Problem Temptation escrita por Boow, Brus


Capítulo 13
Outstanding Issues




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Existiam ene lugares para se estar naquele instante. Tantos, inclusive a cama do meu aconchegante quarto em Miami. Mas por razões óbvias eu estava a quinhentas e sessenta milhas de distância da minha cidade, e, por razões ainda mais óbvias, a única culpada por isso era minha melhor amiga. Para falar a verdade, a diversão da viajem, tirando algumas várias horas de trabalho e minhas discussões com Ash e o convívio agradável – um pouco conturbado e um tanto quanto bipolar – que eu vinha tendo com ele – pelo menos até a alguns dias atrás. – me faziam esquecer que Palm Spring era, na verdade, um dos últimos lugares em que eu pretendia passar minhas férias e por isso eu acabava de alguma forma perdoando o instinto de manipulação e controle de Megan.

Mas agora, nesse dia que sequer havia começado – literalmente, já que não eram nem cinco horas da manhã. – e já se mostrava maravilhoso -a ironia anda reinando meus pensamentos ultimamenteeu perguntava-me mentalmente que diabos eu tinha na cabeça quando aceitei me juntara eles nesta viajem.

Não que tivesse ocorrido por escolha própria, já que estávamos falando de algo organizado por Megan, então era óbvio que eu não tive opção quando ela anunciou que íamos passar alguns dias visitando a tia Rose. Mas se eu soubesse que encontraria dias como este por aqui, com certeza teria relutado bem mais antes de simplesmente balançar minha cabeça negativamente e rir da minha amiga e seu jeito mandão.

Levei o balde com água e desinfetante para o quarto de Ashley e, apesar de evitar ao máximo um contato visual direto com aquele cara, era impossível impedir que meus olhos subissem até ele a cada gemido que escapava por entre seus lábios.

O banho havia mesmo diminuído sua febre, mas o Evans ainda se encolhia embaixo do cobertor como uma criancinha assustada. Seus olhos eram atentos a qualquer ruído, mas, mesmo assim, demonstravam o esgotamento que seu corpo estava enfrentando. Ele parecia fraco, mas de forma alguma não vulnerável. Como se estivesse sem forças para respirar, mas perfeitamente capaz de enfrentar quem quer que o desafiasse.

Enquanto o estudava pacientemente antes de começar a limpar o chão, nossos olhares se cruzaram por alguns segundos antes de ele mesmo o desviar.

Ashley era definitivamente um cara estúpido.

Enquanto eu repousava o balde no chão e torcia o pano molhado para prendê-lo em um rodo, ouvi-o murmurar para que eu não fizesse isso. Ashley estava tentando manter intacto os resquícios do seu orgulho, enquanto eu os destruía lentamente, primeiro cuidando da sua saúde, agora do seu bem-estar.

Confesso que eu não estava me sentindo nem um pouco culpada por fazê-lo sentir-se inferior. Nem por estar o ignorando desde que entreguei suas roupas no banheiro.

Na verdade, talvez eu nem sequer me sentisse incomodada se desse as costas a Ashley naquele segundo e o deixasse para dormir na sua própria sujeira. Isso era o que eu deveria fazer.

Mas estávamos falando de Erin Hagen, então obviamente se eu fizesse algo remotamente próximo daquilo – mesmo que com alguém como Ashley, que no atual momento estava se mostrando um perfeito idiota – eu iria me martirizar pelo resto da vida.

Com o surgimento desse pensamento quase que instantaneamente – e antes mesmo que eu pudesse reprimir – o sentimento de raiva e talvez decepção voltaram a mim como no momento em que reencontrei aquela seringa.Era assustador segurar aquele objeto em minhas mãos. Talvez para qualquer outra pessoa aquela sensação fosse apenas desconforto e enojo. Mas para mim era praticamente sufocante. Praticamente tão ruim quanto ter uma metralhadora em mãos. Só Deus sabe quantas vezes vi meu pai chegar a casa queixando-se dos “malditos drogados” que perturbavam sua paz na delegacia.

Suas histórias sobre viciados que faziam absurdos quando estavam sob efeito de drogas e como eles eram perigosos... Então, só por um segundo imaginei o sermão que receberia -e com certeza a desaprovação- caso papai criasse consciência sobre a “nova amizade” da sua filha caçula.

Mas por algum motivo – que nem eu mesma sabia a razão - eu me sentia incapaz de ver Ashley representando perigo ou ameaça. Para ser mais específica, tudo o que eu era capaz de ver em Evans resumia-se a um gigantesco anúncio de problemas, camuflado em seus olhos dourados, seu corpo perfeitamente esculpido e seus picos de humor. O que, em condições normais e em épocas que meu juízo estava em perfeito estado, deveria ser o suficiente para me manter afastada. No entanto, para lidar com Ash sem perder completamente a paciência, era preciso abrir mão do lado prudente.

A princípio pensei em ir tirar satisfações com Ashley, gritar e lhe dar um sermão. O que diabos ele ainda fazia com aquele objeto? Mas em uma pequena brecha de consciência pude concluir duas coisas: a primeira era que provavelmente Evans não aguentaria até o fim do meu monólogo sem desmaiar ou pôr seu estômago para fora novamente. E de qualquer forma eu seria incapaz de gritar com Ashley enquanto ele me olhava daquela maneira constrangida e inferior, mesmo que – só para enfatizar— ele merecesse. E a segunda é que eu não podia realmente acusá-lo de alguma coisa visto que Ashley se mantinha sóbrio desde o ocorrido no fim de semana, quando me pediu ajuda.

Eu esperava pelo menos um pouco mais de esforços da sua parte. Quer dizer, se ele queria mesmo se livrar do seu maldito vício, por que ainda mantinha a seringa com ele? Esperando uma recaída?

Não se pode confiar nessa gente.” Era o que meu pai sempre dizia e o que eu costumava discordar. Generalizar todos por causa de alguns parecia preconceituoso, mas agora eu estava ali mentalizando sobre encaixar ou não esse conceito em Ashley, enquanto limpava seu chão. Quer dizer, eu confiava naquele cara, mesmo parecendo precipitado levando em conta que sequer fazia um mês que fomos apresentados, mas não sabia exatamente até que ponto especificamente eu era capaz de lhe depositar essa confiança. Como se eu fosse perfeitamente capaz de deixar minha vida em suas mãos sem precisar de ninguém para supervisioná-lo, mas incapaz de deixá-lo sozinho para cuidar da sua própria.

Então, como eu fui educada para nunca deixar o álcool perto de um alcoólatra, dentre todas as coisas que eu poderia ter feito com aquele objeto, optei por tirar a seringa do guarda-roupa de Ashley e a escondê-la no fundo da gaveta do meu criado-mudo.

Havia abandonado completamente a minha prudência. E meu juízo nem ao menos apareceu para dar um “oi”.

Terminei de limpar o chão e devolvi o pano ao balde enquanto me retirava do quarto de Evans levando nas mãos o rodo e o balde com água.

— Eu não obriguei você a fazer nada disso... – Foi o que ele disse e consequentemente o que me fez parar onde eu estava. Ashley não estava se lamentando, nem se desculpando -não que ele precisasse mesmo se desculpar por passar mal ou estar doente- mas ele estava se defendendo. Como se em algum momento eu houvesse lhe acusado de algo. – Não pedi pra você assistir. — Continuou e dessa vez me senti obrigada a virar em sua direção e lhe encarar de maneira séria. Então ele achava que tudo o que eu havia feito até ali, havia feito de má vontade?

— Eu sei. – Respondi sem saber exatamente de que maneira eu deveria dizer aquilo. Na verdade acho que saiu de forma surpresa porque era desse jeito que eu estava, surpresa e confusa. Eu não esperava ouvir alguma coisa de Ashley, muito menos algo daquele tipo. Ash parecia quase magoado e eu sequer sabia o porquê uma vez que aparentemente eu era a única com motivos suficiente para estar incomodada.

Cristo, Ashley achava mesmo que era tão fútil a ponto de fazer tudo aquilo apenas por que minha educação me obrigava a fazer?

— Então não faça parecer que eu fiz alguma dessas coisas. – Murmurou desviando seus olhos de mim para o teto antes mesmo que eu pudesse concluir meus pensamentos e entender de onde Ashley poderia tirar todo aquele absurdo.

— Eu não fiz tudo isso porque você me obrigou, Ashley. Não te ajudei contra a minha vontade. – Expliquei como se talvez isso não fosse tão obvio para ele quanto era para mim. – Fiz isso porque é isso que amigos fazem. Cuidam um do outro quando eles precisam. – E então subitamente corei ao notar o que havia acabado de falar. Ashley no entanto permaneceu impassível, seus olhos outra vez fixos em mim não demonstravam nada além da cor exuberante.

— Então por que está agindo assim? – Perguntou enfim depois de segundos em silencio. – Porque eu não me lembro de ter dado a você nem um outro motivo para me ignorar e agir como se eu fosse sua obrigação... – Olhei pra ele cética e ao mesmo tempo não sabia o que dizer. De fato eu estava ignorando-o mais não pelos motivos idiotas que ele imaginava. Eu estava irritada por Evans ser um grande estúpido e nada mais.

Mas eu, definitivamente, não queria falar sobre isso agora. Ashley já parecia fazer o máximo de esforços para que todas as frases saíssem completas de sua boca, e o efeito disso era sua respiração ainda mais curta e seu rosto mais pálido. Se teríamos aquela discussão em algum momento eu teria o bom senso de esperar até que ele estivesse capacitado para pelo menos se defender.

Passei a mão em meus cabelos, puxando alguns fios rebeldes para trás, e fechando os olhos em um suspiro. Quando retomei a visão Ashley me estudava cuidadosamente, em busca de qualquer sinal de respostas para as suas perguntas. No entanto o que me desarmava era ver que seus olhos ainda pareciam chateados pelo meu comportamento.

— Você não fez nada, Ash. – Murmurei tentando colocar de vez um fim em tudo aquilo. – É só uma noite ruim para nós dois. Precisamos descansar. – Então ele suspirou como se estivesse se dando por vencido mesmo sem estar convencido de que eu disse a verdade. Mas eu não havia mentido, aquela era mesmo uma noite ruim para nós dois. A única diferença é que cada um de nós tinha seus motivos para vê-la daquela forma.

Meus olhos se mantiveram em Ashley por vários segundos enquanto ele me olhava de volta. Sua cabeça parecia processar algo silenciosamente para me falar, mas julguei que nunca ouviria nada quando segundos suficientes se passaram e nada foi dito.Suspirei uma última vez e dei a ele um sorriso de canto enquanto me retirava, pela segunda vez, em direção a porta.

Eu esperava que quando o dia clareasse parte daquela tensão se fosse com o sereno. Mas era difícil saber o que esperar de algo quando isto envolvia Ashley Evans e toda a sua instabilidade.

—Erin, espera. – Ouvi outra vez aquela voz que na maioria das vezes me impedia de deixar aquele quarto sem uma dor de cabeça. Eram poucas as vezes que entrei no quarto de Evans, e menores ainda era a quantidade de vezes que ele havia me deixado sair sem me interromper mais de uma vez no processo.

Virei apenas meu rosto em sua direção e esperei que ele continuasse.

—Você... não pode ficar aqui? – Perguntou lentamente e por curtos segundos a cor voltou a suas bochechas. Eu realmente não pretendia ficar ali, não enquanto minha cabeça divagasse sozinha em um emaranhado de pensamentos bons e ruins sobre aquele ser. Suspiro e deixo meus olhos estudarem todo o quarto até pararem na cama de Ashley.

—Acho que você consegue sobreviver algumas horas sem mim... – tentei soar leve e bem-humorada, embora tenha fracassado notoriamente até para os meus ouvidos. Suspirei derrotada.

—Tudo bem. – Disse Ash dando um sorriso leve de canto e acomodando-se na cama de modo que suas costas se virassem para mim e seu rosto passasse a examinar a parede. Droga.

A imagem de Ashley com suas costas nuas no chuveiro e sua tatuagem se destacando em meio a palidez e os hematomas vieram até minha mente de uma maneira que não seria correta para uma mulher comprometida. Muitos menos quando essa mulher sou eu.

Dou as costas para a cama de Evans antes que eu possa pensar ou dizer mais alguma besteira e caminho até porta sem que ele me interrompa com sua voz dessa vez. Paro de frente ao disjuntor de luz e conto até três como se de fato esperasse ouvir algo dele. Mas nada, nem sequer um gemido, saiu dos seus lábios.

Apago a luz e pego a maçaneta. De relance olho outra vez para a direção de Ashley onde agora posso ver apenas sombras escuras, uma vez que o sol ainda não entra pelos vãos da cortina.

— Boa noite, Ash. – Sussurro puxando a porta para mim. Faltavam apenas alguns centímetros para ela se fechar completamente. Meus pensamentos estavam materializando meu quarto, com a minha cama macia e minhas cobertas quentes e aconchegantes, quando ouço o Evans tossir. Paro e tento convencer a mim mesma de que Ash está bem e seguro de si.

No entanto acho que minto tão mal para mim mesma quanto minto para os outros. Sou definitivamente patética.

Volto a abrir a porta do quarto de Ashley e dessa vez deixo-a semiaberta, como se isso pudesse diminuir a minha concepção do quanto aquilo era errado.

— Eu só... Não acho uma boa ideia dormir no seu quarto, Ash. – Falei tentando me justificar sem parecer ignorante e aquilo era definitivamente a mais pura verdade. Dormir no quarto de Ashley era uma ideia não tão boa em diversos sentidos. Mas também era uma das melhores. E isso era um dos outros motivos pelos quais a ideia era tão errada.

Eu tinha basicamente todas as minhas células ansiando por aceitar aquele convite e ao mesmo tempo todos os meus neurônios rejeitando-o. Seria tão prazeroso quanto errado passar a noite na cama estreita de Ash. Eu provavelmente queimaria no inferno por ter meu cérebro palpitando que na verdade dormir com Ash seria um prazer.

No entanto a necessidade de ficar para me certificar que ele estaria bem mesmo quando dormisse era quase tão grande quanto os motivos para lhe dar as costas.

Quase.

Antes que eu pudesse dar mais alguma desculpa esfarrapada para sair correndo daquele quarto, ouvi a risada curta vinda de Ashley e eu consegui praticamente sentir sua boca se contorcendo no canto e seus olhos criando vincos. Sua típica expressão quando está pensando em algo que sabe que eu não vou aprovar. Senti-o sugar o ar com mais força que o normal e ouço seus movimentos na cama. Automaticamente acendo a luz do quarto e percebo que as pernas de Ashley estão para fora da cama, como se ele estivesse tentando levantar.

— Aonde pensa que vai? – perguntei começando a me sentir exasperada.

Ele apenas me deu mais um de seus sorrisos de garoto bagunceiro (este porém foi interrompido pela falta de ar que ele sentiu e a careta de dor logo em seguida). Sem dizer uma palavra, Ashley levantou da cama e eu pude perceber que ele estava usando todas as suas forças para se manter de pé. A cada passo eu o sentia mais fraco e me sentia mais impotente. O que diabos ele estava fazendo?!

Assim que me aproximo para tentar ajudá-lo, sua mão se ergue na minha direção, como que para me impedir de me aproximar. Entendi o que ele temia quando vi sua expressão cansada e levemente furiosa.

— Eu não vou impedi-lo, - expliquei – só me diga para onde quer ir e eu vou te ajudar.

Depois de longos segundos em que Ashley se escorou na parede para recompor o ar e conseguir se erguer, seus olhos queimaram nos meus e ele disse com sua voz quase completamente estabilizada.

— Que me ajudar? Pegue a coberta e os travesseiros ali na minha cama. – ele sorriu e continuou andando, agora com um pouco mais de postura, mas podia senti-lo prender a respiração a cada passo.

Preferi não rebater ou tentar impedi-lo, uma vez que ele poderia ficar irritado e começar a passar mal novamente. Fui até sua cama e peguei o que ele falou. O segui até a sala e depois de alguns segundos Ashley simplesmente se jogou no sofá, mais ou menos como quando eu o vi pela primeira vez. Continuei encarando-o sem entender o sentido no que ele estava fazendo. Seria efeito dos remédios?

Quando Ash notou que eu continuava a encará-lo com um ponto de interrogação decorando meu rosto, revirou os olhos e explicou:

— Você disse que não era uma boa ideia dormir no meu quarto... Bem, não estamos mais no meu quarto. – e mais um daqueles seus sorrisos. – Agora venha logo e pegue o controle para mim por favor.

Suspiro e deixo meus ombros caírem. Estava cansada demais para argumentar que, na verdade, o que me preocupava não era o lugar, e sim o fato de dividir o mesmo espaço que Ashley em uma proximidade considerada perigosa...

Jogo a imagem de Ashley no chuveiro para o fundo do meu cérebro junto à lembrança da seringa. Ignorar esses dois fatos era algo crucial se eu realmente desejasse seguir em frente com essa ideia maluca.

Suspiro e caminho até o sofá. Sento-me no sofá e agora, vendo ele tão de perto, noto que seus olhos estão encarando a televisão desligada, mas seu consciente parece estar atento ao que eu estou fazendo. Ponho meus pés em cima do não tão espaçoso sofá e me ajeito por cima do cobertor, Ashley parece finalmente entender o que eu estou fazendo, porque se aproxima das costas do sofá, me cedendo mais espaço. Entrego o controle à ele – que liga a televisão e a põe em um canal de desenhos, porém no mudo -, repouso minha cabeça no travesseiro e começo a encarar o teto. Aquilo era muito mais constrangedor do que eu podia imaginar.

Evans se move com cuidado já que no sofá estreito qualquer movimento seu poderia me derrubar. Ele tenta ficar na mesma posição que estou com a barriga para cima, mas nossos ombros mal cabem lado a lado no pequeno espaço, então ele se move outra vez ficando de lado. Droga!

Seguro minha vontade de sussurrar para que ele volte à posição antiga, quando sinto sua respiração entre meu maxilar e bochecha. Se Ashley ao menos imaginasse o quanto eu me sentia culpada por estar deitada ao seu lado, provavelmente nunca mais me pediria algo como aquilo.

Mas me sentir culpada não era o pior. Quer dizer, se fosse isso eu poderia muito bem me levantar e dizer que aquilo era realmente uma péssima ideia. Mas algo me impedia daquilo. Algo que apenas aumentava a minha culpa: Eu me sentia estupidamente confortável dividindo um micro sofá com Evans. Confortável ouvindo o barulho da sua respiração. Com o seu silêncio. Com as cores que a televisão jogava em nós, sem emitir nenhum som. Confortável por simplesmente saber que Ashley estava ali e acima de tudo estava bem.

—Boa noite, Erin. – Ele sussurra. Sussurra tão próximo do meu ouvido que tenho o impulso de me afastar enquanto todo meu corpo se arrepia e no segundo seguinte todo o arrepio é substituído por um frio na barriga quando sinto o fim do sofá e vácuo até o chão. Fecho meus olhos, rápido, como se isso fosse mesmo evitar a queda, mas o que de fato a evita é outra coisa. Evans tão rápido quanto a luz tirou seu braço de baixo do cobertor e o prendeu firme em minhas costas me olhando com os olhos dourados arregalados. Acho que estou olhando para ele da mesma forma, em pânico e ao mesmo tempo envergonhada.

—Obrigada. – Digo baixo me ajeitando outra vez ao lado de Ashley e ao mesmo tempo tentando manter uma distancia razoável e segura entre ele e a beira do sofá. Ouço a respiração de Evans descompassar quando ele deixa escapar uma gargalhada silenciosa e outra vez repete seu pedido de boa noite, dessa vez afastando seu rosto do meu como se tivesse consciência do que isso havia feito comigo.

Concentro-me em manter meus olhos fixados no teto e minhas mãos cruzadas sobre a barriga, enquanto sinto o corpo de Ash virado para mim, mas tudo o que meus olhos conseguem ver é o seu pescoço, já que ele está olhando para a televisão e sua cabeça está mais acima no sofá que a minha.

Algum tempo depois consigo relaxar mais meu corpo e olhar para a televisão. Dessa vez me ocorre algo:

— Por que você vê a televisão no mudo? – viro meu corpo e ergo minha cabeça para encará-lo, mas noto que ele já está dormindo. Sorrio satisfeita e sigo seu exemplo.

Não digo mais nada. Apenas fecho os olhos e me concentro em dormir, mesmo sabendo que isso dificilmente aconteceria, quando preciso forçar minha concentração em apenas dormir e a não sentir o peso do braço de Ashley que continua sobre minha cintura desde quando ele me salvou da queda.

A sensação que tenho ao abrir os olhos é de que vinte rinocerontes passaram por mim enquanto eu dormia. Vinte rinocerontes grávidas. Estico-me soltando um gemido involuntário quando meus ossos estralam. Levo as mãos para cima da cabeça e as sinto se chocarem contra algo – alguém- que solta um gemido com o impacto.

Automaticamente o sono que bloqueava minhas memórias se vai, dando espaço para as lembranças, e tudo o que se passa em minha mente se resumisse em uma única coisa, um único nome: Ashley.

Meus olhos se abrem mais e eu viro o pescoço até ver Evans com a cabeça apoiada no braço do sofá, me encarando com um sorriso enquanto minha mão continua contra a sua garganta. Arregalo outra vez meus olhos e sinto o sangue ir para minha cabeça. Ótima forma de cumprimentar alguém ao acordar.Desço a mão da sua garganta colocando-a em meu colo e devagarinho me sento. Meu corpo reclama por ter dividido um espaço tão pequeno com uma pessoa do meu tamanho.

—Bom dia. – Ele diz rouco, mas dessa vez sua rouquidão parece consequência apenas de uma mente sonolenta e não de um cara que há horas estava passando mal. Viro meu pescoço de leve, apenas o suficiente para encará-lo em parte e deixar que Ashley veja a ponta de um sorriso em meu rosto.

—Bom dia. – Respondo. Meus olhos começam a examinar a sala e logo percebo que o sol já estava brilhando no céu e iluminando todos os cantos do ambiente. Brilhando tanto que eu tinha certeza que provavelmente havíamos acordado para o almoço.

Então antes que eu pudesse me apavorar por ter perdido completamente o horário, noto uma segunda coisa. As cortinas e a janela estão abertas, assim como a porta está escancarada. Ashley havia se levantado e voltado a deitar-se com cuidado suficiente para que eu não me acordasse, ou então alguém havia entrado no chalé. E isso com certeza não era algo que podia acontecer. Não quando eu estava dividindo um espaço grande o suficiente para uma criança de cinco anos com Ash, dando espaço livre para a imaginação de quem quer que fosse.

—Há quanto tempo você está acordado? – Perguntei rápido dessa vez jogando as pernas para fora do sofá e virando meu tronco para Ashley. – Foi você quem abriu o chalé, certo? – Senti minha respiração pesar durante os segundos em que ele me encarava sem nenhuma expressão. Eu iria começar a patrocinar o Evans e jogos de pôquer.

—Acordei há mais ou menos uma hora. Tia Rose veio certificar-se de que estávamos vivos, já que não aparecemos para trabalhar e foi ela quem abriu o chalé. – Explicou. – Disse algo sobre fazer bem para os meus pulmões... – E antes que eu pudesse arquivar todas as informações uma pergunta saía dos meus lábios.

—Ashley ela me viu aqui? – Perguntei assustada.

—É, sabe... É meio difícil entrar na casa de alguém e não identificar um cara esmagado e uma garota babando no travesseiro em um sofá minúsculo – Olhei para ele com os olhos arregalados sentindo meu rosto corar. Eu estava babando? – Mas acalme-se, eu tive o bom senso de explicar todos os detalhes, certo? Deixei claro que você estava só fazendo um favor.

Ainda corada eu sorri de canto, um sorriso não tão natural quanto deveria ser. A forma como Ashley pronunciava a palavra favor, me fazia lembrar o mesmo tom que usou para me acusar de tê-lo ajudado porque me sentia obrigada a fazê-lo. A ideia era mais estúpida que o próprio Evans.

Sem dizer muito, levantei-me e olhei para ele ainda com o meio sorriso para tentar disfarçar o rumo dos meus pensamentos (que faziam força para desviar minha atenção e lembrar que Ashley e eu ainda tínhamos um assunto em pendência).

Fiz menção em deixar a sala, mas Ashley segurou meu pulso leve o suficiente apenas para que minha consciência me obrigasse a parar diante do contato.

—Quando você estiver pronta, vamos sair. – Ele murmurou baixo sem que eu o olhasse – Tia Rose mudou nosso cronograma para coisas mais leves até ela ter certeza que estou bem. Hoje vamos ao banco e temos uma lista de coisas para comprar, quando terminarmos, estamos livres. – Explicou.

Então tudo o que eu fiz foi suspirar. O lado positivo de tudo isso é que eu não teria que me preocupar com cavalos cruéis e traiçoeiros, loucos para atacar menininhas inocentes, canos estourados ou tomadas queimadas.

Por outro lado, o ponto negativo parecia tão desgastante quanto os cavalos, os canos ou as tomadas. Eu teria que passar uma tarde em um carro com Ashley enquanto minha cabeça martelava infinitas vezes qual seria a melhor hora e maneira de finalmente falar sobre o que estava me atormentando desde ontem a noite.

Então... Por onde anda aquela sua seringa, Ash?”não me parecia a melhor maneira de iniciar a conversa.




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