Só Que Platônico escrita por Gaby Molina


Capítulo 2
Capítulo 2 - Santa Blue




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Blue

Não é que meus pais não estivessem orgulhosos por eu ter conseguido o papel principal da peça da escola. Eles só não estavam muito felizes por esse papel ser Julieta Capuleto.

— Uma rebelde sem causa, criança atiradinha e tola...

— Na verdade — interrompi minha mãe. — Ela tinha, sim, uma causa.

— E que bela causa — meu pai revirou os olhos, desviando-os do jornal. — E quem será o maldito Romeu? Não me diga que é aquele garoto Carstairs, porque isso seria simplesmente...

— Não. Jared Dawson — corrigi.

— Quem é esse?

— Um cara da aula de Inglês.

— Não acha que é um pouco nova para ficar beijando rapazes num palco?

Abri um leve sorriso entretido.

— Tenho quase dezoito anos, mãe. — levantei-me, já subindo as escadas quando acrescentei: — Talvez essa não seja a melhor ocasião para avisar que eu não sou mais virgem.

Meu pai teve uma crise de tosse com a própria saliva e minha mãe foi socorrer. Aproveitei a distração para correr escada acima, pulando dois ou três degraus de cada vez, e me trancar no meu quarto.

Ouvia os gritos no andar de baixo: "Blue Cornelia Monroe, volte já aqui!". Ignorei e coloquei os fones de ouvido no último com a primeira música que veio no aleatório (Lonely Boy).

Oh oh oh oh, I got a love that keeps me waiting... I'm a lonely boy, I'm a lonely boy — cantarolei, abrindo a janela e sentindo a brisa noturna em meu rosto.

* * *

— Blue... O que diabos você está vestindo? — foi o cumprimento matinal de Sloan ao me ver na escola no dia seguinte.

Fitei meu vestido branco de manga curta que ia até os joelhos e os tênis Converse.

— Ah — torci o nariz. — O vestido é da minha mãe, ela pirou e começou a achar todas as minhas roupas muito curtas. Eu não tenho nenhuma sapatilha, e as dela são dois números maiores, então acabei com o All Star mesmo.

— E... Por que ela pirou, exatamente?

Soltei uma risada alta.

— Deixa quieto.

— Ei! Monroe! — ouvi aquela voz grave conhecida se aproximando. Brandon Carstairs afastou o cabelo louro do rosto, sorrindo. Ele passou a mão pela minha cintura e riu. — Tá gata, hein?

Afastei meu cabelo do rosto.

— Eu sei — zombei, sorrindo também. — Gostou do meu novo estilo? Chamo de Tentando Fazer o Hímen Crescer de Volta.

— E está dando certo?

— Como quer que eu saiba?

— Falando nisso, soube que estou olhando para Julieta Capuleto — ele segurou minha mão e me girou, como em uma dança.

— De fato. Vai me ver num longo vestido rodado, com um corpete esmagando minhas tripas e meu cabelo preso num daqueles coques muito loucos cheios de grampos enquanto falo "Romeu? Onde está meu Romeu?".

— Preferiria ver você sem o vestido — Brandon sussurrou em meu ouvido.

Soltei um risinho e sussurrei também:

— Não vai acontecer.

— Vou esperar por você, Blue Monroe.

— Trate de pegar uma limonada e um iPod para tornar a longa espera mais agradável.

O sinal tocou e Brandon beijou minha bochecha antes de ir para a aula. Sloan ergueu uma sobrancelha para mim.

— O que, exatamente, acontece entre vocês dois?

— Hmmm... Não sei.

— Ele é louco por você.

Dei de ombros.

— Por mim e por mais trinta garotas.

* * *

— E por fim eu gostaria de parabenizar o sr. Dawson e a srta. Monroe, que conseguiram os papéis principais na peça da escola — a professora de Inglês, sra. Lerman, aplaudiu animadamente e o resto da classe fez o mesmo por educação. — O resto das audições acontece semana que vem, ainda há tempo para se inscrever! Dawson, Monroe, poderiam dar uma pequena prévia do espetáculo?

— Uma... prévia? — Jared repetiu, erguendo os olhos escuros do próprio caderno. Eu não havia notado sua presença na sala, ele nunca abria a boca. Tampouco parecia estar prestando atenção na lição. Simplesmente estava distraído em seu mundinho. — Eu não sei nenhuma fala de Romeu e Julieta, nós não...

— Talvez depois — concordei, sorrindo para a sra. Lerman. — Depois.

Ela concordou e continuou falando sobre Sydney Carton.

* * *

Aquela semana se passou rapidamente, e logo era segunda-feira novamente, o dia dos testes da peça. Foram bastante cansativos, pois Tina colocou todos para contracenar comigo ou Jared, dependendo do papel.

— Fiz o primeiro esboço, com algumas cenas... — disse ela no fim, entregando um roteiro para mim e um para Jared. — Podem tentar improvisar alguma coisa dessa cena aqui? — ela apontou. — Romeu invadiu a varanda de Julieta, que está tentando expulsá-lo de lá antes que seu pai veja.

Jared

— Eu... Eu não... — comecei, pensando em uma desculpa.

Blue riu e me arrastou até o palco.

— Não seja medroso, Jerry. Parecia

que ela ia levar a coisa de "Jerry" bem a sério, então achei melhor ignorar. Inspirei fundo e comecei a ler o roteiro.

— Fala, anjo, outra vez, pois tu brilhas! Na glória desta noite, sobre minha cabeça, como um celeste mensageiro alado... Sobre os olhos mortais que, deslumbrados, se voltam para o alto, para olhá-lo quando ele chega, cavalgando nas nuvens, e vaga sobre o seio desse espaço...

A resposta de Blue deixou bem claro quem conseguira o papel mais fácil:

— Saia daqui! — ela estreitou os olhos, abanando o rosto com uma das mãos como se minha simples presença lhe causasse estresse.

— Mas, Julieta...

— Como ousas invadir minha casa a uma hora dessas e encher minha mente com palavras vazias?! Como pode um coração que até algumas horas batia por outra bater por mim, fruto do ódio de todos que tu amas?

— Quão rápido menosprezas meu amor — abri um leve sorriso, aproximando-me dela. Senti seus olhos azuis cravados em mim. — Amo a ti, e somente a ti! Até hoje, meu coração jamais batera, mas agora ele bate! Por ti e somente por ti! Se aceitares uma prova de minhas boas intenções, casaremos antes que o sol nasça!

— Casamento?! Com o inimigo de minha família e, inclusive, um completo desconhecido?! Casarei com Paris, mas contigo não caso! Pelo menos assim ficarei bem aos olhos de meu velho pai, que, por acaso, teria um infarto se o visse aqui! Vá, Romeu, antes que faça algo de que se arrependa!

— Como o quê? Confessar meu amor? Porque disso não me arrependerei, Julieta.

Blue hesitou, e pude ver todos os sentimentos conflitantes da personagem nos olhos dela. Ela era muito boa.

— Vá. Apenas vá.

Blue

Jared assentiu e se abaixou para beijar as costas de minha mão levemente. Acho que a expressão surpresa em meu rosto serviu à personagem, mas ela não fazia parte da atuação. Ninguém nunca havia beijado minha mão, e surpreendi-me com a leveza do gesto, apesar de estar no roteiro.

Jared se levantou, com todos os seus 1,85m, o que fazia dele uns vinte centímetros mais alto do que eu. Era um pouco perturbador, fazia com que eu me sentisse muito pequena e vulnerável.

Ele passou um tempo apenas olhando para mim, mudando o peso do corpo de um pé para o outro. Era difícil entender o que se passava em seus olhos castanhos. Abri um leve sorriso e sussurrei:

— Não faz ideia de o que está fazendo, faz?

Ele corou um pouco e torceu o nariz.

— O que eu faço quando o roteiro acaba?

Eu ri e peguei a mão dele, entrelaçando-a na minha. Fiz com que se virasse para a plateia junto comigo e fizemos um gesto de agradecimento. Os aplausos vieram logo depois.

— É isso que se faz.

Depois do ensaio, eu estava lendo o resto do esboço do roteiro sentada no palco, com os pés balançando no ar porque ele era muito alto.

— Aaaah, isso é tão legal! — ouvi aquela vozinha fininha conhecida, e logo Kaya, minha irmãzinha, estava sentada ao meu lado. — Posso ler?

Kaya estava no primeiro ano do colegial — tendo quase quatorze anos —, e parecia achar que éramos melhores amigas.

— Você já está lendo.

— Você foi ótima no palco! Nasceu para esse papel!

Revirei os olhos.

— Você não deveria estar na aula, não?

Ela cravou os olhos escuros em mim.

— Mas...

— Vai, Kaya. Saia daqui.

Kaya suspirou e desceu do palco, caminhando até a porta do auditório. Percebi que Jared observava a cena de longe.

— Perdeu alguma coisa?! — resmunguei.

Ele fez que não com a cabeça e desviou o olhar, pegando a própria mochila rapidamente e saindo do auditório também.


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