Problem Temptation escrita por Boow, Brus


Capítulo 11
Uncontrolled




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Sabe aquela sensação claustrofóbica de estar presa em um sonho e não conseguir sair? Era exatamente assim que eu me sentia aguardando notícias de Ashley naquela maldita sala de esperas do hospital de Palm Sipring.

Não que a sala fosse apertada ou coisa assim, eu nem era claustrofóbica de verdade, mas, ainda assim, eu me sentia presa na completa falta de informação que todas aquelas pessoas me mantinham.

Enfermeiras vestidas de branco e azul iam e vinham o tempo todo, mas sequer pareciam saber que havia um paciente chamado Ashley naquele lugar.

A única vez em que eu arrisquei perguntar algo a uma delas, uma baixinha e com óculos fundo de garrafa, tudo o que tive em resposta foi:

— O médico virá até você assim que possível.

Eu odiava hospitais. Odiava a falta de informação. E odiava não saber o que estava acontecendo com Ashley. Mas o que eu odiava ainda mais neste momento era o fato da senhora Fell estar em algum lugar deste hospital conversando com um médico em particular.

Ela não me queria por perto e deixou isso bastante claro quando me pediu para esperá-la onde eu estava enquanto ia falar com o doutor.

Cristo, se não fosse por mim, Rosalie Fell nem sequer saberia que seu sobrinho teve uma convulsão durante o almoço. Eu liguei para emergência e - com a ajuda do garçom - cuidei para que Ashley não quebrasse nem um osso de seu corpo enquanto se debatia inconsciente.

Eu tinha no mínimo o direito de saber o que está havendo com meu amigo!

Minha raiva foi diluindo-se aos poucos quando reparei no som abafado saindo de dentro da minha bolsa, meu celular estava tocando e a julgar pelo tempo que a música estava tocando só poderia ser Megan. Ela era provavelmente o único ser na terra com a capacidade de deixar a ligação chamar até cair na caixa postal cinco vezes consecutivas antes de deixar uma mensagem assustadoramente ameaçadora.

—Megan? – Atendo sem nem mesmo parar para ler o nome no visor. Saber tanto sobre minha melhor amiga me poupava de detalhes como este.

— Erin, estava começando a achar que era você quem estava internada nesta droga de hospital. – Ela desabafou rápido e eu até teria rido se não tivesse algo maior para me preocupar àquela altura. – Como você está? Como está Ashley? Fiquei tão preocupada quando a senhora Fell disse que iria se encontrar com você no hospital! Achei que vocês pudessem ter sofrido um acidente ou algo assim... Não que eu não esteja preocupada com Ashley tendo convulsões por aí, mas... – Ela cortou o que estava falando para gritar algo ininteligível a alguém. – Espere um pouco, Oliver quer falar com você.

Eu perguntaria a Megan porque Oliver e ela estavam ao celular ao invés de estarem cumprindo com suas tarefas na pousada, mas quando terminei de formular em minha cabeça a frase, era tarde de mais. A voz de meu irmão tomou conta da ligação.

— Erin? – Sua voz era ansiosa e um pouco divertida. – Achei que tinha me livrado finalmente de você, mas parece que Deus te confundiu com Ashley. Vou ser mais especifico da próxima vez, tudo bem? – Oliver brincou e dessa vez não pude evitar o riso. Cristo, Oliver tinha sem dúvidas o dom de animar as pessoas, não era à toa que seu melhor amigo era outro grande palhaço.

— Não brinque Oliver, se fosse eu no lugar de Ash, você já teria colocado o hospital abaixo atrás de alguma informação. – Disse convencida, e sem o dar tempo de protestar, continuei. – E além disso, você precisa de mim para encobrir suas besteiras, ou será que você esqueceu que é um grande homem de vinte e quatro anos com a mentalidade terrível de um bobalhão de quinze? – Oliver gargalhou e proferiu uma série de palavrões da sua típica boca suja.

— Ótimo, você acabou de ferir meus sentimentos, irmã. – sua voz tinha o tom de uma falsa mágoa que quase me fazia rir outra vez. – Vou devolver o celular à Megan antes que ela arranque meu pescoço com um cortador de cortar unhas. Fique. Viva. - Foram as últimas palavras que ouvir de Oliver, então, outra vez, antes que eu pudesse pensar em algo irônico o suficiente para responder, o telefone voltou para Megan.

A loira me fez narrar cada detalhe do que aconteceu e eu não sabia dizer se ela estava mais preocupada com Ashley e se sua saúde questionável ou agradecida por nada ter acontecido a mim. Na verdade acho que como de costume seus sentimentos estavam em conflito.

Já faziam quase trinta minutos que Megan tagarelava ao telefone em uma tentativa de me distrair de qualquer outro pensamento relativo a meu colega de teto, quando a senhora Fell ressurgiu ao lado de um enfermeiro do hospital.

Desliguei o celular com uma despedida rápida tentando controlar meu desespero e minha insuportável agonia causada por toda a espera. Olhei para a mulher de expressões preocupadas e o enfermeiro vestido no mesmo padrão de roupas de cores mórbidas, aparentando estar próximo da terceira idade, que lhe deu dois tapinhas nas costas antes de se retirar.

Rose Fell veio até mim em passos lentos e sentou-se ao meu lado no sofá pouco confortável da sala de espera. Seu olhar cabisbaixo e seu silêncio eram suficientes para eu saber que algo estava errado. Muito errado.

Tão errado quanto algo vindo de Ashley Evans poderia ser.

Queria lhe perguntar o que estava havendo, mas não sabia se era mesmo certo interromper seus pensamentos naquele momento. Lentamente ela jogou seu corpo para trás até suas costas relaxarem sobre o encosto do sofá, e de forma emergente liberou todo o ar preso em seus pulmões. Seus olhos se fecharam e suas mãos foram até a cabeça bagunçando alguns dos fios do seu cabelo.

Se o desespero fosse uma forma física, eu diria que ele era, sem duvidas, o rosto de Rosalie Fell.

Ashley estava bem? Ashley estava vivo?

Os olhos da senhora Fell outra vez se abriram e todo aquele azul que apenas os olhos de um autêntico Fell podiam emitir se voltaram para frente, um segundo suspiro foi solto. Novamente como o anterior, cansado e desesperado.

Droga, já faziam quase três horas que estávamos nesse maldito hospital e eu não sabia nada sobre Ashley, não me deixaram vê-lo, não me responderam quando perguntei por ele, e agora Rose Fell, a única capaz de me dizer algo, parece ter perdido sua língua em algum lugar.

O que diabos as pessoas pensam? Eu o trouxe ao hospital! Tudo bem, eu não era parte da família dele, mas tinha tanto direito de saber o que estava acontecendo com ele quanto a Sra. Fell!

Lhe dei exatos sete minutos de paz, onde todo o barulho que alcançava nossos ouvidos eram seus suspiros afetados e os passos rápidos dos enfermeiros. Até que minha curiosidade e a parte de minha mente que insistia ser meu direito ter alguma notícia falaram mais alto.

— Senhora Fell, o que está acontecendo? – Fiquei surpresa com meu tom de voz. Talvez uma criança de cinco anos com medo do escuro teria soado menos incerta do que eu naquele momento. No entanto, não me parecia que Rose estava mesmo preocupada com meu tom de voz infantil e assustado. Seus olhos se deslocaram para o chão por alguns segundos e sua mão ergueu-se até repousar sobre minha perna. Devagarinho, a mulher com alguns cabelos grisalhos virou seu rosto para mim.

Achei que ela me diria algo. Qualquer coisa, nem que fosse pelo menos um “não é da sua conta”, mas nem uma palavra saiu de sua boca. Nem mesmo outro suspiro ou uma exclamação. Na verdade, a única coisa gerada de seus lábios havia sido um sorriso triste, que fez meu estômago pesar vários quilos a mais.

Uma única lágrima escorreu por sua bochecha e antes que eu pudesse raciocinar, já me encontrava presa em um abraço carregado de emoções, não tão boas, canalizadas por Rose.

Cristo, todas as minhas certezas sobre Ashley estar vivo começaram a esvair.

Minha mãe era médica, e Oliver cursava a faculdade de medicina antes de trancar sua vaga no último semestre e tirar um tempo para uma “intervenção” pessoal junto com Danny, onde os dois deveriam questionar suas escolhas. Em outras palavras, um último tempo para a farra antes de serem cruelmente chutados para a vida de adultos responsáveis.

De qualquer forma, mamãe e Oliver eram os únicos que podiam me dizer o que estava acontecendo. Aliás, eles eram treinados para isso, para lidar com pacientes e acompanhantes em hospitais. Eles aprendiam a traduzir emoções e confortar as pessoas. Eu era apenas uma menina assustada e completamente alheia à situação.

No entanto, a cada novo soluço da senhora Fell, menos esperança eu tinha de ter meu colega de teto outra vez.

E de repente meu coração começou a apertar-se. Seria mesmo possível isso ter acontecido? Quer dizer, Ashley não havia me dito nada sobre ter problemas de saúde e ele parecia muito bem durante a manhã. Tudo simplesmente aconteceu muito de repente e...

— Tia Rose, você está assustando-a. – A voz rompeu fraca na sala de espera e eu sabia que não estava ouvindo coisas, porque de todos os meus adjetivos, até o atual momento, louca não se enquadrava comigo (bem, não no sentido literal da palavra) e eu estava bem certa de que não tinha mais ninguém conosco na sala. Muito menos alguém que nos conhecesse.

Era Ashley.

Ou o espírito dele.

Ok, talvez o sentido literal de louca fosse um pouquinho aplicável a mim.

Me afastei aos poucos da senhora Fell enquanto a via limpar o rosto e toda a maquiagem borrada. Desviei meu olhar para o corredor que dava acesso à sala e confirmei.

Ashley estava lá, sentado em uma cadeira de rodas com um envelope no colo e um médico logo atrás, que deve tê-lo guiado até aqui.

Seu rosto ainda era pálido – exceto pelos grandes bolsões roxos embaixo de seus olhos - e seus lábios rachados quase sem cor, no entanto suas expressões eram mais suaves e neutras do que quando estávamos no restaurante minutos antes de ele ficar inconsciente. Não sei o quanto tudo isso era bom ou ruim.

— Vo... você está bem? – Gaguejei ao perguntar, era claro que ele não estava bem. Bastava olhar em seu rosto e a cadeira de rodas em que ele estava sentado para saber que “bem” não era o estado em que Ashley se encontrava. No entanto, para Ashley nada parecia estar errado. Ou pelo menos era assim que ele desejava que fosse. Sua expressão neutra e razoavelmente bem humorada contradizia todo o cenário. Eu esperava seu mau humor matinal incurável e sua carranca de desgosto ao me ver, mas em vez disso, recebi um:

— Sim! Estou novinho em folha. – E, como que para confirmar o que tinha acabado de dizer, deu sorriso. Ele mentiu com um sorriso.
Ashley tirou os pés do apoio da cadeira de rodas para tentar se levantar quando seu corpo cambaleou para a direta tentando equilibrar-se de pé. O médico atrás dele, prevendo a tentativa falha, agiu rápido para lhe dar apoio outra vez antes que Evans terminasse jogado no chão uma segunda vez no mesmo dia.

— Droga de compridos. Vocês nunca tentaram usar um analgésico comum ou coisa assim? – Ele questionou o médico, mas suas expressões eram tão vazias e alheias que não tenho certeza se ele havia ou não falado aquilo de maneira séria.

Além disso, Ashey passava a impressão de estar esforçando-se ao máximo para que suas palavras saíssem da boca com todas as sílabas completas.

Cristo, nem quando o encontrei desolado em nossa cozinha Ashley parecia tão ruim.

Ou tão drogado.

— Desculpe senhor Evans, mas creio que antibióticos não ajudariam o caso do senhor. – O médico falou com calma. – E além disso, o senhor deveria repousar direto por dois dias aqui no hospital. Sua decisão de ir para casa parece-me precipitada... – Ele revirou os olhos, ou tentou, já que nem isso ele parecia conseguir fazer da maneira certa.

Com a ajuda do médico, ele voltou a sentar na cadeira, bufando e – tentando – revirar os olhos, como se toda aquela coisa fosse completamente desnecessária.
Bom, pelo menos isso ele fazia sem problema algum.

— Olhe só esse cara... – Seus olhos pararam fixos nos meus e sua queixa ficou pela metade. Ele tencionou seu maxilar e então balançou de leve a cabeça em negativa antes de deixar os olhos caírem para o envelope nas suas mãos.

Quando voltou a falar segundos depois, parecia usar toda sua força para manter seu subconsciente trabalhando longe da embriagues dos remédios, sejam lá quais fossem.

— Vamos para casa, ou vocês duas pretendem ficar para o jantar? – Ele perguntou ríspido de repente e isso só me fez ficar mais confusa. Ou talvez eu já esperasse por isso, mas como não fora a primeira reação que recebi dele assim que o vi, não esperava que seu mau humor viesse com retardo. O que quer que tenha acontecido nessas três horas ou seja lá quais remédios forçaram Ashley a ingerir, haviam lhe deixado com um tremendo mau humor.

A senhora Fell se levantou suspirando e caminhou em direção a cadeira de Ashley para empurrá-lo rumo a saído, ela não havia pronunciado sequer uma palavra e seu olhar para o sobrinho era algo que eu não podia descrever com uma única palavra. Parte parecia preocupação e no entanto, por trás de todo aquele azul, existia uma dureza tão grande que eu poderia arriscar que a simpática e extrovertida senhora Fell estava prestes a cometer um crime. E se seu sobrinho não fosse o alvo, seria provavelmente a motivação.

Antes que tia Rose pudesse encostar na cadeira de rodas, Ashley manifestou-se rápido movendo as pernas outra vez e como uma criança teimosa tentado levantar-se.

— Eu vou andando, obrigado. – Proclamou ainda buscando o equilíbrio para deixar a cadeira.

Era mágoa. O olhar duro e ao mesmo tempo carregado de sentimentos, como uma grande tempestade azul, era mágoa.
Por algum motivo incerto, as horas em que a senhora Fell esteve com o médico, provavelmente no quarto de Ashley conversando com ambos, a magoou profundamente. Tanto que me fazia querer gritar com ele, sem sequer saber o motivo.

A tia de Evans ajeitou a bolsa sobre o ombro e retirou-se nos deixando para trás.

O ser drogado ao meu lado bufou, como se aquilo pudesse mesmo lhe ajudar. Ou lhe redimir.

— Fique sentado. – Eu disse de forma autoritária. O médico o ajudava a se equilibrar de pé, mas era tão nítido pra mim quanto para o próprio Evans que ele estava fraco demais para sequer dar um passo. Ir andando até o estacionamento não seria possível a menos que esperássemos horas a fio até o efeito dos remédios cessarem. E ainda assim eu tinha minhas dúvidas se o corpo dele seria capaz de sustentar seu peso de pé.

— Estou bem. – Ashley respondeu seco e o enfermeiro que o ajudava suspirou. Cuidar de doentes já devia ser complicado, cuidar de Ashley era impossível. Foi a minha vez de revirar os olhos.

Tudo bem, eu não era boa em brigas, muito menos as que eu tinha com Ashley, porque eu sequer conseguia olhá-lo direito, mas agora era algo que estava muito além do meu orgulho ou dos olhos dourados do Evans.

— Ashley, coloque esta maldita bunda na cadeira ou nenhum de nós dois irá sair dessa droga hospital hoje. E eu não acho que você queira ficar para o jantar. – Repeti com deboche o que ele havia dito para mim e sua tia minutos antes. Creio que talvez ele tenha tentado me mandar um olhar de incredulidade ou algo assim por estar lhe tratando como uma criança, mas acabou dando-se por vencido e acomodando-se na cadeira outra vez, contrariado.

O médico me olhou surpreso, talvez por ter usado aquele tom com um homem já formado, mas eu agi de forma indiferente. Não tinha tempo para dar satisfações uma vez que Ashley não permaneceria sentado por muito tempo.

Ashley foi guiado pelo médico até o estacionamento enquanto eu indicava o caminho até o carro. Ele negou qualquer ajuda que nos dispusemos a oferecer quando precisou deixar da cadeira para entrar no carro, mas pelo menos ficou quieto durante todo o percurso até a saída do hospital. De início achei que poderia ser os remédios brincando com seu humor instável, mas logo conclui que era apenas o ego de Ashey sendo esmigalhado em vários pedacinhos depois de um dia como estes.

Fechei a porta de Ashley e me virei para o médico no qual ainda não havia parado para ler as referências no crachá, ele me lançou um sorriso encorajador, como se estivesse imaginando como seria ter que viajar com um cara tendo picos humorísticos constantes e tudo o que eu pude fazer foi sorrir de volta.

— Dona Rose contou-me que você é a colega de Ashley que divide o mesmo chalé na pousada Fell, estou certo? – Balancei a cabeça positivamente olhando para ele de forma curiosa, de todas as formas aquele homem não parecia o tipo de médico que acabara de conhecer seu paciente, afinal, dona Rose parecia-me íntimo demais para duas pessoas que conversaram por apenas algumas horas. – Certo, então acho precisarei da sua ajuda... – Ele levou a mão até o bolso de seu jaleco branco e de lá tirou um cartão pequeno marcado por letras pretas que entregou a mim. Doutor Koester era o que vinha escrito logo antes de dois números de telefone, um deles feito pela mesma digitalizadora que imprimiu o cartão, o outro feito a mão por uma esferográfica azul. O homem voltou a falar, porém dessa vez com uma entonação mais séria, como se o que estivesse prestes a falar fosse vital

— São os números onde você pode me encontrar. – Explicou – Se você notar que há algo errado com Ashley, não importa o que for, ou o quanto ele negue, não hesite em me ligar, tudo bem? – Balancei a cabeça de modo afirmativo – O primeiro número é o do meu escritório no hospital, o segundo é o do meu telefone celular.... – Tenho a impressão de que ele diria mais alguma coisa, no entanto o ruido de vidro se abrindo desviou nossa atenção e logo os olhos de Ashley se focaram em mim.

— Podemos ir agora? – Ele perguntou não tão rude quanto antes, mas nem de longe estava no seu humor habitual. Ou pelo menos aquele no qual me acostumei a vê-lo. Pensando bem, eu via Ashley com muitos humores para saber qual era exatamente o seu humor. Balancei a cabeça positivamente com um suspiro e acenei para o doutor que retribuiu com um sorriso.

Contornei o carro até a porta do motorista, mas fui impedida de entrar devido a minha curiosidade. A senhora Fell não queria me contar o que houve ou estava havendo, eu tinha a impressão que tirar a informação de Ashley seria ainda mais difícil, então talvez o doutor Koestes fosse minha única chave para descobrir a resposta.

— Doutor... – O chamei antes que ele se afastasse o suficiente para deixar de me escutar. Seus olhos se voltaram para mim e ele voltou a se aproximar dois ou três passos. – Bem... já que precisa da minha ajuda, pode pelo menos me dizer o que ele tem? – Me encolhi entre os ombros tentando parecer inocente tentando transparecer falsamente que se ele não me falasse, Ash me contaria mais tarde.

O que era bem óbvio que não aconteceria.

O médico de cabelos acinzentados sorriu de forma ligeira para mim e piscou seus olhos de forma reconfortante. Eu não sabia dizer se aquilo era de fato bom ou apenas um truque de médicos para confortar a pessoa antes de lhe entregar uma notícia ruim.

— O que Ashley tem? – Ele sorriu ao repetir. – Ashley tem uma belíssima parceira de casa. – E com isso ele me deu as costas sem mais justificativas.
Ashley dormiu quase no mesmo instante que o carro começou a andar. Nas suas mãos tinha o envelope amarelo com os exames do hospital e sua expressão era quase serena enquanto dormia. Não sabia dizer se Evans estava mesmo se sentindo bem, ou se os remédios que lhe deram era o que estava lhe dando a falsa sensação de conforto.

Enquanto dirigia, continuava a remoer a dúvida sobre o que Ashley poderia ter.

Era uma grande injustiça, isso sim. O doutor havia pedido pela minha ajuda, mas como quer que eu ajude-o sem saber a gravidade da situação? O próprio Ashley me pedira para ficar e eu, talvez burramente aceitei o desafio de ajudar um caso perdido como aquele e sem nem mesmo ter o motivo de seu problema! Como, eu me perguntava, as pessoas esperavam que eu o ajudaria sem ter recebido nenhum tipo de “manual de instruções” ou alguma precaução?! Era engraçado e ao mesmo tempo irônico, há uma semana atrás eu estava subindo paredes por ter que dividir minha casa com um cara desconhecido, e agora, por mais estúpido que pareça, desconfio que não deixaria Ashley sozinho nem mesmo que Gabriel, possesso pelo seu ciúme, batesse em nossa porta.

Não que eu esteja desmerecendo meu namorado, ou dando preferência a Ashley. Deus, eu nem sequer estava os comparando. O que quero dizer é que em uma semana Ashley se mostrou uma pessoa que, mesmo com todos seus problemas referentes a narcóticos – e agora com sua saúde duvidável -, era bom o suficiente para pedir por ajuda. E então mesmo que eu não pudesse ajudá-lo com seu vício, faria o possível para colaborar com seu segundo problema.

Até mesmo porque, não veria fazer minhas malas, mudar de chalé e deixar Ashley com seus problemas como uma opção disponível. Eu precisava de seus momentos bons de humor para alimentar minha própria satisfação naquele lugar.

Estava tornando-se um hábito extremamente confortável ter a consciência de que atravessando um corredor eu podia encontrar alguém que, apesar de tudo, era capaz de me fazer dar algumas risadas e aproveitar o tempo que estava passando ali, fazendo com que aquela viagem não fosse completamente perdida.

Tudo isso somado ao fato de que era tarde demais para não estar curiosa sobre quem diabos era Ashley e todos os segredos que ele tão precisamente guardava consigo.

Estacionei o carro de Ashley e desliguei o som que tocava baixo o suficiente para não atrapalhar o sono de Evans. Olhei em sua direção e seus olhos continuavam calmos enquanto seu peito mexia-se lentamente conforme sua respiração.

Era quase um crime ter que acordá-lo.

Ashley teria que andar até nosso chalé, uma vez que carros não entravam no pátio interno da pousada. Também não tínhamos uma cadeira de rodas e eu podia supor que Ashley faria questão de recompor seu ego para tentar caminhar sozinho até lá.

Eu não permitira, mas era provável que se fosse eu tentando ajudá-lo a caminhar, cairíamos os dois.

Liguei para Oliver, pedindo que ele mandasse Daniel vir ao estacionamento me ajudar e em menos de cinco minutos, Danny com sua cabeleira loira despenteada e uma camiseta azul na cor dos olhos apareceu no estacionamento. Oliver o seguia, mesmo que eu tivesse sido bastante específica em falar que queria apenas a ajuda de Danny.

Enquanto se aproximavam eu soltei Ashley do seu sinto e o balancei de leve chamando seu nome. Seus olhos começaram a mexer devagarinho recobrando sua consciência e aos poucos acordando. Quando por fim todo o dourado de suas órbitas já eram visíveis ele olhou ao redor para situar-se.

— Já chegamos? – Ele perguntou rouco e eu confirmei com um aceno. Evans suspirou e levou a mão ao cabelo, Danny aproximou-se do carro.

A porta de Ashley foi aberta e meu colega encarou o primo do lado de fora como um completo estranho, levou alguns segundos para finalmente parecer reconhecê-lo e entender toda a situação.

— Eu chamei Danny para te ajudar a caminhar até o chalé. – Expliquei e ele deixou seus olhos se desviarem do primo para caírem sobre mim. Aquele não era um olhar de agradecimento ou reconhecimento. Estava muito mais para um olhar censurado de reprovação.

— Não preciso de ajuda. – Disse ríspido acenando para que Daniel saísse de sua frente e lhe deixasse sair do carro. Minha mais sincera vontade foi de arrastá-lo do carro e fazê-lo tentar andar sozinho, só para provar que eu estava certa em chamar ajuda, porém preferi me manter calada e deixar que ele mesmo fizesse o favor de mostrar que eu tenho razão.

Danny, provavelmente imaginando o quanto Ashley estava errado afastou-se apenas o suficiente para Evans dar o primeiro passo e descobrir que ainda era incapaz de andar.

Oliver fechou a porta de Ashley e eu saí do carro logo em seguida. Danny passou um dos braços do primo por seu pescoço e lhe oferecia apoio para caminhar. A cada meio passo de Ashley um dos dois murmurava um xingamento.

— Acredite Ashley, abraçar você é tão desconfortável para você quanto para mim. Então cale sua maldita boca e torne a situação menos insuportável. – Ashley murmurou algo em resposta que eu não pude ouvir. – É óbvio que eu não reclamaria se você fosse uma mulher, talvez a Paris Hilton...

Então pela primeira vez desde que saímos daquele hospital, pude ver Ashley sorrir, talvez teria gargalhado, se não estivesse dopado demais para isso. Era esse o efeito que Danny causava e era exatamente isto que eu esperava que ele fizesse.

Oliver parado ao meu lado também observava a cena rindo. Muito provavelmente não pelos mesmos motivos que eu, mas sim por ver seu melhor amigo abraçado com um cara, enquanto cria fantasias com a Paris Hilton.

Comecei a caminhar logo atrás de Danny enquanto meu irmão me acompanhava.

— Então, seja lá o que Ashley tem, o cara parece estar entregue a morfina. – Eu o olhei de canto, tudo bem, Oliver era um quase médico, mas não esperava que ele fosse o tipo que diagnostica seu paciente apenas com um simples olhar.

— Morfina? Por que? – Perguntei olhando para o chão enquanto atravessamos a recepção. A senhora Fell não havia voltado para a pousada. Se voltou, não mostrou as caras por aqui ainda.

— Erin, olha pra ele. – Ele apontou para as cotas de Ashley. – Respiração curta, olhar alheio, humor afetado e falta de coordenação. Eu não sei o que ele tem, mas seja qual for o problema estava provavelmente lhe causando uma dor insuportável ou um descontrole mental. Eles não aplicariam algo tão forte em alguém tão jovem, a menos que fossem esses os motivos.

Respiração curta, olhar alheio, humor afetado e falta de coordenação.

Morfina.

Essa era a mesma descrição do Ashley drogado, mas usar a palavra morfina no lugar de drogas torna as coisas politicamente corretas. E definitivamente menos assustadoras de se lidar.

Ashley usou a morfina para diminuir a dor e o descontrole mental. Certo.
E se ele usasse narcóticos pelo mesmo motivo? Quer dizer, a maior parte de drogas ilícitas é derivada de morfina.

Isso lhe tornaria menos ou mais errado?

— Oliver? – O chamei e meu irmão respondeu com um olhar para que eu continuasse. – Alguém com descontrole mental é alguém louco? Quer dizer, claro que isso não é um bom sinal, mas falta de sanidade mental não significa loucura, certo? – Ele riu.

— Você está me perguntando se seu colega de chalé é um grande perturbado com tendências fora do comum como usar as cuecas por cima das calças? – Seu tom de deboche era quase uma ofensa a quem realmente sofria do problema. – Não sei, Ashley me parece um cara controlado. – Explicou, dessa vez mais sério. Mal ele sabia o controle dele quando estava sozinho (ou achava que estava) – Descontrole mental pode ser tratado com remédios controlados. Mas ainda assim é apenas uma suposição Erin, Ashley não se encaixa nos padrões de um louco. Talvez alguém com problemas, mas enquanto suas cuecas se mantiveram no devido lugar, eu confio que ele seja alguém que não vai te matar durante a noite.


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