Passado, Presente e Futuro escrita por Blue Butterfly


Capítulo 13
Presente de sombras


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ^^



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–Keb?!?

O anjo voou o mais rápido que pôde em direção à fera, um lado do cérebro repetindo mantras de cura enquanto o outro lado se auto-insultava pela idiotice que acabara de fazer. A fera gemeu no chão, se encolhendo em dor, momentos antes os dois estiveram brincando e, como todo irmão, sua brincadeira favorita era o combate. O fato que Kerberos podia lançar bolas de fogo e magia e Yue, flechas de gelo mágicas também tinha incentivado esse tipo de jogo entre eles.

Há alguns dias Yue descobriu que podia fazer uma flecha de gelo especial que se desdobrava em mais dez flechas depois que tinha sido lançada. Ele guardou o movimento em segredo, esperando o momento certo de usá-la contra o irmão, ele só não podia imaginar que Kerberos pela primeira vez na vida ficaria surpreso com algo que ele fizesse a ponto de não sair do caminho das flechas e se machucar.

O anjo se ajoelhou ao lado do irmão, tentando prever o dano que causara e se era preciso chamar Clow ou não.

–Keb, por favor, fale comigo – ele pediu entrando em desespero.

–Eu… Eu… Eu vou morrer Yue – Kerberos tossiu em meio a um rugido de dor.

–Keb! Clow! – Yue se pôs a gritar, abrindo as asas de novo para buscar o mágico.

Ele só percebeu que era estranho Clow não ter aparecido ainda – o mago sempre brotava do nada quando uma das criaturas estavam machucadas ou corriam algum risco – quando as risadas de Kerberos surgiram de um ponto onde a fera definitivamente não tinha caído. Yue congelou, a preocupação em seus olhos dando lugar a fúria enquanto ele lentamente virou para encarar a “fera”caída no chão. Kerberos tremeu, sua imagem ficando turva e se dissipando para dar lugar a uma bela menina de cabelos compridos. Ela deu um sorriso sapeca para o anjo, antes de se transformar em uma carta de baralho.

–KERBEROS! EU JURO QUE EU VOU TE MATAR DA FORMA MAIS DOLOROSA QUE POSSA EXISTIR!!! – o anjo berrou indo em direção a risada.

Kerberos saiu correndo, desviando com habilidade dos cristais de gelo e das flechas mágicas que seu irmão mais novo lançava, o corpo tremendo em meio as risadas.

–Ah, Yue, você é tão bobo às vezes. Achando que eu não sabia do seu novo golpe. Quando vai aprender que nunca pode esconder as coisas de mim?

–Vou matar você, Kerberos. Eu juro!

–E você sempre se achou tão bom em magia – a fera continuou provocando – Mas deixou que uma simples carta como o espelho te enganasse.

Yue se dignou a não responder, na hora em que viu o “irmão” caído, ele apenas se preocupou, não parou para pensar.

–Você é tão bobo e sentimental Yue.

O anjo congelou. Ser chamado de bobo era até aceitável, mas jamais de sentimental. Kerberos parou de correr quando os ataques terminaram, olhando para trás com curiosidade. Porém, quando viu a expressão assassina tomando o rosto do seu irmão junto com uma calma fria e penetrante, a fera estremeceu, percebendo que tinha ido longe de mais.

–Clow!!! – Kerberos berrou correndo alucinadamente – Clow!!! Yue quer me matar!!! Clow!!!

#####

–Você está chorando?

A surpresa de Touya não podia ser maior, Yukito baixou a cabeça, fungando novamente enquanto pegava mais um lenço de papel, deixando Touya ainda mais confuso, sem entender o que havia de errado para deixar o amigo naquele estado. Cinco minutos atrás eles estavam rindo do filme idiota que o professor dera para a classe assistir, todo animado que o cinema de Tomoeda estava repassando o filme histórico. Eles podiam muito bem estar em casa e economizando o dinheiro de Touya, mas a alegria de Yukito em comer a comida do cinema – que consistia em dois grandes sacos de pipoca, duas latas de refrigerante, quatro barras de chocolates e uma água só para ele e um saco pequeno de pipoca para Touya – fazia valer a pena o gasto.

–Yukito, o que foi? – Touya perguntou baixinho para não atrapalhar as outras pessoas.

–É tudo tão triste… – o menino lamentou pegando o quarto lenço.

–Yukito, desculpe estragar o final, mas a menina não morreu de verdade, no fim ela vai se encontrar com sua família – Touya contou tentando consolar o amigo.

–Eu sei o final – Yukito sussurrou um pouco mais calmo.

–Então porque você está chorando?!?! – dessa vez a voz do moreno elevou um pouco, um misto de irritação e confusão.

–Por que a família dela não sabe.

Touya balançou a cabeça, inconformado, não tinha como continuar aquela conversa ali, duas senhoras olhavam feio para ele e se ele insistisse, era bem capaz deles serem expulsos do cinema. Mas assim que eles ganharam a rua, ele voltou ao assunto.

–Eu ainda não entendo por que você estava chorando – ele começou.

–Você não se emocionou? – Yukito perguntou surpreso – To-ya, a menina morreu!

–Não de verdade, no fim ela volta e explica para a família…

–Sim, eu sei – Yukito interrompeu com delicadeza e paciência – Mas até então a família achou que ela estava morta. Que tinham perdido ela para sempre!

Touya entendeu o ponto, relembrando que o menino a sua frente, assim como ele, tinha convivido com a morte de um ente querido e era sensível a temas como este. Yukito podia entender a dor da família, porque ele sentia a mesma dor, sua sensibilidade unida a sua compaixão fazia dele um rapaz capaz de sofrer com a dor alheia, de se importar, se preocupar.

Ainda assim, ele não sabia o que dizer ao menino pálido ao seu lado, ele não era bom em revelar seus sentimentos e pior ainda quando se tratava de consolar as pessoas. Conseguia fazer isso com Yukito quando estavam só os dois, sem ninguém para testemunhar sua gagueira, seu rosto vermelho e sua escolha muitas vezes inadequada das palavras. Mas não tinha nada que o fizesse fazer aquilo ali, no meio da rua, com pessoas indo e vindo em todas as direções. Nesse caso, ele sempre optava por um caminho relativamente mais fácil: provocar até conseguir um sorriso do outro garoto.

–Yuki, você é tão sentimental quanto uma garotinha!

O menino menor parou de andar, pela primeira vez ignorando a senhora que esbarrou nele e reclamou em seguida “desses jovens de hoje em dia que não respeitam mais nada”. Touya percebeu algo faltando ao seu lado e olhou para trás, procurando os cabelos prateados em meio às pessoas, ele só não esperava encontrar junto com esses cabelos um olhar frio e um sorriso perigoso que fez o sangue do moreno congelar e seu coração perder uma batida.

–Yukito? – ele chamou incerto, dando um passo para trás inconscientemente.

–E você é tão sensível quanto uma lata de sardinha – Tsukishiro revidou.

E deu as costas para o garoto maior, fazendo o caminho contrário e se perdendo no meio das pessoas. Touya levou longos dez minutos para entender o que tinha acontecido, Yukito era uma pessoa tão amável, com um sorriso mais quente que o sol, que aquecia tudo ao redor, era absurdamente esquisito vê-lo frio, bravo com Touya. E o pior era saber que Touya tinha provocado aquilo ao brincar com sentimentos que ainda estavam muito vivos e dolorosos dentro do outro rapaz.

Praguejando internamente por ser tão idiota, Touya deu meia volta e foi atrás do outro para pedir desculpas.

Yukito deixou de andar e começou a correr, trombando vez ou outra com alguém, seu coração doía e ele mal conseguia respirar. “Ele foi muito idiota”. Yukito discordou de si mesmo, ele conhecia o moreno bem o suficiente para saber o que ele estava fazendo, sabia que às vezes seria provocado quando Touya ficasse sem jeito, e que depois, quando estivessem sozinhos, conversariam sobre o assunto e seu melhor amigo faria de tudo para deixá-lo feliz novamente. Ele não se importava em ser provocado, o que o chateou foi como ele foi provocado. Ele não era sentimental como uma garotinha! E mesmo que fosse, Touya não tinha o direito de dizer aquilo.

O menino parou de correr, precisava sentar e esfriar a cabeça antes de voltar para casa, olhando ao redor vislumbrou um parque abandonado e rumou para lá, não havia brinquedos e a grama estava alta demais para um pick-nick, ele sentou no único banco que ainda parecia aguentar algum peso e enterrou a cabeça nas mãos, deixando todos os sentimentos fluírem para fora dele. Dor, saudade, tristeza, desapontamento, perda…

O ar ao seu redor estava ficando frio e o vento passou a rodeá-lo, balançando seus cabelos prateados. Ele já não tinha certeza se fugir tinha sido uma boa ideia, Touya tinha cedido tanto por aquela amizade que parecia injusto ele ficar tão irritado com uma simples brincadeira. Alguns diziam que não era fácil lidar com o rapaz, só que na verdade era! O moreno era sincero e fechado, forte e corajoso, responsável e inteligente, rápido em ser provocado e rápido em perdoar, era fiel a sua família, seu time de futebol e seus amigos – está bem, ao seu único amigo, trabalhador, carinhoso de uma forma não muito ortodoxa, mas que tanto Sakura quanto Yukito podiam compreender. Sua forma de demonstrar carinho não era com abraços, beijos, elogios ou presentes, e sim em colocar Sakura para dormir, voltando meia hora depois para ver se ela estava bem, em fazer o café da manhã e preparar o lanche da irmã mais nova, em esperar pela menina atrasada todos os dias, mesmo que ela reclamasse que ele nunca fazia, em rever química quantas vezes fosse necessário até Yukito entender um pouco a matéria, em ir ao mercado quase toda semana para buscar latas de pêssego, em confiar alguns segredos sem esperar confissões em troca, e principalmente, tanto Yukito quanto Sakura viam o carinho de Touya na maneira como ele sempre estava presente, em como ele abandonava um trabalho ou parava de estudar para uma prova para estar lá por eles.

E depois de lembrar de tudo isso, sua raiva pareceu muito boba e sua reação mais boba ainda. Com um sorriso, ele confessou a si mesmo que talvez ele realmente fosse tão sentimental quanto uma garotinha. Ficou de pé, pronto para voltar para casa, quando uma rajada de vento o jogou de volta para o banco com brutalidade. Assustado, Yukito olhou para o céu e para as árvores, o vento cantava ao redor, uma sinfonia perigosa que o deixou em estado de alerta, não era normal um vento tão forte naquela época do ano, ainda mais quando o dia tinha sido tão tranquilo.

“Isso não é natural, é mágico”.

Ele não se importou em descobrir como sabia aquilo, sua única preocupação foi sair dali o mais rápido possível, entretanto, assim que tentou se erguer o vento o jogou para longe num golpe rápido e potente, derrubando o garoto na grama. Era muita loucura acreditar que o vento estava contra ele, só que era o que ele achava naquele momento, Yukito rolou na grama, escapando por pouco de um galho de árvore pesado que foi arremessado em sua direção após o vento parti-lo de uma árvore, sua situação estava se complicando e nenhuma ideia de como fugir dali tinha em sua mente.

–Por favor, se acalme!

A voz potente e autoritária de Touya invadiu o parque. O moreno estava de pé com algum esforço, olhando para o nada como se visse uma criança birrenta. Yukito olhou para seu melhor amigo e suspirou relaxando os músculos que só então ele viu estarem contraídos, se Touya estava lá, tudo acabaria bem.

–Por favor, acalme-se – Touya pediu de novo erguendo as mãos com cuidado – Eu posso te ajudar, apenas fique calma.

A sombra estremeceu, voltando sua ira para ele, tinha a bela forma de uma flor rodeada por feixes de ar, o moreno sentiu quando a sombra o avaliou, vendo se ele era digno ou não de sua atenção e obediência, sua ideia inicial era conseguir ajuda do ser caído, sua magia era tão adorável que a atraiu até ele, ela apenas precisaria destruir o recipiente em que a magia estava aprisionada antes de pedir ajuda, só que o ser de cabelos escuros tinha interferido.

A sombra viu a magia que o ser de cabelos escuros carregava, não era nada surpreendente, apenas o possibilitava vê-la e ajudá-la se ele quisesse. E como era mais fácil obter socorro através dele do que da magia presa dentro do recipiente, a sombra ficou mais calma e voltou ao chão, se aproximando do ser moreno.

–Do que você precisa? – Touya perguntou num tom sério e cheio de respeito.

A sombra ficou mais nítida para ele, uma de suas pétalas ganhou um brilho especial, ela estava torta, presa entre duas pétalas e diminuindo a beleza da sombra. O garoto maior se segurou para não revirar os olhos, às vezes as sombras podiam ser tão vaidosas, prontas para matar e destruir por causa de uma pétala torta.

Com cuidado, ele alcançou a pétala e a desprendeu das outras, devolvendo-a ao seu lugar original. Assim que seu viu linda novamente, o vento furioso deixou o lugar e a sombra voltou para dentro do parque, saltitando de felicidade e amando todas as coisas e criaturas do mundo. Touya balançou a cabeça, seria divertido se seu melhor amigo não tivesse quase morrido…

–Yuki!

O garoto pálido se ergueu do chão, olhando desconfiado ao redor enquanto tomava uma posição defensiva, esperando para ser derrubado, relaxando só depois que teve certeza que nenhum vento maluco o jogaria no chão. Touya se aproximou, preocupado, uma coisa era saber que Touya via o que os outros não viam, outra bem diferente era presenciar isso e ser vítima de uma das sombras.

–Yuki, você está bem?

Touya manteve distância, não queria assustar ainda mais o rapaz.

–Bem? – a voz dele estava alterada, alta demais – Eu fui arremessado por um vento que veio não sei de onde, quase tive a cabeça esmagada por um galho de árvore, vi você conversar com o nada e ficar mexendo os braços de forma estranha e ainda fui chamado de garotinha sentimental! Eu deveria estar surtando!

Touya concordou, a cabeça baixa. De todas as coisas que ele temia, o que estava acontecendo agora certamente era uma das piores, perder Yukito por que ele era estranho era demais para ele, por algum tempo ele se permitiu ter esperança que Yukito aceitaria sua estranheza, que aquilo não mudaria a amizade que estavam construindo, que…

–Mas ao invés de surtar, tudo o que eu sinto é gratidão. Obrigada por ter vindo atrás de mim To-ya!

E sem pensar, o menino menor se jogou nos braços do garoto maior, o abraçando com força enquanto deixava pequenos tremores passaram por seu corpo pequeno e magro. A reação de Touya desta vez foi mais rápida, ele abraçou o garoto de volta, a felicidade o atingindo com tanta força que ele ficou zonzo por alguns segundos. Yukito não se importava que ele era estranho.

–Você não é estranho To-ya – Yukito murmurou contra o peito do rapaz – E mesmo que você fosse, eu não me importaria, você ainda seria meu melhor amigo.

O moreno ficou em dúvida se ele tinha pensado em voz alta ou se Yukito já conseguia ler cada pensamento que ele tinha, e não deu a mínima para isso. Por que ali, o que importava é que os dois estavam bem, sua amizade estava bem. E como estavam sozinhos, Touya teve coragem para dizer:

–Eu sempre vou ir atrás de você, Yuki.

E o abraçou um pouco mais forte.

#####

–Quando você percebeu que podia ver essas… sombras?

Touya suspirou, jogando os cabelos negros para cima e se ajeitando melhor no sofá. Yukito estava sentado no chão, as costas apoiada no sofá onde Touya estava sentado, o caderno de história aberto num enorme questionário que ele estava decorando para a prova do dia seguinte.

–Eu não sei, desde que eu me lembro elas sempre estavam lá.

–Mais alguém da sua família pode vê-las?

–Não, só eu. Foi difícil para eles entenderem o que eu estava vendo quando mais ninguém podia ver, no começo eles acharam que eu precisava usar óculos – e o moreno riu com essa ideia absurda – Depois de um tempo, me levaram a um psicólogo.

–Ajudou? – Yukito tornou a perguntar quando o outro não deu maiores informações.

–Não, porque eu me recusava a falar com ele.

Yukito sorriu, essa era exatamente a reação que ele esperaria de Touya criança.

–Você só vê as sombras?

–Não… Também consigo ver minha mãe de vez em quando.

O lápis de Yukito caiu no tapete e ele encarou o garoto maior com espanto e alegria.

–Sério? Isso é ótimo!

Touya bufou, rindo de leve. Claro, Yukito ficava horrorizado com peixe cru, mas achava ótimo ele ver o fantasma da mãe. Por um breve segundo, ele se perguntou quem era o mais estranho entre os dois.

–A propósito, ela gosta de você – Touya acrescentou virando a página do enorme livro que eles usavam para estudar.

–Eu fico feliz por isso – e deu o seu melhor sorriso.

Definitivamente, Yukito era o mais estranho.

–Por que acha que elas aparecem para você? E quais grupos estavam envolvidos na revolução socialista russa?

–Bolcheviques, mencheviques e o pântano – o menino respondeu prontamente – Acho que eu tenho um tipo de… Magia ou algo parecido, algo que meu pai e Sakura não possuem. Bem, não como a minha pelo menos. O que levou Stalin ao poder?

Yukito respondeu com facilidade, ignorando de propósito o que ficou subentendido na frase de Touya, se o moreno quisesse falar mais detalhes sobre sua família e a magia, ele falaria ao seu tempo, não havia porque pressioná-lo.

Fujitaka apareceu com Sakura algumas horas depois, trazendo o jantar daquela noite e sobremesa. Claro que ele trouxe tudo em dobro, certo que encontraria o menino pálido junto com seu filho, era quase impossível vê-los separados, ainda mais em véspera de prova.


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Notas finais do capítulo

E aí? Qual é o veredito? Bom, ruim, encantador?
Bjinhus



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