou paciente no que eu imagino que tenha sido a melhor proposta que eu poderia ouvir. – Além disso, os cavalos vão ser tirados do celeiro, para tomarem um ar e banho também.

— Banho? Vamos ter que dar banho nos cavalos ? – Ele riu revirando os olhos.

— Você só precisa segurar a mangueira, Erin. – Sem ter certeza de que só segurar a mangueira era uma coisa segura a se fazer, eu concordei. Ashley tirou os cavalos das baias um a um e eu tentei manter o máximo de distância daqueles seres maquiavélicos. Quando todos estavam soltos do lado de fora, Ash me entregou um ancinho e disse que tudo o que eu tinha que fazer era juntar o feno do corredor do celeiro em diversos montinhos.

Assim fiz. Ashley foi com uma pá e um carrinho de mão para dentro das baias e começou a limpar. De tempos em tempos ele passava com o carrinho cheio de sujeira de cavalo misturada com feno, que me obrigava formar uma careta de pavor e nojo. Ele ria todas as vezes que identificava a expressão.

Eu já estava no quarto montinho de feno quando notei Ashley vindo em minha direção com um carrinho desgovernado. Eu arregalei os olhos de forma que quase senti minhas córneas saltarem.

— Ashley, o que você está fazendo? – Disse, ou melhor gritei. Foi então que eu notei, o carrinho não estava desgovernado. Ele ria abusivamente enquanto corria na minha direção com aquele penico ambulante. E santo Deus, não era preciso prestar atenção na aula de física para saber que ele nunca conseguiria para a tempo antes de realmente me atropelar. Eu sai correndo. – Ashley para! Os cavalos estão soltos lá fora. – Disse quase choramingando em protesto quando vi que nós dois estávamos indo em direção a saída do estábulo que era estreito demais para eu poder fazer o retorno sem ser alcançada. Tentei olhar na direção do maníaco assustador que corria atrás de mim com um carrinho lotado de estrume de cavalo, e de repente senti-me tropeçando em algo fofo e caindo pra frente.

Que grande maravilha, agora eu fazia parte de um montinho de feno fedido. Ouvi as gargalhadas de Ashley explodirem pelo celeiro. Não demorou até que todo o feno começasse a me pinicar e eu fosse obrigada a me levantar lançando um olhar carregado de toda a minha revolta para Ashley. Acredito que não tenha dado certo levando em conta o meu estado, onde entrava feno até pelo meu nariz. Tentei esfregar a mão no corpo e nos cabelos para que o feno caísse, mas havia uma parte resistente deles que havia gostado da nova moradia. Bufei passando por Ashley e em seguida pegando meu fiel amigo de trabalho que estava caído no chão pouco atrás do moreno.

— Eu juro pra você, se você tem amor a sua saúde é melhor não se aproximar de mim enquanto eu estiver com esse ancinho nas mãos. – Ele não levou a ameaça a sério, suas risadas de deboche falavam isso por ele. Tudo bem, eu também não teria levado se alguém com feno nos lugares mais inusitados me dissesse isso.

O que me revoltou completamente e me fez voltar emburrada para o meu glorioso serviço de criar montinhos. Mas que dessa vez era interrompido a cada minuto por algum maldito feno que me pinicava nos lugares mais inapropriados.

Depois que Ashley terminou de limpar as baias e descarregar o pinico ambulante em sei lá onde, ele começou a carregar os montinhos que eu havia feito. Ele havia sido bem mais rápido para remover os montinhos do que eu havia sido para criá-los. Já passavam das seis horas da tarde quando todo o celeiro estava limpo e o feno novo espalhado. Eu ainda me coçava por causa do maldito feno e Ashley pareceu levar mais a sério toda a minha ira quando notou meu silêncio exagerado até para respirar. Eu estava me sentido uma criancinha birrenta.

— Vamos, ainda temos que limpar os cavalos e me parece que vem um temporal por aí. Eles se assustam com trovões então temos que ser rápidos.

Ashley de algum lugar tirou um balde eu uma escova de lavar e em seus braços uma longa mangueira verde estava enrolada.

Ele não brincou quando havia dito que eu só seguraria a mangueira. Porque eu realmente havia feito apenas isso. Os cavalos até pareciam amigáveis com Ashley, como se gostassem do carinho que recebiam. Bichos mentirosos. Aposto que estariam prontos para acertar um coice em Ash assim que enjoassem daquele banho.

Não conseguimos tempo para limpar todos os cavalos. O temporal se formou e com os trovões ainda no começo os cavalos começaram a relinchar. Preciso mesmo dizer que a minha primeira atitude foi me afastar o mais rápido o possível? Ashley não pareceu notar, ou então se notou não pareceu se importar.

Ele desligou a mangueira e um a um colocou os oito cavalos novamente para dentro do estábulo. Quando me certifiquei que todos os cavalos estavam bem presos dentro de suas devidas baias eu entrei novamente no celeiro.

— Porque a maioria deles são pretos? – Perguntei e Ashley pareceu se assustar como se tivesse esquecido da minha presença ali, eu não duvidaria que tivesse esquecido depois de uma hora enfrentando minha greve de silêncio.

— São da mesma ninhada. – Ele disse acariciando um deles. – O branco é uma égua. – Apontou para o cavalo-branco que deu as costas a ele imediatamente. – É a Pervinca, ela é nova demais para montar e também é arisca. Não sei se tia Rose vai conseguir domesticá-la ainda para poder montar, teríamos que ter começado desde cedo, mas ela estava doente quando veio pra cá, não tínhamos como exercitá-la.

— Você parece gostar deles. – Disse observando ele voltar para o cavalo preto que acariciava antes. – É o seu? – Ele riu.

— Não, não tenho um cavalo. Na verdade eles estão a disposição para aluguel dos hóspedes – Ele pegou uma cenoura do balde que tinha nas mãos onde estava despejando ração aos cavalos e deu a cenoura direto na boca do animal, eu dei um passo para trás. – Esse é o Hércules. Ele é filho mais novo da Pégasos tem dois anos. – Eu ri.

— Quem dá nome a esses cavalos? – Ele deu de ombros se afastando e terminando de colocar a ração nas baias que faltavam. No mesmo instante um clarão iluminou o céu e o estrondo forte de uma trovada se fez ouvir. A maior parte dos cavalos se assustou, relinchando e troteando. Mas algo me apavorou. A égua branca em minha frente relinchou alto sobre as duas patas, e quando as abaixou, sua força quebrou parte do cercado da baia. Eu gritei. Ashley correu para a minha frente ficando de costas para mim e com as mão levantadas produzindo sons estranhos com a boca. Eu estava de olhos fechados. Eu estava apavorada.

A égua foi se calando pouco a pouco e o som que saia de sua respiração absurdamente alta foi ficando cada vez mais baixo. Abri os olhos, mas tudo continuou escuro.

Sem dúvidas essa não era a melhor hora para um blackout.

— Você está bem? – Senti mãos firmes em meus ombros. A pouca claridade do lado de fora e os relâmpagos me permitiam ver pouco do rosto de Ashley. Seus olhos à luz dos relâmpagos pareciam ser estranhamente dourados. Era lindo. Era errado.

— Podemos sair daqui? – Pedi. – Por favor? – Ele respirou fundo.

— Tudo bem, acho que posso consertar esse estrago amanhã. – Disse se referindo a uma das madeiras soltas na baia da égua. – Tem certeza que você está bem? – Balancei a cabeça positivamente e senti a mão direita dele deslizar por meu braço esquerdo que com o susto ficou absurdamente frio e os dedos dele finalmente chegaram aos meus do mesmo modo que havia feito na outra noite.

Ele me guiou pelo escuro para o lado de fora do celeiro, e não soltou minhas mãos nem mesmo quando já estávamos fora, e ele precisou fechar as grandes portas. Não havia ficado completamente escuro do lado de fora, mas as nuvens negras carregadas de chuva faziam o tempo escurecer cada vez mais. Os pingos gelados da chuva que parecia engrossar cada vez mais faziam com que os pelos da minha pele se arrepiassem e aos poucos eu começava a tremer de frio. Senti quando em um movimento involuntário dos meus músculos em busca de aquecimento minha mão apertou a de Ashley e ele me olhou, já estávamos na entrada da trilha estreita mas dessa vez ele não foi na frente como se me arrastasse pelo caminho. Ele seguiu ao meu lado na velocidade dos meus passos.

— A trilha fica escorregadia com chuva. Segure em mim se precisar. – Ele gritou para que a voz se sobressaísse ao barulho alto dos trovões e da chuva rebatendo nos galhos e folhas. Um vento mais gelado começou a soprar e eu tive certeza de que se não entrasse pela primeira vez desde que cheguei aqui em um banho quente, amanhã estaria provavelmente acamada.

Chagamos ao fim da trilha sem grandes problemas. Pelo menos a maior parte do feno que se recusava a sair do meu corpo, havia perdido a resistência diante a água da chuva. Ashley não largou minha mão quando passamos pela última árvore. Talvez porque eu estivesse espremendo tanto os dedos dele contra a minha mão que os nós dos dedos das duas mãos estivessem brancos.

— Finalmente encontramos vocês! – Eu ouvi. Então aquela voz me faz soltar tão rápido a mão de Ashley que me perguntei se o corpo dele havia estranhado tanto quanto o meu.


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