Problem Temptation escrita por Boow, Brus


Capítulo 10
Touché




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Não demorou para eu ser encontrada. Na verdade, os trinta minutos que se passaram me fizeram ter certeza de que era Ashley quem não queria me encontrar ali. Nos degraus da entrada do nosso chalé, vendo a chuva que finalmente havia cessado.

No entanto, ali estava ele agora, Ashley, sentado ao meu lado, encarando assim como eu as nossas grandes sombras na grama projetadas pela luz que saía da porta entreaberta de nosso chalé.

— O que te incomoda mais? – A voz de Ashley rompeu o quase silêncio entre nós dois. Minha respiração parecia ruidosa demais naquele momento para ser desconsiderada da categoria barulho, no entanto Ashley sequer parecia ter pulmões.

Ergui a cabeça tentando repetir a pergunta em minha mente vezes o suficiente para que ela tivesse sentido. O que me incomodava mais? Tive quase certeza de que Ashley não se referia a assuntos em geral, como quando eu e Megan brigávamos ou a localidade de Palm Spring no meio de um deserto. Ele queria saber sobre si próprio. O que nele me incomodava mais?

Automaticamente uma lista surgiu em minha mente repleta de itens desagradáveis ou desconfortáveis em Ashley. No entanto deduzi que eu não poderia citá-los um por um. Ashley poderia não estar preparado psicologicamente para ouvir tanto desaforo de sua colega de casa.

Por isso preferi resumir a minha lista em somente um dos adjetivos ruins:

— Você é errado. – Falei devagar para que minha voz não saísse tão vacilante quanto meus pensamentos. Eu não devia estar aqui, sabia que era furada quando Megan me convenceu a vir. No entanto, aqui estava eu... e Ashley Evans também. Aqui estávamos nós dois tentando decidir qual dos problemas dele podia ser o mais grave. Ao menos era isso que eu achava estar tentando fazer.

Quem sabe o problema maior não fosse ele, talvez fosse eu.

— Errado? Um sinônimo bonitinho para drogado? – Ele perguntou sarcástico sem me encarar. Na verdade sim, errado era o sinônimo bonitinho para drogado, para destruidor de louças e para paranoico também. Errado sem dúvidas encaixava-se em toda a descrição de Ashley. Mas como dizer isso a ele? Quer dizer, se Megan dissesse isso para mim, eu ficaria muito irritada, mas sem dúvidas se Ashley – um estranho quase completo - me falasse isso, iríamos ter sérios problemas. Mas de qualquer forma, o problema parecia já estar lá e Ashley parecia disposto a ouvir o que eu tinha a falar, não importa o quão duro fosse para ele escutar. No entanto, isso não era para mim tão encorajador quanto parecia. Nada em Ash parecia encorajador. Ele era tão seguro de si, que até mesmo quando estava errado me fazia questionar o quão errado ele podia estar.

— Você acorda cedo e fica na cozinha sem fazer nada, encarando um ponto fixo como se isso fosse absolutamente normal. Abre a geladeira quando está sem camisa e anda descalço no piso frio do chalé. Você caminha por aí como se sempre tivesse certeza do que está fazendo e por trás de tudo o que você diz parece existir outras cem coisas que você não fala. Você brinca com cavalos, assiste televisão sem som algum. Errado não é adjetivo Ashley, é um resumo. – Tentei dizer tudo de forma calma como se simplesmente estivesse respondendo a sua pergunta e não jogando todos os seus defeitos em sua cara, mas a verdade era que ficar calma ao lado de Ashley nem sempre era fácil. Em diversos sentidos.

Ele não comentou nada, nem sequer me encarou quando eu olhei para ele. Seus lábios estavam emoldurados e fixos em uma linha reta que fazia seu maxilar mostrar os traços ossudos e bem desenhados. Ashley era bonito demais e não media esforços para isso, o que também era errado, mas ele não precisava saber.

Touché.— Foi sua única palavra emitida por um suspiro depois de tantos argumentos da minha parte. Não sei quantos segundos se passaram exatamente depois disso, mas acordei do súbito transe quando Ashley se levantou do degrau que ocupava ao meu lado e fez menção em voltar para o chalé. Estava nítido em seus olhos caídos e seus ombros arcados que ele estava decepcionado. Talvez estivesse assim porque no fundo ele não esperasse tanta sinceridade, quem sabe agora ele pegaria novamente minha mala e a jogaria para fora me expulsando do seu chalé. Ou talvez Ash só estivesse chateado por no fim não ter conseguido nada, ou não saber como conseguir. O que para mim soava quase absurdo, já que eu não tinha nada para oferecer a Ashley. Eu não sabia como ajudá-lo e realmente queria que ele soubesse disso.

Sem ter consciência, segurei seu pulso e o fiz parar, fazendo com que seus olhos pela primeira vez durante toda a conversa se focassem nos meus.

— Eu não sei como te ajudar, Ash. Desculpa. – Disse baixo soando tão sincera quanto podia. Eu sabia que Ashley estava disposto a ser ajudado e ele havia deixado isso bastante claro pouco antes dentro do chalé. Mas mesmo que eu me dispusesse a ser sua ajuda, não saberia como fazer isso.

Ouvi a risada nasal de Ashley e sua covinha logo apareceu quando ele se abaixou sorrindo. Seu peso estava sob os calcanhares e Ashley me olhava fixamente com seus olhos dourados e seu rosto com apenas uma das metades iluminada pela luz que vinha do chalé. Ele se aproximou do meu ouvido e sua respiração fez cócegas no meu pescoço.

— Não se preocupe, você está indo bem. – Então, dando fim ao sussurro baixo livre de rouquidão, Ashley se levantou e partiu para dentro do chalé, me deixando com uma absurda sensação de falta e ao mesmo tempo alívio.

**

O sol parecia queimar até mesmo a parte interna do meu corpo, meu sangue muito provavelmente evaporava pelo ar e por mais que me doesse assumir algo tão nojento, eu estava fedendo a suor e roupas velhas. Ashley andava com o cortador de grama de um lado para o outro e eu era sua permanente sombra recolhendo com a pá a grama que se desprendia da terra.

Em nenhum momento tocamos no assunto da noite de ontem. Ashley parecia nem sequer se lembrar do ocorrido e eu, por mais que estivesse zonza de tantas perguntas, não tinha coragem o suficiente para me arriscar a perguntá-las.

Meus tímpanos agradeceram o súbito silêncio que reinou após Ashley desligar o cortador. Olhei para ele a tempo de vê-lo limpar o suor da testa com o torso da mão, e alongar-se esticando os braços por cima da cabeça.

— Uma pausa? – Ele perguntou sem nem ao menos se virar em minha direção. As coisas podiam ter terminado bem ontem, mas isso não queria dizer exatamente que aquele clima estranho não pairava mais por entre nós dois. – Acho que vou desmaiar se não conseguir um prato de comida em pelo menos vinte minutos. – Reclamou. – Vamos levar as coisas pro celeiro, tomar um banho, e depois continuamos, certo? – Claro que eu concordei, afinal, a simples palavra comida fazia meu estômago vibrar de fome.

Levamos as coisas para o celeiro e eu fui tomar banho logo depois do Evans. Ele ficou sentado assistindo televisão e lendo as legendas como se aquilo fosse realmente a melhor distração enquanto me esperava. Listrado, que continuava a dividir nosso chalé para o bem da sua saúde tanto quanto a de Oliver, também assistia televisão com Ashley.

Mas o gato parecia definitivamente entediado, pelo menos o de quatro patas.

Observei a cena por alguns segundos antes de chamar por Ashley. Sua cabeça se virou em minha direção e um meio sorriso abriu-se. Ashley estava inacreditavelmente pálido. Meu coração se apertou e quando dei por mim estava frente a frente com meu parceiro de teto, que me encarava de um modo aéreo e despreocupado.

— Ashley você está bem? – Perguntei rápido vendo ele se levantar reprimindo a respiração. Seus olhos se fecharam por uma sequência de segundos antes de finalmente se abrirem e restabelecerem um foco.

— Você se importa de dirigir? – Ele perguntou tirando do bolso traseiro da calça jeans a chave do carro que costumávamos usar para sair. A chave balançou por uns instantes em minha frente antes de eu finalmente pegá-la.

Eu estava pronta para argumentar e dizer que talvez fosse melhor se Ashley permanecesse na pousada enquanto eu ia até o restaurante e buscava comida para nós, mas antes mesmo que todas essas palavras estivessem organizadas em minha mente prontas para serem ditas, Ashley já havia me dado as costas e rumava para a saída.

Ele permaneceu quieto durante todo o percurso. Vez ou outra, seus dedos apertavam-se tanto no banco que eu era capaz de ver as suas articulações se esbranquiçarem. Me arrisquei a perguntar uma única vez o que estava acontecendo e em resposta ganhei um 'nada' acompanhado de sua mão grande trocando a estação do rádio.

Estacionei na frente do restaurante que fomos durante toda a semana que havia se passado e encarei Ashley. Ele estava de olhos fechados e seu rosto ainda estava pálido, duvidava que tudo isso podia ser fome, mas Ashley já havia deixado bastante claro que não queria conversar sobre o assunto. Seus olhos incrivelmente dourados se abriram e encararam o para-brisas fixamente.

— Se você não desligar o som, não vamos conseguir ligar o carro na hora de voltar. – Ele disse não de forma rude, mas sim distraída. Apertei o botão e automaticamente o silêncio tomou conta. Ashley suspirou.

Ficamos assim por pouco tempo, mas acredite, para mim parecia uma eternidade. Ashley respirava de forma pesada e eu tinha a impressão de que se eu virasse as costas algo muito errado poderia acontecer com aquele cara.

Vamos lá Erin, não é sua obrigação bancar a babá de Evans.

— Erin, não sei se você sabe, mas esse não é o tipo de restaurante com drive-true ou aquelas lanchonetes de rua onde os clientes são atendidos no carro. Se não entrarmos, nunca vamos saber o sabor da comida. – Ele riu, e eu suspirei destravando meu sinto e encarando Ashley uma última vez, ele havia voltado a fechar os olhos, mas abriu um deles para me encarar de volta.

— Olha só Ashley, tudo bem se você não quer falar o que está havendo, mas pare de bancar o durão. – Desabafei rápido e os cantos da boca de Ashley se ergueram em um sorriso enquanto ele fechava o olho que recém havia aberto. – Você não está bem, e eu posso ver isso.

— Eu não me lembro de ter dito a você que estava bem. – Foi tudo o que ele me disse. E apesar de ser pouco, foi o suficiente para me calar. Seus olhos voltaram a se abrir e ainda tão pálido quanto antes, Ashley desprendeu seu cinto e pulou para fora do carro. Eu o segui.

O cheiro da comida fez meu estômago vibrar de felicidade e não demorou para que dois pratos com comida o suficiente para um batalhão, repousassem na mesma mesa que eu e Evans ocupávamos sempre.

Assim como qualquer momento daquele dia, comemos em silêncio, mas a diferença é que meus olhos eram incapazes de se desviarem de Ashley. Ele não parecia pior ou melhor, talvez com menos fome, mas as cores em seu rosto haviam sido subitamente apagadas.

Ele bebeu o refrigerante e logo depois de limpar a boca com um guardanapo, seu olhar cruzou com o meu. Eu tentei desviar a tempo, para que Ashley não imaginasse o tempo que eu estava lhe encarando, mas acredito que o vermelho em minhas bochechas denunciou que o que eu estava fazendo não era apenas uma rápida olhada.

— Você não precisa fingir que não está me olhando desde que sentamos aqui, Erin. – Ele falou rindo e voltando a atenção para sua comida. Aquele comentário apenas me fez corar mais. – Claro que se você prefere assim, vá em frente, esqueça meu comentário incoerente e continue a me olhar como se eu fosse uma criança. Vou fingir que ainda não notei. – Irônico. Era exatamente esta a descrição para o sorriso de Ashley, mas o pior de tudo não era a sua ironia e sim o seu deboche insuportável.

Eu estava preocupada e ele sabia disso. Não havia porquê tirar sarro da situação.

— Vá pro inferno Ashley. – Falei e o sorriso dele se alargou ainda mais. Seu punho levantou na altura da mesa e de leve empurrou o prato. Para um cara que estava com fome, Ashley mal havia tocado em sua comida.

— Vou ter que relatar ao seu irmão esse seu comportamento abusivo. Além de me espionar, você me agride com suas palavras. Isto é intolerável. O que eu fiz afinal? Sou só o cara legal que trás você em um restaurante e deixa você dormir sob o mesmo teto. – Sua expressão era dramática, mas o maldito sorriso debochado permanecia lá sustentando aquela terrível e agradável covinha.

Eu tinha que assumir, Ashley poderia não estar nada bem, poderia estar tão pálido quanto um fantasma, mas, ainda assim, sabia disfarçar com mastreia.

— Desculpe, não sabia que você se ofendia tão fácil senhor bom moço. – Brinque e em resposta as sobrancelhas de Ashley se ergueram como se de repente estivesse encarando aquilo como uma afronta. – Mas vamos esclarecer que teoricamente hoje fui eu quem trouxe você aqui... e por favor sou eu quem pago minhas refeições, então não é como se você estivesse fazendo um favor ou algo assim. – Ele riu. Riu, mas logo em seguida seu sorriso se perdeu e seus olhos se fecharam de maneira forte, enquanto suas mãos subiam até suas têmporas. – Ashley, o que está acontecendo? – Perguntei sem me preocupar o quanto minha voz soava ridiculamente desesperada.

— Eu só... – Sua respiração começou a ser cortada por gemidos que soavam doloridos. Se restava alguma cor em seu rosto com certeza desapareceu. E obviamente a do meu rosto também. Desapareceu tão bem quanto o ar de meus pulmões e o chão em meus pés.

Ashley estava lá em um minuto e no outro debatia-se inconsciente no chão.


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