O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 80
Capítulo Oitenta




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Oitenta

Gabriel havia até chorado. Artemis encolheu-se um pouco na poltrona, incomodada e cheia de vergonha. Desviou o olhar para o chão, era a sua segunda vez naquela sala. A casa de David continuava aconchegante e bela, mas, tal como da primeira vez, não lhe trazia conforto algum.

Fechou os olhos para não pensar em Apolo de novo. A qualquer minuto tudo o que via era seu pai, Henry no hospital, o velório de Adam e seu desespero ao esperar por Will; todas aquelas sensações indo e voltando a uma velocidade e violência assustadoras. E, então, vez ou outra era Apolo que lhe aparecia e, mais do que todo o resto, era pensar nele que a quebrava mais.

– ... por favor – David terminou o que lhe dizia, manso, estendendo-lhe uma xícara de café.

Artemis não a aceitou. Mordeu o lábio, encolhendo as mãos. Apolo costumava reclamar do café da Academia. Abaixava a cabeça para rir, também, como se para esconder seu sorriso lindo. Olhava para ela como se Artemis fosse a garota mais digna de atenção do mundo inteiro, tocava violão de uma forma que lhe dava vontade de chorar.

– Você pode ficar no meu apartamento – Gabriel disse, meio tímido. Ele parecia não saber muito bem como falar com ela, por que soava tão assustado? – Até... até tudo se acalmar.

O inquérito, o escândalo, a prisão – isso é, se ela acontecesse. Artemis fungou, seu pai era bom demais naquilo, havia mentido para ela por todos aqueles anos, se feito passar por alguém tão perfeito... como seria preso, como não convenceria a todos de sua inocência?

– Vai dar tudo certo – David tornou a dizer.

Artemis se sentia inclinada a ele, de alguma forma. David usava um tom calmo e baixo, contido, todo gentil e delicado para com ela. Talvez visse o quão perto ela estava de começar a chorar todo o tempo, entendesse o horror de ter de reviver tudo aquilo várias e várias vezes – Artemis passara toda a noite tendo pesadelos, acordara sete, oito, nove vezes às lágrimas.

Talvez David visse seu lábio ferido.

– Você não é obrigada a ficar – ele lhe disse, falando de novo com aquela tranquilidade macia. – É claro que pode ir para Nova York. Mas vamos te ajudar aqui. Você não tem que passar por isso sozinha.

Mas Artemis só queria uma pessoa.

– Apolo... – murmurou, a voz meio rouca. Fazia tempo que havia parado de falar. – Acha que ele...?

Não terminou a pergunta, olhou para David sem muita coragem de ter esperança. (Havia tido, não havia? Talvez com ele fosse ser diferente... e no entanto, mesmo tendo se afastado a tempo – porque com aquele amo você já haviam ido longe demais – mesmo assim...)

– Vocês precisam conversar.

Era tudo o que lhe diziam, tudo o que não queria ouvir. Não queria que Apolo lhe dissesse nada além de palavras doces, por mais egoísta que fosse, por mais que soubesse que ele jamais voltaria a vê-la da mesma forma. Não queria ter de lhe contar nada, porque seria como uma confissão – eu sabia de tudo aquilo e te envolvi nisso ainda assim.

Lembrava-se de uma voz de mulher, você não está bem, não pode vê-lo agora... soava como as ordens de sua mãe, imperiosas e inflexíveis, saia daí ou ainda eu já te falei para não fazer isso, Artemis! Não pareciam ser a mesma coisa, mas a proibição prevalecia e não estava Elizabeth sempre certa; não era ela sua mãe, você tem que me obedecer, mocinha!

– Não posso vê-lo agora – murmurou, portanto.

Ficaram em silêncio por um bom tempo, Gabriel no sofá ao lado estendendo a mão para segurar a sua – Artemis a afastou um pouco, por reflexo, antes de se sentir boba e permitir-se um pouco de conforto.

Mas não o sentiu, quase como se ele nem estivesse ali.

Foi quando a campainha tocou. David desviou os olhos para a porta, curioso, Artemis encolheu os dedos em apreensão. O homem se pôs de pé com elegância, andando até o hall enquanto Gabriel lhe murmurava alguma coisa – Artemis não o ouvia, não quando só queria saber quem estaria ali àquela hora. Não poderia ser ele, até porque ela não--

– Artemis – David voltou para seu campo de visão, pela primeira vez parecendo um pouco indeciso. Artemis não queria aquilo, encolheu os pés, queria certeza e não ter dúvidas de... – Apolo está aqui. Quer vê-lo?

Encarou-o, despreparada. Se queria vê-lo? Mas não podia, podia? Não era isso que haviam lhe dito? E por que ele estaria ali? E se estivesse bravo? Não suportaria ser acusada, não aguentaria ter de vê-lo magoado e furioso...

Foi só quando Gabriel apertou seu pulso que notou, assustada, que havia pressionado as unhas na palma da própria mão com força o bastante para deixar marcas fundas. Ergueu os olhos para seu melhor amigo, ele lhe pareceu uma criança com aqueles olhos castanhos cheios de medo e pena.

– Venha – David falou de novo, em um comando suave que foi fácil de ser obedecido.

Artemis se pôs de pé, andando até o hall com as mãos juntas à frente do corpo. Por um instante quis voltar, acuada e medrosa, mas David apoiou a mão em seu ombro e a levou até a porta.

Ver Apolo foi como se derreter por completo. Artemis perdeu o ar por alguns segundos, viu seu cabelo loiro ficando dourado debaixo do sol, seus olhos castanhos, suas sardas e sua camiseta do Led Zeppelin como se cada detalhe fizesse parte de um universo próprio; encolheu bem os dedos e não soube o que dizer.

Queria-o tanto. Seus dedos comichavam para tocá-lo, acariciar seu rosto de leve, abraçá-lo e apoiar o rosto na curva do seu pescoço, sentir sua respiração e as batidas do seu coração, ter seus braços ao redor da sua cintura e, mais do que tudo, se sentir tão segura que nada poderia machucá-la de novo.

Mas seus olhos castanhos a observavam com atenção, quase que um pouco franzidos, e Artemis tinha de se lembrar de tomar cuidado com suas unhas para não se machucar de novo; tão autoconsciente que talvez corresse para dentro da casa se não notasse aquele pequeno sorriso.

Não era um sorriso. Não havia motivo algum para qualquer felicidade, mas o canto esquerdo dos lábios de Apolo estava se repuxando e para Artemis aquilo já era um alívio. Ela soltou o ar por entre os lábios entreabertos, sem saber se poderia se aproximar. Apolo decidiu por ela, estendendo-lhe a mão.

Artemis a olhou bem antes de aceitá-la, não estaria só cometendo o mesmo erro de novo? Como Apolo poderia...

Mas ele tomou sua mão na sua, morna e reconfortante, e, como se não bastasse, a levou aos lábios no que era tanto um pedido de desculpas como um gesto de perdão. E Artemis sentiu os olhos se encherem de água, aquele garoto simplesmente não existia... fechou a distância que os separava, Apolo só soltou sua mão para poder abraçá-la de volta.

Shed a tear ‘cause I’m missing you, Artemis se viu lembrando, só porque já havia mergulhado na incoerência ao tê-lo tão próximo de novo. Tinha os braços ao redor do seu pescoço e o rosto apoiado em seu ombro, sentia-o tão morno... talvez houvesse vindo até ali sob aquele sol forte, entreabriu os olhos marejados e viu o conversível vermelho. Era algo familiar e bem-vindo, fechou os olhos de novo e permitiu-se relaxar os músculos que vinha mantendo tão tesos, as lágrimas escorrendo, soluços fazendo tremer seu corpo cansado.

Apolo acariciava seu cabelo e murmurava alguma coisa, mas ela não ouvia o quê. Ouvindo as batidas calmas do seu coração, era quase como o de Artemis tentasse acompanhá-lo, porque de ritmo ele entendia. Apolo a segurou daquele jeito por um tempo que pareceu uma eternidade, até Artemis estar calma o bastante para deixá-lo se afastar, mesmo que só um pouquinho.

O primeiro gesto dele foi passar para trás de sua orelha uma mecha de cabelo ruivo que caía na lateral do seu rosto, a olhando daquele jeito que ela amava tanto – um olhar que dizia eu te amo em todos os tons de castanho do mundo, você é linda e quero ficar com você para sempre.

Incapaz de falar alguma coisa de verdade, Artemis só dizia sim a tudo aquilo, aceitando aquele amor incondicional que não merecia só porque precisava terrivelmente dele. Apolo estava à sua frente – perto, tão perto – a perdoando por tudo e sendo o cavalheiro perfeito que sempre fora, e ela mal notou quando David tornou a entrar.

– Vem – Apolo lhe disse, e Artemis apertou um pouco de sua camiseta entre os dedos só porque era maravilhoso ouvir sua voz de novo. – Vim te levar para casa.

Para casa. Ele não lhe cobrava explicações ou sequer parecia ferido, cuidando de Artemis com aquela mesma paciência com que a beijara pela primeira vez. Ela assentiu, sem se preocupar em enxugar as lágrimas que haviam descido por seu rosto.

– Amo você – lhe confessou, e sua voz saiu baixa e tímida, mas Apolo sorriu como uma criança. Artemis desviou o olhar, embaraçada, tocando o curativo na testa do garoto com a ponta dos dedos só para se distrair, ainda ouvindo o que havia acabado de dizer, amo você. – Você está bem?

– Estou – ele disse, mas bem que poderia ser uma mentira. Artemis sabia que só ela lhe importava agora. – Eu... – Apolo hesitou então, não tendo pensado no que dizer. – Eu precisava muito te ver.

Artemis desviou os olhos de seu machucado para seus olhos castanhos. Não era uma frase romântica, não fora calculada para parar seu coração. A sinceridade lhe dizia, por outro lado, que não passava de um amo você sem essas duas palavras, e isso lhe valia o mundo.

As lágrimas teriam voltado não houvesse Artemis aberto um sorriso primeiro, ela assentiu e não conseguiu dizer mais nada. O mundo já girava devagar. Inclinou-se para beijá-lo, lembrando-se de sua voz macia cantando apenas para ela... said, sugar, make it slow and we’ll come together fine... as borboletas em seu estômago vieram e seus olhos se fecharam fácil, Apolo tirando seus pés do chão ao encostar os lábios nos seus – continuo apaixonado por você...

{...}


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Notas finais do capítulo

E este é o último. Volto com um epílogo daqui a alguns dias, mas me parece certo terminar a história por aqui; tudo o mais seria prolongação desnecessária, fanfic sobre fanfic. O epílogo vai responder a algumas perguntas e desenhar um fim a todos esses personagens lindos, o que é mais do que suficiente. Me aguardem, logo volto (e pela última vez...)