O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 66
Capítulo Sessenta e Seis


Notas iniciais do capítulo

Essa postagem rápida é só para vocês não me odiarem quando eu ficar um tempinho sem postar: o próximo capítulo é o reencontro do Apolo e da Artemis, e eu quero que esteja perfeito. Esse aqui é Daviel até os ossos, e eu realmente espero que vocês gostem. Obrigada por serem os melhores leitores do mundo!



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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Sessenta e Seis

Eu sinto muito. Quando havia dito aquilo pela última vez? O olhar surpreso e incerto do garoto fez com que David se sentisse tão mal que chegou a pensar que talvez ele devesse lhe pedir desculpas; pelo arrependimento, pelo mau-humor e pelas noites mal dormidas. Mas nada daquilo era realmente culpa de Gabriel, era? Quando deu por si, o garoto estava quase sorrindo. Não com os lábios, não realmente, mas seus olhos pareciam os mais felizes do mundo.

Era de uma inocência rara aquilo e, raramente pego desprevenido, David não soube o que dizer. Antes que pudesse voltar ao seu café, contudo, o sorriso já havia descido aos lábios de Gabriel e desenhado suas covinhas, e era como se o rio já não fosse a melhor vista dali.

– Obrigado – ele agradeceu, como se fosse necessário. – Aceito suas desculpas. Quer me pagar um cupcake depois, só para ficarmos totalmente quites?

E para um psiquiatra foi tão estupidamente óbvio que o garoto agarraria qualquer desculpa para perdoá-lo e voltar a se sentir bem perto dele que David se sentiu ainda mais culpado, perguntando-se o que havia feito para merecer tanto desejo. Talvez por isso tenha demorado meio segundo para responder, ou talvez porque estivesse ensaiando aquele sorriso que fazia Gabriel corar. (Com David, era impossível que se tivesse certeza.)

– Ouvi elogios a respeito dos seus. Não quer ir cozinhar na minha casa depois?

Havia algo de satisfatório em reduzir aquela coisinha atirada e pervertida em um rostinho vermelho e um cabelo de anjo.

– A sua casa? – o bailarino confirmou, como se estivesse se recusando a acreditar. – Fazer cupcakes na sua casa?

David gesticulou de forma vaga.

– O hospital não conseguiu contatar seus pais, e eu sou um homem misericordioso. Estou responsabilizado pela sua recuperação. Pode voltar para a Academia ou para o seu apartamento, não faz realmente diferença. Mas vou cuidar do que você come, do que você bebe e vigiar o que você faz... – pausou, achando graça naqueles olhos castanhos arregalados. – Até que receba a minha alta.

Gabriel ainda parecia estar em choque, e levou um tempo até que voltasse ao normal. Logo, porém, o canto dos seus lábios já quase subia de novo, e era como se Papai Noel houvesse não só chegado mais cedo, mas dito que o Natal se estenderia ininterruptamente por anos e anos.

– Era essa sua proposta?

– Devo ter escolhido mal a palavra – David ponderou, bebendo então mais do seu café. – Você não tem realmente um poder de decisão.

Os olhos do garoto já estavam brilhando.

– Posso dormir na sua cama?

David estava prestes a ignorá-lo quando, sem motivo aparente, lembrou-se de que havia sido perdoado. Pelas grosserias enviesadas, por cada revirar de olhos, pelas palavras duras e ásperas. Perdoado por tudo aquilo, e ainda ganhado a oferta de um cupcake e um sorriso genuíno.

Viu-se percebendo que só uma pessoa como aquela poderia lidar de perto com Artemis, e acabou estudando o garoto com cuidado.

– Você é mesmo quantos anos mais novo do que eu?

– Dezessete – Gabriel lhe respondeu, prontamente. – Se você tiver mesmo trinta e seis, mas Apolo pareceu ter certeza quando me disse isso.

O que o deixava com dezenove anos. Dezenove anos, um gosto por culinária e dança, visitas inesperadas a igrejas e tiradas sexuais vexatórias. Cabelo e olhos castanhos, covinhas, pequeno para a sua idade, mas – se a propaganda fosse verdadeira – flexível e bem construído após anos de treino.

– Em uma escala de zero a dez – começou, um pouco cético quanto a se o garoto via ou não a dificuldade da questão – Em que zero é o casamento de duas pessoas brancas e heterossexuais que namoraram por todo o ensino médio, o quão imoral seria isso?

Gabriel gesticulou, dramático.

– Eu dou dez para a gente.

Aquilo era um exagero, mas o menino parecia ser feito deles. David tomou nota de cada detalhe corporal que ele deixava escapar: sorriso no canto dos lábios escondido a custo, as mãos se mexendo, um pouco inclinado para frente; ansiedade, expectativa.

– Você não me aguentaria por uma semana inteira – acabou dizendo, sério, mas quase que com pesar. – Não vou incentivar uma paixão adolescente despropositada.

Mas é claro que ao invés de respeitar a decisão de uma pessoa mais madura e mais experiente, Gabriel se comportou como uma criança de cinco anos e apontou um dedo para David da forma mais petulante do mundo, assumindo uma postura teatralmente ofendida.

– Você me subestima.

David o encarou de volta; era isso o que ganhava por tentar ser um adulto responsável?

– Não erga esse dedo para mim. – E Gabriel o abaixou, só um pouquinho constrangido. – O que você acha que vou fazer, te dar banho, cozinhar para você, te pôr na minha cama? Me propus a monitorar a sua recuperação, nada além disso. Evitar que você faça esforço físico e vigiar qualquer sintoma inesperado.

De uma forma inexplicável e doentia, os olhos de Gabriel tornaram a brilhar.

– Porque você gosta de mim.

E o absurdo era tão grande que David encarou o garoto com aberta incredulidade. Gabriel chegara a lhe oferecer escravidão sexual um dia, lhe mandara fotos aleatórias em diferentes graus de nudez e deixara bem claro ser um parceiro de cama fabuloso. Como David poderia gostar de uma coisa espalhafatosa daquelas?

(E ele não havia dito gostar como querer levar para cama. David poderia concordar com isso, não que o garoto fosse descobrir algum dia. Havia dito gostar no sentido estrito do verbo, como se por algum motivo inexplicável David desejasse passar horas do seu dia com ele.)

– Tudo bem – Gabriel disse, interrompendo sua reflexão. – Não precisa se declarar agora.

O garoto estava brincando, mas David se viu cautelosamente grato por aquilo. Era assim que ele lidava com Artemis, também? Parecia ser uma boa tática. Terminou seu café um pouco mais tranquilo, decidindo pensar naqueles verbos mal colocados depois.

{...}

Estavam na entrada da Academia, David um degrau abaixo do de Gabriel. Já começava a anoitecer, e o garoto pedira para ser deixado ali, os cupcakes ficando para outro dia. Um memorial havia sido feito no hall de entrada, mas os dois evitavam olhá-lo. David tinha a impressão de que Gabriel costumava dividir o quarto com Andrew, mas não tinha certeza.

– Posso te ajudar em alguma coisa amanhã?

O garoto hesitou um pouco antes de se decidir.

– Não vou querer ficar aqui. Se tenho que esperar seis meses até voltar a dançar, quero fazer outras coisas. – Engoliu em seco então, balançando os braços em nervosismo. – Vou arrumar as caixas amanhã, e à noite você poderia me ajudar a levá-las para o meu apartamento. É um pouco longe daqui.

– Prefere mesmo ficar lá?

Gabriel deu uma risadinha.

– Se a sua casa não é uma opção...

David sorriu, deixando o garoto vermelho de novo.

– Não, não é. Não ainda – acrescentou, mas não teve tempo de se arrepender do descuido. Gabriel já sorria com os olhos de novo, as covinhas tênues, as luzes amareladas do estacionamento o deixando mais real do que o duende ninfomaníaco fanático por doces que David presumia conhecer.

Quando Gabriel o olhou nos olhos – olhou de verdade, sem sorriso, sem malícia, sem nada –, David percebeu que compreendia, enfim, uma expressão inglesa que até então nunca lhe chamara a atenção: doe’s eyes. Olhos de corça. Equivalia a inocência e ingenuidade, e aquilo era muito mais Gabriel do que qualquer outra coisa. Teve então a sensação de ter desvendado o garoto por completo, e deu com isso um passo para trás.

– Boa noite.

Gabriel assentiu.

– Boa noite. – Pareceu incerto, mas então sorriu um pouquinho. – Vou sonhar com você.

Aquilo afetou David mais do que qualquer indireta inapropriada. Com um sorriso, ele inclinou a cabeça em deferência e voltou para o carro, tendo a sensação de que o garoto o observava. Foi embora da Academia se sentindo leve e confuso ao mesmo tempo, perguntando-se – talvez secretamente – se teria sido tão ruim assim deixá-lo dormir no seu sofá.

{...}


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Eu estou me deliciando ao escrever o David de verdade, todo lindo e todo esperto. Comentários são muitissimamente bem-vindos!